Timbre
Ministério da Justiça - MJ
Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

SEPN 515 Conjunto D, Lote 4 Ed. Carlos Taurisano, 3º andar - Bairro Asa Norte, Brasília/DF, CEP 70770-504
Telefone: (61) 3221-8453 e Fax: (61) 3326-9733 - www.cade.gov.br
  

Processo Administrativo nº 08012.011508/2007-91

Representante:

Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos

Representados:

Eli Lilly do Brasil Ltda. e Eli Lilly and Company 

Advogados:    

Mauro Grinberg; Leonor Cordovil; Carolina Saito da Costa; Fabio Alessandro Malatesta dos Santos; Patrícia Avigni; Ludmila Somensi.

Relatora:        

Conselheira Ana Frazão

 

EMENTA: Processo administrativo instaurado para apurar suposta conduta de sham litigation. Alteração de escopo de patente, omissão de informações, obtenção indevida de monopólio (EMR), forum shopping. Pareceres da SG, da ProCADE e do MPF pela condenação. Existência de abuso de direito de petição e de efeitos lesivos à concorrência. Voto pela condenação. 

Palavras-chave: Propriedade intelectual; patentes; EMR; sham litigation

 

 

 

VOTO

 

[Versão de acesso público]

 

 

 

 

I. REPRESENTAÇÃO E DA INSTAURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

  1. Trata-se de processo administrativo instaurado pela Secretaria de Direito Econômico, em 02.12.2011, em face da Eli Lilly do Brasil Ltda. e da Eli Lilly and Company (ambas doravante denominadas “Eli Lilly”), a fim de apurar suposta prática de sham litigation pelas representadas.

  2. A instauração do presente processo administrativo ocorreu a partir de representação promovida pela Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos – Pró Genéricos (doravante Pró-Genéricos), encaminhada à SDE em setembro de 2007.

  3. De acordo com a representação, a Eli Lilly estaria impondo barreiras artificiais à concorrência por meio do ajuizamento de múltiplas ações judiciais em face de instituições públicas diversas (INPI e ANVISA), em comarcas diferentes (Rio de Janeiro e Distrito Federal), visando à obtenção de indevida de exclusividade na comercialização do medicamento cloridrato de gencitabina, utilizado para o tratamento de câncer, em prejuízo de seus potenciais concorrentes.

  4. Para implementar a estratégia anticompetitiva, a Eli Lilly teria promovido a alteração do escopo do pedido de patente, omitido dados relevantes em determinadas demandas e praticado forum shopping.

  5. O pedido inicial de registro de patente da representada tratava do processo para “preparar um nucleosídio enriquecido com beta-anômero” e foi denegado pelo INPI, com base na inaplicabilidade do Acordo TRIPs.

  6. Em posterior pedido de reanálise, a representada apresentou emenda ao quadro reivindicatório,  acrescentando nova reivindicação (reivindicação 14), que tratava, ainda, sobre o processo em questão.

  7. Após o primeiro pedido de aditamento, foram adicionados dois novos itens ao quadro reivindicatório (reivindicações 15 e 16), que versavam não mais sobre patente de processo, mas de produto, de maneira que o escopo do pedido teria sido alterado substancialmente.  

  8. Assim, a representada teria praticado sham litigation ao ajuizar ação em face da ANVISA para a obtenção de registro de exclusividade de comercialização do cloridatro de gencitabina, princípio ativo do medicamento GEMZAR, mesmo sabendo que o pedido de patente versava sobre processo, sem informar ao juízo do Distrito Federal que o aditamento do requerimento havia sido negado em ação judicial promovida no Rio de Janeiro.

  9. Além disso, ao propor a ação para a obtenção do EMR, se queixando da demora na concessão de seu pedido patentário, a representada teria omitido o fato de que o feito administrativo perante o INPI estava sobrestado em razão da ação proposta no Rio de Janeiro. Dessa maneira, a representada teria obtido a proteção monopolística de seu produto artificialmente, utilizando-se por igual da prática de forum shopping, ou seja, a escolha estratégica de jurisdição que emitiria decisão mais favorável para que fossem alcançados os objetivos da empresa.

  10. Para uma melhor compreensão do caso aqui analisado, serão descritas pormenorizadamente as ações movidas pela representada, de modo a estabelecer uma linha do tempo que demonstre a cronologia dos fatos.

 

a.Pedido de registro de patente

  1. O depósito do pedido de patente PI 9302434-7, referente a “processo para preparar um nucleosídio enriquecido com beta-anômero”, ocorreu em 21.06.93, perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial. O pedido dizia respeito ao patenteamento do processo de preparação do cloridrato de gencitabina, princípio ativo do medicamento GEMZAR, de fabricação da representada e não ao medicamento.

  2. Como lembra a doutrina, as patentes de invenção podem ser classificadas por seu objeto, que pode assumir a forma de  produto, processo, nova aplicação, aparelho, dentre outros. Patentes de produto procuram proteger determinados objetos físicos decorrentes de atividade inventiva. Por outro lado, patentes de processo garantem ao seu titular a exclusividade de uso dos meios para a consecução de determinado resultado, não necessariamente concedendo a exclusividade sobre produto obtido, desde que ele possa ser gerado por outro processo[1]. Tal compreensão está explicitada no art. 42 da Lei nº 9.279/96:

  Art. 42. A patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos:

        I - produto objeto de patente;

        II - processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado.

§1º Ao titular da patente é assegurado ainda o direito de impedir que terceiros contribuam para que outros pratiquem os atos referidos neste artigo.

§ 2º Ocorrerá violação de direito da patente de processo, a que se refere o inciso II, quando o possuidor ou proprietário não comprovar, mediante determinação judicial específica, que o seu produto foi obtido por processo de fabricação diverso daquele protegido pela patente.

  1. Em 06.02.96, a Eli Lilly pediu ao INPI o exame da patente que havia depositado três anos antes.

  2. Em seguida, a autarquia emitiu parecer técnico indeferindo o pedido, sob o fundamento de que o Acordo TRIPs que estabelece normas acerca dos direitos de propriedade intelectual, não seria aplicável ao pedido da representada.

  3. Em 03.03.99, a Eli Lilly requereu manifestação do INPI sobre o primeiro parecer. Em resposta, datada de 27.07.99, a autarquia explanou sua opinião sobre o indeferimento do pedido, alegando que a representada não teria feito uso da prerrogativa de reivindicar a proteção de sua patente no prazo e na forma especificados na LPI.

  4. O fundamento da decisão do INPI foi que o Acordo TRIPs, embora estivesse vigente no Brasil na data de análise do pedido, com suas disposições incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro, não vinculava o Brasil, de forma irrestrita e automática, em relação a todas as suas disposições. Por outro lado, com a edição da Lei de Propriedade Industrial (LPI) em 14.05.96, ficou explicitamente estabelecida a faculdade de reivindicar, dentro do prazo de um ano, e por meio de instrumento específico – as patentes pipeline –, a proteção a determinados produtos e processos não patenteáveis sob as regras do anterior Código de Propriedade Intelectual, tais como substâncias, matérias ou produtos químico-famarcêuticos e medicamentos de qualquer espécie bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação por quem detivesse proteção garantida em tratado ou convenção internacional no Brasil.

  5. Assim, observa-se que uma das primeiras discussões de fundo do presente caso diz respeito à legislação aplicável aos pedidos de patente no setor farmacêutico.

  6. De acordo com o TRIPs, antes de 01.01.96, um ano após a entrada em vigor do Acordo, nenhum Membro estaria obrigado às sua disposições.  O Acordo ainda determinava que os países em desenvolvimento teriam o direito de postergar a data de aplicação por um prazo adicional de quatro anos, de maneira que o Brasil só estaria obrigado à aplicação das regras a partir de 01.01.2000.

  7. O INPI concluiu que, uma vez que a requerente não fez uso da prerrogativa que lhe era legalmente conferida - de reivindicar a proteção patentária  nos termos previstos na Lei 9.279/96 -, em data oportuna e por meio de instrumento específico, o pedido deveria ser indeferido.

  8. Com efeito, a Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) estabeleceu que pedidos em andamento relativos a produtos químico-farmacêuticos bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação apenas seriam patenteáveis na modalidade pipeline, como se observa pelos arts. 229 a 231:

Art. 229. Aos pedidos em andamento serão aplicadas as disposições desta Lei, exceto quanto à patenteabilidade das substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, que só serão privilegiáveis nas condições estabelecidas nos arts. 230 e 231.

Art. 230. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, por quem tenha proteção garantida em tratado ou convenção em vigor no Brasil, ficando assegurada a data do primeiro depósito no exterior, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente.

Art. 231. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às matérias de que trata o artigo anterior, por nacional ou pessoa domiciliada no País, ficando assegurada a data de divulgação do invento, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido.

  1. Assim, o INPI compreendeu que a proteção de processos e produtos do setor de medicamentos para pedidos em andamento estaria limitada à proteção especial por meio das patentes “pipeline”.

  2. A discussão envolvia, portanto, dois aspectos: a vigência do TRIPs no Brasil e o procedimento específico de patente relativo a produtos e processos químico-famarcêuticos, previsto na LPI.

  3. Como o INPI considerou aplicáveis ao caso as regras específicas da LPI, indeferiu o pedido de registro de patente, motivo pelo qual a Eli Lilly apresentou, em 27.09.99, recurso administrativo, alegando que as disposições do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e do Acordo TRIPs teriam entrado em vigor nas suas respectivas datas de publicação. Segundo a representada, o Brasil não teria se valido do direito de postergar a aplicação do TRIPs,  de modo que as disposições do acordo seriam plenamente aplicáveis em território brasileiro.

  4. Alegou, igualmente, que acordos internacionais prevalecem sobre a legislação doméstica, de sorte que o Acordo TRIPs prevaleceria sobre as disposições conflitantes do Código de Propriedade Intelectual, inclusive sobre o artigo 229 da LPI, no qual se baseava o parecer do INPI.

  5. Segundo a representada, o TRIPs determinaria a patenteabilidade de qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, desde que se tratasse de invenção nova, envolvesse um passo inventivo e fosse passível de aplicação industrial. Desse modo, com a vigência do TRIPs, as invenções ressalvadas no anterior CPI passaram a ser patenteáveis no Brasil, de maneira que os pedidos pendentes em 01.01.95 (como é o caso do pedido de registro em questão) deveriam ser beneficiados por essas disposições.

  6. Em 09.05.2000, o INPI emitiu novo parecer, no qual ressaltou que os argumentos apresentados no recurso eram idênticos àqueles suscitados anteriormente pela Eli Lilly, de forma que o assunto já havia se exaurido nas fases processuais anteriores, motivo pelo qual o indeferimento do pedido foi mantido.

 

b.  Ação nº 2001.51.01531698-3 e Ação Rescisória nº 2007.02.01.009600-2

  1. Insatisfeita com a negativa do registro por parte do INPI, a Eli Lilly ajuizou, perante a Justiça Federal do Rio de Janeiro (JFRJ), ação com pedido de tutela antecipada para a anulação da decisão administrativa que indeferiu seu pedido de registro de patente, sob o fundamento da total patenteabilidade do processo apresentado, com base no acordo TRIPs, ratificado integralmente pelo Brasil e incorporado à ordem jurídica interna pelo Decreto nº 1.355/94.

  2. Os fundamentos deduzidos para a  aplicação do TRIPs foram os mesmos utilizados no recurso administrativo contra a decisão do INPI, quais sejam: (i) não há possibilidade no TRIPs de exclusão relativa a produtos farmacêuticos e processos para a sua produção, em oposição ao art. 229 da LPI, de sorte que a reivindicação em questão teria se tornado plenamente patenteável no Brasil, desde a entrada em vigor do Acordo; e (ii) o TRIPs estaria plenamente vigente e sua aplicação já seria obrigatória à época do pedido de exame da patente.

  3. A demanda da representada foi julgada improcedente em primeira instância, em razão de não terem sido observadas as regras então vigentes acerca da concessão de patentes,  concluindo pela inaplicabilidade do Acordo TRIPs. Para o juízo em questão, o TRIPs conteria normas de aplicabilidade imediata e normas de eficácia limitada. Dentre as últimas, estariam inseridas as Disposições Transitórias do Acordo, que concedem a países como o Brasil um prazo maior para a aplicação obrigatória do tratado. Assim, a falta de manifestação de vontade expressa do Brasil no sentido de se beneficiar da regra de transição foi interpretada como uma anuência à postergação.

  4. Para o magistrado, o requerimento de exame feito em fevereiro de 1996 não encontrava guarida no ordenamento em vigor à época do depósito, de modo que somente com a edição da LPI passou a ser possível a concessão de patentes para produtos e processos químico-farmacêuticos. De forma semelhante ao INPI, sustentou que as patentes excepcionadas no art. 229 da LPI somente poderiam ser protegidas mediante o procedimento específico do “pipeline”.

  5. A Eli Lilly interpôs, em seguida, recurso de apelação ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que declarou, em 18.03.2004, a nulidade da decisão administrativa do INPI. O fundamento do voto do Desembargador Federal Rogério Vieira de Carvalho, relator do caso, foi o de que, embora à época do depósito do pedido estivesse em vigor a Lei 5.772/71, que vedava o registro daquele tipo de patente[2], o diploma vigente no momento do exame do pedido (fevereiro de 1996) era o TRIPs.

  6. Segundo o Desembargador,  aplicação do Acordo TRIPs no Brasil não teria sido postergada quando da aprovação do tratado - Decreto Legislativo nº 30 - nem no momento de sua promulgação – Decreto Presidencial nº 1.355/1994 -, de modo que o prazo para aplicação foi o da regra geral, de um ano (que torna as regras aplicáveis a partir de 01.01.95), e não o da exceção à regra, de quatro anos. A possibilidade de postergar a aplicação do acordo constituiria uma faculdade concedida aos países em desenvolvimento, de maneira que exigiria expressa manifestação do interessado.

  7. O acórdão do TRF da 2ª Região, portanto, deu provimento à apelação da Eli Lilly, para declarar a nulidade do ato administrativo que indeferiu o pedido de patente PI 9302434-7, com o consequente prosseguimento de seu exame. O voto foi apoiado nos seguintes fundamentos:

“Portanto, segundo a r. sentença, somente com a edição da Lei 9.279/96 passaram a ser privilegiáveis as invenções não patenteáveis na vigência da Lei 5.772/71, mediante o estabelecido nos arts. 229 e 230, que vieram a dar efetividade às normas do TRIPS.

Tal interpretação, data vênia, parece-nos equivocada na medida em que o prazo instituído para todos os países signatários aplicarem as disposições do presente Acordo é aquele fixado no item 1 do Art. 65 (prazo de um ano). É o prazo comum, a regra geral. Já que aquele prazo previsto no item 2 (quatro anos) é a exceção à regra geral; é uma faculdade dada aos países em desenvolvimento, que para ser exercida exige a expressa manifestação do país interessado na postergação do prazo.

Assim, como nem o Decreto Legislativo 34/94 nem o Decreto Presidencial 1.355/94 fazem qualquer referência ao exercício da referida faculdade, não há que se ter como postergado o prazo para aplicação do TRIPs no Brasil.

(...) Fixado isto, e considerando que a regra do efeito imediato e geral de uma norma justamente exprime a vontade de atuar “no momento mesmo em que se torna obrigatória”, estendendo-se “mesmo àquelas posições e àquelas relações jurídicas estabelecidas antes da sua promulgação”, era de rigor que o Instituto Apelado, por ocasião do exame e/ou reexame do pedido de privilégio de patente, houvesse observado os ditames legais previstos no Acordo TRIPs c/c com a Lei 9.279/96, conforme, aliás, os inúmeros precedentes jurisprudenciais colacionados pelas Apelantes no bojo dos autos.

Face ao exposto, e considerando que o Acordo TRIPs já vigorava em janeiro de 1995, e considerando, ainda, que a aplicação dos arts. 229 e 230 da LPI, no caso em exame, não atende aos princípios da razoabilidade e da eficiência, opinamos pelo provimento do recurso. (grifos do original, fls.756/762)”.

  1. O INPI interpôs recurso especial contra a decisão, mas o tribunal a quo negou seguimento ao recurso.  Em razão disso, a autarquia  interpôs agravo de instrumento, que não foi conhecido por deficiência das cópias de traslado. Desse modo, o feito transitou em julgado no dia 09.09.2005.

  2. Após o trânsito em julgado, o INPI ajuizou ação rescisória (Ação Rescisória nº 2007.02.01.009600-2) em 05.11.2007, apresentando em suas razões os motivos pelos quais o pedido de patente não poderia ser deferido.

  3. O INPI sustentou que a patente não poderia ser concedida à Eli Lilly, uma vez que, quando do depósito da patente em 21.06.1993, estava em vigor o CPI , que vedava a concessão de patentes tanto para medicamentos quanto para os respectivos processos de obtenção e não o TRIPs, que foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro somente em 01.01.1995, em razão da promulgação do Decreto 1.355/1994. Esclareceu, ainda, que a única possibilidade de concessão de patente seria por meio da proteção pipeline, mas a Eli Lilly não teria se valido dessa prerrogativa, até porque o produto já estava à venda no mercado em maio de 1996.

  4. Segundo a autarquia, ainda que o depósito tivesse ocorrido sob a vigência do TRIPs, não seria possível conceder a patente à representada em razão do disposto no art. 70 do acordo, que afasta a proteção patentária de matérias que tenham caído em domínio público, nos termos seguintes: “não haverá obrigação de restabelecer proteção da matéria que, na data de aplicação deste acordo para o Membro em questão, tenha caído no domínio público”. As únicas exceções a essa regra seriam os pedidos de patente referentes a produtos farmacêuticos, em razão do disposto no art. 70.8, “b”[3], de maneira que o pedido de processo depositado pela Eli Lilly não seria admissível mesmo na hipótese de vigência do TRIPs.

  5. A Relatora da ação rescisória, contudo, indeferiu a liminar requerida pelo INPI, pela qual buscava obstar a execução da decisão proferida em favor da Eli Lilly.

  6. Somente no dia 30.06.2011, a ação rescisória foi julgada procedente pelo TRF da 2ª Região, sob o fundamento de que o pedido de patente da Eli Lilly não encontrava amparo na Lei 5.772/91, vigente à época do depósito. O tribunal ressaltou, ainda, que a ré não tinha se valido da prerrogativa prevista na Lei 9.279/96, de modo que a decisão representaria uma violação literal à lei, conforme se depreende da ementa colacionada abaixo:

“AÇÃO RESCISÓRIA. CABIMENTO. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. INDEFERIMENTO DE PATENTE DEPOSITADA SOB A ÉGIDE DO ANTIGO CPI - LEI N° 5.772/71 - VEDAÇÃO DE PATENTFABILTDADE PREVISTA NO ARTIGO 9°, ALÍNEA “C” - POSSIBILIDADE DE PATENTEAMENTO PELA LPI APENAS SE ATENDIDOS OS ARTIGOS 229, 230 E 231 - VIA NÃO APROVEITADA PELO DEPOSITANTE - INAPLICAÇÃO DO TRIPs - INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO - JULGAMENTO PROCEDENTE.

I - A concessão da patente é ato jurídico perfeito. Com o advento da Lei 9.279/96 a alternativa para a patenteabilidade teria necessariamente que atender o disposto nos artigos 229, 230 e 231, via de que não se valeu a depositante.

II - A existência de norma expressa em nosso ordenamento Jurídico que regule a matéria elide qualquer possibilidade de se discutir a aplicabilidade ou não do acordo TRIPs.

III - Inexistência de direito adquirido da ré, visto que não obteria a patente ao tempo do depósito, em razão dos preceitos do CPI, não tendo se valido, ainda, da prerrogativa inaugurada pela LPI. colocando o produto para venda no mercado desde 1996.

IV - Ação rescisória julgada procedente.”

O Tribunal concluiu que a representada já sabia que o objeto de seu pedido de patente não era patenteável à luz da legislação vigente. O voto condutor proferido pelo desembargador Messod Azulay Neto esclarece os fundamentos que levaram à procedência da ação rescisória:

“Vê-se nos autos que, na data do depósito da patente (21/06/1993), a ré já sabia que a matéria objeto de seu registro não tinha condições de patenteamento face ao impedimento em vigor do Art. 9º, alínea c. Lei, 5.772/71.

Em assim sendo, não tendo a autora se valido da prerrogativa prevista a seu favor nos artigos 229, 230 e 231, da Lei 9.279/96, não há que falar em direito ao privilégio, por inobservância dos regimes concessivos de ambas as leis, pretérita e atual.

De sorte, comungo inteiramente com o entendimento do Dr. André Fontes, bem explanando no voto colacionado às fls. 16, tendo por desnecessária qualquer discussão sobre entrada em vigor da aplicabilidade do Acordo Trips, na medida em que existe norma expressa em nosso ordenamento jurídico regulando a questão, que foi, ao meu sentir, violada.

Com essas considerações, julgo procedente a ação rescisória, desconstituindo o acórdão rescindendo por violação dos dispositivos da Lei 9.279/96, restaurando, por fim, os efeitos da decisão do INPI que indeferiu o pedido de registro da patente nº PI 9.302.434-7. (TRF-2, AR 2007.02.01.009600-2/RJ. Rel.ª Min. Liliane Roriz).”

 

c. Nova análise pelo INPI e emenda do quadro reivindicatório

  1. Como já se esclareceu anteriormente, a representada ajuizou ação questionando a decisão do INPI que negou provimento ao seu recurso administrativo em 09.05.2000. Somente em março de 2004, teve a sua pretensão reconhecida pelo TRF da 2ª Região, que declarou a nulidade da decisão administrativa.

  2. Consequentemente, o processo junto ao INPI voltou a correr a partir do dia 21.12.2004, quando foi publicado na Revista da Propriedade Intelectual despacho com o seguinte teor: “Anulada a decisão de indeferimento publicada na RPI 1490 de 27/07/99 [supra, 16] tendo em vista a Decisão Judicial [supra, 33] publicada na RPI 1745 de 15/06/04”. Em razão disso, o INPI deu prosseguimento à análise de mérito do pedido de patente de processo depositado em 1993, composto por 13 reivindicações.[4]

  3. Em 17.02.2005, o INPI emitiu parecer técnico concluindo pelo indeferimento do pedido de registro em razão da falta do requisito de atividade inventiva. O fundamento foi distinto, portanto, daquele acolhido pelo parecer emitido em 1999, que se baseava na inaplicabilidade do Acordo TRIPs.

  4. Em seguida, a representada se manifestou sobre o parecer técnico do INPI. Além de juntar pareceres emitidos por professores da UFF e da UFRJ, que atestavam a existência de atividade inventiva, apresentou novo quadro reivindicatório, adicionando a reivindicação 14, que tratava ainda do processo de produção do medicamento.

  5. O INPI, no entanto, em 06.06.2005, manteve sua decisão, ainda sob o fundamento de ausência do requisito de atividade inventiva, agora versando sobre o novo quadro reivindicatório.

  6. Em 28.09.2005, a representada interpôs recurso administrativo contra o segundo parecer do INPI, que indeferiu o pedido por ausência de atividade inventiva.  Na mesma oportunidade, apresentou novo quadro reivindicatório, acrescentando as reivindicações 15 e 16, que tratavam do produto cloridrato de gencitabina e não do processo de obtenção.

  7. Assim, com o segundo aditamento, a patente que, inicialmente, tratava de um processo (“processo para preparar um nucleosídio enriquecido com beta-anômero”) passou a tratar de processo e de produto (“processo para preparar um nucleosídio enriquecido com beta-anômero e composto”). O pedido de aditamento modifica  o pedido original de patente, estendendo a proteção patentária também para o produto decorrente do processo que se pretende privilegiar.

  8. Paralelamente a esses atos no âmbito administrativo, a representada ajuizou nova ação perante a Justiça Federal do Rio de Janeiro, que será descrita a seguir

 

d. Ação nº 2005.51.01.506948-1

  1. Em 04.08.2005, ou seja, após o primeiro aditamento do quadro reivindicatório no âmbito administrativo e antes do julgamento do recurso administrativo com o referido acréscimo, a Eli Lilly ajuizou ação perante a 39ª Vara Federal do Rio de Janeiro.

  2. A representada pediu a antecipação de tutela, para que fosse anulada a decisão do INPI que indeferiu sua patente e fosse reconhecido que os requisitos do pedido de patente estavam preenchidos no segundo quadro reivindicatório apresentado à autarquia. No mérito, pediu a declaração de nulidade do ato do INPI - a segunda manifestação que indeferiu o pedido por falta de inventividade (supra, 43) - e o deferimento da patente.

  3. No dia 10.10.2005, poucos dias após a apresentação do terceiro quadro reivindicatório à autarquia, a representada requereu o aditamento de sua petição inicial para que fossem também adicionados ao objeto de apreciação judicial as novas reivindicações (15 e 16). A Eli Lilly argumentou que a emenda do quadro foi feita a fim de definir de forma mais precisa a invenção, não tendo sido incluída nenhuma matéria nova.

  4. Em 13.10.2005, a Eli Lilly requereu o sobrestamento do processo administrativo até ulterior decisão judicial. Assim, percebe-se claramente o propósito da representada de suspender a jurisdição administrativa em prol da decisão judicial que pleiteava naquela ocasião.

  5. O pedido da representada foi prontadamente atendido, já que, no dia seguinte, o juiz da 39ª Vara Federal do Rio de Janeiro decidiu pelo sobrestamento, determinando a intimação do INPI, que deu cumprimento à decisão.

  6. Em 15.12.2005, o juízo decidiu reforçar a determinação de sobrestamento com base no seguinte despacho: “Intime-se o Presidente do INPI, conforme requerido no último parágrafo de fls. 453, para publicar que a patente em questão encontra-se ‘sub judice’”. No entanto, o INPI já havia cumprido a decisão e o processo administrativo já se encontrava suspenso.

  7. No que diz respeito à ação judicial, o INPI somente se manifestou nos autos em 17.10.2006, quando alegou ser contrário ao aditamento, seja porque fora impedido de analisar as reivindicações 15 e 16, em razão do sobrestamento do feito, seja porque  as novas reivindicações modificavam o pedido original de patente.

  8. Nessa manifestação, foi acostado parecer emitido em 18.08.2006 pela Diretoria de Patentes (DIRPA/DIQUIM II) da autarquia, que atesta que as reivindicações 15 e 16 não correspondem à matéria inicialmente revelada, já que a patente de processo não poderia ser ampliada para patente de composto:

“Desta forma, a matéria inicialmente revelada e pertencente ao escopo da invenção restringe-se unicamente ao processo e à inclusão de reivindicações de composto (revs. 15 e 16), além de modificar o objeto da patente, estende a matéria além do conteúdo inicialmente revelado, o que é vedado pela LPI 9.279/96.”

  1. O INPI sustentou também que “as reivindicações 15 e 16, introduzidas posteriormente, não foram objeto de exame administrativo”, pois o parecer da DIRPA não teria caráter decisório, mas consultivo, uma vez que o feito administrativo estava sobrestado.

  2. O juízo negou o aditamento da inicial em 26.11.2006, sob o argumento formal de que não houve análise prévia do INPI, de modo que não existiria pretensão resistida, deixando claro que a ação apenas poderia ter por objeto a decisão administrativa que analisou as 14 primeiras reivindicações:

“Ocorre que o INPI não procedeu ao necessário exame técnico da referida ampliação do quadro reivindicatório, pois indeferiu o pedido da patente objeto da lide (o que ensejou esta ação) após analisar as 14 reivindicações inicialmente reveladas, e não aquelas 15 e 16, incluídas após o ajuizamento da presente. Embora a autora alegue que a manifestação da autarquia já tenha ocorrido a fls. 605/606, entendo que não se pode considerar como um efetivo parecer técnico – assim entendido aquele normalmente exarado pela autarquia quando do exame de pedidos de patente – a peça processual de fls. 605/606, composta de apenas 2 folhas, nas quais a DIQUIM passa superficialmente pela questão técnica, já que se limitou a responder á consulta feita pela divisão de Contencioso.

Assim, não tendo havido um efetivo ato administrativo de exame das reivindicações 15 e 16, não cabe a este juízo fazê-lo no bojo desta ação, eis que incabível a supressão do exame técnico cuja atribuição é exclusiva do INPI. Não se trata de exaurimento da via administrativa, como alega a autora, mas sim da impossibilidade do Judiciário se sobrepor à autarquia, o que ensejaria uma indevida violação à separação de Poderes.

Indefiro, portanto, o aditamento à inicial requerido a fls. 422/423. [...]

(39ª Vara Federal/RJ, Ação Ordinária n. 2005.5101506948-1).”

  1. Contra essa decisão, em 31.01.2007, a Eli Lilly interpôs o Agravo de Instrumento nº 2007.02.01.001107-0, pedindo que fosse realizada perícia técnica (supra, 59) sobre as reivindicações 15 e 16 e que fosse deferido o pedido de aditamento da inicial. Consta da petição da representada:

“Ante o exposto, requer o processamento do presente recurso via agravo de instrumento diante do risco de lesão grave e de difícil reparação, suspendendo-se liminarmente a r. decisão agravada de fls. 624-625 para determinar a realização da perícia técnica sobre as reivindicações 15 e 16 (conforme o aditamento à inicial de fls. 422/423), determinando-se ao INPI que apresente os quesitos que entender pertinentes. (Agravo de Instrumento nº 2007.02.01.001107-0, TRF da 2ª Região).”

  1. Em seguida, a Eli Lilly encaminhou à perita cópia integral de seu pedido de patente, incluindo as reivindicações 15 e 16.  

  2. Foi nesse momento do processo que a Pró-Genéricos ingressou nos autos como assistente do INPI, procurando alertar o juízo de que o quadro reivindicatório que a Eli Lilly levava à perícia extrapolava o objeto da ação:

“O aditamento pretendido às fis. 424/441 foi indeferido por V.Exa. em r. decisão de fls. 624/5, por ser posterior ao exame feito pelo INPI. O E. Tribunal Regional Federal da 2ª Região manteve tal r. decisão, como mostra o v. acórdão de fls. 780/782.

4. Contudo, o documento que a Autora encaminhou à perita às fls. 629/743, como sendo a cópia fiel do seu pedido de patente PI 9302434-7, está totalmente viciado, pois incorpora os aditamentos que foram expressamente rechaçados pela r. decisão de fls. 624/5 e pelo v. acórdão de fls. 780/2!! (grifo da Pró-Genéricos).”

  1. Diante do informado, a juíza determinou que a perita devolvesse os autos para analisar a acusação da Pró-Genéricos, nos seguintes termos: “Em vista das alegações, intime-se a ilustre Perita para que devolva os autos em Cartório, em 5 dias de modo que o juízo possa apreciar as questões aqui referidas e o pedido de assistência”.

  2. A Eli Lilly, em 26.07.2007, procurou refutar energicamente as alegações da Pró-Genéricos (supra, 61), que foram por ela taxadas de mentirosas, como se verifica pelo trecho principal de sua petição:

“III – NÃO SATISFEITA, A PRETENSA ASSISTENTE APRESENTA A PETIÇÃO DE FLS 796/798 COM INACEITÁVEIS MENTIRAS PARA TENTAR ENGANAR E INDUZIR ESTE MM. JUÍZO A SUSPENDER O ANDAMENTO DA PERÍCIA TÉCNICA

18. PRIMEIRA MENTIRA - A pretensa assistente alega que o aditamento indeferido por V.Exa. foi mantido em ACÓRDÃO do Egrégio TRF2. MENTIRA! O recurso ainda está pendente. Após o voto do eminente relator, Des. Fed. Messod Azulay, pelo improvimento do recurso, votou a Des. Fed. Liliane Roriz pelo provimento do recurso. O recurso está pendente com pedido de vista.

19. SEGUNDA MENTIRA - A pretensa assistente diz que a Eli Lilly encaminhou à I. Perita um pedido de patente "totalmente viciado". MENTIRA! O pedido de patente P19302434 de fls. 629/743 contém todas as suas 16 reivindicações e este MM. Juízo deferiu expressamente os quesitos formulados sobre as reivindicações 15 e 16 que se encontram sub judice em sede de agravo de instrumento! Não há vicio algum, mas sim uma mentira deslavada da pretensa assistente.

20. TERCEIRA MENTIRA - A pretensa assistente diz que a autora apresentou quesito à fl. 513 focado em alteração "já rechaçada" de quadro reivindicatório. MAIS UMA MENTIRA! Como já dito, o quadro reivindicatório não foi "rechaçado" e os quesitos suplementares sobre as reivindicações 15 e 16 foram expressamente deferidos por V.Exa.”

  1. Não houve, contudo, nenhuma decisão que permitisse a interpretação de que, diante do agravo, as reivindicações 15 e 16 deveriam ser mantidas para efeitos da perícia.

  2. Somente em 28.08.2007 foi proferida decisão definitiva do TRF da 2ª Região a respeito do Agravo de Instrumento nº 2007.02.01.001107-0, que manteve o indeferimento do aditamento sob os seguintes fundamentos:

“a) o indeferimento da patente se deu com base em 14 reivindicações somente;

b) as reivindicações 15 e 16 foram apresentadas após a interposição do recurso administrativo e do ajuizamento da ação de nulidade;

c) a paralisação da esfera administrativa tem por escopo impedir que o INPI se pronuncie definitivamente sobre o recurso.

d) O pedido de aditamento. Objeto do agravo, visa obter nulidade de ato aministrativo tendo como causa de pedir quadro reivindicatório que não foi objeto de julgamento pela autoridade adminsitrativa.

e) O recurso administrativo está pendente de julgamento no INPI.

(...)

Para que fique caracterizada uma lide é necessária a presença de uma pretensão resistida, o que não ocorreu, uma vez que a análise do pleito administrativo do agravante encontra-se paralisada em razão de seu próprio pedido no processo onde a decisão ora agravada fora proferida.

Diante do acima descrito, percebe-se que as reivindicações 15 e 16, apresentadas na esfera administrativa, somente não foram analisadas em virtude da paralisação do processo deferida a requerimento da Agravante.

Vê-se, portanto, que no referido parecer, a DIQUIM II tão-somente respondeu à consulta formulada pela divisão de contencioso do INFI, com o objetivo de orientação quanto ao processo judicial de nulidade de patente, não possuindo qualquer conteúdo decisório.

Assim, acompanhando o Eminente Relator, nego provimento do Agravo de Instrumento (fl. 188)”.

  1. Independentemente do fato de que a manobra para ampliar o escopo da perícia tenha sido diagnosticada e evitada a tempo, é forçoso reconhecer que é no mínimo problemática, do ponto de vista da lealdade processual, a afirmação da Eli Lilly de que “este MM. Juízo deferiu expressamente os quesitos formulados sobre as reivindicações 15 e 16” (supra, 61). Ora, trata-se de manifestação evidentemente falsa, pois a juíza negara o aditamento à inicial (supra, 58). Assim, a única conclusão possível era a de que os referidos itens não poderiam ser objeto da perícia por não integrarem a ação. Diante da negativa da juíza quanto ao aditamento, o objeto da perícia só poderia ser ampliado, caso tivesse havido ressalva expressa nesse sentido, o que não ocorreu.
  2. É igualmente problemática o que a Eli Lilly chamou de “terceira mentira”. Isso porque, ao alegar que as reivindicações 15 e 16 já haviam sido “rechaçadas”, a Pro-Genéricos referia-se ao aditamento pretendido pela representada e não ao mérito das reivindicações, que, segundo a juíza, caberia ao INPI analisar. Como visto anteriormente, a ampliação da petição inicial já havia sido expressamente negada quando do encaminhamento do pedido de patente à perícia.
  3. Dessa maneira, observa-se que, neste momento, quem estava faltando com a lealdade processual era a Eli Lilly e não a Pró-Genéricos , de forma que a acusação de “mentira”, além de não corresponder à atuação da segunda, aproximava-se, na verdade, da conduta da primeira.
  4. Não é sem razão que, em 10.08.2007, a juíza federal da 39ª Vara do Rio de Janeiro decidiu obstar a extensão do objeto da perícia:

“Intime-se a ilustre Perita [...] para que se abstenha, por ora, de emitir manifestações no laudo quanto às reivindicações 15 e 16, eis que não constavam do pedido inicialmente depositado junto ao INPI, tendo o Juízo indeferido o aditamento à inicial com relação às mesmas (...) (Ação nº 2005.5101.506948-1, fl. 1270)”.

  1. Consequentemente, a perita designada examinou apenas os requisitos relativos à patenteabilidade do processo, concluindo pela possibilidade da concessão da patente. Todavia, as reivindicações relativas a produto não foram analisadas, nos termos da decisão judicial supramencionada.

  2. A decisão que indeferiu o aditamento da inicial foi confirmada no julgamento do Agravo nº 2007.02.01.001107-0, decidido pelo TRF da 2ª Região em 28.08.2007 (supra, 65). Dessa maneira, foi estabelecido que a análise judicial deveria versar somente sobre o segundo quadro reivindicatório, não devendo abranger a discussão sobre a patente de produto que correspondia aos itens 15 e 16 do terceiro quadro reivindicatório, sob o fundamento de que o INPI ainda não apreciara a questão.

  3. Não obstante, em razão da procedência da ação rescisória ajuizada pelo INPI (supra, 39), o processo foi extinto por perda de objeto.

 

e. Ação nº 2006.34.00033456-2 e Agravo de Instrumento n.º 2007.01.00017916-0

  1. Em 01.11.2006,  a Eli Lilly ajuizou ação contra a ANVISA, desta vez perante a Justiça Federal do Distrito Federal, com pedido de declaração do direito de exclusividade na comercialização (EMR[5]) do cloridrato de gencitabina, nos termos do artigo 70.9 do TRIPs, que trata da concessão de patentes de produto:

“70.9. Quando um produto for objeto de uma solicitação de patente num Membro, em conformidade com o parágrafo 8 (a), serão concedidos direitos exclusivos de comercialização não obstante as disposições da Parte VI acima, por um prazo de cinco anos, contados a partir da obtenção da aprovação de comercialização nesse Membro ou até que se conceda ou indefira uma patente de produto neste Membro se esse prazo for mais breve, desde que, posteriormente à data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, uma solicitação de patente tenha sido apresentada e uma patente concedida para aquele produto em outro Membro e se tenha obtido a aprovação de comercialização naquele outro Membro.”

  1. A Eli Lilly alegou que a análise da patenteabilidade do medicamento estava pendente no INPI, mas que o objeto do pedido preenchia todos os requisitos legais.

  2. Vale destacar os trechos principais dos fundamentos deduzidos pela representada:

“O GEMZAR® recebeu da ANVISA aprovação de comercialização para o tratamento de neoplasia mamária em 19/10/04, através dos registros 1.1260.0017.001-7 (1g) e 1.1260.0017.002-5 (200mg) (doc. 3), concedidos para a Eli Lilly do Brasil Ltda.  O GEMZAR®  é também objeto do pedido de patente P19302434 (doc. 4), de titularidade da Eli Lilly and Company, pendente no INPI, autarquia competente para o exame, conforme a Lei 5.648/70 (www.inpi.gov.br).

Isto posto, busca-se a aplicação dos direitos exclusivos de comercialização, (DEC) para o produto farmacêutico  GEMZAR®  (cloridrato de gencitabina 19 e 200mg) até 19/10/09 (cinco anos, a partir da aprovação para comercialização pela ANVISA, 19/10/04), garantidos pelo Art. 70.9 do anexo 1C do Tratado de Marraqueche [no caso, o Acordo TRIPs], internalizado pelo Decreto 1.355/94.

Na afirmativa de Rosseau, o tratado é obrigatório, em virtude de ratificação; executório, em face da promulgação; aplicável, em conseqüência da publicação. Uma vez internalizado o Tratado de Marraqueche, o art. 70.9 do anexo 1C ao Decreto 1.355/94 deveria ser observado pelos particulares, cumprido pelo Executivo, fiscalizado pelo Legislativo e aplicado pelos Tribunais (...) (Petição da Eli Lilly na Ação nº 2006.34.00033456-2)”.

  1. Na contestação da ANVISA, a Agência alegou que não teria competência para a concessão de tal direito, refutando a aplicabilidade do TRIPs:

“Ainda que esta norma do Acordo fosse aplicável ao Brasil, não poderia a ANVISA, por mero ato de vontade, conceder tais direitos sem qualquer amparo legal. Isto porque o texto do referido tratado não dispõe claramente sobre a substância destes direitos, de modo que sua aplicação fica condicionada à criação de uma norma nacional que defina o conteúdo de tal privilégio.

Deve-se lembrar que a concessão de direitos de exclusividade de comercialização implica, necessanamente, na restrição do direito de liberdade de iniciativa dos concorrentes, que ficam proibidos de comercializar o produto objeto do direito. Como a ANVISA, sem amparo em nenhuma lei que lhe atribua este poder, poderia criar tamanha restrição ao direito de um particular?

Cabe ressaltar que, há pouco tempo, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) concedeu uma “certidão para fins do art. 70.9 do TRIPS”, também sem amparo legal. As reações foram tantas que o Instituto publicou uma nova certidão afirmando que a certidão anterior não era capaz de garantir direitos de exclusividade (v. documentos nº 1 e 2)[6].

Importante, ainda, anotar que mesmo a proteção por patente não impede a concessão do registro sanitário, como se constata a partir dos arts. 42 e 43 da Lei nº 9.279/96. (Contestação da ANVISA na Ação Ordinária 2006.34.00.033456-2/DF)”.

  1. A tutela antecipada relacionada ao EMR foi indeferida pelo juízo de primeiro grau em 20.04.2007, o que levou a representada a interpor o Agravo de Instrumento nº 2007.01.00.017916-0.

  2. Em 30 de maio de 2007, o Desembargador Relator rejeitou o agravo de instrumento, por se tratar de discussão de patente de processo, e não de produto, nos seguintes termos:

“Ocorre que, como bem ressaltou a agravada na contestação apresentada na ação ordinária em que foi proferida a decisão ora impugnada, ‘a norma prevê direitos de comercialização exclusiva para pedidos de patente de produto, e não de processo farmacêutico’ (fl. 1082 destes autos).

Ora, no caso dos autos, o pedido de patente formulado pela agravante junto ao INPI, que recebeu o n. P19302434, é descrito na cópia do ‘Relatório Descritivo da Patente de Invenção’ (fls. 180/280) como um ‘processo para preparar um nucleosídeo enriquecido com beta-anômero’.

O TRIPs diferenciou expressamente ‘produto’ de ‘processo’, na Seção 5, referente às patentes, no item 1 do Art. 27 (que trata da matéria patenteável), no item 1 do Art. 28 (que define os direitos concedidos aos titulares de patentes) e no Art. 34 (que atribui ao réu o ônus de provar que não copiou, indevidamente,processo já patenteado).

Mesmo que se pudesse alegar que esse segundo indeferimento ainda pende de reapreciação recursal na seara administrativa, sendo, também, objeto de impugnação judicial na ação ordinária n. 2005.51.01.506948-1, em trâmite na 39ª Vara da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, a constatação técnica, realizada pelo INPI, de que o processo apresentado pela agravante não possui inventividade depõe contra a verossimilhança indispensável à concessão da tutela pretendida nestes autos.

Assim, somente na hipótese de o Poder Judiciário vir a reverter essa decisão do INPI é que a situação da agravante se lhe tornará favorável.”

  1. No entanto, a representada ingressou com pedido de reconsideração, alegando que o quadro reivindicatório de seu pedido de patente continha reivindicações tanto referentes a processo quanto a produto (no caso, as reivindicações 15 e 16). Vale ressaltar os trechos principais do referido pedido de reconsideração:

“Sob todas as penas e conseqüências, as Agravantes expressamente afirmam e reiteram que o pedido de patente P1930243434 tem como objeto um produto farmacêutico, conforme requerido pelo Art. 70.9, especificamente o produto Gemzar®. O fato é comprovado pela prova documental juntada aos autos desde o ajuizamento da demanda perante o MM juizo a quo.

(...) O titulo do pedido de patente P1930243434 é "Processo para preparar um nucleosídeio enriquecido com beta-anômero E COMPOSTO". Ocorre que, diferentemente do esposado pela ANVISA, que tenda induzir V.Exa. em erro, o composto nada mais é do que uma referência especifica ao produto Gemzar. Ademais, não é o título de uma patente que define a natureza do que é protegido (seu objeto). A natureza do objeto do pedido é definida por suas reivindicações, à luz do que é revelado em seu relatório descritivo (Art. 41 da Lei 9.279/96).

O pedido de patente P1 9302434 tem como objeto o produto Gemzar®. As reivindicações do pedido de patente PI9302434  cobrem especificamente o composto,  que é o produto Gemzar®. As reivindicações 15 e 16 do pedido de patente são absolutamente claras. Gemzar® é um composto químico, e as reivindicações 15 e 16 têm como objeto de proteção exatamente o composto químico que é o exato produto farmacêutico, como é registrado perante a ANVISA e comercializado em todo o mundo!

Não há na Lei 9.279/96, ou em qualquer outra, proibição para um pedido de patente ter reivindicações de produto e de processo, abrangendo os diferentes aspéctos de uma invenção. Patentes com reivindicações de produto e de processo são usuais, deferidas pelo INPI e aprovadas pela ANVISA, (art. 229-C da Lei 9.279/96).

Assim, é violador do art. 14 do CPC e do principio da moralidade a alegação da Agravada de que o pedido P19302434 tem como objeto apenas processo farmacêutico. Some-se ainda o próprio relatório do corpo técnico da ANVISA, o  "Relatório técnico sobre o pedido de patente elaborado pela Coordenação de Propriedade intelectual da ANVISA (doc3)”  anexado aos autos pela própria Agravada perante o mm. Juízo a quo, como documento 3 de sua contestação. O relatório é categórico:

‘O requerente então, logo após dar entrada com petição de recurso,  apresentou outra petição, acrescendo duas novas reivindicações de composto (referentes ao beta-anômero de gemcitabina).’ (grifos nossos)

(...) O processo administrativo de exame de uma patente, conforme se depreende do documento anexo, somente é encerrado quando da manifestação da Presidência do INPI em grau de recurso (anexo 3), SENDO ESSA A DECISÃO QUE PÕE FIM À ESFERA ADMINISTRATIVA (Art. 212, §30 da Lei n.° 9.279196 - LPI). DE QUE TRATA O ART. 70.9 DO TRIPs. No curso do exame de um pedido de patente, inclusive em grau de recurso, o INPI pode determinar de oficio a alteração do quadro reivindicatório do pedido de patente, que também pode ser realizado por iniciativa de seu titular. Um primeiro parecer do INPI pelo indeferimento do pedido de patente é reconsiderado em grau recursal na maioria dos casos, tendo em vista as retificações que são apresentadas pelo titular ou determinadas de ofício pela autarquia, conforme comprova a estatística anexa.

(...) As Agravantes anexam à presente (anexos 7 e 8) o parecer conclusivo da FIOCRUZ, bem como o parecer dos renomados Profs. Octavio Antunes, Sergio Pinheiro e Vitor Ferreira, que afirmam que o P193024347 é totalmente inventivo e constitui-se numa bela lição de química orgânica ", demonstrando que os óbices apontados pelo INPI são inteiramente insubsistentes.

 (...) Ante os presentes esclarecimentos, a Agravantes requerem se digne V. Exa., mui respeitosamente, reconsiderar da r. decisão de fIs 1.137 a 1.139, para que seja concedida a antecipação da tutela recursal nos termos em que requerida. (Pedido de reconsideração da Eli Lilly no Agravo de Instrumento n.° 2007.01 .0001 791 6-0/DF)”.

  1. A representada, portanto, afirma peremptoriamente que o seu pedido é de produto, sem mencionar que a tutela antecipada para incluir as reivindicações 15 e 16 já havia sido negada pelo Justiça Federal do Rio de Janeiro. Não obstante, em 25.06.2007, o Desembargador Fagundes de Deus pediu que as autoras esclarecessem:

  1. desde quando possuem autorização para comercializar o GEMZAR no Brasil, uma vez que o documento de fls. 1.163/1.164 (cópia da Resolução-RE n. 829, de 07.06.2001, da ANVISA) indica que tal autorização existe desde 11.06.2001 e, no entanto, as agravantes afirmam terem-na obtido apenas em 18.10.2004; e

  2. se as modificações no relatório descritivo e nas reivindicações do pedido de patente n. PI 9302434, protocoladas no INPI em 28.09.2005 (cópia às fls. 1.183/1.200), representam alterações da fórmula do medicamento descrita no pedido de patente original, protocolado em 21.06.93.”

  1. Sobre o primeiro item, a representada juntou documentos comprovando que as pesquisas indispensáveis ao registro do medicamento tiveram início em 2001 e foram concluídas em 2003, tendo sua aprovação sido publicada no DOU de 19.10.2004. Sobre o segundo item, a representada esclareceu o seguinte ao juiz:

“A Sandoz também tenta induzir este MM. Juízo a erro ao falar sobre a patente P19302434. O relatório descritivo da patente P1 9302434 não sofreu qualquer alteração, à exceção daquela em seu título, que já havia sido devidamente informada a este MM. Juízo por meio de petição (fls. 1.176 a 1200) apresentada pelas Agravantes!!!”.

  1. No dia 19.07.2007, o Desembargador Federal Fagundes de Deus reconsiderou a sua decisão anterior, concedendo a tutela pretendida pela Eli Lilly nos seguintes termos:

“Quando concluí que o pedido de patente de n. P1 9302434 referia-se apenas a um processo farmacêutico, levei em conta que a alteração produzida pelas Agravantes em 28.09.2005 - três meses depois da publicação da decisão do INPI que afirmou que o processo farmacêutico em questão carecia de atividade inventiva -, para acrescentar as reivindicações 15 e 16, referentes a "composto", foi taxada de irregular no relatório da ANVISA (fl. 1. 112), por afronta ao Art. 32 da Lei 9.279, de 14.05.96 - que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial [...]

Contudo, revejo meu posicionamento inicial, uma vez que cabe ao INPI definir se a inclusão das aludidas reivindicações corresponde a acréscimo de matéria não constante no pedido inicial, ou se se trata apenas de melhor esclarecimento do pedido já existente, razão pela qual deve ser considerada válida até pronunciamento do órgão competente. [...]

Assim sendo, parece-me fora de dúvida que o pedido de patente das Agravantes refere-se a processo farmacêutico e composto (produto), pelo que cumpre reconhecer que lhes é licito pleitear o direito exclusivo de comercialização previsto no Art. 70.9 do TRIPs.

Forçoso, também, admitir que o pedido de patente ainda se encontra em andamento no INPI e que as Recorrentes preenchem os requisitos do Art. 70.9 do TRIPs, quais sejam: possuem, em andamento, solicitação de patente de um produto no Brasil, obtiveram junto à ANVISA, em 19.10.2004 (fis. 1781179), registro de indicação terapêutica nova, que lhes autorizou a comercialização desse produto também para o tratamento de câncer de mama, possuem patente e aprovação de comercialização desse mesmo produto em outro país Membro do TRIPs (EUA). (Agravo de Instrumento n.° 2007.01.00017916-0/DF)”.

  1. Assim, foi determinado que a ANVISA se abstivesse, até o trânsito em julgado da sentença, de conceder registro que autorizasse a comercialização de produto similar ao GEMZAR enquanto o INPI não analisasse o pedido de patente, incluindo as reivindicações decorrentes do segundo aditamento (reivindicações 15 e 16).

  2. Como se verá adiante, a representada deixou de informar ao magistrado do sobrestamento do feito administrativo e do indeferimento do aditamento à inicial pela Justiça Federal do Rio de Janeiro, o que pode ter configurado uma conduta estratégia para obter indevidamente o direito de comercialização exclusiva.

  3. Acresce que a representada, por meio de petições encaminhadas ao TRF-1ª, informou que a ANVISA não teria cancelado o registro do produto GEMCIT, produzido pela Sandoz, o que fez com que o Tribunal, em 25.10.2007 concluísse que  a Agência descumpriu a decisão que garantiu a antecipação de tutela pretendida pela Eli Lilly, nos termos seguintes:

“Quanto às questões até agora postas, registro, inicialmente, não ser correta a interpretação dada pela ANVISA à decisão que deferiu a antecipação da tutela recursal. Isso porque tal decisão deve ser lida como um todo e não apenas na sua parte dispositiva. Se assim for feito, a Agravada perceberá que nela foi reconhecido o direito exclusivo de comercialização pleiteado pelas Agravantes, o que corresponde à faculdade de Impedir terceiros, sem o seu consentimento, de colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos o produto objeto da PI 930243434, observadas as mesmas ressalvas constantes nos arts. 43 e 45 da Lei de Propriedade Industrial.

Ora, não seria exclusivo o direito, se se permitisse que mais de uma empresa produzisse o mesmo produto. Assim sendo, por interpretação lógica, é de se presumir que está implícito, na referida decisão, também  o dever de cancelar eventuais permissões de comercialização (registros) já concedidas pela ANVISA para produtos destinados a tratamento de câncer de mama com o mesmo princípio ativo (gencitabina).

 (...)

Assim sendo, nada obsta que a ANVISA mantenha o registro do genérico GENCIT, desde que tal registro não contemple a possibilidade de comercialização do produto para o tratamento do câncer de mama, devendo tal indicação terapêutica ser retirada de suas bulas, caixas, rótulos e propagandas.

No mais, mantenho a decisão, que, até o momento, não teve qualquer de seus fundamentos abalados pelos pronunciamentos judiciais proferidos no feito em que a Eli Lilly pleiteia a reforma de decisão do INPI que indeferiu seu pedido de patente do GEMZAR. Isso porque, ao julgar o AG n. 200702.01001107-0 (cópia às fls. 1.236/1.244 - vol. 6) o TRF da 2ª Região limitou-se a manter decisão da MM. Juiza Federal da 39ª Vara da Seção Judiciária do Rio de Janeiro que se negara a examinar as reivindicações n.s 15 e 16, acrescidas ao pedido de patente após decisão do INPI que não reconhecera inventividade nas reivindicações n.s 1 a 14), devido ao fato de que o INPI ainda não se pronunciara sobre elas, "Não podendo a jurisdição anular ato que ainda nem foi praticado, sob pena de substituir a administração em seus designios - e não de confirmar ou reformar seus atos, como deve ser sua atribuição" (fls. 1.243).

(...)

Ante todo o exposto, reconheço ter a ANVISA descumprido a decisão que deferiu a antecipação da tutela recursal e determino sua intimação para que a cumpra, abstendo-se de conceder novos registros e/ou cancelando registros já concedidos que autorizem a produção, comercialização (venda ou colocação à venda) ou importação com o propósito de comercialização de medicamento similar ao GEMZAR destinado ao tratamento de câncer de mama (indicação terapêutica a que alude a Resolução n. 371, de 18.10.2004)” (Agravo de Instrumento n.° 2007.01.00017916-0/DF).

  1. A ANVISA foi intimada, então, a abster-se de conceder novos registros e/ou a cancelar registros já concedidos que autorizassem a produção, comercialização ou importação com o propósito de comercialização de medicamento similar ao GEMZAR.

  2. Ainda em razão do suposto descumprimento da decisão que concedeu a tutela antecipada, a representada impetrou Mandado de Segurança (MS nº 2007.34.00.040854-2) em face do diretor da ANVISA.

  3. Diante dos fatos ora relatados, a representada conseguiu manter a tutela antecipada concessiva do EMR perante o TRF-1ª até 07.03.2008, quando a decisão foi suspensa pelo STJ, que reconheceu os efeitos monopolísticos da liminar e a potencialidade de dano ao mercado, sobretudo diante da impossibilidade de acesso a medicamento similar ou genérico de menor preço pelo consumidor . O voto do Ministro Barros Monteiro foi apoiado nos seguintes fundamentos:

“Sem adentrar o mérito da decisão que concedeu a tutela antecipada, verifica-se que seus efeitos poderão causar grave lesão à saúde e à economia públicas, porquanto concedeu exclusividade de comercialização do medicamento cloridrato de gencitabina, utilizado no tratamento de câncer de mama,àsempresas "Eli Lilly do Brasil Ltda." e "Eli Lilly and Company", fabricantes do medicamento GEMZAR, impossibilitando os portadores de tal enfermidade de optarem por um tratamento de custo mais acessível, mediante uso de medicamento genérico ou similar.

Ademais, os pacientes portadores de câncer de mama que se utilizam da rede pública de saúde correm o risco, com a diminuição na distribuição gratuita dos medicamentos, de naturais prejuízos no seu direito ao adequado tratamento da moléstia, dada a possível escassez do produto.

Conforme bem anotado pelo Subprocurador-Geral da República João Francisco Sobrinho, em seu parecer, "contrário ao interesse público seria obrigar os pacientes e o poder público a arcarem com altas somas para a obtencão de um medicamento de alto custo, quando no mercado pode ser distribuído produto similar, cujaeficácia é atestada pelo órgão competente da saúde pública, mediante custo bem menor" (fl. 123).

Posto isso, defiro o pedido a fim de suspender os efeitos da tutela antecipada recursal concedida nos autos do Agravo de Instrumento n° 2007.01.00.017916-0, até o julgamento final da ação principal. (STJ. Suspensão de liminar e de sentença n° 818 - DF -2008/0021073-3)”.

  1. A decisão do STJ não enfrentou o mérito da controvérsia acerca da concessão do EMR e teve por fundamento o interesse público e o risco ao bem comum decorrente da manutenção da exclusividade.

  2. Por conta da já referida ação rescisória (supra, 39) ajuizada pelo INPI em 2007, julgada procedente em 2011 pelo TRF da 2ª Região, esta ação foi extinta sem resolução de mérito em 18.12.2012.

 

f. Ação nº 2007.34.00.038481-0

  1. No dia 26.10.2007,a Eli Lilly ajuizou nova ação em face do INPI, perante a Justiça Federal do Distrito Federal, buscando a inclusão do terceiro quadro reivindicatório ao pedido de patente. A pretensão, é importante notar, é a mesma do agravo de instrumento que fora indeferido pelo TRF da 2ª Região em agosto de 2007 (supra, 65).

  2. Na referida ação, a Eli Lilly requereu a declaração de que as reivindicações 15 e 16 prenchiam todos os requisitos de patenteabilidade e encontravam amparo no quadro descritivo, de modo que não teria havido alteração da matéria inicialmente revelada.

  3. A ação foi distribuída por dependência ao processo nº 2006.34.00033456-2, que tratava da concessão do EMR (supra, 73).

  4. Em sua petição inicial, a representada esclareceu os acontecimentos anteriores, descrevendo todas as ações que ajuizou, inclusive o processo em que pediu o sobrestamento do feito administrativo.

  5. O Juízo entendeu que essa nova ação era litispendente à ação nº 2005.51.01.506948-1, ajuizada no Rio de Janeiro, de modo que foi determinada a remessa para aquele Juízo em 20.10.2009.

  6. Em razão da ação rescisória ajuizada (supra, 39) pelo INPI, a demanda foi extinta por perda de objeto.

 

g. Ação nº 583.02.2007.144881-5

  1. No dia 15.08.2007, a Sandoz ajuizou ação contra a Eli Lilly na Justiça Estadual de São Paulo, para que a representada fosse obrigada a cessar a divulgação de informação caluniosa em relação ao cancelamento do registro do medicamento GEMCIT, produzido pela Sandoz; divulgasse errata, esclarecendo que a empresa não estava impedida de comercializar o produto e a indenizasse pelos danos decorrentes das informações falsas.

  2. A representada apresentou reconvenção na qual sustentou concorrência desleal da Sandoz, reiterando que o registro do GEMCIT estava sob a eficácia da tutela conferida em prol da Eli Lilly:

“Ora, se o registro para o produto Gemcit da Autora-reconvinda foi concedido em  22/03/2007,  após o ajuizamento da ação ordinária 2006.34.00.033456-2, em 01/11/2006, com pedido expresso para que a ANVISA suspenda qualquer ato praticado após a propositura desta ação, não há dúvida de que o registro do Gemcit ofende - sim - ao que foi determinado na r. decisão judicial proferida em 19/07/2007, pelo Exmo. Des. Federal Fagundes de Deus, Presidente da 5ª Turma do TRFI, no AI 2007.01.00.017916-0. [...]

A suspensão do registro do Gemcit decorre de forma direta e imediata da decisão judicial em comento. A SANDOZ tenta rediscutir o alcance da liminar, quando o Juízo competente já se manifestou claramente. A SANDOZ ainda tenta convencer esse MM. Juízo que a medida liminar alcança todos os produtos concorrentes da LILLY, menos, o seu Gemcit, contrariando princípios comezinhos do Direito e o bom-senso.[...]

Observe-se, ainda, que a comercialização do produto Gemcit sem existência do respectivo registro sanitário implica em evidente prática de concorrências desleal perpetrada pela SANDOZ, uma vez que através de meio fraudulento - a venda deproduto sem a existência de registro válido — desvia a clientela da LILLY. (fls. 534-549)”.

  1. Em decisão liminar de 28.09.2007, a Sandoz foi proibida de comercializar o produto GEMCIT nos seguintes termos:

“Pela análise da documentação juntada pela reconvinte, constata-se que a reconvinda, contrariando a determinação judicial, tem comercializado o produto GEMCIT, similar ao da reconvinte. Ocorre que, no entender deste Juízo, tal comercialização não é possível, visto como a decisão proferida pela Justiça Federal, preservou o direito de exclusividade da reconvinte, tanto é assim que sequer foi concedida tutela antecipada para a reconvinda nestes  autos. Embora esta decisão está sendo reexaminada pela Superior Instância, não foi concedido o efeito suspensivo.

Presentes os requisitos legais estatuídos no Art. 273, do Código de Processo Civil, hei por bem conceder o pedido de tutela antecipada para que a autora-reconvinda, SANDOZ DO  BRASIL INDÚSTRIA FARMACÊUTICA LTDA., se abstenha de comercializar o produto GEMCIT (cloridrato de gemcitabina 200 mg e lg), medicamento utilizado para o tratamento  de câncer, o qual  encontra-se registrado  sob n° 1.0047.0408, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00.  Os fundamentos exigidos pela lei estão comprovados nos autos. Assim é que há prova inequívoca da comercialização do produto (fls. 497). Outrossim, repise-se que há decisão prolatada pela Justiça Federal que determinou que a ANVISA, que concedeu o registro para que a reconvinda, se abstenha de conceder qualquer outro registro que autorize a comercialização de produto similar da reconvinte, ante o direito de exclusividade concedido para o LABORATÓRIO ELI LILLY DO BRASIL LTDA.  até 19 de  outubro de 2.009. A referida decisão está mantida, pois não há nos autos noticia de que tenha sido revogada. O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, também está caracterizado, na medida em que a comercialização do produto, além de configurar afronta às decisões judiciais, a evidência traz prejuízos para a reconvinte, que tem direito de exclusividade para comercializar produto similar garantido até decisão em contrário. (fls. 550-552)”.

  1.  Tal decisão persistiu até 21.12.2007, quando o Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu decisão reconhecendo a possibilidade de comercialização do GEMCIT para o tratamento de outros tipos de câncer que não o de mama, tendo em vista a decisão do TRF da 1ª Região:

“Anote-se que, a questão deste processo, cinge-se a eventual prática de concorrência desleal atribuída pelas partes e este Juízo verificou que nenhuma delas a praticou, acrescentando-se que a boa-fé se presume e a má-fé se comprova. A autora Sandoz fez as alterações necessárias na ANVISA, parasuprimir das bulas, caixas,rótulos e propagandas do medicamento GEMCIT, qualquer indicação a câncer de mama. A Eli Lilly, por seu turno, também não agiu de má-fé, a despeito do processo estar em segredo de justiça. Inclusive encaminhou cópia da decisão do Desembargador Fagundes de Deus, na íntegra, mostrando transparência na informação, já que não interpretou por conta própria o conteúdo da decisão. Concorrência é a possibilidade de competitividade entre produtores, fabricantes ou fornecedores em geral de um mesmo produto. Assim, está pautada pela ética. Ora, no caso dos autos, as partes obtiveram a concessão de patente de produto farmacêutico pela ANVISA, cuja análise é obrigatória desde a medida provisória 2.006, de 15/11/99.

Nesse instrumento legal, foi criado o Instituto da anuência prévia, consolidado pela Lei 10.196/01, no artigo 229-C. O objetivo da concessão é evitar prejuízo ao Interesse social com possível risco á saúde pública e ao desenvolvimento tecnológico do país. Conclui-se, que não houve má-fé ou comportamento antiético de nenhuma das partes, que tentaram buscar no Poder Judiciário, referendar suas teses, o que é perfeitamente legítimo, inclusive direito garantido constitucionalmente. As questões ainda não estão definidas perante as outras Justiças, todavia neste processo não se vislumbra má-fé de nenhuma das partes.Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES o pedido principal e a reconvenção (CPC, Art. 269, 1).(Ação Ordinária 583.02.2007.144881-5)”.

  1. Ora, o cloridrato de gencitabina, a depender da forma como é administrado, pode ser utilizado no tratamento de diversos tipos de câncer, de acordo com o que esclareceu o parecer da Superintendência Geral do CADE.

  2. A exclusividade de comercialização obtida pela Eli Lilly em razão do julgamento proferido pelo TRF da 1ª Região (supra, 82) versava apenas sobre o uso da gencitabina para o tratamento do câncer de mama.

  3. Entretanto, em razão da liminar proferida em 28.09.2007, a Eli Lilly conseguiu impedir que a Sandoz comercializasse o medicamento GEMCIT com qualquer finalidade terapêutica por três meses, período em que, conforme denunciado ao CADE, a representada teria abusado de sua posição dominante.

  4. Somente com a decisão do  agravo (supra, 100), a Sandoz conseguiu obter a validade de seu registro de comercialização relacionado a outros tipo de câncer. 

  5. Dessa maneira, ainda que monopólio concedido pelo TRF-1ª à Eli Lilly se referisse  a um tipo específico de câncer, a decisão liminar proferida em 28.09.2007 (supra, 99) impediu que a Sandoz comercializasse seu medicamento para qualquer espécie da enfermidade  por três meses.Como se verá adiante, a Eli Lilly omitiu-se de informar a extensão da decisão do TRF-1ª ao juízo de São Paulo.  

  6. Nos três meses nos quais a Sandoz ficou proibida de comercializar seu medicamento, consta da denúncia ao CADE que a representada teria exercido monopólio indevido, distorcendo os preços do mercado.

 

h. Denúncia perante o CADE

  1. Em 19.03.2010, a Pró-Genéricos informou ao CADE que as ações da Eli Lilly teriam gerado grandes prejuízos ao erário público e à concorrência, tendo em vista que, ao longo dos três meses nos quais a Sandoz esteve proibida de vender seu medicamento, além de a representada ter denegrido a imagem da empresa, a Sandoz foi impedida de atender às licitações que havia vencido.

  2. Segundo a Pró-Genéricos, a Eli Lilly teria exercido, no período citado, monopólio indevido que teria distorcido os preços do mercado, como revelariam os preços exigidos nos pregões presenciais RP 209/2007[7] e RP 02/2009[8], realizados pela Secretaria de Saúde de São Paulo.  No primeiro, a gencitabina (1g, injetável) foi negociada pelo valor de R$ 530,00 por unidade, tendo sido compradas 6000 unidades. Na ocasião, a fornecedora era a empresa “HOSP LOG COMÉRCIO DE PRODUTOS HOSPITALARES LTDA”. No segundo, cujo edital foi publicado em 08.01.2009, depois da cassação das liminares que beneficiavam a Eli Lilly, a proposta vencedora foi da própria representada, que cobrou R$ 189,00 por unidade do medicamento, tendo sido adquiridas 6000 caixas.

  3. Acompanharam a denúncia diversos documentos, dentre os quais se destacam:

  1. Pedido de patente do princípio ativo cloridrato de gencitabina ao INPI (fls. 27-154);
  2. Decisão do INPI pelo indeferimento do pedido de registro de patente (fls. 155-163);
  3.  Peças relacionadas às ações acima comentadas (fls. 164-328);
  4.  Lista dos associados da Pró-Genéricos e dos registros dos medicamentos por eles comercializados (fls. 329-336);
  5. Documentos e pareceres de especialistas acerca da importância dos medicamentos genéricos (fls. 337-391).

 

i. Esquema das ações propostas pela representada

 

 

II. DEFESA DA REPRESENTADA

  1. Instaurado o processo administrativo, a representada foi devidamente notificada para apresentar sua defesa no prazo legal, conforme atesta o aviso de recebimento acostado à fl. 402.

  2. Preliminarmente, a representada alegou que teria sofrido cerceamento de defesa, tendo em vista que a Nota Técnica da SDE não teria sido enunciado a conduta ilícita imputada à representada.

  3. No mérito, a representada sustentou que a conduta de sham litigation refere-se a ações que não buscam interesses legítimos e que são propostas com o único intuito de prejudicar seus concorrentes. Assim, para que a representada fosse condenada, seria necessário demonstrar a má-fé, sob pena de violação ao direito constitucional de petição. Para ilustrar tal compreensão, a representada trouxe diversos julgados do CADE e da jurisprudência estrangeira que trataram do tema.

  4. Argumentou, ainda, que o pedido de patente PI 9302434-7 continha todos os requisitos legais que autorizavam seu deferimento pela autoridade competente (INPI), tanto que o requerimento foi concedido em outras jurisdições. No que se refere ao TRIPs, objeto da controvérsia em razão da qual o pedido de patente não foi deferido inicialmente, afirmou que o acordo foi ratificado pelo Brasil em 1994 e era plenamente aplicável aos pedidos de patente pendentes em 01.01.1995, motivo pelo o TJRJ deu provimento à apelação da representada para determinar a nulidade da decisão do INPI que negou o pedido de patente.

  5. Assim, não teria havido qualquer tentativa de fraude ou ato de má fé praticado pela representada, que estaria agindo legitimamente na defesa de seus direitos.

  6. No que se refere à alteração do quadro reivindicatório, a Eli Lilly argumentou que se tratava de prática comum perante o INPI e que, muitas vezes, a própria autarquia, ao indeferir determinado pedido, informava que a decisão poderia ser modificada, caso o quadro reivindicatório fosse mais específico. Segundo a Eli Lilly, as reivindicações 15 e 16 apenas ajudavam a especificar o objeto de proteção da patente.

  7. Quanto ao indeferimento do aditamento pelo juízo do Rio de Janeiro, a Eli Lilly sustentou que a decisão carecia de amparo legal, pois o INPI já havia avaliado judicialmente o pedido, de modo que não seria possível falar em afronta à separação de poderes.

  8. Em relação ao EMR, alegou que o pedido da Eli Lilly preenchia todos os requisitos previstos no art. 70.9 do Decreto 1.355/94, pois o registro relativo à comercialização do medicamento para o tratamento de câncer de mama teria sido obtido há menos de cinco anos e a patente não havia sido objeto de análise definitiva pelo INPI, na medida em que o requerimento estava sobrestado por decisão judicial.

  9. No que se refere à proibição de comercialização imposta à Sandoz, afirmou que, ainda que determinado medicamento contenha outras indicações terapêuticas, não poderia ser comercializado por empresa que não detém direitos exclusivos. Ademais, a própria legislação sanitária vedaria a supressão de determinada indicação terapêutica do medicamento utilizado como referência.

  10. A respeito da acusação de forum shopping, a representada alegou que o ajuizamento de ações no Distrito Federal enquanto ações similares eram apreciadas pela Justiça Federal do Rio de Janeiro não seria abusivo. Enfatizou, ainda, que as ações propostas em diferentes jurisdições possuem fundamento legal, de modo que não seria possível falar em fraude ou ato de má-fé.

  11. Quanto à existência de campanhas difamatórias realizadas por fabricantes de medicamentos de referência para prejudicar a entrada dos medicamentos genéricos no país, a Eli Lilly alegou que não participou da conduta e que não há qualquer relação entre a acusação e as ações questionadas nos autos. , Em relação ao PA nº 08012.009088/1999-48, que condenou a representada pela existência de conluio para impedir a entrada de fabricantes de genéricos no Brasil, relembrou que a conduta já foi punida pelo CADE.

  12. Sobre a participação da Eli Lilly em condutas comerciais predatórias, a representada apontou que a acusação não poderia ser levada adiante, pois a patente sequer foi concedida, não havendo que se falar na redução de atratividade ao mercado. Ademais, não seria possível falar em elevação dos custos dos rivais, pois nenhuma das ações teria sido infundada.

  13. Com base nos critérios adotados no julgamento da Averiguação Preliminar 08012.006076/2003-72 (plausibilidade do direito invocado, veracidade das informações, adequação e razoabilidade dos meios utilizados e probabilidade de sucesso da postulação), a Eli Lilly alegou que em nenhum momento apresentou informações falsas e reiterou que todos os recursos impetrados no âmbito das ações judiciais foram plenamente legítimos e possuíam fundamento legal.

  14. Por fim, a representada asseverou que não possui poder de mercado suficiente para impedir a atuação de seus concorrentes. No segmento de “tratamento de câncer de pulmão”, indicação mais importante do produto e única em que a Eli Lilly declarou possuir informações sobre a participação de mercado, o market share seria de apenas 20%, percentual insuficiente para impedir a atuação de seus concorrentes. Assim, não haveria como se cogitar de sham litigation.

  15. Em 18 de junho de 2015, a representada apresentou parecer do Professor Frederico Henrique Viegas de Lima, que, em linhas gerais, concluiu o seguinte:

    1. A Superintendência do CADE não poderia ter proferido juízos subjetivos sobre o conteúdo da patente, pois esse tipo de análise refoge ao Direito e, por conseguinte, ao CADE;
    2. O CADE só poderá intervir para coibir a existência de condutas lesivas à concorrência se ficar demonstrado o cumprimento dos testes POSCO E PRÉ, cujos requisitos objetivos e subjetivos são cumulativos;
    3. A autoridade antitruste não dispõe de competência para se substituir ao Poder Judiciário nem para reconhecer que houve erro no julgamento e/ou que o Judiciário foi enganado;
    4. A Eli Lilly não teria lançado mão de dados inverídicos ao longo do procedimento administrativo, de forma que não seria aplicável a doutrina do Walker Process;
    5. Em meu voto no PA nº 08012.007189/2008-08, eu teria reconhecido a plausibilidade do pedido da Dystar em razão de a patente já existir em outras jurisdições, o que afastaria a má-fé da Eli Lilly no caso em exame;
    6. O número de ações ajuizado pela Eli Lilly não é abusivo, pois, retirando os incidentes processuais e recursos, restam apenas quatro ações ordinárias;

 

III. INSTRUÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

  1. Após a apresentação das defesas, a representada foi regularmente intimada (fl. 1520) para que especificasse as provas que pretendia produzir e apresentasse o rol de testemunhas.

  2. A representada arrolou três testemunhas, das quais uma foi dispensada (o Sr. Carlos Arboim, advogado da representada nas ações por ela ajuizadas) e outra foi substituída (o Sr. Preston C. Conrad, pesquisador da Eli Lilly), em razão de dificuldades para a sua vinda ao Brasil. Foram ouvidos:

    1. O Sr. Otto Licks, advogado da representada nas ações por ela ajuizadas (transcrição da oitiva nas fls. 1566-1586)
    2. O Sr. Vitor Francisco Ferreira, químico e docente do Instituto de Química da Universidade Federal Fluminense.
  3. Foram trazidas as autos, pela representada, como provas documentais:

    1. Cópias dos pedidos de registro de patente encaminhados pela Eli Lilly a autoridades de propriedade intelectual de outros países (fls. 1759-2482);
    2. Pareceres dos professores Octavio A.C. Antunes, Sérgio Pinheiro e Vitor F. Ferreira (fls. 2599-2605);
    3. Peças processuais das ações ajuizadas pela Eli Lilly (fls.2535-2596).
    4. Parecer do Professor Jairton Dupont (fls. 2689-2695);
  1. Em 19.04.2013, foi encaminhado à Sandoz ofício da Superintendência-Geral (fls. 2681-2684), requerendo que fosse respondida uma série de questões acerca do cloridrato de gencitabina, relacionadas à sua composição, à forma de administração e apresentados dados de participação de mercado.

  2. Encerrada a instrução pela SG, a representada foi notificada para apresentação de alegações finais (fl. 2701), nas quais reiterou os argumentos apresentados anteriormente.

 

IV. PARECERES DA SG, DA PROCADE E DO MPF

IV.1 Do parecer da SG

  1. A Superintendência-Geral opinou pela condenação das representadas, ao aduzir que “abusaram de seus direitos de petição, utilizando-se de ardilosa engenharia processual, na busca de direitos que não lhes eram devidos, e com efeitos anticompetitivos severos” (fl. 2795).

  2. A SG indicou que a Eli Lilly sabia que o patenteamento do produto não era possível, pois: (i) a Gencitabina estava em domínio público no Brasil em 2005, em razão do depósito da própria representada no Estados Unidos, que teria divulgado o medicamento aos demais países em 1983, sem que tivesse havido o depósito no Brasil; (ii) a Lei 5.772/71 vedava a concessão de patentes para medicamentos e processos de fabricação do medicamento no Brasil; (iii) o primeiro pedido da representada no INPI versava apenas sobre patente de processo e não de produto, de modo que, ainda que se admitisse a vigência do TRIPs, não seria possível conceder a patente; (iv) a Lei 9.279/96 somente admite patentes pipeline, assim, provavelmente, a representada teria deixado de se valer desse mecanismo em razão de o produto já ter sido lançado no mercado norte-americano quando da entrada em vigor da referida lei.  

  3. A segunda conduta imputada à representada refere-se à tentativa de aumento do escopo da patente após pronunciamento do INPI. Segundo a SG, o aumento do escopo patentário após o pedido de exame é vedado, tendo em vista que a modificação extemporânea da patente, buscando incluir matéria que a parte sabia estar em domínio público, fere a legislação da concorrência, porque pode levar a um monopólio injusto.

  4. Para a SG, portanto, o aumento do escopo patentário realizado de maneira extemporânea e o pedido de patenteamento de algo que a representada sabia não ser devido já configuram condutas anticompetitivas. As ações judiciais intentadas pela Eli Lilly, contudo, teriam agravado os efeitos ilícitos dessas condutas iniciais.

  5. A terceira conduta apontada na nota técnica consiste no sobrestamento do processo administrativo no INPI conjugado com ação judicial posterior que reclama monopólio justamente em razão da demora da autarquia.

  6. Segundo a SG, a representada teria obtido indevidamente o direito de comercialização exclusivo da gencitabina, omitindo do Desembargador Fagundes de Deus informação de que o INPI estava impedido de se manifestar sobre o pedido de ampliação do escopo da patente, em razão de decisão  proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que deu provimento ao pedido da Eli Lilly para determinar o sobrestamento do processo administrativo na autarquia.

  7. Nos termos da Nota Técnica:

"Assim, de forma abusiva e tumultuada, por meio de enganosidades e omissões severas ao Judiciário e utilizando-se de artifício doloso e ardiloso – consistente em pedir e obter a suspensão da análise do INPI junto a um Juízo, ao mesmo tempo que se pedia o monopólio temporário do produto em outro Juízo, sob o argumento de demora na análise pelo INPI (demora essa demandada e obtida pela própria empresa) –, as representadas conseguiram o monopólio sobre um medicamento que estava em domínio público, (Gencitabina), para o uso de câncer de mama. (grifos da SG)."

  1. A SG também aduziu que a representada, ao não esclarecer pontos relevantes ao Judiciário quando da demanda movida em face da ANVISA visando à obtenção da exclusividade de comercialização, induziu o Judiciário a erro, deferindo a exclusividade para câncer de mama, até 2009, de forma intempestiva e desconectada com o mérito do pedido patentário da Eli Lilly.

  2. Segundo a SG, o prazo máximo de solicitação do EMR conforme o TRIPs seria limitado a 5 anos após o registro do fármaco pela ANVISA, de modo que o prazo para a obtenção do direito exclusivo de comercialização teria se esgotado em 2001. Assim, a inclusão de nova modalidade terapêutica na bula do medicamento em 2004 – tratamento de câncer da mama – não daria direito a novo EMR, de forma que o juiz teria sido induzido a erro. 

  3. Por fim, a SG afirmou que:

"Portanto, o pedido de EMR em 2006, para o uso de gencitabina no tratamento de câncer de mama, feito ao Judiciário Federal do Distrito Federal, em razão de suas omissões, em especialmente quando visto em conjunto com todas as demais estratégias abusivas da empresa relatadas nestes autos, representa prática de sham litigation, sendo necessariamente intempestivo e desconectado com o mérito patentário, criando monopólio injusto e indevido.".

  1. A SG também atentou para a litispendência ocorrida entre algumas das ações propostas pela representada. Nos termos da Nota técnica, se a primeira ação proposta contra o INPI já era, por si só, um estratagema para evitar o pronunciamento da autarquia, a segunda, proposta no DF, também relativa ao aditamento do pedido patentário, representaria um reforço da conduta anticompetitiva praticada pela Eli Lilly, que tinha como objetivo “contornar a competência do INPI” e “obter um pronunciamento que já havia sido negado pelo Judiciário”.

  2. A respeito do dano concorrencial concreto causado pelas condutas da representada, a SG aduziu que “a empresa representada conseguiu exclusividade sobre a gencitabina para uso em câncer de mama, por um período de 8 meses, (de 26/07/2007 a  07/03/2008), por meio de estratégia processual ardilosa e abusiva.”

  3. Nesse sentido, foram rememoradas as discrepâncias de valores dos medicamentos apontadas pela Pró-Genéricos na denúncia (supra, 108) e, também, o fato de que a Sandoz permaneceu quase oito meses proibida de vender seu medicamento GEMCIT.

  4. De acordo com a SG, a Eli Lilly “logrou gozar, por período de tempo razoável, de forma indevida e ilegal, de um monopólio na oferta de um medicamento contra o câncer, com conseqüências graves aos seus concorrentes e, especialmente, aos consumidores, que diante de situação de saúde grave comprovadamente tiveram limitações de opções de oferta e pagaram preços muitas vezes maiores do que pagariam não fosse pela prática ilegal e anticompetitiva levada a cabo pela empresa.” (fl.2796)

  5. Por fim, a SG concluiu que as condutas praticadas pela representada configuraram infração à ordem econômica prevista nos incisos IV, V, X e XVI do Art. 21 c/c incisos I, II e IV do Art. 20, da Lei 8.884/94.

 

IV.2 Parecer da ProCADE

  1. A Procuradoria especializada junto ao CADE também enumerou algumas das condutas imputadas à representada e procurou relacioná-las com as acusações de abuso do direito de petição.

  2. A respeito do depósito de matéria não patenteável, a ProCADE opinou no sentido de que a “simples proposição de pretensão frente ao ente público, ainda que sem razão (ao final), mas embasada em quadro argumentativo razoavelmente justificável afasta qualquer possibilidade de litigância predatória.”

  3. O quadro argumentativo ao qual se refere a Procuradoria consiste nas alegações da representada de que havia expectativa de mudança legislativa à época, além do fato de que o STF firmara e mantinha posição de que a legislação aplicável em direito patentário seria a do momento do pedido de exame da patente, não do depósito. Portanto, a representada esperava que fosse patenteável o seu pedido no momento do exame.

  4. Sobre o fato de a gencitabina não estar compreendida em domínio público, a ProCADE compreendeu que a discussão envolveria o mérito da patente, o que cabe ao INPI analisar. De toda sorte, ressaltou que a comercialização do princípio ativo não foi considerada um empecilho nas 24 jurisdições estrangeiras que concederam a patente, de maneira que existiria razoável pretensão de obtenção de prestação favorável, motivo pelo qual haveria sham litigation.

  5. Sobre o ajuizamento das ações 2001.51.01.531698-3 (supra, 27) e 2005.51.01.505948-1 (supra, 51), propostas perante a Justiça Federal do Rio de Janeiro, a Procuradoria também descartou a existência de infração à ordem econômica.  Segundo o parecer, a mera improcedência do pedido não configura sham litigation, pois cabe ao Judiciário decidir sobre pretensões controversas. No caso sob análise, a ProCADE entendeu que os argumentos suscitados pela representada eram razoáveis.

  6. No que se refere ao aditamento dos pedidos administrativo e judicial, ou seja, sobre o terceiro quadro reivindicatório, que incluiu as reivindicações 15 e 16, a ProCADE afirmou que a simples alteração dos pedidos não configura, em tese, sham litigation. Entretanto, a Procuradoria enfatizou a importância de analisar a conduta de maneira mais atenta, pois a parte que litiga de forma fraudulenta costuma possuir padrão de comportamento que envolve uma continuidade de atos ou omissões necessários para a verificação ou não do sham litigation.

  7. Sobre a proposição do terceiro quadro reivindicatório, a ProCADE ressaltou a competência do INPI, por se tratar de questão de mérito. Entretanto, destacou que a insistência da representada em promover o aumento do quadro reivindicatório sugeriria que a intenção da Eli Lilly  foi redefinir o objeto da patente.

  8. A respeito da ação 2006.34.00.033456-2 (supra, 73), a ProCADE opinou pela configuração de sham litigation em razão do modo como procedeu a representada, ainda que os argumentos apresentados não configurassem, por si só, abuso do direito de petição.

  9. Isso porque, na petição inicial da ação em face da ANVISA, a representada informou que a análise da patenteabilidade do “produto GEMZAR” encontrava-se pendente no INPI, mas que o objeto da patente preenchia todos os requisitos legais. Não informou, nesse momento, que havia discussão judicial sobre a questão da inclusão do terceiro quadro reivindicatório.

  10. Como já se observou, a adição das reivindicações 15 e 16 foi afastada, permanecendo sob análise apenas as reivindicações de 1 a 14 (supra, 65).

  11. O fato alegado pela representada de que a patenteabilidade do produto GEMZAR era objeto de discussão teria confundido o Poder Judiciário que, indagando a representada sobre a questão, obteve resposta afirmativa de que se tratava de patente de produto.

  12. Segundo a ProCADE:

"232. O comportamento que se esperaria de um litigante é que agisse de maneira escorreita e deixasse tal circunstância clarificada nos autos. Entretanto, não o faz. Tampouco apresenta qualquer justificativa plausível para tanto.

233. Ao proceder desta forma, buscou o bem concreto que desejava (o EMR – direito exclusivo de comercialização) do “produto GEMZAR” utilizando-se de argumentação fática falsa (ao menos inexistente à época, posto que trabalhava para tentar concretizá-la pela interposição do agravo de instrumento nº 2007.02.01.001107-0), quando na verdade haveria buscado originalmente apenas a patente do processo de sua confecção.

234. Os argumentos apresentados (a matéria de mérito, da qual não examinaremos neste caso) não configurariam em si sham litigation, mas,por certo, o modo como procedeu demonstrou abuso do direito de peticionar. (grifo da ProCADE)"

  1. Sobre a ação 2007.34.00.038481-0 (supra, 91), a ProCADE asseverou que a Eli Lilly buscou restabelecer o suporte fático (que nunca existiu) de sua pretensão frente à ANVISA, ou seja, buscou a declaração de que as reivindicações 15 e 16 estariam devidamente compreendidas pela matéria inicialmente exposta no pedido de registro de patente.

  2. Para a Procuradoria, a representada teria insistido nas omissões e nos argumentos falaciosos a respeito da inclusão das reivindicações 15 e 16:

 "(...)a propositura da ação nº 2006.34.00033456-2 durante a discussão sobre o aditamento do pedido inicial na ação nº 2005.51.01.506948-1, e a posterior coexistência destas duas demandas gerou um panorama de exclusividade forçada de comercialização do GEMZAR (do produto gencitabina) para o caso de câncer de mama no interstício de 26.08.2007 a 07.03.2008 (grifo da ProCADE)"

  1. As demais ações decorrentes da concessão do EMR (o Mandado de Segurança comentado no item 87, supra; a reconvenção em face da Sandoz, no item 98, supra; a contestação da ação rescisória referida no item 39, supra), ainda que  integrantes da conduta esperada de uma parte insatisfeita, reforçaram a configuração do ilícito anticoncorrencial, por terem se baseado em tutelas judiciais obtidas com base em argumentos falaciosos.

  2. Opinou-se, por fim, pela configuração do sham litigation, em razão de a representada ter obtido direito de comercialização exclusiva do cloridrato de gencitabina de maneira fraudulenta, valendo-se de padrão de comportamento não esperável e desarrazoado, que acarretou por breve período potencial prejuízo à ordem econômica.

  3. Dessa maneira, a ProCADE acompanhou em parte o entendimento da Superintendência-Geral, sugerindo a condenação das representadas em razão de violação aos artigos 20, incisos I e II, c/c 21, inciso V, da Lei nº 8.884/94.

 

IV.3. Parecer do MPF

  1. Por último, o Ministério Público Federal reiterou os fundamentos da Superintendência-Geral e da ProCADE, pugnando pela condenação.

  2. O MPF fez breve exposição sobre o insttuto do sham litigation e seus desdobramentos sobre a concorrência. Enfatizou, nesse sentido, a ocorrência de danos concretos à ordem econômica  decorrentes dos quase oito meses de monopólio dos quais desfrutou a representada.

 

V.  PRELIMINARES

  1. A Eli Lilly alegou que o processo administrativo foi instaurado por meio de despacho baseado em nota técnica inepta, de maneira que teve seu direito de defesa cerceado em razão da não especificação das condutas que lhe estavam sendo imputadas. Segundo a representada, a enumeração dos dispositivos legais supostamente violados na nota técnica não seria suficiente para assegurar a ampla defesa  e o contraditório.

  2. No entanto, entendo que não assiste razão à representada e, portanto, afasto a preliminar suscitada.

  3. A  enumeração dos dispositivos da Lei 8.884/94 relativos aos ilícitos nos quais incorreu a representada não aparece isoladamente na nota técnica e representa tão somente a conclusão daquele órgão frente aos fundamentos que apresentou nas páginas anteriores. 

  4. De fato, a conclusão pela existência de indícios suficientes de infração à ordem econômica não se fundamenta nesse parágrafo, mas nos fatos específicos descritos pela SDE na nota de instauração, não havendo que se cogitar de cerceamento de defesa.

  5. Afastada a preliminar, passo a examinar o mérito da conduta.

 

VI. ANÁLISE DE MÉRITO

VI.1.  A complexa relação entre o direito da concorrência e a propriedade intelectual

  1. Embora, em princípio, o direito antitruste e direito da  propriedade intelectual pareçam proteger interesses antagônicos, ambos, na verdade, asseguram o bem estar dos consumidores a partir da garantia da inovação, ainda que de modos distintos. Ao passo que a propriedade industrial incentiva a inovação tecnológica por meio da garantia da exploração exclusiva de determinado produto ou processo por seu inventor, o direito antitruste garante que tecnologias, produtos e serviços possam transitar em um ambiente competitivo, por meio da coibição de práticas lesivas aos mercados. Por mais que exista um conflito aparente nessas definições, elas são complementares, e não contraditórias: o direito antitrustegarante uma concorrência saudável, enquanto a propriedade intelectual protege o direito de fruição dos proventos da atividade inventiva, o que representa um incentivo à concorrência e à inovação[9], na medida em que evita o free rider.

  2. Algumas ponderações a respeito do tema podem ser extraídas de meu voto-vista proferido no Processo Administrativo nº 08012.007189/2008-08[10], que discutia a prática de sham litigation e de preço predatório pela “Dystar” (Dystar Textilfarben GmbH e Dystar Indústria e Comércio de Produtos Químicos Ltda), advertindo sobre as consequências anticoncorrenciais que podem decorrer do abuso da propriedade intelectual:

“Como todo direito de propriedade, a propriedade intelectual é excludente - isto é, exclui terceiros do uso e fruição do objeto do direito - e, por consequência, restringe a concorrência quando tem por objeto bens incorpóreos de aplicação industrial. Por essa razão, o benefício que decorre da propriedade industrial, especialmente das patentes, deve ser interpretado de forma cuidadosa, a fim de evitar que traga ainda mais restrições concorrenciais do que aquelas que são inerentes à sua própria natureza e ao seu âmbito legítimo de proteção.”.

  1. A propriedade intelectual, nesse sentido, pode ensejar diversos tipos de abuso, que não vêm passando despercebidos para o direito concorrencial. Com efeito, a literatura recente está permeada de preocupações a respeito de  patentes que são registradas propositalmente com limites pouco claros ou ambíguos tão somente para que possam ser utilizadas como pretextos para guerras judiciais contra concorrentes, como ocorre nas chamadas patent throlls. Tem-se, portanto, que a falta de rigor das autoridades de registro acaba levando a um contexto propício à prática de sham litigation em diversas modalidades.

  2. Cada vez mais se cogita, portanto, do dever de lealdade e de cuidado dos titulares de patentes não apenas no registro de seus pedidos, como também na defesa judicial e extrajudicial de seus direitos. A ideia é a de que o exercício e a defesa de tais direitos precisam ser feitos de forma cuidadosa e proporcional, a fim de não trazerem restrições à concorrência além daquelas que estão intrinsecamente relacionadas à  sua própria preservação Não é sem razão que a atual Lei 12.529/2011 fez questão de incluir, dentre as condutas ilícitas, o abuso da propriedade intelectual, como se infere do art. 36, § 3º, XIX.  

  3. Se mesmo a defesa judicial de um direito de propriedade intelectual devidamente registrado perante as autoridades competentes pode ser abusiva e comprometer o ambiente concorrencial, com maior razão é possível a identificação da ilicitude quando ocorrem restrições abusivas e injustificadas à concorrência sem que a parte tenha nem mesmo obtido o registro respectivo, como é o caso da Eli Lilly.

  4. Em situações como essa, a estratégia processual para assegurar o registro ou mesmo o reconhecimento de posições jurídicas intermediárias até sua obtenção, como é o caso do EMR, deve estar submetida a um padrão de diligência ainda maior, especialmente porque, nessa hipótese, a interessada tem uma mera expectativa de direito a ser defendida nas vias judiciais.

  5. É precisamente o que se cogita no caso dos autos, tal como se passará a analisar nos itens seguintes.

 

VI.2. Delimitação do sham litigation

  1. Como relatado, trata-se de processo administrativo instaurado para apurar a prática de infração à ordem econômica em razão do ajuizamento de múltiplas ações judiciais pela Eli Lilly em face de instituições públicas diversas, em foros diferentes, visando à obtenção de proteção judicial de direito exclusivo de comercialização do cloridrato de genicitabina para impedir a atividade de seus potenciais concorrentes, incorrendo, assim, em sham litigation, ou abuso do direito de petição.

  2. Antes de proceder à análise das condutas imputadas à representada, é importante tecer alguns comentários sobre o instituto do sham litigation e sua relação com o direito de propriedade intelectual, além de examinar a jurisprudência do CADE sobre o tema.

  3. Sham litigation consiste, em linhas gerais, no abuso de direito de petição com finalidade anticompetitiva. Segundo Christopher Klein[11], haverá sham litigation quando forem ajuizadas ações com o intuito de obter benefícios anticoncorrenciais em razão da mera propositura das demandas, hipótese em que o interesse na obtenção de decisão favorável à pretensão do autor assume menor relevância.

  4. A possibilidade de causar efeitos lesivos à concorrência a partir de demandas levadas ao Poder Público não se resume ao Poder Judiciário, mas também alcança as instâncias decisórias administrativas, frente às quais é possível, também, apresentar ações fraudulentas.

  5. Mesmo não havendo intenção de causar danos à concorrência, é possível se cogitar da ilicitude em razão da ausência de boa-fé nas condutas processuais da parte, notadamente na desatenção aos deveres de diligência e de lealdade processual. Vale lembrar que as infrações da ordem econômica não dependem sequer de culpa subjetiva (art. 20 da lei nº 8.884/94 e, na Lei nº 12.529/11, Art. 36), de maneira que a falta de cuidado com os deveres de boa-fé processual observada nas condutas de abuso de direito de petição, sobretudo no que toca à propriedade intelectual, podem configurar um ilícito concorrencial.

  6. Sob essa persectiva, o sham litigation está relacionado à ideia de que a fruição de direitos não é ilimitada, de maneira que a proteção constitucional do direito de ação não impede a constatação de abuso nem a configuração do ilícito antitruste. O instituto, construído pela jurisprudência norte-americana como exceção à doutrina Noerr-Pennington (por meio da qual é garantido o direito de petição), pode ser traduzido para o vocabulário do ordenamento jurídico brasileiro na forma do “abuso de direito”.

  7. Em razão da proteção constitucional ao direito de ação, os casos de sham litigation são de difícil verificação pelos mecanismos de defesa da concorrência. Com efeito, a linha  que separa ações legítimas de demandas movidas com o objetivo de lesão à concorrência pode ser tênue.

  8. O esforço de se estabelecer critérios para a definição do sham litigation, constante na jurisprudência deste Tribunal, é inspirado sobretudo no caso Professional Real Estate (PRE) Investors v. Columbia Pictures Industries, no qual a Suprema Corte norte-americana concluiu que o sham litigation deve ser caracterizado por uma definição bipartida, afastando a ideia de que pode se configurar tão somente por um critério subjetivo[12]. O raciocínio adotado pela Suprema Corte consistiu no estabelecimento de dois requisitos para a configuração da conduta: um objetivo (o descabimento do processo) e um subjetivo (a intenção da parte autora de agir estrategicamente sobre a concorrência).

  9. Outro tratamento, igualmente encontrado na jurisprudência norte-americana, diz respeito ao uso indiscriminado de remédios governamentais de modo desarrazoado, caso em que o comportamento anticompetitivo não reside na ausência de fundamentos de uma única ação, mas na reiteração do uso de processos administrativos ou judiciais para atingir um concorrente.

  10. É o que se verifica no litígio USS POSCO Industries v. Construction Trades Council, julgado pela Suprema Corte Americana e frequentemente citado nos precedentes do CADE.  No referido caso,  os magistrados se depararam com um caso de litigância em série no qual um número considerável de demandas foi julgado procedente.A Corte concluiu, então, que a existência de decisões favoráveis não impediria a configuração do ilícito, pois o resultado anticompetitivo advém da ação orquestrada de medidas judiciais, propostas de forma reiterada e sistemática, com o objetivo de elevar indevidamente os custos dos rivais.

  11. Tais precedentes foram de grande importância para a fixação dos parâmetros do CADE a respeito da conduta investigada, como se pode observar, inclusive, nos pareceres da SG, do MPF e da ProCADE.

  12. A instrumentalização do direito de ação para a produção de efeitos anticoncorrenciais é, portanto, matéria com a qual deve se preocupar o direito da concorrência. O exercício do direito de ação é legítimo quando o autor pretende buscar os meios adequados para a obtenção da prestação jurisdicional que garanta seu direito na melhor forma possível, mas pode configurar um ilícito quando utilizado para dissimular estratégia anticompetitiva, tendente à eliminação da concorrência[13].

  13. Quando se fala em estratégia, não se pode supor a perfeita racionalidade dos agentes econômicos, como asseverava a teoria econômica neoclássica. A racionalidade das condutas levadas a cabo em uma série de comportamentos encadeados é necessária e fisicamente limitada pelo ambiente de incertezas e eventos que influenciam nas transações e não podem ser previstos. A racionalidade presente na estratégia de que tratamos consiste, assim, em encontrar e seguir um conjunto lógico de regras e procedimentos para lidar com as tarefas da vida diária, o que deve ser suficientemente flexível para que o indivíduo adapte seus comportamentos às mudanças do cotidiano.[14]

  14. Importante  notar que a configuração de sham litigation, como aduziu a Superintendência Geral, dispensa a avaliação do market share da representada.  No Direito Concorrencial brasileiro, compreende-se que a existência de um propósito ou estratégia  racional ou plausível para atingir determinada posição de mercado já implica o risco de produção de efeitos, e vice-versa[15].

  15.  Assim, a capacidade econômica ou posição dominante do agente que incorre em abuso do direito de petição não é um instrumento determinante quando se investiga esse tipo de conduta, uma vez que o impacto sobre o mercado será condicionado pela eficiência da estratégia adotada. Como ressaltou a ProCADE, o simples êxito de um ato de litigância fraudulenta tem o condão de gerar impactos instantâneos de concentração econômica no mercado, independentemente da participação de mercado do infrator. Conclusão similar é encontrada no voto do Conselheiro Eduardo Pontual no Processo Administrativo nº 08012.010648/2009-11:

“Em verdade, quanto menor a presença da representada no mercado, quanto menor for seu share, maior é o dano que uma prática de sham litigation pode ocasionar. O raciocínio parece invertido, mas é exatamente assim. Afinal, uma empresa hipotética que detenha 80% do mercado e, valendo-se ilicitamente da mão do Estado, torna-se monopolista, ampliou ilegalmente em 20% o seu espaço de negócios, com efeitos sobre todos os consumidores, anteriores ou não. Já uma empresa que detivesse apenas 20% e conseguisse, também via esta regulação, o monopólio teria causado dano ainda maior em razão de maior aquisição de poder de mercado.

Logo, não enfrento neste momento do voto a requerida discussão sobre oder de mercado, tomando como certa que a mudança defendida do ambiente jurídico da competição cria poder de mercado com capacidade de gerar dominância no mercado.” [16]

  1. Os precedentes examinados pela Suprema Corte norte-americana indicam que a análise de sham litigation não deve se ater apenas a determinada demanda proposta pela representada, mas ao conjunto de ações promovidas por ela. Como já se comentou, o fato de se obter prestações favoráveis do Estado não afasta, por si só, a tese do sham litigation, ainda que sinalize para a plausibilidade do pleito.

  2. Cabe ao CADE, então, aferir a existência de padrões de comportamento estratégico a partir de uma macrovisão das condutas levadas a cabo pela representada, tendo em vista que o mérito dessas demandas isoladamente consideradas deve ser apreciado pelas instâncias administrativas ou judiciais aos quais foram submetidos os pedidos, apresentados ao CADE como dados do Processo.

  3. A fim de elucidar o entendimento adotado pelo Tribunal em casos similares, é importante analisar a jurisprudência do CADE acerca do tema,  especialmente os precedentes relacionados ao direito patentário, cujas implicações serão tratadas posteriormente neste voto.

 

VI.3 Sham litigation na jurisprudência do CADE

  1. Ao analisar a jurisprudência, verifica-se que a experiência do CADE sobre condutas relativas ao abuso do direito de petição ainda é incipiente. De fato, até o momento, o Tribunal enfrentou poucos casos envolvendo esse tipo de discussão e, na maioria deles, entendeu-se que não havia indícios suficientes de infração à ordem econômica.

  2. Um dos primeiros casos relativos à matéria  refere-se à Averiguação Preliminar nº 08012.005610/2000-81[17], na qual a Viação Valadarense de Transporte Coletivo apresentou uma série de impugnações administrativas e judiciais frente ao DER-MG acerca de contratos de concessão de linhas intermunicipais da Viação Oliveira Torres, com o objetivo de restringir a concorrência na prestação de serviços de transporte coletivo entre as cidades de Alpercata e Governador Valadares.

  3. Na Averiguação Preliminar, o Conselheiro Paulo Furquim deixou claro que o direito de petição, embora assegurado constitucionalmente não era ilimitado, e que seu uso indiscriminado e com fundamentos inconsistentes poderia configurar abuso de poder econômico, se utilizado para obstuir a concorrência. Instaurado o processo administrativo, o Tribunal votou pelo arquivamento do caso, ressaltando que não havia necessidade de aplicação da legislação de concorrência, por estarem presentes os requisitos da  State Action Doctrine.

  4. Uma das primeiras oportunidades em que o CADE referiu-se expressamente à teoria americana do sham litigation refere-se à Averiguação Preliminar n° 08012.006076/2003-72[18] (“Caso das baterias Mouras”), em que se discutia a prática de infração à ordem econômica em razão de reclamação encaminhada à ANATEL por concorrentes, acusando o “Grupo Moura” de descumprir requisitos regulatórios mínimos.

  5. O abuso do direito de petição foi descartado, pois o Tribunal entendeu que o pedido de esclarecimentos quanto à certificação técnica do produto à agência reguladora do setor era legítimo. Ademais, a própria ANATEL reconheceu certa procedência nas reclamações formuladas ante as deficiências no processo de certificação.

  6. Embora o CADE tenha confirmado o arquivamento do processo no recurso de ofício, o voto-vista do Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva procurou estabelecer alguns critérios, inspirados na jurisprudência norte-americana, que deveriam ser levados em consideração quando se busca averiguar casos de abuso de direito de petição, quais sejam:  a plausibilidade do direito invocado, a veracidade das informações, a adequação e a razoabilidade dos meios utilizados e a probabilidade de sucesso na postulação.

  7. Entretanto, foi no Processo Administrativo nº 08012.004484/2005-51[19], em que, pela primeira vez, o Tribunal discutiu, de forma mais ampla, a relação entre a proteção ao direito de petição e o sham litigation. O caso tratava da suposta imposição de obstáculos, por parte da Siemens VDO Automotive Ltda, à comercialização de tacógrafos por sua concorrente Seva Engenharia Eletrônica S.A, por meio do ajuizamento de ações judicias para suspender portaria do Denatran que autorizava a comercialização de produtos da Seva, sob o argumento de que o tacógrafo vendido pela concorrente não obedecia à determinada resolução do Contran. A representada também foi acusada de oferecer um acordo para que a Seva deixasse de atuar como concorrente no mercado e se aliasse a ela..

  8. A maioria dos Conselheiros entendeu que não houve sham litigation, mas condenou a Siemens por influência de conduta comercial uniforme em razão do convite à cartelização. A decisão, contudo, foi bastante controversa, tendo o Conselheiro Relator, inclusive, procedido à retificação do voto, alterando seu entendimento para afastar a existência de abuso de direito de petição.

  9. Em seu primeiro voto, o Relator destacou que a regulação sobre tacógrafos era controversa e que os agentes não poderiam atender à regulamentação de um órgão sem descumprir a de outro. Mesmo assim, uma norma tradicionalmente prevalecia sobre a outra, de modo que o mercado funcionaria de forma adequada. Assim, a interferência da Siemens teria criado uma desordem regulatória, criando artificialmente barreiras à entrada.   

  10. Em razão disso, o Relator votou pela condenação da representada, ressaltando, dentre outras coisas, que a solicitação de liminar pela Siemens teria excedido o espaço de ação legítima admitido para um agente de mercado, por ter apresentado caracterização falsa do periculum in mora, omitido detalhes sobre a pertinência das determinações da Resolução do Contran e limitado o contraditório que, eventualmente, poderia sanar as informações imprecisas prestadas pela representada ao magistrado.

  11. Posteriormente, o Relator retificou o voto, declarando a legalidade das ações propostas pela Siemens, sob o argumento de que a conduta, embora oportunística, não teria sido abusiva, pois as ações judiciais só poderiam ser consideradas ilícitas se considerado o contexto mais amplo relativo à proposta de cartel oferecida pela Siemens à Seva. 

  12. Ainda que tenha retificado sua compreensão acerca da legalidade da propositura das ações pela Siemens, o relator fez uma série de reflexões acerca do sham litigation, destacando que a prática demandaria uma análise de propocionalidade entre os interesses econômicos defendidos pela demanda, os mecanismos empregados para a promoção de tais interesses e o efeito negativo sobre a competição gerado pelo ajuizamento das ações. Ademais, ressaltou que o reconhecimento da admissibilidade ou da procedência de determinada judicial não obstaria o reconhecimento da ilicitude da conduta pelo CADE:

"Um litigante pode buscar defender direito legítimo por métodos abusivos, ou buscar defender interesse espúrio de forma processualmente adequada. A decisão judicial sobre a adequação do procedimento ou do mérito da demanda não pode constituir fator prejudicial para a análise dos efeitos, ainda que potenciais, da ação sobre o mercado.”.

  1. O Conselheiro Olavo Chinaglia também fez importantes considerações sobre o tema. Segundo ele, a marca distintiva das ações anticompetitivas estaria no objetivo de causar constrangimentos aos negócios do concorrente por meio do ajuizamento da própria ação e não em razão de eventual provimento jurisdição favorável. Assim, uma ação ajuizada de forma regular e em observância aos princípios processuais não poderia ser considerada uma infração à ordem econômica, ainda que se entendesse que a decisao trouxe efeitos negativos para o mercado.  Ressaltou, ainda, que o desprovimento de determinada ação não é evidência de comportamento abusivo, a menos que tenha resultado de demanda desprovida de plausibilidade, enganosidade ou fraude.

  2. Já o Conselheiro Cesar Mattos procurou distinguir as hipóteses de litigância de má fé e de sham litigation, ressaltando que a última independeria de dolo, nos termos da definição de abuso de direito do art. 187 do Código Civil:

“Na delimitação de sham litigation, feita acima, demonstramos fartamente que sua incidência não tem condição necessária a configuração de litigância de má-fé, bastando, como condição, a configuração do abuso de direito, nos termos do art. 187 do CC. Além disso, na definição de abuso de direito, feita acima explicamos que sua incidência, se configura quando o exercício de determinado direito excede sua finalidade econômica ou social, a boa-fé, ou os bons costumes, nos termos do art. 187 do CPC. Acrescentamos, ainda, que a sua verificação independe de dolo ou culpa, ou seja, não é necessário que haja dolo (má-fé se inclui no conceito de dolo) para a caracterização do abuso de direito” .

  1. Mais recentemente, na Averiguação Preliminar nº 08012.001397/2008-95, de minha relatoria, o Tribunal discutiu se a Comgás havia praticado infração à ordem econômica, ao interferir em processos administrativos junto a órgãos ambientais e ao CADE e impetrar ações judiciais contra o Consórcio Gemini. Em meu voto, entendi que a Comgás não havia praticado conduta lesiva à concorrência, por não haver elementos nos autos que permitissem afirmar que os atos da representada tiveram um “fim anticompetitivo espúrio” ou constituíram um “padrão antijurídico de atuação”, além de não haver provas de que a conduta afetara a ordem concorrencial.

  2. Na ocasião, destaquei que a interferência da Comgás na esfera administrativa ambiental e na esfera judicial não se deu pela utilização de informações enganosas ou maliciosas, nem se voltou a induzir as autoridades públicas a erro. Ao contrário, a conduta fundamentou-se basicamente na prejudicialidade da decisão acerca do conflito de competências entre o Estado de São Paulo e a União em relação à autorização do funcionamento do Consórcio Gemini, que repercutia diretamente sobre os direitos da Comgás. Além disso, o STF havia reconhecido a verossimilhança da tese da representada em liminar concedida pela Ministra Carmem Lúcia no âmbito da Reclamação nº 4120, de modo que o pedido se revestiria de plausibilidade.

  3. Em 2014, o Tribunal voltou a se manifestar sobre a prática de sham litigation. No PA nº 08012.004572/2007-15, o Conselheiro Relator, Alessandro Octaviani, votou pelo arquivamento do processo administrativo, ressaltando que as ações judiciais e administrativas propostas pela representada não careciam de embasamento legal nem eram desarrazoadas. Isso porque se entendeu que era usual que os licitantes questionassem, em procedimentos licitatórios, os parâmetros adotados pela comissão de licitação, podendo apresentar argumentos técnicos para que apenas o seu produto fosse aceito no certame.  

  4. No mesmo ano, o CADE analisou hipótese de sham litigation relativa à prática de lobby no legislativo para proibir a venda de óculos escuros fora de óticas. O Conselheiro Eduardo Pontual, Relator do processo, entendeu que não houve ilícito antitruste, pois as representadas não teriam lançado mão de expedientes ilegais ou condenáveis nem de meios excessivos para defender sua pretensão. Além disso, não houve enganosidade.

  5. A prática de lobby também foi analisada no Processo Administrativo nº 08012.0075/200594, de relatoria do Conselheiro Gilvandro Araújo, em que o  Sindicato Intermunicipal Comércio Varejista de Combustíveis Lubrificantes  do Estado do Rio Grande do Sul – SULPETRO foi acusado de estar influenciando ativamente, por meio de sua Diretoria, os Poderes Executivo e Legislativo para que fossem aprovadas leis municipais que restringissem a instalação de postos revendedores de combustíveis em grandes áreas comerciais. Em seu voto, o Conselheiro destacou que, sempre que houvesse falsidade (através de manifestações omissivas ou omissivas) nas petições submetidas ao Executivo, ao Legislativo e/ou ao Judiciário ficaria caracterizado o abuso de petição, cabendo ao CADE investigar o potencial lesivo sobre a concorrência. Ao final, contudo, entendeu que não houve infração à ordem econômica, por não ser possível inferir das provas acostadas aos autos a existência de falsidade nas petições.

  6. É pacífico, portanto, na jurisprudência deste Conselho, que o direito de petição não é absoluto e não está imune à avaliação da autarquia. Isso significa que o CADE reconhece a sua competência para averiguar, se, no caso concreto, houve ou não alguma razoabilidade no exercício desse direito, ainda que a abusividade não tenha sido constatada no processo judicial ou administrativo de origem.

  7. Apesar de haver intensa controvérsia doutrinária sobre a definição de abuso de direito, a análise da jurisprudência do CADE, demonstra que, de forma geral, deverão ser consideradas a plausibilidade das ações, a veracidade das informações fornecidas, além da proporcionalidade dos meios utilizados.  A inexistência de enganosidade exige também que não sejam omitidas informações que possam levar o magistrado a erro, até porque, como se verá adiante, o abuso de direito também admite a modalidade culposa, constatação que se extrai não apenas do art. 187 do CC, mas da própria Lei 8.884/94 e da Lei 12.529/2011, que afastam a exigência  de culpa subjetiva para a configuração do ilícito antitruste.

  8. Já se viu que abusos de direito de petição relacionados à propriedade intelectual devem ser analisados com ainda mais cautela, diante do caráter naturalmente exclusionário desses direitos. Embora vocacionados a assegurar a inovação e o investimento, muitas vezes, os institutos do direito industrial podem ser utilizados de forma abusiva, como uma estratégia anticompetitiva para bloquear a entrada de rivais.

  9. O tema já foi enfrentado pela jurisprudência do CADE no caso Box 3 e Bann Químíca vs. Dystar, examinados a seguir.

 

VI.3 Sham litigation e propriedade intelectual

  1. Na jurisprudência estrangeira, há diversos julgados que examinam abusos de direito de petição relacionados à propriedade intelectual, dentre os quais é possível mencionar o Caso Walker Process Equipment v. Food Machinery & Chemical Corp, o Dippin’ Dots v. Thomas R. Mosey e o AstraZeneca. 

  2.  O primeiro, julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos, consistiu na tentativa de obtenção de patente por meios fraudulentos. A diferença da fraud litigation, caracterizada nesse caso, para a sham litigation é que na fraud o litigante informa dados sabidamente falsos com vistas à obtenção de monopólio, ao passo que na sham litigation ele dissimula ou omite dados relevantes com vistas a prejudicar a concorrência. A linha que diferencia fraud litigation e sham litigation é tênue, tanto que ambas as condutas são lesivas à ordem econômica e tratam de induzir a instância decisória (administrativa ou judicial) a erro.

  3. A diferença conceitual levantada no caso Walker Process é visível quando nos deparamos com o litígio Dippin’ Dots v. Thomas R. Mosey, que trata justamente da omissão de certas informações com vistas ao induzimento a erro de autoridade pública. A empresa de sorvetes Dippin’s Dots foi condenada por conduta anticoncorrencial por ter omitido informações relevantes à autoridade de patentes, com o objetivo de obter registro. No caso Dippin’ Dots, compreendeu-se que a intencionalidade da fraude deve ser provada independentemente da existência de dolo anticoncorrencial.

  4. Os precedentes descritos acima deixam claro que nem mesmo a concessão da patente afasta a possibilidade sham litigation, exame que envolverá, inclusive, as circunstâncias em que o registro de patente foi obtido. Dessa maneira, questões como a de saber se o INPI foi induzido a erro, se as informações prestadas no processo de registro eram propositalmente insuficientes, se a patente foi posteriormente declarada nula, dentre outras, passam a ser de fundamental importância, na medida em que podem revelar uma estratégia anticompetitiva

  5. Em outras palavras,  o fato de se ter obtido a patente junto ao órgão competente não é capaz de afastar, por si só, a abusividade ou os excessos, seja na própria obtenção da patente, seja na  invocação desse direito para processar outros rivais.

  6. A exemplo deste entendimento cita-se o conhecido caso AstraZaneca, julgado pela Comissão Européia em 2005, em que a empresa foi multada em 60 milhões de euros por estender, de forma fraudulenta, a propriedade intelectual do medicamento Losec, retardando a entrada de genéricos no mercado. Neste caso, a AstraZeneca havia prestado informações enganosas sobre a data das primeiras licenças sanitárias emitidas em território europeu para poder estender a duração do seu Supplementary Protection Certificate (SPC) e cancelou o registro do medicamento original, substituindo-o por um follow on, de modo a impedir a troca do medicamento por um genérico e prejudicar a importação paralela. Deste modo, em razão de terem prestado informações incompletas para induzir a autoridade a erro na emissão da patente, a Comissão Europeia entendeu que o uso de procedimentos e regulamentações públicas, incluindo procedimentos administrativos e judiciais, poderia constituir um abuso, já que o conceito de abuso não é limitado à conduta no mercado, podendo incluir em seu conceito o uso indevido de procedimentos e regulamentações públicas que possam resultar em sérios efeitos anticompetitivos no mercado.[20]

  7. A hipótese de sham litigation  relacionada à propriedade intelectual também já foi apreciada pelo CADE no Processo Administrativo nº 08012.004283/2000-40, em que se discutia a prática de infração à ordem econômica pela Box 3 Vídeo e Publicidade e pela Léo Produções e Publicidade, em razão do ajuizamento de ações descabidas que tinham por objetivo retirar as representantes do mercado de vendas por meio de programas de televisão. O Conselheiro Relator, Vinícius Marques de Carvalho, destacou que as representadas haviam atuado de má-fé, ao deduzir pretensão contra texto expresso de lei e solicitar cautelares, apresentando pretensões que sabiam de antemão serem precárias, ante as diversas manifestações do Judiciário em sentido oposto.

  8. O tema voltou a ser enfrentado no Processo Administrativo nº 08012.007189/2008-08, de minha relatoria, em que a Dystar Textilfarben Gmbh e a DyStar Indústria e Comércio de Produtos Químicos  Ltda foram acusadas de estarem impondo custos ao rivais em razão do ajuizamento de diversas ações judiciais que visavam a proteger direito patentário indevido, de forma abusiva. Ao final, contudo, entendi que não havia indícios suficientes de sham litigation, pois havia importantes elementos que sustentavam a plausibilidade do pedido, como a concessão de patentes em outras jurisdições e pelo INPI e a própria decisão anulatória superveniente, que, em nenhum momento, revelou a manifesta improcedência do pedido e/ou o fato de que o registro tivesse sido concedido com base em informações enganosas.

  9. Conclui-se, assim, que a associação entre abuso de direito de petição e propriedade intelectual tem claro potencial de lesão à concorrência. O monopólio garantido por uma patente é legítimo pelas próprias premissas que sustentam o direito patentário, mas esse monopólio é ilícito quando, mesmo que dissimulado pela proteção patentária, é obtido por meios fraudulentos.

  10. Portanto, a sham litigation é possível mesmo no momento de concessão da patente, ainda que de difícil aferição. Novamente, de acordo com o voto-vista do PA 08012.007189 2008-08:

Em casos assim, há considerável margem para que o titular da patente se utilize da defesa judicial de forma maliciosa ou descuidada, praticando deslealdades processuais, fraudes, atitudes procrastinatórias e excessos processuais que, ao distorcerem as condições concorrenciais, não podem ser tolerados pela autoridade antitruste.

  1. Com maior razão, é possível se cogitar de sham litigation quando a parte, embora não tenha obtido regularmente a patente, utiliza-se de diversos expedientes processuais para obter o resultado prático da patente, como é o caso dos autos.

  2. De fato, a Eli Lilly jamais obteve parecer favorável do INPI, tanto no que se refere ao processo, como no que se refere ao produto. Entretanto, conseguiu gozar da exclusividade inerente à patente por outros meios, como se verificou no relatório. Alega-se que não há provas suficientes para se afirmar que a autoridade de patentes foi induzida a erro, considerando, inclusive, que o pedido de registro da Eli Lilly foi reiteradamente negado.

  3. Entretanto, é importante salientar que, inconformada com as decisões desfavoráveis sobre o registro de patente, a representada recorreu ao Judiciário para que o INPI revisasse o pedido ou para que o Judiciário desde já, suprindo a instância administrativa, reconhecesse o seu direito. Foi no contexto dessas várias demandas judiciais que foram verificados indícios de abuso de direito de petição, motivo pelo qual o presente caso não trata propriamente de fraude de patente.

  4. A representada alegou em sua defesa que o fato de ter seu pedido negado e de, posteriormente, ter recorrido da decisão administrativa, não basta para a configuração do sham litigation. Para que se detectasse a ilicitude no processo de concessão da patente pelo INPI, seria necessário comprovar a má-fé e, portanto, a origem fraudulenta da patente.

  5. No entanto, é preciso analisar a conduta da representada de forma detalhada e atenciosa, observando seus movimentos posteriores ao depósito do pedido de patente, sobretudo no que toca às ações que ajuizou. É o que passo a fazer na próxima seção.

 

VI.4. Análise do caso concreto

  1. Para avaliar a existência de abuso no direito de petição, serão examinadas as condutas perpetradas pela representada desde o momento do depósito do pedido de registro de patente (e do primeiro exame realizado pelo INPI) até a reconvenção proposta contra a Sandoz, seguindo o histórico de demandas descrito no relatório.

  2. Assim, a análise de conduta lesiva à concorrência observará as seguintes etapas: (i) o depósito da patente e o ajuizamento da primeira ação judicial em face do INPI; (ii) a alteração do escopo do pedido de patente; (iii) o suposto induzimento do Judiciário a erro mediante omissão de informações relevantes e a obtenção de exclusividade de comercialização do cloridrato de gencitabina, (iv) a hipótese do forum shopping e (v) a vedação à Sandoz da comercialização do medicamento GEMCIT.

 

VI.4.1. Depósito da patente e ajuizamento da Ação nº 2001.51.01531698-3

  1. Em 1993, a representada realizou o depósito do PI 9302434-7 (supra, 11) e, em 1996, realizou pedido de exame do mérito da patente. O pedido inicial consistia no requerimento da patente de processo para produzir determinado composto e foi indeferido pelo INPI, sob o argumento de que o acordo TRIPs, embora estivesse vigente na data de análise do pedido, não vinculava o Brasil, de forma automática, diante da cláusula expressa que admitia a postergação de determinados dispositivos por quatro anos (supra, 15).

  2. É importante notar que, nessa primeira análise, o INPI não mencionou a ausência de atividade inventiva, mas somente a inaplicabilidade do Acordo TRIPs. O fundamento da atividade inventiva somente foi suscitado na ação rescisória e quando do segundo exame, cujo resultado foi publicado em 17.02.2005.

  3. Como descrito anteriormente, a SG entendeu que a Eli Lilly sabia que o patenteamento do produto não era possível, pois: (i) a gencitabina estava em domínio público,  de modo que não seria possível se valer do procedimento de patentes pipeline da LPI  e (ii) o primeiro pedido da representada no INPI versava apenas sobre patente de processo e não de produto, de modo que, ainda que se admitisse a vigência do TRIPs, não seria possível conceder a patente.

  4. Apesar do entendimento da SG, entendo que havia controvérsia razoável em torno do assunto, o que já afastaria a possibilidade de sham litigation. Com efeito, um dos requisitos para a configuração do ilícito antitruste é a inexistência de plausibilidade no direito invocado, o que não se verifica na hipótese.

  5. Corroboram esse raciocínio os seguintes elementos: (i) o fato de que a representada, neste primeiro momento, limitou-se a requerer o registro da patente perante o órgão competente, a quem cabia analisar a patenteabilidade, (ii) o fato de que o INPI jamais declarou a manifesta improcedência do pedido da representada, limitando-se a indeferi-lo por entender que o TRIPs não seria aplicável e (iii) o fato de que a representada ainda conseguiu anular judicialmente a decisão do INPI, obtendo o reconhecimento judicial de que o seu pedido deveria ser analisado pela autarquia.

  6.  Por mais que esta decisão tenha sido posteriormente anulada pela procedência da ação rescisória superveniente - que se baseou exclusivamente na inaplicabilidade do TRIPs -, tal circunstância não afasta a plausibilidade do pedido da representada, já que o próprio Judiciário jamais o afastou de plano, entendendo, pelo contrário, que a pretensão da representada dependia exclusivamente de se saber a legislação aplicável ao caso.

  7. De acordo com o TRIPs, antes de 01.01.96, um ano após a entrada em vigor do Acordo, nenhum Membro estaria obrigado às suas disposições.  O Acordo ainda determinava que os países em desenvolvimento teriam o direito de postergar a data de aplicação por um prazo adicional de quatro anos, de maneira que o Brasil só estaria obrigado à aplicação das regras a partir de 01.01.2000.

  8. O Brasil, contudo, não declarou expressamente a postergação, o que reforça a existência de dúvida razoável sobre a legislação aplicável no momento do exame do registro da representada. Isso explica a controvérsia nas decisões judiciais proferidas na ação anulatória ajuizada pela representada contra a decisão do INPI. Enquanto o magistrado de primeiro grau entendeu que o TRIPs continha normas de eficácia limitada, interpretando a ausência de manifestação do Brasil, como anuência à regra que postergou a aplicação do acordo, o TRF 2ª região, ao contrário, declarou que, na ausência de referência ao exercício dessa faculdade no Decreto Legislativo 34/94 e no Decreto Presidencial 1.355/94, o TRIPs deveria ter aplicabilidade imediata.

  9. O voto vencido da desembargadora Liliane Roriz na ação rescisória corrobora a conclusão, ao declarar que as decisões judiciais sobre a matéria teriam oscilado por longo período:

“Ora, o entendimento do acórdão rescidendo no sentido de que a patenteabilidade dos medicamentos se deu na data da vigência do TRIPS e de que este entrou em vigor em 01.01.1995 é compatível com o sistema legistativo pátrio, muito embora a jurisprudência mais recente do STJ tenha se firmado em sentido diverso.

É certo, porém, que as decisões oscilaram por longo tempo, encontrando-se acórdãos e sentenças em ambos os sentidos.”

  1. A própria nota técnica reconheceu que a aplicação do TRIPs suscitava diversas dúvidas e que havia, pelo menos, quatro interpretações possíveis relacionadas à vigência do acordo, como descrito abaixo:

“A redação destes artigos é complexa e gera uma série de dúvidas, como se demonstrará a seguir.

Com efeito, a princípio o TRIPs geraria obrigações a seus signatários 1 ano após a vigência do Acordo Constitutivo da OMC (art. 65.1 do TRIPs), que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2005. Todavia, há uma série de interpretações possíveis relacionados ao termo inicial de sua vigência, a saber:

 

1995 – a vigência do TRIPs inicia-se em 1995, já que o decreto 1.355/94 teria internalizado o texto do referido acordo e estaria vigente no referido ano.

1996  - a vigência do TRIPs seria iniciada em 1996, já que o art. 65.1 do TRIPs teria mencionado que nenhum membro estaria obrigado a cumprir as disposições do tratado antes de transcorrido o prazo de um ano da data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC.

2000 – A vigência do TRIPs seria iniciada em 2000, tendo em vista que (i) o disposto no art. 65.1 já comentado e (ii) o prazo previsto no art. 65.2 que permite a um país em desenvolvimento postergar a entrada em vigor do TRIPs por 4 anos.

2005 – Há ainda interpretação de que o setor farmacêutico seria um setor tecnológico nos termos do art. 65.4 do TRIPs, a aplicação do referido tratado no Brasil não se daria em 1995 ou em 2000, mas apenas se verificaria em 2005.

 

Há teses jurídicas que defendem a possibilidade de aplicação de cada uma destas hipóteses. Não bastasse a falta de clareza a respeito de qual seria o termo inicial da vigência do TRIPs, há uma discussão relacionada à sua aplicabilidade no Brasil. Autores como Denis Barbosa sustentam que o TRIPs não gera efeitos imediatos no Brasil.”.

  1. No que se refere ao argumento da SG de que o TRIPs não admitia a patenteabilidade de processos farmacêuticos, é importante ressaltar que também não se trata de interpretação inequívoca. Nos termos do art. 27 do Acordo, considera-se matéria patenteável “qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos (...), desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial”.

  2. O próprio parecer do INPI, acostado às fls. 155 a 162, não descarta, de plano, a aplicabilidade do TRIPs sobre as patentes de processo. Como esclareceu a Diretoria de Patentes: “os países em desenvolvimento têm o direito de postergar a data de aplicação das disposições do TRIPs até 31.12.1999, em relação aos processos de obtenção referidos no art. 229 da LPI e, com base no art. 65.4, até 31.12.2004, em relação dos respectivos produtos, para todos os pedidos depositados anteriormente a 1 de janeiro de 1995 (pelas disposições do 70.8).”. Assim, verifica-se que a discussão refere-se à data de aplicação do TRIPs que, como mencionado anteriormente, estava sujeita a inúmeras controvérsias.

  3. Note-se que, quando do primeiro pedido de exame da patente pela representada, ainda não estava em vigor a Lei 9.279/1996. Ademais, o art. 230, §  5º, da lei, não deixava claro se a desistência do pedido de patente em andamento, relativa a produtos ou processos químicos, se tratava de uma faculdade ou de uma obrigação do requerente. A dúvida foi esclarecida pela publicação da Medida Provisória nº 2014-1, reeditada quatro vezes, de 15.12.99, que determinou que os pedidos depositados até 31.12.94, cujos depositantes não tivessem exercido as faculdades dos arts. 230 e 231 da LPI, seriam indeferidos. A referida medida provisória, contudo, só foi editada três anos após o primeiro pedido de exame formulado pela representada. Não é sem razão que a norma não foi mencionada na primeira manifestação do INPI, mas apenas em sede de recurso administrativo, conforme a decisão acostada à fl. 170.

  4. Embora o pedido tenha sido depositado antes da ratificação do tratado pelo Brasil, o que poderia justificar a constatação de que se tratou de pretensão ilegal, na medida em que o antigo CPI não admitia patentes relacionadas a processos e produtos farmacêuticos, verifica-se que o próprio TRIPs admitia modificações nas solicitações de proteção pendentes na data de sua aplicação. Assim, não é totalmente desarrazoado o argumento da representada de que as disposições do TRIPs eram  aplicáveis.

  5. Note-se que tanto a decisão do INPI quanto as decisões judiciais consideraram a data do requerimento do exame para verificar a patenteabilidade do objeto. Caso contrário, sequer haveria a necessidade de discutir se o Brasil fez ou não uso da postergação prevista no TRIPs. Assim, embora a conduta adotada pela representada seja bastante questionável, na medida em que, na data do pedido de depósito, não havia amparo legal para a patente, entendo que isso não é suficiente para configurar sham litigation dentro desse contexto, cabendo à autoridade competente proceder ao exame da patenteabilidade, como de fato ocorreu.  

  6. No que se refere à ação judicial nº 2001.51.01531698-3, a  insatisfação com a prestação desfavorável obtida do exame que competia ao INPI é fundamento razoável para impelir a representada a pleitear sua pretensão perante o Poder Judiciário, especialmente diante da argumentação do INPI na ocasião desse primeiro indeferimento, que se concentrou na inaplicabilidade do TRIPs.

  7. De fato, o INPI indeferiu o pedido de registro de patente tão somente em razão da inaplicabilidade do Acordo e de razões decorrentes desse fato, já que da aplicação da LPI decorreria a perda de prazo por parte da representada para o requerimento de patente pipeline (supra, 16). Não houve, portanto, nenhuma menção à ausência de requisitos de patenteabilidade, como ocorreu posteriormente com a questão da atividade inventiva, nem muito menos à existência de qualquer abusividade por parte da representada.

  8. A controvérsia suscitada pelo parecer que indeferiu o pleito da Eli Lilly dizia respeito, portanto, a caso de conflito de leis no tempo, o que constitui razoável motivação para a proposição da primeira ação judicial, em 2003, ainda que tenha sido rescindida em 2011 em razão de ação rescisória proposta pelo INPI (supra, 39).

  9. A Eli Lilly, inclusive, foi vitoriosa em segunda instância, o que reforça a plausibilidade de seu pleito. O acórdão do TRF da 2ª Região deu provimento à apelação da Eli Lilly, para declarar a nulidade do ato administrativo que indeferiu o pedido de patente PI 9302434-7, nos termos descritos abaixo:

“Portanto, segundo a r. sentença, somente com a edição da Lei 9.279/96 passaram a ser privilegiáveis as invenções não patenteáveis na vigência da Lei 5.772/71, mediante o estabelecido nos arts. 229 e 230, que vieram a dar efetividade às normas do TRIPS.

Tal interpretação, data vênia, parece-nos equivocada na medida em que o prazo instituído para todos os países signatários aplicarem as disposições do presente Acordo é aquele fixado no item 1 do Art. 65 (prazo de um ano). E o prazo comum, a regra geral. Já quele prazo previsto no item 2 (quatro anos) é a exceção à regra geral; é uma faculdade dada aos países em desenvolvimento, que para ser exercida exige a expressa manifestação do país interessado na postergação do prazo.

Assim, como nem o Decreto Legislativo 34/94 nem o Decreto Presidencial 1.355/94 fazem qualquer referência ao exercício da referida faculdade, não há que se ter como postergado o prazo para aplicação do TRIPs no Brasil. [...]

Fixado isto, e considerando que a regra do efeito imediato e geral de uma norma justamente exprime a vontade de atuar “no momento mesmo em que se torna obrigatória”, estendendo-se “mesmo àquelas posições e àquelas relações jurídicas estabelecidas antes da sua promulgação”, era de rigor que o Instituto Apelado, por ocasião do exame e/ou reexame do pedido de privilégio de patente, houvesse observado os ditames legais previstos no Acordo TRIPs c/c com a Lei 9.279/96, conforme, aliás, os inúmeros precedentes jurisprudenciais colacionados pela Apelantes no bojo dos autos.

Face ao exposto, e considerando que o Acordo TRIPs já vigorava em janeiro de 1995, e considerando, ainda, que a aplicação dos arts. 229 e 230 da LPI, no caso em exame, não atende aos princípios da razoabilidade e da eficiência, opinamos pelo provimento do recurso. (grifos do original, fls.756/762)”.

  1. Essa decisão favorável à representada determinou que o INPI prosseguisse com o exame da patente, lembrando que o pedido, até então, somente versava sobre patente de processo, e que ainda não havia nenhuma decisão do INPI que declarasse a ausência de atividade inventiva da patente.

  2. Assim, aplicando o princípio do in dubio pro reo à hipótese, entendo que o mero pedido de patente e a primeira ação judicial que impugnou o indeferimento pelo INPI não configuraram infração à ordem econômica, motivo pelo qual passo à segunda etapa da da análise.

 

VI.4.2.  Alteração do escopo da patente

  1. Na segunda análise realizada pelo INPI, o pedido de patente da representada foi julgado novamente improcedente (supra, 45). O fundamento para a improcedência foi a ausência de atividade inventiva, o que não foi mencionado no primeiro exame da autarquia.

  2. A representada, então, se manifestou sobre o parecer técnico do INPI para defender a existência de atividade inventiva, juntando pareceres emitidos por professores da UFRJ em favor da concessão da patente.

  3. Foi nesse ponto que a Eli Lilly apresentou o segundo quadro reivindicatório (supra, 44), que ainda tratava do processo de produção do cloridrato de gencitabina.

  4. O INPI manteve a decisão pela ausência do requisito de atividade inventiva em relação ao segundo quadro reivindicatório, formulado com vistas à melhor delimitação do objeto da patente.

  5. Enquanto tramitava o processo administrativo no INPI, a representada ajuizou uma segunda ação judicial, novamente na Seção Judiciária do Rio de janeiro, para anular a decisão do INPI e obter o deferimento da patente pleiteada (supra, 50).

  6. Quando a representada recorreu administrativamente da decisão do INPI, foi apresentado um terceiro quadro reivindicatório, que continha duas reivindicações (15 e 16) que não mais tratavam de processo, mas de produto. O nome da patente foi alterado, inclusive, para “processo para preparar um nucleosídio enriquecido com beta-anômero e composto”.

  7. Após a inclusão do terceiro quadro reivindicatório no processo administrativo, a representada também apresentou pedido de aditamento à ação ordinária em que pleiteava a anulação do segundo exame do INPI (supra, 51).

  8. O INPI não chegou a emitir decisão referente ao recurso da Eli Lilly, uma vez que, por força de decisão judicial no âmbito da ação acima referida, o feito administrativo foi sobrestado a pedido da representada.

  9. Em petição protocolada no dia 13.05.2015 junto ao CADE, a representada argumentou que a alteração da patente era lícita em razão da vigência de Parecer vinculante PROC/DICONS nº 07/2002 do INPI, que admitia a modificação mesmo após o requerimento do exame, desde que a alteração não ampliasse a matéria revelada.

  10. Segundo a SG, contudo, a Eli Lilly teria praticado conduta anticoncorrencial ao modificar a patente após esse prazo, pois o art. 32 da Lei 9.279/96 só admite a alteração do pedido de patente até o requerimento do exame, desde que tenha por finalidade esclarecê-lo ou defini-lo. Ademais, ainda que desconsiderado esse prazo, não haveria como reconhecer a licitude da conduta praticada pela representada, pois a qualquer tempo, é vedado aumentar o escopo patentário para incluir matéria não revelada no pedido inicial ou matéria que está em domínio público, como no caso sob exame.

  11. De fato, após a publicação da Resolução nº 093/2013, não há dúvidas de que o aditamento voluntário da patente após o requerimento de exame não é admitido pelo INPI, independentemente de haver ou não alterações na matéria revelada. A referida Resolução estabelece quatro hipóteses em que é possível alterar o quadro reivindicatório, a saber: (i) até o requerimento do exame, quaisquer alterações nas características do pedido, desde que limitadas à matéria inicialmente revelada; (ii) a qualquer momento do processamento do pedido de patente, alterações que objetivem corrigir inequívoco erro material de digitação ou tradução; (iii) alterações apresentadas pelo requerente, de forma a adequar as reivindicações às disposições da Resolução PR nº 17/2013[21]  e; (iv) após o requerimento do exame, modificações voluntárias ou resultantes de exame técnico, desde que estas sirvam exclusivamente para restringir a matéria reivindicada e não alterem o objeto pleiteado.

  12. Verifica-se, portanto, que após o requerimento do exame, só poderiam ser aceitas modificações que visassem a restringir a matéria reivindicada, o que não se vislumbra na hipótese sob exame. No caso ora analisado, como reconhece a própria representada, o quadro reivindicatório foi alterado, ampliando o objeto da patente de processo para processo e produto.

  13. De acordo com Denis Borges Barbosa, o depositante do pedido de patente poderá efetuar alterações no quadro reivindicatório até o pedido de exame, desde que estas se limitem à matéria inicialmente revelada no pedido[22]. Dessa forma, a alteração de patente de processo para patente de processo e produto após o pedido de exame seria ilícita. Tal entendimento vai ao encontro da própria função da reivindicação no pedido de patente, que é a de fixar o objeto da invenção e constituir a medida do direito do inventor, como expõe Gama Cerqueira:

"(...) deve o inventor ter o máximo cuidado ao especificar os pontos característicos da invenção, indicando de modo claro e preciso no que ela consiste, sem omitir nenhum de seus elementos essenciais. A lei permite que o inventor, nessa parte do relatório, trace os limites precisos do seu direito: incumbe-lhe, pois, proceder com cuidado e inteligência para obter uma patente valiosa. O valor e a sorte do privilégio dependem das reivindicações, que um escritor considera como a alma da patente”.

  1. À época da inclusão das reivindicações 15 e 16, contudo, estava em vigor o PROC/DICONS nº 07/2002 do INPI, que admitia a possibilidade de alteração do pedido de patente mesmo após o requerimento de exame, desde que não houvesse alteração na matéria revelada. É o que explicam as “Diretrizes sobre a aplicabilidade do disposto no artigo 32 da Lei 9.279/96 nos pedidos de patentes, no âmbito do INPI”, editadas pela Diretoria de Patentes do INPI:

“O Parecer PROC/DICONS Nº 07/2002 estabeleceu que o artigo 32 da LPI NÃO IMPEDIRIA que, após solicitado o exame, fossem feitas modificações para colocar no QR matéria que houvesse sido REVELADA no pedido originalmente depositado. A publicação desta decisão ocorreu na RPI nº 1655, de 24/09/2002.”

  1. A fundamentação do parecer esclarece que a interpretação sistemática da Lei 9.279/96 não autoriza a conclusão de que existia uma vedação irrestrita à alteração do pedido de patente após o requerimento de exame. Além de o art. 70.7 do TRIPs admitir a modificação de solicitações de proteção pendentes na data de aplicação do acordo, o art. 26 da Lei 9.279/96 admite que o depositante divida o pedido até o final do exame. Ademais, a interpretação poderia anular as disposições dos arts. 35 e 36 da LPI, de forma que o examinador ficaria impedido de determinar a emenda ao pedido, devendo aceitá-lo e/ou rejeitá-lo integralmente mesmo diante de erros pouco relevantes. É o que se extrai dos trechos colacionados abaixo:

“Temos que, nos termos do inciso III do art. 35 da LPI poderá o INPI formular exigência no sentido de que seja reformulado o pedido de uma patente, visando atender aos requisitos de proteção, legalmente estabelecidos. Nesse diapasão, temos que esse segundo momento, destinado à alteração depende da concordância do INPI, através de sua diretoria competente.

Entretanto, em havendo um requerimento do próprio depositante, visando a alteração de seu pedido, já ultrapassado o momento do art. 32 da LPI, deve o INPI examinar o pleito, em face do princípio constitucional do direito de petição. Certo é que essa concordância, ou eventual recusa deverá vir através de pronunciamento nos autos, pela autoridade competente, mediante despacho motivado.

Mas ainda, tem-se que, pelo artigo 26 da LPI, pode o depositante dividir seu pedido a qualquer tempo, até o final do exame e, assim, reivindicar a qualquer tempo porção de matéria nele presente. A única limitação seria a estabelecida em sua alínea II, de não exceder os limites do revelado no pedido original.

Este artigo deixa bem claro que nunca houve, por parte do legislador, a intenção de estabelecer uma data limite para que o inventor pudesse reivindicar a proteção para a sua invenção, ou ao contrário, um momento a partir do qual, se pedido, perdesse o direito sobre matéria que tenha descrito em seu pedido.

Aliás, esta questão é prevista no art. 70.7 do conhecido TRIPS, que estabelece:

70.7.1. No caso dos direitos de propriedade intelectual para os quais a proteção esteja condicionada ao registro, será permitido modificar solicitações de proteção que se encontram pendentes na data de aplicação deste Acordo para o Membro em questão, com vistas a reivindicar qualquer proteção adicional prevista nas disposições deste Acordo. Tais modificações não incluirão matéria nova.

Embora em nenhuma parte da LPI, se faça menção à natureza de reivindicações, o artigo 26 da LPI, bem como o art. 70.7 de TRIPS, citado acima deixa inequívoca a possibilidade de reivindicar qualquer matéria, desde que tenha sido revelada no pedido original.”

  1. Em razão do referido parecer, o Diretor de Patentes encaminhou à Presidência da autarquia missiva, concluindo que o art. 32 da LPI não impediria a incorporação no quadro reivindicatório de matéria inicialmente não reivindicada, desde que a alteração integrasse a matéria inicialmente revelada. O raciocínio, segundo ele, estaria em consonância com as tendências modernas da Propriedade Industrial: 

“A interpretação proposta por este parecer de que o art. 32 não impede a alteração do quadro reivindicatório para incorporar qualquer matéria até então não reivindicada, mas que tenha sido revelada no pedido originalmente depositado, mesmo que esta alteração tenha sido apresentada após o pedido de exame, está de acordo com as nossas discussões e com as tendências modernas da Propriedade Industrial e torna claro também o inventor nacional tem o direito à proteção de matéria revelada no pedido originalmente depositado, porém, não reivindicada”.

  1. Para entender melhor essa questão, é preciso diferenciar o conteúdo informacional da patente, ou seja, a matéria revelada nas informações contidas no pedido depositado, do conteúdo jurídico da patente, que se configura pelas reivindicações. Isso porque é sustentável que se possa alterar o quadro reivindicatório mesmo após o pedido de exame, desde que essa mudança no âmbito de proteção jurídica do objeto da patente não interfira na matéria inicialmente revelada.

  2. Como já se comentou, (supra, 12) a patente de processo não necessariamente diz respeito ao produto que se pretende produzir, pois é possível que o produto possa ser produzido por meio de outro processo.

  3. Vale igualmente lembrar que, no âmbito do direito patentário, é possível classificar determinadas reivindicações como “de produto por processo”, que são permitidas quando o produto decorrente do processo que se pretende privilegiar cumpre os requisitos para a patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial). Segundo as Diretrizes de exame de pedidos de patente[23] do INPI, um produto não é considerado novo simplesmente pelo fato de ser produzido por meio de um novo processo. Esse tipo de reivindicação, que define o produto em termos do processo que o origina, somente é viável se o produto resultante possui características diferenciadas do estado da técnica de outros produtos de mesma composição.

  4. Dessa maneira, ainda que o Parecer vigente à época do aditamento ao pedido de registro feito pela representada determinasse que seria possível alterar o escopo do pedido após o pedido de exame, essa alteração estaria condicionada à matéria revelada no pedido inicial.

  5. A alteração indevida do quadro patentário, transformando a patente inicialmente pleiteada em nova patente pode causar efeitos significativos sobre a concorrência, uma vez que a proteção patentária assegura o monopólio da depositante sobre o objeto do pedido.

  6. A vigência do parecer PROC/DICONS Nº 07/2002, entretanto, não autorizava a revisão do quadro reivindicatório após o exame de mérito pelo INPI, em sede de recurso administrativo. De fato, como destacou o desembargador Messo Azulay, no agravo de instrumento interposto na ação nº 2005.51.01.506948-1, “eventuais alterações no quadro de patente, com base no art. 32 da LIP, só podem ser efetuadas até a data de julgamento que indeferir ou deferir o registro, vedada a aplicação do artigo em fase recursal, por ausência de previsão normativa. Tenho pra mim que os procedimentos que conferem monopólio são estritamente vinculados, não comportando interpretação extensiva de seus termos”.

  7. Como esclareceu o INPI, na ação civil pública nº 2003.51.01.513584-5, ajuizada pelo Ministério Público Federal, que questionava a legalidade do referido parecer, o objetivo da norma era assegurar a economia processual, de modo que o INPI poderia aproveitar os atos das partes, analisando novo quadro reivindicatório, desde que a matéria constasse do pedido originalmente depositado.

  8. No caso sob exame, entretanto, verifica-se que a alteração do pedido da patente ocorreu em sede de recurso administrativo, quando o INPI já havia, inclusive, se manifestado contrariamente à pretensão da representada, declarando a inexistência de atividade inventiva.

  9. Assim, a inclusão das reivindicações 15 e 16, na verdade, não visava a definir, de forma mais precisa, o objeto da patente, mas fazia parte de um comportamento estratégico da representada que, antevendo a impossibilidade de obtenção da patente, pretendia alterar seu escopo para, posteriormente, obter a concessão do direito de comercialização exclusivo por meio do EMR. De fato, como se verá adiante, essa alteração era essencial para que a representada pudesse fazer uso do referido instituto, na medida em que o TRIPs só admite a concessão de EMR para patentes de produto e não de processo.

  10. Além disso, havia evidências de que o produto já estava em circulação no momento do exame, o que corrobora a alegação de que a alteração da patente, na verdade, foi apenas um artíficio utilizado pela representada para obter indevidamente o monopólio sobre o medicamento. Isso porque, exceto no caso das patentes pipeline, em que, em princípio, se admite a “revaliação de patentes concedidas no exterior” ao Brasil, nas demais hipóteses, o fato de o fármaco já ter caído em domínio público demonstra a inexistência de atividade inventiva e impede a concessão do registro. É exatamente por isso que parte da doutrina sustenta que as patentes pipeline são inconstitucionais, como revela o trecho extraído do especialista Denis Borges Barbosa:

“As patentes pipeline estão previstas nos artigos 230 e 231 da Lei 9.279/96 – a Lei Brasil de Propriedade Industrial (LPI) – os quais possibilitram depósitos de patentes em campos tecnológicos para os quais o Brasil não concedia patentes até então (principalmente medicamentos e alimentos). Trata-se de um instituto dos mais controversos já na época da aprovação da nova LPI. As patentes pipeline (ou patentes de revalidação) tiveram um mecanismo de processamento diferente das demais patentes solicitadas no Brasil. O depósito de um pedido de patente pelo mecanismo pipeline foi aceito pelo período de um ano, entre maior de 1996 e 1997 e “revalidariam” nacionalmente patentes de medicamentos, alimentos e produtos e processos químico-farmacêuticos concedidos em outros países. Estes pedidos passaram apenas por uma análise formal e seguiram os termos da patente concedida no exterior, não sendo submetidos a uma análise técnica dos requisitos de patenteabilidade pelo escritório de patentes brasileiro, o instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Como essas invenções já haviam sido depositadas em outros países, as informações contidas nas patentes já estavam publicas em revistas de propriedade industrial e outros meios. Portanto, quando tais pedidos foram depositados no Brasil, já não cumpriam o requisito da novidade, pois as informações já estavam em domínio público. Isso ocorre porque o Brasil adota o princípio da novidade absoluta (artigo 11, parágrafo 1º da LPI) em matéria de patente, ou seja, se a tecnologia para a qual se pede proteção já se tornou pública em qualquer país, em qualquer lugar, em qualquer tempo , não existe privilégio possível a ser reivindicado”[24].

  1. O parecer apresentado pelas representadas, contudo, questiona essa conclusão, sob o argumento  de que o CADE não poderia proferir juízos subjetivos sobre o conteúdo da patente, pois esse tipo de análise refoge ao âmbito do Direito e à competência do CADE.

  2. Invoca, ainda, o voto por mim proferido no PA nº 08012.007189/2008-08, em que ressaltei que a concessão de patentes em outras jurisdições demonstraria a plausibilidade do pedido.

  3. A representada, contudo, interpreta a decisão em tiras, omitindo o contexto nitidamente diverso referente àquele caso. Na ocasião, o próprio INPI deferiu a patente em favor da Dystar, de forma que a discussão limitava-se a saber se, ao ajuizar ações judiciais para proteger seu direito, a representada havia agido de forma abusiva. É evidente que,  nesse contexto, a existência de patentes em outras juridições, aliada à concessão da patente pelo próprio INPI, tinha evidentes desdobramentos sobre a plausibilidade do pedido, legitimando o direito da representada de ingressar no Judiciário para proteger seu direito. Some-se a isso o fato de que, mesmo na decisão que anulou a patente, o INPI não declarou que a patente era manifestamente descabida ou fora obtida a partir de informações enganosas. No caso sob exame, contudo, a existência de patentes em outras jurisdições, concedidas, inclusive,  antes do depósito, na verdade, não só não afasta a existência de infração à ordem econômica, como milita em desfavor da representada, na medida em que sugere o não preenchimento do princípio da novidade absoluta exigido no direito brasileiro.

  4. Ademais, a análise de sham litigation não dispensa o exame, ainda que superficial, da viabilidade dos pleitos e ações intentadas pela representada. Assim, ao contrário do que sugere o parecer, não é vedado ao CADE verificar se o registro de patente requerido era manifestamente improcedente, até porque, muitas vezes, o abuso está exatamente no pedido de registro. Entretanto, até em razão do princípio do in dubio pro reo, afastei a alegação de que o pedido de patente era ilícito, como se verifica no tópico anterior que analisou o depósito, embora houvesse boas razões para se reconhecer a ilicitude na hipótese, uma vez que à época do depósito vigorava a Lei 5.772/71 que não admitia, em nenhuma hipótese, a  concessão de patente para medicamentos.

  5. Assim, a conduta sob exame não se refere propriamente ao pedido de registro de patente, cuja ilicitude foi afastada, mas à alteração de seu escopo quando já havia, inclusive, manifestação do INPI indeferindo o pleito.

  6. Some-se a isso a manifestação da Diretoria de Patentes do INPI no sentido de que as novas reivindicações, além de terem alterado o objeto da patente, estenderam a matéria para além do conteúdo inicialmente revelado. Embora tenha caráter meramente opinativo, o parecer indica a inexistência de plausibilidade do pleito da representada, o que, aliado às conclusões acima, sugere que a alteração do escopo da patente, na verdade, constituía apenas a primeira etapa que formaria a base fática para as condutas anticompetitivas a serem praticadas posteriormente. Daí por que o ato não pode ser lido de forma dissociada dos demais fatores analisados a seguir.

 

VI.4.3. Omissões de informações relevantes pela representada e a obtenção de monopólio indevido

  1. No âmbito da Ação nº 2005.51.01.506948-1, a representada requereu, perante a Justiça Federal do Rio de Janeiro, o sobrestamento do feito administrativo junto ao INPI até que fosse proferida decisão judicial a respeito, com vistas a alertar terceiros quanto à utilização do objeto da patente (supra, 52).

  2. A representada alegou que o sobrestamento de feitos administrativos do INPI é um procedimento comum, pois a citação torna litigiosa a coisa, de maneira que o ato administrativo vinculado de deferimento e concessão de patente passa a estar sub judice. Alegou, também, que a manifestação do INPI deveria ser feita nos autos da ação judicial, posto que o poder de decisão sobre o pedido de patente é transferido ao Judiciário pelo simples ajuizamento de petição inicial.

  3. O sobrestamento, por si só, de fato, não configura o comportamento estratégico da autora. Ocorre que os efeitos do sobrestamento foram conjugados com a pretensão de declaração do direito de exclusividade na comercialização (EMR) do medicamento GEMZAR (supra, 73), na Ação nº 2006.34.00033456-2, nos termos do artigo 70.9 do TRIPs, que trata da concessão de patentes de produto:

“70.9. Quando um produto for objeto de uma solicitação de patente num Membro, em conformidade com o parágrafo 8 (a), serão concedidos direitos exclusivos de comercialização não obstante as disposições da Parte VI acima, por um prazo de cinco anos, contados a partir da obtenção da aprovação de comercialização nesse Membro ou até que se conceda ou indefira uma patente de produto neste Membro se esse prazo for mais breve, desde que, posteriormente à data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, uma solicitação de patente tenha sido apresentada e uma patente concedida para aquele produto em outro Membro e se tenha obtido a aprovação de comercialização naquele outro Membro.”.

  1. O EMR é um instituto controverso no direito brasileiro, uma vez que sua previsão no TRIPs não implica sua inserção automática no ordenamento doméstico, já que o Acordo determina que os países signatários formulem sua própria legislação para implementá-lo[25]. Em suma, trata-se de um sistema de proteção a direitos de comercialização cujo procedimento é menos rígido que o de patentes, tendo em vista que sua concessão é condicionada à pendência de um pedido de patente de produto. Dessa maneira, o referido direito não deixa de ser uma alternativa de antecipar os efeitos de um pedido de patente ainda não examinado pelo órgão competente, prevenindo as consequências indesejáveis da demora que pode ocorrer na referida análise.

  2. Apesar das controvérsias em torno do EMR, o referido direito  tem sido reconhecido por parte da jurisprudência. A Apelação Cível nº 0024294-92.2007.4.01.3400, a título de exemplo, julgada no TRF da 1ª Região, tratou do tema:

“Segundo o disposto no art. 70.9 do Acordo TRIPs, que rege os direitos de propriedade intelectual no âmbito do comércio internacional, Anexo 1C do Tratado de Marrakesh, do qual o Brasil é signatário, uma vez solicitada patente no país, serão concedidos direitos exclusivos de comercialização ao titular do direito no exterior, "por um prazo de cinco anos, contados a partir da obtenção da aprovação da comercialização (...) ou até que se conceda ou indefira uma patente de produto nesse membro se esse prazo for mais breve, desde que, posteriormente à data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC". (Apelação Cível nº 0024294-92.2007.4.01.3400, TRF da 2ª Região, Rel. Des. Fagundes de Deus)”.

  1. Acolhem pedidos de EMR as decisões que partem do pressuposto de que o TRIPs foi aplicado automaticamente quando recebido pelo ordenamento brasileiro, o que também é controverso, como já descrito anteriormente.

  2. Partindo dessa premissa da aplicabilidade direta do Art. 70.9 do TRIPs, a representada requereu o EMR, inclusive  em sede de liminar, a fim de que a ANVISA não concedesse o direito de comercialização do cloridrato de gencitabina para qualquer outro concorrente.

  3. A concessão da exclusividade, nesse caso, decorre de mera expectativa de direito, motivo pelo qual, como já se viu anteriormente, exige-se da parte ainda mais cautela para que seu comportamento não configure infração à ordem econômica. Essa exigência ganha reforço em sede de tutela antecipada, pois, diante da cognição sumária do juiz, os deveres de diligência e lealdade da parte serão ainda mais acentuados, na medida em que o risco de induzir o magistrado a erro será também mais elevado.

  4. O maior rigor no exame do comportamento da parte em pedidos de liminar já foi ressaltado pelo Tribunal no julgamento do Processo Administrativo nº 08012.004484/2005-51 (Caso Seva vs. Siemens) e no Processo Administrativo nº 08012.004283/2000-40 (“Caso Box 3”), descritos anteriormente.  

  5. No caso em exame, contudo, observa-se que a representada omitiu informações extremamente relevantes para a análise de sua pretensão, o que certamente teve desdobramento sobre a obtenção indevida de monopólio sobre o produto.

  6. Com efeito, a Eli Lilly alegou que a análise da patenteabilidade do medicamento estava pendente no INPI e que o objeto do pedido preenchia todos os requisitos legais. Ao analisar a petição inicial, verifica-se que a representada afirmou peremptoriamente que "o GEMZAR é também objeto do pedido de patente", sem esclarecer que nem o INPI nem o Poder Judiciário lhe haviam autorizado, até aquele momento, a inclusão do referido produto em seu pedido - ou seja, que a questão relativa à inclusão das reivindicações 15 e 16 era, no mínimo, controversa.

  7. Vale destacar os trechos principais dos fundamentos deduzidos pela representada:

“O GEMZAR® recebeu da ANVISA aprovação de comercialização para o tratamento de neoplasia mamária em 19/10/04, através dos registros 1.1260.0017.001-7 (1g) e 1.1260.0017.002-5 (200mg) (doc. 3), concedidos para a Eli Lilly do Brasil Ltda.  O GEMZAR®  é também objeto do pedido de patente P19302434 (doc. 4), de titularidade da Eli Lilly and Company, pendente no INPI, autarquia competente para o exame, conforme a Lei 5.648/70 (www.inpi.gov.br).

Isto posto, busca-se a aplicação dos direitos exclusivos de comercialização, (DEC) para o produto farmacêutico  GEMZAR®  (cloridrato de gencitabina 19 e 200mg) até 19/10/09 (cinco anos, a partir da aprovação para comercialização pela ANVISA, 19/10/04), garantidos pelo Art. 70.9 do anexo 1C do Tratado de Marraqueche [no caso, o Acordo TRIPs], internalizado pelo Decreto 1.355/94.

Na afirmativa de Rosseau, o tratado é obrigatório, em virtude de ratificação; executório, em face da promulgação; aplicável, em conseqüência da publicação. Uma vez internalizado o Tratado de Marraqueche, o art. 70.9 do anexo 1C ao Decreto 1.355/94 deveria ser observado pelos particulares, cumprido pelo Executivo, fiscalizado pelo Legislativo e aplicado pelos Tribunais [...] (Petição da Eli Lilly na Ação nº 2006.34.00033456-2)”.

  1. Fundamental registrar que, no momento do ajuizamento da ação, a Diretoria de Patentes do INPI já havia proferido parecer manifestando-se contrariamente às reivindicações 15 e 16, sob o argumento de que a inclusão extrapolava a matéria inicialmente relevada.

  2. A informação, contudo, foi  omitida na petição inicial e nas manifestações posteriores da representada nos autos da ação relativa ao EMR. Embora o parecer detivesse caráter meramente opinativo, é inequívoco que a conclusão repercutia diretamente sobre a verossimilhança do pedido da Eli Lilly.

  3. Além de omitir o parecer do INPI, a representada não prestou informações relevantes a respeito da ação judicial já existente que tramitava na Justiça Federal do Rio de Janeiro.  A notícia dessa ação à Justiça Federal do DF só ocorreu, como bem notou a ProCADE, pela contestação da ANVISA e, posteriormente, com o Agravo julgado pelo Desembargador Fagundes de Deus.

  4. Não se pode esquecer que, em 26.11.2006 (supra, 58), foi indeferido o pedido de aditamento da inicial que pretendia adicionar as reivindicações 15 e 16 ao pedido de patente. Mesmo após essa decisão proferida no Rio de Janeiro, a representada nada fez para informar o juízo de Brasília sobre o indeferimento do aditamento.

  5. De toda sorte, a  tutela antecipada relacionada ao EMR foi indeferida pelo juízo de primeiro grau em 20.04.2007. Na ocasião do Agravo de Instrumento ocorrido no âmbito da Ação que corria na Justiça Federal do Distrito Federal (interposto em 15 de maio de 2007), a representada não citou o real estado em que se encontrava o quadro reivindicatório judicializado no Rio de Janeiro, omitindo que o aditamento havia sido negado pelo Tribunal.

  6. A representada omitiu, ainda, existência de manifestação do INPI nos autos da ação judicial ajuizada no Rio de Janeiro, de 17.10.2006, quando a autarquia declarou ser contrária ao aditamento, seja porque fora impedida de analisar as reivindicações 15 e 16, em razão do sobrestamento do feito, seja porque  as novas reivindicações modificavam o pedido original de patente.        

  7. Tanto foi enganosa a alegação da representada que o Relator pediu esclarecimentos a respeito da natureza da patente (supra, 80). A representada, então, reiterou que a patente se tratava de produto e que, portanto, poderia obter o EMR.

Sob todas as penas e conseqüências, as Agravantes expressamente afirmam e reiteram que o pedido da patente PI 930243434 tem como objeto um produto farmacêutico, conforme requerido pelo Art. 70.9, especificamente o produto Gemzar. O fato é comprovado pela prova documental juntada aos autos desde o ajuizamento da demanda perante o MM. Juízo ‘a quo’ (doc. 4 da inicial, fls. 247-248).

2. Os funcionários da ANVISA sempre souberam que o pedido de patente PI930243434 contém reivindicações tanto para a invenção do produto Gemzar, (reivindicações 15 e 16) quanto para o seu inovador processo de obtenção (reivindicações 1 a 14). Ademais, desde 28/09/2005, o pedido de patentePI930243434 não tem mais o título que V.Exa. foi induzido reproduzir na segunda página da r. decisão que indeferiu a tutela (fls. 1238 destes autos), conforme comprova o documento anexo (anexo nº. 1).

3. O título do pedido da patente PI930243434 é “Processo para preparar um nucleosídeio enriquecido com beta-anômero E COMPOSTO. Ocorre que, diferentemente do esposado pela ANVISA, que tenda induzir V.Exa. em erro, o composto nada mais é do que uma referência específica ao produto Gemzar. Ademais, não é o título de uma patente que define a natureza do que é protegido (seu objetivo). A natureza do objeto do pedido é definida por suas reivindicações, à luz do que é revelado em seu relatório descritivo (Art. 41 da Lei 9.279/96). (grifos da representada)

  1. Vale notar que, ao apresentar defesa perante o CADE, a representada informou, contraditoriamente, que a manifestação judicial do INPI sobre as reivindicações 15 e 16 supria a necessidade de decisão administrativa, de modo que o aditamento era procedente. Ora, se havia decisão da autarquia declarando expressamente o descabimento da ampliação do objeto da patente, com mais razão deveria a representada ter informado a conclusão ao Judiciário, na medida em que a informação tinha desdobramentos extremamente relevantes sobre a análise.

  2. Apesar das omissões, o agravo de instrumento não foi provido, sob o argumento de que a decisão do INPI de que não havia atividade inventiva impedia o reconhecimento de verossimilhança na hipótese.

  3. No entanto, a representada ingressou com pedido de reconsideração, alegando que o quadro reivindicatório de seu pedido de patente continha reivindicações tanto referentes a processo quanto a produto (no caso, as reivindicações 15 e 16). Vale ressaltar os trechos principais do referido pedido de reconsideração:

“Sob todas as penas e conseqüências, as Agravantes expressamente afirmam e reiteram que o pedido de patente P1930243434 tem como objeto um produto farmacêutico, conforme requerido pelo Art. 70.9, especificamente o produto Gemzar®. O fato é comprovado pela prova documental juntada aos autos desde o ajuizamento da demanda perante o MM juizo a quo.

(...) O titulo do pedido de patente P1930243434 é "Processo para preparar um nucleosídeio enriquecido com beta-anômero E COMPOSTO". Ocorre que, diferentemente do esposado pela ANVISA, que tenda induzir V.Exa. em erro, o composto nada mais é do que uma referência especifica ao produto Gemzar. Ademais, não é o título de uma patente que define a natureza do que é protegido (seu objeto). A natureza do objeto do pedido é definida por suas reivindicações, à luz do que é revelado em seu relatório descritivo (Art. 41 da Lei 9.279/96).

O pedido de patente P1 9302434 tem como objeto o produto Gemzar®. As reivindicações do pedido de patente PI9302434  cobrem especificamente o composto,  que é o produto Gemzar®. As reivindicações 15 e 16 do pedido de patente são absolutamente claras. Gemzar® é um composto químico, e as reivindicações 15 e 16 têm como objeto de proteção exatamente o composto químico que é o exato produto farmacêutico, como é registrado perante a ANVISA e comercializado em todo o mundo!

Não há na Lei 9.279/96, ou em qualquer outra, proibição para um pedido de patente ter reivindicações de produto e de processo, abrangendo os diferentes aspéctos de uma invenção. Patentes com reivindicações de produto e de processo são usuais, deferidas pelo INPI e aprovadas pela ANVISA, (art. 229-C da Lei 9.279/96).

Assim, é violador do art. 14 do CPC e do principio da moralidade a alegação da Agravada de que o pedido P19302434 tem como objeto apenas processo farmacêutico. Some-se ainda o próprio relatório do corpo técnico da ANVISA, o  "Relatório técnico sobre o pedido de patente elaborado pela Coordenação de Propriedade intelectual da ANVISA (doc3)”  anexado aos autos pela própria Agravada perante o mm. Juízo a quo, como documento 3 de sua contestação. O relatório é categórico:

"O requerente então, logo após dar entrada com petição de recurso,  apresentou outra petição, acrescendo duas novas reivindicações de composto (referentes ao beta-anômero de gemcitabina)." (grifos nossos)

(...) O processo administrativo de exame de uma patente, conforme se depreende do documento anexo, somente é encerrado quando da manifestação da Presidência do INPI em grau de recurso (anexo 3), SENDO ESSA A DECISÃO QUE PÕE FIM À ESFERA ADMINISTRATIVA (Art. 212, §30 da Lei n.° 9.279196 - LPI). DE QUE TRATA O ART. 70.9 DO TRIPs. No curso do exame de um pedido de patente, inclusive em grau de recurso, o INPI pode determinar de oficio a alteração do quadro reivindicatório do pedido de patente, que também pode ser realizado por iniciativa de seu titular. Um primeiro parecer do INPI pelo indeferimento do pedido de patente é reconsiderado em grau recursal na maioria dos casos, tendo em vista as retificações que são apresentadas pelo titular ou determinadas de ofício pela autarquia, conforme comprova a estatística anexa.

(...) As Agravantes anexam à presente (anexos 7 e 8) o parecer conclusivo da FIOCRUZ, bem como o parecer dos renomados Profs. Octavio Antunes, Sergio Pinheiro e Vitor Ferreira, que afirmam que o P193024347 é totalmente inventivo e constitui-se numa bela lição de química orgânica ", demonstrando que os óbices apontados pelo INPI são inteiramente insubsistentes.

(...) Ante os presentes esclarecimentos, a Agravantes requerem se digne V. Exa., mui respeitosamente, reconsiderar da r. decisão de fIs 1.137 a 1.139, para que seja concedida a antecipação da tutela recursal nos termos em que requerida. (Pedido de reconsideração da Eli Lilly no Agravo de Instrumento n.° 2007.01 .0001 791 6-0/DF)”.

  1. No dia 19.07.2007, o Desembargador Federal Fagundes de Deus reconsiderou a sua decisão anterior, concedendo a tutela pretendida pela Eli Lilly nos seguintes termos:

“Quando concluí que o pedido de patente de n. P1 9302434 referia-se apenas a um processo farmacêutico, levei em conta que a alteração produzida pelas Agravantes em 28.09.2005 - três meses depois da publicação da decisão do INPI que afirmou que o processo farmacêutico em questão carecia de atividade inventiva -, para acrescentar as reivindicações 15 e 16, referentes a "composto", foi taxada de irregular no relatório da ANVISA (fl. 1. 112), por afronta ao Art. 32 da Lei 9.279, de 14.05.96 - que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial [...]

Contudo, revejo meu posicionamento inicial, uma vez que cabe ao INPI definir se a inclusão das aludidas reivindicações corresponde a acréscimo de matéria não constante no pedido inicial, ou se se trata apenas de melhor esclarecimento do pedido já existente, razão pela qual deve ser considerada válida até pronunciamento do órgão competente. [...]

Assim sendo, parece-me fora de dúvida que o pedido de patente das Agravantes refere-se a processo farmacêutico e composto (produto), pelo que cumpre reconhecer que lhes é licito pleitear o direito exclusivo de comercialização previsto no Art. 70.9 do TRIPs.

Forçoso, também, admitir que o pedido de patente ainda se encontra em andamento no INPI e que as Recorrentes preenchem os requisitos do Art. 70.9 do TRIPs, quais sejam: possuem, em andamento, solicitação de patente de um produto no Brasil, obtiveram junto à ANVISA, em 19.10.2004 (fis. 1781179), registro de indicação terapêutica nova, que lhes autorizou a comercialização desse produto também para o tratamento de câncer de mama, possuem patente e aprovação de comercialização desse mesmo produto em outro país Membro do TRIPs (EUA). (Agravo de Instrumento n.° 2007.01.00017916-0/DF)”.

  1. Assim, foi determinado que a ANVISA se abstivesse, até o trânsito em julgado da sentença, de conceder registro que autorizasse a comercialização de produto similar ao GEMZAR  enquanto o INPI não analisasse os objetos do pedido de patente, inclusive aqueles referentes ao segundo aditamento (reivindicações 15 e 16).

  2. Por mais que o magistrado tenha assinalado que o pedido se encontrava em andamento no INPI, é provável que a representada tenha induzido o juízo a erro, ao deixar de mencionar o parecer do INPI que rejeitava a inclusão das reivindicações 15 e 16, assim como a controvérsia judicial que pendia sobre a questão.

  3. Vale ressaltar que, pouco tempo depois da concessão da tutela antecipada do TRF-1ª sobre o EMR, mais precisamente em 28.08.2007 (supra, 65), o TRF-2ª  confirmou a decisão de primeiro grau que indeferiu o aditamento da inicial. Entretanto, a Eli Lilly não informou isso ao TRF-1ª, ainda que tal fato fosse importante  para a tese do EMR, que se restringe a hipótees de patentes de produto.

  4. Note-se que, ao contrário da primeira decisão, que se baseou essencialmente na impossibilidade de o Judiciário se manifestar sobre questão não decidida  em âmbito administrativo, o voto condutor do desembargador Messod Azulay afastou expressamente a possibilidade de alteração do quadro reivindicatório em sede de recurso administrativo, o que reforçava o dever da representada de informar a decisão ao juízo que concedeu o EMR:

“Ressalte-se, outrossim, que o referido sobrestamento foi deferido para afastar a ameaça de lesão ainda mais grave a Eli Lilly, qual seja, a decisão definitiva indeferindo o pedido de patente e encerrando a fase administrativa. (...) eventuais alterações de quadro de patente, com base no art. 32 da LIP, só podem ser efetuadas até a data de julgamento que indeferir ou deferir o registro, vedada a aplicação do artigo em fase recursal, por ausência de previsão normativa.”

  1. Na verdade, foi  a empresa  Sandoz do Brasil Indústria Farmacêutica Ltda (Sandoz) que, em 17.09.2007, interveio no processo, a fim de comunicar ao TRF- 1ª da existência de decisão do TRF-2ª que indeferira o aditamento da inicial com o terceiro quadro reivindicatório e, ainda, de pedir a revogação da tutela antecipada.

  2. A representada, contudo, alegou que o laudo pericial obtido na segunda ação do Rio de Janeiro  dizia respeito à patenteabilidade do produto GEMZAR e que as reivindicações do terceiro quadro não teriam sido incluídas no objeto da presente ação por não terem sido analisadas pelo INPI, como se observa por trecho de sua petição:

“O laudo - elaborado pela Prof. Dra. Whei Oh Lin, renomada professora de engenheira química da PUC-RJ e do Instituto Militar de Engenharia (IME) - possui 78 páginas, nas quais ela afirma que  “Portanto, a Perita, após a pesquisa realizada e diante de tudo que foi apresentado no corpo deste Laudo, é de opinião que o processo reacional pleiteado pela Autora, preenche os requisitos de atividade inventiva frente aos artigos 8º,  11º  e 13º  da Lei da Propriedade Industrial, pois se trata de uma inovação do processo".

Especificamente acerca das reivindicações 15 e 16, a i. Perita do Juízo se mostra igualmente favorável:  "Cumpre ainda esclarecer que o quadro reivindicatório apresentado em 28/09/2005 necessita de adequações no texto, para que haja a perfeita correlação entre o que está redigido e o que se apresenta nos exemplos. O texto final a ser considerado patenteável deve ser objeto de entendimento entre as partes, visto que os ajustes de conteúdo dependem tanto do corpo técnico da Autora em definir corretamente quais são os produtos e/ou processos inerentes ao pedido de patente."

  1. O que se verifica, a partir da defesa citada no item acima, é a reiteração das omissões da representada a respeito do processo do Rio de Janeiro, pois,  como já se viu, o laudo pericial não tratava da patenteabilidade do produto, até porque a perita estava proibida de se manifestar sobre as reivindicações 15 e 16 (supra, 69).

  2. O desembargador Fagundes de Deus, contudo, não suspendeu a tutela antecipada. Embora tenha feito menção expressa à decisão proferida no Rio de Janeiro, o voto do Desembargador Fagundes de Deus não citou o fato de que o processo administrativo junto ao INPI estava sobrestado, em razão de pedido feito pela representada perante a Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

  3. O pedido de sobrestamento conjugado com o requerimento de EMR acabou assegurando a obtenção de monopólio indevido pela representada. De fato, a concessão do EMR, nos termos do art. 70.9 do TRIPs, visa a evitar que, durante o pedido de exame da patente pela autoridade competente, o produto venha a ser comercializado por outros concorrentes, antecipando o benefício decorrente da patente.

  4. Assim, não fosse a suspensão da tutela antecipada pelo STJ em  07.03.2008, a estratégia da representada poderia ter assegurado o monopólio da patente indevidamente por, pelo menos, cinco anos, período máximo previsto no TRIPs, diante da impossibilidade de o INPI proferir decisão contrária ou favorável à pretensão da representada.

  5. A estratégia torna-se especialmente grave, quando se observa o contexto das medidas implementadas pela representada. Com efeito, ao pedir o sobrestamento da patente, a Eli Lilly já havia obtido sucessivas decisões contrárias ao pedido de patente pelo INPI, de modo que tudo indicava que a autarquia  iria proferir decisão contrária à pretensão, de forma que o EMR acabou sendo utilizado para substituir os efeitos do registro de patente que não preenchia os requisitos para seu deferimento.

  6. Importante notar que, na primeira decisão proferida pelo desembargador Fagundes de Deus, a exclusividade foi rejeitada, sob o argumento de que o INPI já havia declarado a ausência de atividade inventiva, o que comprometia a verossimilhança do pedido.

  7. Assim, o sobrestamento pode ter sido decisivo para a obtenção da pretensão pela representada. De fato, ao impedir que o INPI se manifestasse sobre o tema, a Eli Lilly pôde ingressar em juízo, alegando que o pedido ainda estava pendente de análise, o que, supostamente, atestaria o cumprimento dos requisitos do TRIPs e  justificaria a concessão da tutela antecipada.

  8. A constatação  torna-se mais robusta quando se verificam as reiteradas omissões da representada sobre a alteração do quando reivindicatório, já descritas acima.

  9. Ademais, análise dos autos demonstra que a Eli Lilly ocultou dolosamente a informação de que o processo administrativo estava sobrestado, induzindo o magistrado a erro. Com efeito, ao analisar a petição inicial, assim como o agravo de instrumento e o pedido de reconsideração, verifica-se que a representada afirma categoricamente que o pedido da patente de produto ainda estava pendente de análise pelo INPI, dando a entender que não havia qualquer óbice à manifestação pela autarquia.

  10. Obviamente, a informação era de extrema relevância, na medida em que o EMR se trata de privilégio temporário, cujo provimento se justifica sobretudo quando há demora na análise pela autoridade competente para o exame da patente. Embora o TRIPs não faça menção expressa a esse requisito, a interpretação decorre da própria natureza do instituto.  Com efeito,  o objetivo do EMR não é substituir o registro da patente.

  11. A representada, todavia, alegou que não houve omissão ou falseamento de informações quanto ao sobrestamento do processo administrativo do INPI, uma vez que tanto nos autos da ação principal requerendo EMR quanto no Agravo de Instrumento julgado pelo Desembargador Fagundes de Deus, a Eli Lilly apresentou certidão de andamento do processo administrativo do INPI, que informava que o processo estava sub judice e que deveria ser mantido sobrestado até ulterior decisão judicial.

  12. A certidão de andamento, de fato, se encontra junto aos autos distribuídos ao Desembargador Fagundes de Deus no referido Agravo de Instrumento, bem como na petição inicial da ação ajuizada em primeira instância. No entanto, a presença nos autos da certidão de andamento não foi mencionada expressamente em nenhuma peça processual da representada, tanto que, na petição inicial da Ação nº 2005.51.01.506948-1, a certidão não consta sequer da lista de anexos, ainda que esteja acostada à peça.

  13. A mera juntada de documento, sobretudo quando há uma grande quantidade de anexos, não é suficiente para dar ciência ao Juízo da existência de determinado fato. Ao omitir essa questão na peça processual, a representada produziu uma petição enganosa que induziu o Judiciário a erro quando da concessão do EMR. A partir do momento em que se utiliza de dois juízos distintos para defender os seus direitos, o mínimo que se espera da parte é a total lealdade em relação a ambos. Embora o mero ajuizamento de ações em juízos diversos não seja ilícito, é evidente que o manejo da estratégia para a manipulação dos magistrados, visando à obtenção de fins anticoncorrenciais, configura infração à ordem econômica. 

  14. Aliás, a análise do pedido de reconsideração, que acabou sendo deferido pelo desembargador Fagundes de Deus, demonstra que a representada não apenas omitiu o sobrestamento, como, de forma enganosa, deu a entender que o processo administrativo ainda estava em andamento, como se depreende do trecho abaixo:

“O requerente então, logo após dar entrada com petição de recurso,  apresentou outra petição, acrescendo duas novas reivindicações de composto (referentes ao beta-anômero de gemcitabina)." (grifos nossos)

(...) O processo administrativo de exame de uma patente, conforme se depreende do documento anexo, somente é encerrado quando da manifestação da Presidência do INPI em grau de recurso (anexo 3), SENDO ESSA A DECISÃO QUE PÕE FIM À ESFERA ADMINISTRATIVA (Art. 212, §30 da Lei n.° 9.279196 - LPI). DE QUE TRATA O ART. 70.9 DO TRIPs.”.

  1. O comportamento estratégico da representada culminou, então, na concessão do EMR, que garantiu o monopólio da comercialização do cloridrato de gencitabina por cerca de oito meses, de modo a gerar graves efeitos lesivos à concorrência.

  2. O fato de o estado do processo de proteção patentária judicializado e de o sobrestamento do processo não terem sido informados à Justiça Federal do Distrito Federal sequer em sede de Agravo de Instrumento demonstra o caráter estratégico e, portanto, doloso da conduta da representada.

  3. A representada, contudo, alega que não houve omissão, na medida em que os dados relatados foram informados quando da propositura da ação em Brasília contra o INPI, distribuída por dependência a requerimento da parte. Obviamente, esse argumento não merece prosperar. Com efeito, quando da propositura da referida ação, a Eli Lilly já havia, inclusive, obtido o direito exclusivo de comercialização do EMR, de modo que os deveres de diligência e lealdade já haviam sido inequivocamente descumpridos.

  4. Ademais, a revelação das informações posteriormente reforça a existência da estratégia lesiva à concorrência implementada pela representada, que omite, seletivamente, os dados de acordo com a pretensão deduzida em juízo, omitindo-os quando isso prejudica sua pretensão e fazendo questão de ressaltá-los quando os dados vêm em seu amparo.

  5. Note-se que, na referida ação, a própria representada reconhece, indiretamente, a relevância do sobrestamento para a análise do EMR, ao ressaltar que a suspensão havia sido solicitada exatamente em razão de seu receio de que o INPI viesse a indeferir seu pedido, no primeiro momento em que pudesse se manifestar sobre a pretensão:

“O INPI ainda não examinou o requerimento na esfera administrativa por força do sobrestamento determinado naquela ação judicial. Não obstante, proferiu parecer técnico de exame das referidas reivindicações 15 e 16 em sede judicial, afirmando que as referidas reivindicações não seriam suportadas pelo relatório descritivo da patente P1 9302434-7.

Assim, a Autora possui receio de que aquelas reivindicações serão indeferidas por ocasião do final do processo administrativo, na primeira oportunidade em que o INPI for instado a examiná-las”.

  1. Assim, a referida ação, na verdade, reforça a ilicitude da conduta praticada pela Eli Lilly.

  2. Daí não ser possível acolher as alegações da representada de que sua conduta, além de não passar pelos testes PRE e POSCO, não poderia ser considerada anticoncorrencial à luz da jurisprudência do CADE, que exigiria a demonstração de que os atos tiveram um fim competitivo espúrio  e se basearam em ação desnecessária para a proteção de direito legítimo da parte, conforme seria possível extrair do voto do Conselheiro Relator Magalhães Furlan no PA nº 08012.004484/2005-51.

  3. O artifício por meio do qual a representada obteve o monopólio temporário é nitidamente doloso, uma vez que encaminhou pedidos de efeitos coordenados a juízos diversos  - o aditamento,  o sobrestamento e o pedido de EMR – e deixou de informar fatos determinantes ao juízo que concedeu a exclusividade.

  4. Rememorando os critérios adotados no julgamento da Averiguação Preliminar 08012.006076/2003-72  para a configuração do sham litigation[26]: (i) não era plausível o direito da Eli Lilly de pleitear o monopólio sobre produto, em virtude de parecer do INPI que atestava que as reivindicações extrapolavam a matéria revelada no depósito do pedido; (ii) as informações prestadas pela representada não eram dotadas de veracidade, visto que houve omissões de dados relevantes ao convencimento do magistrado e (iii) os meios, como se verificou, não foram adequados ou razoáveis, visto que foram revestidos por estratégia para induzir o Judiciário a erro.

  5. A representada alegou, ainda, que a conduta praticada por ela não havia configurado infração à ordem econômica, pois, nos termos do voto proferido pelo Conselheiro Gilvandro Araújo, no PA nº 08012.010075/2005-94, para que ficasse demonstrada a existência de sham litigation, seria necessário demonstrar a existência de falsidade.

  6. O argumento, contudo, não se sustenta. A falsidade ficou amplamente demonstrada no caso sob exame, por meio da omissão dolosa de informações. Aliás, é o próprio voto do Conselheiro Gilvandro Araújo que ensina que a falsidade poderá se manifestar tanto na modalidade comissiva ou omissiva.

  7. As condutas da representada também se enquadram no Teste PRE, desenvolvido pela jurisprudência norte-americana para a detecção de casos de sham litigation. É evidente a existência do aspecto subjetivo do sham, que se consubstancia no dolo de obter vantagem sobre a concorrência por meio do ajuizamento de demandas. Também é claro o elemento objetivo, uma vez que o pleito da representada só faz sentido se embasado no conjunto falso de informações levadas ao Judiciário, sem o total esclarecimento dos fatos.

  8. Ademais, diferentemente do que sugere o parecer acostado aos autos pela representada, os testes PRE e POSCO não são cumulativos. Ao contrário, o teste POSCO, na verdade, amplia o alcance do sham litigation, na medida em que permite que se vislumbre uma conduta lesiva à concorrência mesmo quando não há provas de que uma ação isolada carecia de base objetiva e de que fora ajuizada com o intuito de interferir nas relações concorrenciais. Assim, é manifestamente improcedente o argumento da representada de que só haveria ilicitude se demonstrado o preenchimento dos requisitos referidos em ambos os precedentes.

  9. Ainda que pudesse ser afastado o dolo da conduta, em favor do debate, é inequívoco que a representada, no mínimo, violou flagrantemente o dever de diligência e lealdade que lhe seria exigível em uma hipótese como essa.

  10. Tal aspecto tem repercussão direta sobre o julgamento do caso, considerando que o abuso de direito não se caracteriza apenas na hipótese de ato emulativo, ou seja, quando houve a vontade deliberada de prejudicar terceiro. O exercício dos direitos exige que sejam observados critérios de razoabilidade, além dos deveres decorrentes da cláusula geral de boa-fé objetiva. Logo, mesmo não havendo dolo, não é possível descartar a existência de abuso de direito de petição, quando demonstrado que a representada faltou com os deveres de diligencia e lealdade.

  11. É por isso que o sham litigation não é configurado tão somente quando não há qualquer chance de êxito nas ações judiciais propostas e quando as ações possuem o objetivo de prejudicar concorrentes em lugar de garantir os direitos legítimos da parte. A noção mais ampla de abuso de direito adotada pelo ordenamento brasileiro permite que sua aplicação vá além da simples ocorrência de emulação, abrangendo igualmente as hipóteses de culpa.

  12. Aliás, o próprio parecer apresentado pela Eli Lilly reconhece que a prática de sham litigation independe do reconhecimento de boa-fé ou de má-fé pela litigante, ante sua correlação com o abuso de direito: “De sua parte, a doutrina da sham litigation reconhece a sua existência no abuso de direito em um ato antitruste, sendo, portanto, independente da verificação da boa-fé ou má-fé do litigante” (p. 36 do parecer).

  13. Todavia, a condenação ora proposta baseia-se precisamente no enfoque do abuso de direito sustentado pela representada, ou seja, está lastreada no desvio de finalidade do direito, identificado a partir da violação objetiva do dever de cuidado e da boa-fé objetiva. Com efeito, a forma como procedeu a representada para buscar a proteção patentária de seu produto não levou em consideração os deveres decorrentes da cláusula geral da boa-fé objetiva, sobretudo no que toca aos deveres de informação e de diligência. Verifica-se, aqui, a violação da boa-fé perante perante o Poder Judiciário, quando deixou de esclarecer a situação em que realmente se encontrava o objeto de sua demanda para que obtivesse prestação em seu favor, motivo pelo qual seria dispensável, para a identificação da ilicitude, o exame do elemento subjetivo da conduta (existência de má-fé ou de boa-fé subjetiva).

  14. No caso sob exame, esses deveres eram particularmente acentuados, em razão do potencial de restrição à concorrência decorrente do EMR, especialmente levando em consideração a ausência de regulamentação do instituto, bem como o fato de que o monopólio se assenta em mera expectativa de direito e precede a manifestação da autoridade competente sobre o objeto da patente. Some-se a isso o fato de que as condutas constituíram uma estrutura complexa de demandas judiciais, que se entrelaçam temporariamente e confundem-se espacialmente.

  15. Assim, é inequívoco que a representada incorreu em sham litigation, tanto sob os critérios adotados pela jurisprudência estrangeira quanto pelo Tribunal do CADE.

 

VI.4.4. Forum shopping

  1. A Ação nº 2007.34.00.038481-0, proposta perante a Justiça Federal do Distrito Federal em face do INPI, pretendeu novamente incluir o terceiro quadro reivindicatório na análise do pedido de patente do cloridrato de gencitabina (supra, 91). A ação foi distribuída por dependência à ação que pedia a concessão do EMR (supra, 73).

  2. Conforme ressaltou a nota técnica da SDE, o que se verifica é uma duplicidade de ações que buscava retirar a discussão do TRF da 2ª Região, trazendo o pleito para ser discutido no âmbito do TRF da 1ª Região , no qual a representada já possuía uma decisão favorável, o que caracteriza forum shopping.

  3. A ação proposta no Distrito Federal, nesse sentido, teria o objetivo de reiterar o pedido de aditamento indeferido no âmbito da Ação nº 2005.51.01.506948-1, do Rio de Janeiro (supra, 65).

  4. Em sua defesa, a representada alega que a escolha do foro é lícita, uma vez que ações contra o INPI podem ser ajuizadas tanto no Distrito Federal (foro legal do INPI segundo a Lei 5.648/70, que institui a Autarquia) quanto no Rio de Janeiro (sede do INPI).

  5. Segundo a representada, a Ação nº 2007.34.00.038481-0 foi ajuizada no Distrito Federal pois, além de ser o foro legal do INPI, a ação foi distribuída por dependência da ação de EMR, ajuizada também no Distrito Federal, sede da ANVISA.

  6. A Eli Lilly ainda afirmou que as duas ações não são idênticas, uma vez que possuíam causas de pedir e pedido distintos: enquanto uma ação visava à declaração de nulidade do ato administrativo que indeferiu a patente da Eli Lilly por suposta falta de atividade inventiva, a outra pretendia a declaração de que as reivindicações 15 e 16 tinham suporte no relatório descritivo do pedido de patente.

  7. No entanto, não se fala aqui em duplicidade das iniciais das ações. De fato, o objeto da ação proposta no Rio de Janeiro é, de início, diferente da ação ajuizada no Distrito Federal. Ocorre que o pedido da ação do Distrito Federal consiste, exatamente, no aditamento à ação do Rio de Janeiro (supra, 51), que já havia sido, inclusive, objeto de agravo de instrumento naquele foro.

  8. Cabe notar que o ajuizamento de ações idênticas já recebe tratamento pelas normas processuais. O fenômeno da litispendência ocorre quando se repete ação que está em curso, de maneira que o processo litispendente é extinto sem resolução de mérito (Art. 267, V, do CPC).

  9. No entanto, ainda que a parte autora já tenha sofrido as consequências decorrentes do ajuizamento de ações idênticas, é necessário analisar se a propositura desses pleitos está inserida no contexto da estratégia elaborada pela representada para obter monopólio indevido.

  10. O pedido de aditamento da inicial (da ação do Rio de Janeiro) consistia na base fática para que o juiz concedesse o EMR, o que foi discutido entre os parágrafos 242 e 263 deste voto. Quando a representada propôs ação com o mesmo pedido, intentou novamente estabelecer o fundamento para que seu pleito de monopólio fosse julgado procedente, ainda que já tivesse recebido decisão contrária em outro foro.

  11. O parecer da SG é bastante claro ao descrever essa questão:

"237. Para que a ação contra a Anvisa continuasse válida (e com Direito a EMR), era essencial que o pedido de patente fosse pedido de patente de produto (e não pedido de patente de processo), pelos motivos já acima referidos (vide item 2.6.3).

238. Ocorre que, como visto anteriormente, o Judiciário Federal do RJ havia afastado a possibilidade da empresa inovar o pedido patentário (transformando sua patente de processo em patente de produto) após o pronunciamento da autoridade competente (vide item 2.6.2 desta nota) .

239. Então, para manter sua estratégia anticompetitiva, a Eli Lilly, após perder seu pedido de aditamento da ação contra o INPI no RJ, apresentou esta mesma ação novamente na justiça federal do DF. Frise-se que tal ajuizamento no DF ocorreu DEPOIS que o Judiciário do RJ se pronunciou no sentido de que a pretensão da Eli Lilly de discutir a ampliação do pleito patentário, modificando sua natureza, era (i) indevida e (ii) demonstrava que tal empresa estaria agindo estrategicamente para contornar a competência do INPI, impedindo que o INPI se pronunciasse a respeito de matéria de sua competência, criando assim um monopólio artificial.".

  1.  Assim, embora o mero ajuizamento da mesma ação em foros distintos não configure um ilícito antitruste, a visão panorâmica da estratégia seguida pela Eli Lilly exige que a litispendência, nessa hipótese receba, um contorno diverso.  De fato, a propositura de nova ação, quando já havia decisão judicial desfavorável no Rio de Janeiro, demonstra o comportamento nitidamente abusivo da representada, que pretendia impedir que a autoridade competente – INPI – se manifestasse sobre a matéria.

  2. A respeito do forum shopping, leciona o professor Fredie Didier Jr:

“É absolutamente natural que, havendo vários foros competentes, o autor escolha aquele que acredita ser o mais favorável aos seus interesses. É do jogo, sem dúvida. O problema é conciliar o exercício desse direito potestativo com a proteção da boa-fé.  Essa escolha não pode ficar imune à vedação ao abuso do direito, que é exatamente o exercício do direito contrário à boa-fé.”[26]

  1. Conclui-se, portanto, que a propositura de ações diferentes, nesse caso, não foi meramente um fenômeno processual, mas integra a cadeia de condutas que ensejou a configuração de sham litigation.

 

IV.4.5. Reconvenção da Eli Lilly na ação nº 583.02.2007.144881-5 promovida pela Sandoz

  1. No dia 15.08.2007, a Sandoz, concorrente da Eli Lilly, ajuizou ação contra a representada na Justiça Estadual de São Paulo, requerendo que a Eli Lilly cessasse a divulgação de informação caluniosa em relação ao cancelamento do registro do medicamento GEMCIT, produzido pela Sandoz; divulgasse errata esclarecendo que não havia empecilho à comercialização do medicamento e a indenizasse pelos danos decorrentes das informações falsas.

  2. A representada apresentou reconvenção na qual sustentou concorrência desleal da Sandoz, reiterando que o registro do GEMCIT estava sob a eficácia da tutela conferida em prol da Eli Lilly.

  3. Mais uma vez, contudo, a Eli Lilly atuou de forma dolosa, apresentando informações enganosas quanto à extensão da tutela antecipada obtida no agravo de instrumento nº 2007.01.00017916-0, dando a entender que, em razão da concessão do EMR, a ANVISA estaria proibida de conceder registros a quaisquer medicamentos similares ao GEMZAR, independentemente de sua finalidade terapêutica. É o que se extrai dos trechos da reconvenção colacionados abaixo:

“A antecipação de tutela deferida em 19.07.2007, pelo Exmo Des. Federal Fagundes de Deus, Presidente da 5ª Turma do TRF – 1ª Região, no AI 2007.07.00.017916-0 reconhece o direito de exclusividade de comercialização do produto GEMZAR nos seguintes termos: “Defiro o pedido de antecipação de tutela recursal, sem estabelecer qualquer tipo de ressaltava ao que foi pleiteado. O pedido para antecipação formulado na ação ordinária 2006.34.00.033456-2  é o seguinte:

‘Seja concedida a tutela inibitória inaudita alters pars, nos termos do art. 461, parágrafo 3º do CPC, para determinar para ANVISA se abstenha, até o trânsito em julgado da sentença, de praticar qualquer ato que viole os direitos exclusivos de comercialização sobre o produto GEMZAR (cloridrato de gencitabina 1g e 200 mg), publicando a imediata suspensão de qualquer ato eventualmente praticado após a propositura da ação judicial”.

Ora, se o registro para o produto Gemcit da Autora-reconvinda foi concedido em  22/03/2007,  após o ajuizamento da ação ordinária 2006.34.00.033456-2, em 01/11/2006, com pedido expresso para que a ANVISA suspenda qualquer ato praticado após a propositura desta ação, não há dúvida de que o registro do Gemcit ofende - sim - ao que foi determinado na r. decisão judicial proferida em 19/07/2007, pelo Exmo. Des. Federal Fagundes de Deus, Presidente da 5ª Turma do TRFI, no AI 2007.01.00.017916-0. (...)

A suspensão do registro do Gemcit decorre de forma direta e imediata da decisão judicial em comento. A SANDOZ tenta rediscutir o alcance da liminar, quando o Juízo competente já se manifestou claramente. A SANDOZ ainda tenta convencer esse MM. Juízo que a medida liminar alcança todos os produtos concorrentes da LILLY, menos, o seu Gemcit, contrariando princípios comezinhos do Direito e o bom-senso.(...)

(...) Obviamente que a r. decisão do Desembargador Fagundes de Deus, ao falar em impedir qualquer outro registro se referiu a qualquer outro que não aquele concedido à Eli Lilly. È absolutamente pueril o argumento da Sandoz. A interpretação que ela apregoa é absurda, pois não se pode estabelecer que alguém possam violar o direito a um concorrente, mas que outros não possam fazê-lo”.

  1. Nota-se, portanto, que a representada, propositadamente, interpreta a decisão proferida no referido agravo de instrumento em tiras, dando a falsa impressão de que o desembargador Fagundes de Deus teria determinado à ANVISA que se abstivesse de conceder todo e qualquer registro relacionado ao cloridrato de gencitabina.  

  2. A decisão, contudo, é expressa no sentido de que o direito exclusivo à comercialização referia-se tão somente ao último registro obtido pela representada junto à ANVISA, com as indicações terapêuticas previstas na Resolução 371, de 18.10.2004, quais sejam, o tratamento para câncer de mama. Assim, é inequívoco que, ao omitir essa informação, a representada pretendia induzir o magistrado em erro, para impedir, de forma irrestrita, a comercialização do medicamento GEMCIT, produzido pela SANDOZ, seu único concorrente no mercado.  Os trechos da decisão transcritos abaixo não deixam espaço para qualquer dúvida:

“Importante ressaltar que, de acordo com os documentos de fls. 851/879, que descrevem os modelos de bula, rotulo e cartucho do GEMZAR, o produto era indicado no tratamento de câncer de bexiga, pâncreas, pulmão, rim, vesícula biliar e câncer ovariano, possuindo registro desde 09.05.96, dado pela Secretaria de VigilÂncia Sanitária (Portaria n. 211 – fl. 887), que foi renovado pela ANVISA na Resolução n. 829, de 7.06.2001, publicada no DOU de 11.06.2001, seção 1, pags 47 e 48(ver fls. 888 e 888 destes autos).

Assim, sendo deve-se presumir que o direito exclusivo de comercialização diz respeito ao último registro obtido na ANVISA com as indicações terapêuticas a que alude a Resolução n. 371, de 18.10.2004”.

  1. Registre-se que a própria representada mencionou expressamente o último registro obtido na ANVISA, relativo ao tratamento de neoplasia mamária, para o fim de limitar o marco temporal do EMR. Com efeito, O art. 70.9 do TRIPs só admite a concessão da exclusividade por cinco anos após a obtenção da autorização de comercialização, conforme descrito abaixo:

“O GEMZAR recebeu da ANVISA aprovaçãode comercialização para o tratamento de neoplasia mamária em 19.10.04 através dos registros 1.1260.0017.001-7 (1 g) e 1.1260.0017.002-5 (200mg), concedido para a Eli Lilly do Brasil Ltda. (...) Isto posto, busca-se a aplicação dos direitos exclusivos de comercialziaçaõ (DEC) para o produto farmacêutico GEMZAR (cloridrato de gencitabina 1 g e 200m até 19.10.209 (cinco anos a partir da aprovação para acomercliazação pela ANVISA 19.10.2004), garantidos pelo art. 70.9 do anexo 1C ao Tratado de Marraqueche, interlizando pelo Decreto 1.355/94. “

  1. Assim, ainda que o pedido tenha sido formulado em termos mais amplos, sua limitação decorre da própria causa de pedir. De fato, não haveria como conceder exclusividade de comercialização até 2009 a registros anteriores a 2004, sob pena de violação ao art. 70.9 do TRIPS.

  2. Nota-se, portanto, que a representada, ao mesmo tempo em que se vale do último registro, relativo ao tratamento da neoplasia mamária, pretende que seja concedido direito de exclusividade irrestrito, o que, além de não encontrar amparo legal, denota a estratégia anticoncorrencial implementada por ela. Felizmente, como visto acima, o artifício acabou não obtendo êxito, na medida em que, ao conceder a tutela antecipada, o desembargador Fagundes de Deus deu efeitos restritivos à exclusividade, limitando-o à finalidade terapêutica relativa ao último registro obtido pela representada.

  3. A manifestação fraudulenta da Eli Lilly, contudo, levou o juízo de São Paulo a conceder tutela antecipada ampla,  de modo que houve a suspensão do registro concedido ao GEMCIT, impedindo a SANDOZ de comercializar o medicamento com qualquer finalidade terapêutica por três meses, período em que o preço cobrado nas licitações foi de R$ 540,00 contra apenas R$ 189,00 em pregão realizado depois da cassação da liminar que beneficiava a Eli Lilly.

  4. Tal decisão persistiu até 21.12.2007, quando o Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu decisão reconhecendo a possibilidade de comercialização do GEMCIT para o tratamento de outros tipos de câncer que não o de mama, tendo em vista a decisão do TRF da 1ª Região:

“Anote-se que, a questão deste processo, cinge-se a eventual prática de concorrência desleal atribuída pelas partes e este Juízo verificou que nenhuma delas a praticou, acrescentando-se que a boa-fé se presume e a má-fé se comprova. A autora Sandozfez as alterações necessárias na ANVISA, parasuprimir das bulas, caixas,rótulos e propagandas do medicamento GEMCIT, qualquer indicação a câncer de mama. A Eli Lilly, por seu turno, também não agiu de má-fé, a despeito do processo estar em segredo de justiça. Inclusive encaminhou cópia da decisão do Desembargador Fagundes de Deus, na íntegra, mostrando transparência na informação, já que não interpretou por conta própria o conteúdo da decisão. Concorrência é a possibilidade de competitividade entre produtores, fabricantes ou fornecedores em geral de um mesmo produto. Assim, está pautada pela ética. Ora, no caso dos autos, as partes obtiveram a concessão de patente de produto farmacêutico pela ANVISA, cuja análise é obrigatória desde a medida provisória 2.006, de 15/11/99.

Nesse instrumento legal, foi criado o Instituto da anuência prévia, consolidado pela Lei 10.196/01, no artigo 229-C. O objetivo da concessão é evitar prejuízo ao Interesse social com possível risco á saúde pública e ao desenvolvimento tecnológico do país. Conclui-se, que não houve má-fé ou comportamento antiético de nenhuma das partes, que tentaram buscar no Poder Judiciário, referendar suas teses, o que é perfeitamente legítimo, inclusive direito garantido constitucionalmente. As questões ainda não estão definidas perante as outras Justiças, todavia neste processo não se vislumbra má-fé de nenhuma das partes.Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES o pedido principal e a reconvenção (CPC, Art. 269, 1).(Ação Ordinária 583.02.2007.144881-5)”.

  1. Embora o magistrado tenha afastado a existência de má-fé, isso não compromete a conclusão, extraída a partir da análise macro dos fatos e que transcendem aos aspectos apreciados pelo TJSP,  de que a representada omitiu dolosamente informações, com o objetivo de prejudicar a Sandoz, o que acabou levando à obtenção de monopólio artifical, destituído de qualquer fundamento. Isso porque, enquanto o juiz analisa a conduta sob uma perspectiva micro e confinada aos interesses privados das partes, a autoridade antitruste analisa a conduta sob a perspectiva macro do mercado, no contexto de todas as estratégias adotadas pela representada em diferentes juízos  e dos interesses difusos a ele concernentes.

  2. Basta lembrar a questão da multiplicidade dos processos, em que a conduta ilícita decorre precisamente do conjunto das ações, na medida em que é este o fator que reflete a estratégia anticompetitiva do autor, o qual jamais poderia ser inferido a partir do exame de cada uma das ações individuais.

  3. Com isso, não se quer sustentar que a identificação da sham litigation pela autoridade antitruste seja totalmente independente da apreciação dos órgãos judiciais e administrativos a quem foram endereçados os pedidos da parte. É claro que existe uma importante zona de interpenetração entre essas duas dimensões, até porque a viabilidade dos direitos sustentados e o seu reconhecimento pelas autoridades competentes têm repercussões importantíssimas sobre a sham litigation, na medida em que são circunstâncias que normalmente afastam a abusividade da conduta e, consequentemente, a ilicitude concorrencial.

  4. O que se quer esclarecer é que a identificação da sham litigation, embora envolva um necessário diálogo com os direitos sustentados e com os pronunciamentos das autoridades competentes que os reconheceram ou não, não está condicionada necessariamente à declaração da abusividade do direito de ação pelas referidas autoridades, até porque, como já se salientou, os horizontes, as preocupações e as perspectivas de análise destas são substancialmente distintos daqueles que direcionam o trabalho da autoridade antitruste.

  5. É exatamente por isso que não se pode acolher o argumento referido no parecer apresentado pelas representadas de que a autoridade antitruste não dispõe de competência para substituir o Judiciário nem para reconhecer que houve erro no julgado e/ou que o juiz foi enganado.

  6. Com efeito, não se trata de substituir a análise de mérito do Judiciário, mas tão somente de verificar, observando o contexto macro em que a conduta foi implementada, se houve lesão à concorrência. Aliás, o fato de o ato ter produzido resultados concretos não é determinante para a identificação do ilícito concorrencial, de modo que, mesmo que o Judiciário não tivesse sido enganado, a falsidade na prestação de informações essenciais, com efeito potencial lesivo à ordem econômica, já seria suficiente para a comprovação da infração.

  7. Por outro lado, ainda que assim não fosse e se entendesse que a decisão do TJSP que afastou a má-fé da representada naquele caso vinculasse o CADE, já se viu que o dolo não é elemento imprescindível à caracterização de sham litigation e que, no caso concreto, não há dúvidas de que a representada agiu pelo menos de forma manifestamente negligente e atentatória à boa-fé objetiva e aos deveres de transparência e lealdade.

  8. As representadas, todavia, alegaram que não teria havido enganosidade, pois não seria possível conferir efeitos restritivos à tutela conferida pelo Desembargador Fagundes de Deus, na medida em que as Resoluções RDC 14/2003 e RDC 17/2007 da ANVISA exigem que a bula do medicamento genérico contenha as mesmas informações da bula do medicamento de referência.

  9. Em primeiro lugar, verifica-se que, em nenhum momento, a representada alegou a impossibilidade de modificação da bula na reconvenção nem se referiu às referidas resoluções.  Ao contrário, omitiu dolosamente a informação de que a decisão apenas referia-se ao tratamento do câncer de mama, induzindo o magistrado a erro.

  10. Ademais, é razoável supor que a exigência de convergência entre as informações contidas na bula do medicamento de referência e no medicamento genérico tem por objeto a proteção do direito à saúde, de forma que a omissão de uma indicação do produto não traz nenhum risco, não sendo justificável a exigência de total coincidência nessa hipótese.

  11. Registre-se que o próprio relator no Agravo de Instrumento que concedeu o EMR manifestou-se expressamente no sentido de que o direito de comercialização deferido referia-se apenas ao último registro obtido pela Eli Lilly, relativo ao tratamento de neoplasia mamária. Não fosse, assim, aliás, a representada sequer teria conseguido obter o EMR, na medida em que o registro relativo aos demais tipos de câncer foram concedidos em 1996, de forma que, no momento da tutela antecipada, já haveria transcorrido o período de cinco anos referido no TRIPs.

  12. Na decisão, fica claro que a bula não constituía óbice à implementação da decisão:

"Ressalto, entretanto, que o direito exclusivo de comercialização reconhecido às Agravantes restringe-se à produção, comercialização (venda ou colocação à venda), uso ou importação de genérico do GEMZAR, para tratamento de câncer de mama. Isso se depreende do seguinte trecho da decisão concessiva da antecipação de tutela: ‘importante ressaltar que, de acordo com os documentos de fls. 851/879, que descrevem os modelos de bula, rótulo e cartucho do GEMZAR, o produto era indicado no tratamento de câncer de bexiga, pâncreas, pulmão, rim, vesícula biliar e câncer ovariano, possuindo registro desde 09.05.96, dado pela Secretaria de Vigilância Sanitária (Portaria n. 211 — (1. 887), que foi renovado pela ANVISA na Resolução n. 829, de 7.6.2001, publicada no Dou de 11.06.2001, Seção 1, págs. 47 e 48 (ver fls. 888 e 889 destes autos). Assim sendo, deve-se presumir que o direito exclusivo de comercialização diz respeito ao último registro obtido na ANVISA, com as indicações terapêuticas a que alude a Resolução n. 371, de 18.10.2004.’ (negritei e sublinhei)

E não poderia ser de outra forma, já que, se fossem consideradas as demais indicações terapêuticas do GEMZAR, seria fatal concluir-se pela inexistência do direito de exclusividade, já que o art. 70.9 do TR1PS fixa como termo inicial do qüinqüênio durante o qual perdura tal direito a data em que o órgão competente autoriza a sua comercialização no país membro, o que se deu com o primeiro registro do medicamento em 09.05.1996. Assim sendo, nada obsta que a ANVISA mantenha o registro do genérico GEMCIT, desde que tal registro não contemple a possibilidade de comercialização do produto para o tratamento do câncer de mama, devendo tal indicação terapêutica ser retirada de suas bulas, caixas, rótulos e propagandas.”

  1. Aliás, ainda que a bula não pudesse ser alterada, isso, obviamente, não autorizaria a representada a pleitear a ampliação de sua tutela indevidamente, sobretudo por meio da prestação de informações enganosas.

  2. Assim, é inequívoco que a conduta perpretada pela representada consistiu em abuso do direito de petição, com nítidos efeitos anticoncorrenciais, como se verá adiante.

 

VI.4.5. Efeitos lesivos à concorrência

  1. Como já foi dito anteriormente, a utilização da proteção patentária de maneira indevida traz danos significativos à concorrência, uma vez que institui monopólio artificial sem que haja a contrapartida social justificadora  da propriedade intelectual.

  2. Tendo em vista que a representada obteve monopólio indevido, com base em decisões judiciais favoráveis conseguidas mediante a condução de estratégia que envolveu a omissão de dados relevantes ao convencimento do magistrado, não há que se falar em efeitos potenciais, mas em efeitos concretos de prejuízo à concorrência.

  3. A Eli Lilly obteve o monopólio sobre o cloridrato de gencitabina de 19 de julho de 2007 (supra, 83) até 07 de março de 2008. Os concorrentes da representada permaneceram afastados do mercado, portanto, por quase oito meses.

  4. É importante lembrar, ainda, que por três meses a empresa Sandoz foi proibida de comercializar seu produto GEMCIT para o tratamento de qualquer câncer (supra, 99). Entre 28 de setembro de 2007 e 21 de dezembro de 2007, a Sandoz ficou afastada do mercado, ainda que o monopólio obtido pela Eli Lilly somente se tratasse da venda de medicamento para o tratamento de câncer de mama.

  5. Consta dos autos que o monopólio gerou distorção dos preços do mercado. Em pregão realizado no período em que a Sandoz ficou proibida de comercializar o cloridrato de gencitabina, o GEMZAR foi vendido por R$ 540,00. Já no retorno da Sandoz ao mercado, o preço cobrado pelo medicamento da Eli Lilly caiu para  R$189,00.

  6. Os dados corroboram o estudo do DEE a respeito do prêmio patentário farmacêutico, anexo a este voto. A partir do Banco de Dados do Sistema de Acompanhamento de Mercado de Medicamentos (Banco Sammed) referente ao ano de 2012, enviado ao CADE, por meio de acordo de cooperação com a ANVISA, o órgão concluiu que, na ausência de patente, o preço dos medicamentos cai, em média, 66%, de modo que eventuais defesas artificiais de poder de mercado podem garantir razoável sobrepreço.

  7. O monopólio e a distorção de preços, sobretudo em razão da natureza do produto, podem causar efeitos graves sobre os consumidores, como bem apontou o voto do Ministro Barros Monteiro na decisão do STJ que suspendeu os efeitos da tutela antecipada que concedeu o EMR à Eli Lilly:

“Sem adentrar o mérito da decisão que concedeu a tutela antecipada, verifica-se que seus efeitos poderão causar grave lesão à saúde e à economia públicas, porquanto concedeu exclusividade de comercialização do medicamento cloridrato de gencitabina, utilizado no tratamento de câncer de mama, às empresas “Eli Lilly do Brasil Ltda.” e “Eli Lilly and Company”, fabricantes do medicamento GEMZAR, impossibilitando os portadores de tal enfermidade de optarem por um tratamento de custo mais acessível, mediante uso de medicamento genérico ou similar.

Ademais, os pacientes portadores de câncer de mama que se utilizam da rede pública de saúde correm o risco, com a diminuição na distribuição gratuita dos medicamentos, de naturais prejuízos no seu direito ao adequado tratamento da moléstia, dada a possível escassez do produto”.

  1. Por mais que a representada jamais tenha tentado, diretamente, impedir a entrada dos genéricos no mercado, uma vez que não ajuizou nenhuma ação contra seus concorrentes genéricos, as condutas da Eli Lilly afetaram esses medicamentos em razão de seu caráter geral.

  2. O fato de o pedido de patente jamais ter sido deferido pelo INPI não afasta o impedimento à entrada de novos concorrentes no mercado, uma vez que a exclusividade sobre o cloridrato de gencitabina foi obtida por outros meios que não o registro da patente pelo  INPI. Dessa maneira, não há por que ser afastada a hipótese de diminuição da atratividade do mercado e da elevação dos custos, visto que a distorção está comprovada nos autos.

  3. O argumento da ausência de poder de mercado da Eli Lilly também não merece prosperar, uma vez que o market share é irrelevante quando se trata de casos de sham litigation, em que o sucesso de uma demanda já pode ser suficiente para afastar concorrentes do mercado, tal como ocorreu no caso concreto.

  4. Não resta dúvida de que as ações levadas ao Judiciário com vistas à obtenção de monopólio, foram desprovidas de base jurídica, posto que foram fundamentadas em fatos comprovadamente falsos ou em omissões meticulosamente planejadas para mascarar o propósito anticoncorrencial. Também é evidente que houve dano concreto sobre o mercado, pois, como as demandas foram camufladas pela omissão de dados relevantes, a representada efetivamente conseguiu prestações jurisdicionais favoráveis.

  5. Importante notar que não está em jogo a quantidade de ações ajuizadas pela representada, diferentemente do que sugere o parecer acostado aos autos, mas a forma concatenada e abusiva com que esses litígios foram manejados para obter indevidamente o monopólio sobre o cloridrato de gencitabina.

  6. Com efeito, a estratégia levada a cabo pela representada consistiu em um comportamento a longo prazo permeado por diversas sutilezas que se traduzem em enganosidades ou situações que revelaram em todo o seu transcurso, senão o dolo reiterado, ao menos o inequívoco descumprimento dos deveres de lealdade e de diligência que lhes eram exigidos na hipótese. Portanto, embora a representada não detivesse parcela tão considerável do market share, é inegável que suas condutas geraram sérios danos ao mercado, reforçando a conclusão, já esposada anteriormente, de que a existência de sham litigation  independe da avaliação do market share.

  7. Verifica-se, portanto, que as representadas praticaram infrações à ordem econômica, previstas no art. 20, I e IV c/c art. 21, IV, V e XVI, motivo pelo qual passo à análise de dosimetria.

 

VII.DOSIMETRIA

  1. Embora os fatos sob exame tenham ocorrido sob a égide da Lei 8.884/94, aplica-se retroativamente a Lei 12.529/2011 à hipótese, por ser possível presumir, com elevado grau de segurança, que se trata da norma mais benéfíca para os representados.

  2. O art. 45 da Lei 12.529/2011 estabelece oito elementos que devem ser considerados na aplicação da pena, a seguir examinados:

 

i) Gravidade da infração

  1. Como descrito ao longo do voto, a representada comportou-se de forma anticoncorrencial, ajuizando múltiplas ações judiciais em diferentes foros e ocultando informações para obter, de forma artificial, monopólio na comercialização do medicamento GEMZAR. Em razão disso, obteve indevidamente o direito de vender com exclusividade o fármaco, inclusive para outras finalidades terapêuticas que não apenas aquelas delimitadas na decisão que concedeu o EMR.

  2. Já se viu que abusos relativos à propriedade intelectual são particularmente gravosos em razão de seu potencial exclusionário direto. Além disso, a conduta teve efeitos sobre o mercado de medicamentos, que tem desdobramentos sobre o direito fundamental à saúde, o que justifica a fixação de multa em patamar superior àquele usualmente aplicado a outras condutas unilaterais. 

 

ii) Da boa-fé do infrator:                                                                         

  1. A reprovabilidade da conduta foi extremamente elevada, na medida em que a representada não atendeu minimamente aos deveres de diligência e de lealdade que lhe eram exigidos na hipótese, especialmente aqueles atinentes ao dever de informação. Já se viu que, frente a um instituto controverso como o EMR e a restrição inequívoca à livre concorrência dele decorrente, esses deveres eram ainda mais elevados, especialmente diante da escolha de foros diferentes pela representada.

  2. Os referidos deveres também forma descumpridos quando do ajuizamento da reconvenção, o que acabou levando à suspensão irrestrita do registro da Sandoz, acentuando os efeitos lesivos à concorrência.

  3. Haveria, inclusive, boas razões para sustentar que sua atuação foi dolosa, entretanto, para fins de dosimetria, estou considerando apenas a existência de culpa grave, que, como visto, não elide a ilicitude.

 

iii) Da vantagem auferida ou pretendida pelo infrator:

  1. As representadas obtiveram inequívocas vantagens da conduta perpretada. Por um período de quase 8 meses, a representada obteve a exclusividade sobre o cloridrato de gencitabina para o tramento do câncer de mama, eliminando totalmente a possibilidade de entrada de potenciais competidores.

  2.  Além disso, em razão das informações enganosas prestadas no âmbito da reconvenção ajuizada pelas representadas, o monopólio teve seus efeitos indevidamente estendidos, para suspender o registro da Sandoz, sua única concorrente no mercado, de modo que a Eli Lilly obteve a exclusividade irrestrita sobre a comercialização do composto, para qualquer finalidade terapêutica, por um período de três meses.

  3. Dados nos autos indicam a existência de abuso de posição dominante durante esse período. Em pregão realizado durante o período em que a comercialização do GEMCIT pela Sandoz foi proibida, o preço cobrado pelo GEMZAR foi de R$ 540,00, enquanto, após a cassação da liminar, o valor caiu para R$ 189,00.

iv) Da consumação ou não da infração;

  1. Houve a consumação da conduta lesiva à concorrência na medida em que ficou amplamente demonstrado o abuso do direito de petição. Ademais, os atos praticados pela representada levaram à produção de prejuízos concretos e não meramente potenciais à livre concorrência. 

 

v)  Do grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros; 

  1. Houve grave lesão à concorrência na medida em que as representadas obtiveram indevidamente o monopólio sobre o mercado do cloridrato de gencitabina, eliminando todos os potenciais concorrentes, inclusive sobre aquelas modalidades terapêuticas que não eram objeto da tutela antecipada deferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. 

  2. Estudo do DEE, já mencionado no voto, demonstrou que o prêmio patentário no mercado farmacêutico é, em média, de 66% , de modo que a obtenção indevida de exclusividade pode garantir razoável sobrepreço. No caso sob exame, os preços exigidos pelo medicamento GEMZAR nos pregões atestam a existência dessa distorção, conforme informações apresentadas pela Pró-Genéricos.

  3. Tratando-se de medicamentos, os efeitos sobre o consumidor são ainda mais gravosos, em razão da menor elasticidade do produto, ante os desdobramentos diretos sobre a saúde, direito fundamental expressamente assegurado pela CF, sobretudo considerando as finalidades terapêuticas do cloridrato de gencitabina.

  4. Assim, a obtenção indevida da exclusividade impossibilitou que os portadores de enfermidade grave pudessem fazer uso de tratamento de custo mais acessível, mediante a utilização de medicamento similar ou genérico, como ressaltou a decisão do STJ que revogou a tutela antecipada obtida pela Eli Lilly.

 

vi) Dos efeitos econômicos negativos produzidos no mercado

  1. Ao obter o direito de comercialização indevida do produto, as representadas inviabilizaram a livre concorrência no mercado, o que, como destacado anteriormente, levou à prática de sobrepeço, prejudicando a entrada de potenciais concorrentes e diretamente o consumidor.

 

vii) -Da situação econômica do infrator;

  1. Os elementos existentes nos autos acerca da situação econômica das representadas indicam que se trata de empresas de grande porte, o que também deverá ser levado em considerado na fixação da multa.

 

viii) Da reincidência.

  1. A representada Eli Lilly do Brasil Ltda foi condenada em 13 de outubro de 2005, na 359ª Sessão ordinária de julgamento, por ter ficado comprovada a fixação de acordo com laboratórios para impedir a comercialização de medicamentos genéricos, dentre outras condutas lesivas à ordem econômica.

  2. Como entre a data do julgamento e os fatos ora analisados, não transcorreram mais de cinco anos, entendo que houve reincidência, motivo pelo qual a multa deverá ser aplicada em dobro.

  3. Acresce que o fato de se tratar de tipos infracionais diversos não interfere na análise da reincidência, conforme jurisprudência pacífica do Tribunal.

 

ix)  Conclusão

  1. Ante os critérios, expostos acima fixo multa de [acesso restrito] sobre o valor do faturamento bruto obtido no ano anterior à instauração do presente processo administrativo, de modo que as representadas deverão recolher ao Fundo de Direitos Difusos, o valor de R$ 36.679.586,16, já considerando a reincidência.

  2. No cálculo da multa, foi considerado o faturamento bruto relativo às vendas e e serviços da Eli Lilly do Brasil Ltda, devidamente atualizado pela taxa SELIC[27],  por não qualquer comprovação de que o faturamento informado posteriormente, após a inclusão do processo em pauta para julgamento, refere-se ao ramo de atividade indicado. De fato, a parte limitou-se a apresentar novo valor, sem qualquer documento anexo que pudesse justificar a consideração de base de cálculo diversa daquele inicialmente informada.  

  3. Embora as representadas tenham argumentado que a multa deveria ter considerado unicamente a receita obtida com a venda do medicamento GEMZAR, entendo que essa base de cálculo é manifestamente inapropriada. Além de não encontrar amparo legal, ante disposição expressa da Lei 12.529/2011, que exige a aplicação da sanção sobre o faturamento, é inequívoco que o valor obtido com a venda do fármaco em 2010 não reflete aquele relativo ao período por que perdurou o monopólio. Como descrito anteriormente, estima-se que o prêmio patentário é, em média, de 66%. No caso dos autos, há evidências de que esse valor foi ainda mais expressivo.

  4. Assim, a aplicação da referida alíquota sobre a base de cálculo indicada não seria suficiente nem mesmo para compensar as vantagens indevidamente obtidas pela representada, de modo que a sanção não cumpriria seu efeito dissuasório.

  5. A base de cálculo, aliás, foi inclusive benéfica às representadas, na medida em que se considerou tão somente o faturamento relativo à Eli Lilly do Brasil e não ao grupo econômico Eli Lilly and Company.  De toda sorte, entendo que o valor fixado é suficiente para assegurar o caráter dissuasório e punitivo da multa, além de atender aos critérios de proporcionalidade, especialmente no que se refere à reprovabilidade da conduta.

  6. Nos termos do art. 33, as representadas ficarão solidariamente responsáveis ao pagamento da multa, que deverá ser efetuado no prazo de 30 dias a contar da publicação da decisão do CADE no Diário Oficial da União.

 

VIII. CONCLUSÃO

  1. Ante o exposto condeno as representadas Eli Lilly do Brasil Ltda e Eli Lilly and Company pela prática de infrações à ordem econômica, previstas nos arts. 20, I e IV c/c art. 21, IV, V e XVI, fixando multa de R$ 36.679.586,16 (trinta e seis milhões seiscentos e setenta e nove mil quinhentos e oitenta e seis reais e dezesseis centavos).

  2. Determino, ainda, o encaminhamento do voto ao Ministério Público Federal para que tome as providências cabíveis no que se refere à reparação civil.

É o voto.

 

Brasília, 24 de junho de 2015.

 

 

ANA FRAZÃO

Conselheira Relatora

 

 

 

 

[1] Cf. BARBOSA, Denis Borges. Tratado da Propriedade Intelectual. v.2. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p.1268.

[2] “Art. 9. Não são privilegiáveis: [...] c) as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos, de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação;” (Lei nº 5.772, de 21 de dezembro de 1971).

[3] Art. 70.8: Quando um Membro, na data da entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, não conceder proteção patentária a produtos farmacêuticos nem aos produtos químicos para agricultura em conformidade com as obrigações previstas no art. 27, esse Membro: b) aplicará a essas solicitações, a partir data de aplicação deste Acordo, os critérios de patenteabilidade estabelecidos neste instrumento como se tais critérios estivessem sendo aplicados nesse Membro da data do depósito dos pedidos, quando uma prioridade possa ser obtida e seja reivindicada, na data de prioridade do pedido.

[4] O despacho de 15/06/2004 é o que se segue:  “INPI-52400.004304/01

Origem: Tribunal Regional Federal da 2ª Região

Apelação Cível Nº 331033

ORIGEM:PROC. Nº2001.51.01.531698-3

Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO V. DE CARVALHO

APELANTE: ELLI LILLY AND COMPANY

APELADO: Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI

ACORDÃO: Julgar procedente o pedido declarando a nulidade do ato administrativo que indeferiu o pedido de patente PI 9302434-7, com o conseqüente prosseguimento de seu exame, assegurando-se o direito ao pagamento das anuidades vencidas, no prazo de 60 dias, contado do trânsito em julgado.”

[5] Exclusive marketing rights.

[6] As referidas certidões emitidas pelo INPI vieram acostadas à contestação da ANVISA. Trata-se de documentos que não foram requeridos pela representada e sequer tratavam sobre o pedido de patente do cloridrato de gencitabina.

[7] Disponível do portal de pregões do governo do estado de Sâo Paulo.

[8] Disponível do portal de pregões do governo do estado de Sâo Paulo.

[9] US. DEPARTMENT OF JUSTICE; FEDERAL TRADE COMMISSION. Antitrust Enforcement and Intellectual Property Rights: Promoting Innovation and Competition. Nova Iorque: William S. Hein & Co., 2008.

[10] Processo Administrativo nº 08012.007189/2008-08, Conselheiro-Relator Ricardo Machado Ruiz, julgado em 01/10/2014.

[11] Klein, Christopher C. Anticompetitive Litigation and Antitrust Liability. Department of Economics and Finance Working Papers Series, August 2007. 

[12] Essa concepção de sham litigation está consignada no caso California Motor Transport v. Trucking Unlimited, no qual a Suprema Corte concluiu que, ainda que as empresas possuam o direito de petição, ou seja, de pleitear perante órgãos administrativos e tribunais os seus direitos, a intenção de eliminar concorrentes por meio do ajuizamento dessas ações caracteriza exceção à doutrina Noerr-Pennington e, assim, viola a lei anticoncorrencial e configura sham litigation.

[13] SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as condutas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.168-171.

[14] Ibidem. p. 33-36.

[15] Ibidem. p. 96-97.

[16] Processo Administrativo nº 08012.010648/2009-11, Conselheiro-Relator Eduardo Pontual, julgado em 30 de abril de 2014.

[17] Averiguação Preliminar nº 08012.005610/2000-81, Conselheiro-Relator Elvino de Carvalho Mendonça, julgada em 26 de julho de 2006.

[18] Averiguação Preliminar n° 08012.006076/2003-72, Conselheiro-Relator Luiz Carlos Thadeu Delorme Prado, julgada em 04 de setembro de 2007.

[19] Processo Administrativo n° 08012.004484/2005-51, Conselheiro-Relator Fernando de Magalhães Furlan, julgado em 18 de agosto de 2010.

[20] In AstraZeneca [T-321/05], the Court held: "In the present case, the Court observes that the submission to the public authorities of misleading information liable to lead them into error and therefore to make possible the grant of an exclusive right to which the undertaking is not entitled… constitutes a practice falling outside the scope of competition on the merits which may be particularly restrictive of competition. Such conduct is not in keeping with the special responsibility of an undertaking in a dominant position not to impair, by conduct falling outside the scope of competition on the merits, genuine undistorted competition in the common market…” [Par. 355]. Ver também: http://goo.gl/PBdcCW  e http://goo.gl/bCgKMr.

[21] “Exemplos não exaustivos incluem: (a) ausência da expressão caracterizante, (b) erro quanto às relações de dependência entre as reivindicações, (c) inclusão de referências numéricas aos desenhos, poderão ser aceitas por economia processual (conforme o disposto no artigo 220 da LPI).” (Resolução INPI nº093/2013).

[22] BARBOSA, Denis Borges. Tratado da Propriedade Intelectual. Tomo II.  Rio de Janeiro: 2014, Lumen Juris. p. 1434.

[23] INPI, Resolução da Presidência nº 262 de 13 de janeiro de 2011.

[24] http: //www.abiaids.org.br/_img/media/PergResp_PIPELINE_PT.pdf.

[25] BARBOSA, Denis Borges. Direitos exclusivos de comercialização: um instituto inexistente no direito brasileiro. Revista da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual. n. 95, jul./ago., 2008.

[26] DIDIER JR., Fredie. Editorial 67. 2009. Disponível em: < http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-67/>.

[27] Foi considerado o faturamento de [acesso restrito], que, atualizado pela taxa SELIC até junho de 2015, equivale a  [acesso restrito] .


 

 

 

 

 

 

 

 

 

ANEXO I -  MEMÓRIA DE CÁLCULO DA MULTA

 

Base de cálculo (Faturamento da Eli Lilly no ano de 2010)

[Acesso restrito]

Índice de atualização

1,4142

Faturamento atualizado

[Acesso restrito]

Alíquota aplicada

[Acesso restrito]

Multa final

R$ 36.679.586,16

 

 

ANEXO II – ESTUDO DO DEEE

 

Prêmio patentário farmacêutico no Brasil

 

O Departamento de Estudos Econômicos do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, de acordo com o artigo 17 da Lei 12.529/2011, possui a tarefa de “elaborar estudos e pareceres econômicos, de ofício ou por solicitação do Plenário, do Presidente, do Conselheiro-Relator ou do Superintendente-Geral, zelando pelo rigor e atualização técnica e científica das decisões do órgão”. 

Considerando a importância do setor farmacêutico, bem como a abrangência do mesmo, o Departamento de Estudos Econômicos deu início a um estudo setorial neste ramo da Economia Brasileira (Processo nº 08700.002883/2015-00).

Neste contexto, foi realizada uma análise a respeito do prêmio patentário farmacêutico, por intermédio de uma metodologia de tratamento de efeitos.  Ou seja, foi estimado o efeito que uma patente possui nos preços de fármacos (pago pelos distribuidores aos produtores).

Para fazer as estimações do presente estudo, utilizou-se o Banco de dados do Sistema de Acompanhamento de Mercado de Medicamentos (Banco Sammed), referente ao ano de 2012, enviado ao CADE, por meio do acordo de cooperação CADE-Anvisa (recentemente renovado, conforme publicação no Diário Oficial de 28 de janeiro de 2015).

Foram feitas diversas estimações econométricas que convergiam para alguns resultados satisfatórios, sobre qual é o prêmio patentário farmacêutico. Com efeito, chegou-se a resultados robustos de que sem patente, os preços caem - em média - cerca de 66% no âmbito do mercado farmacêutico. Deste modo, eventuais defesas artificiais de poder de mercado podem garantir razoável sobrepreço, motivo pelo qual a vigilância e o estudo sistemático do setor se justificam.

As conclusões e metodologias do estudo encontram-se em anexo.

 

Brasília 18 de junho de 2015,

 

Departamento de Estudos Econômicos do CADE

 

 

 

Resultado dos testes

O resultado acima reportado diz respeito a diversos modelos econométricos. Abaixo foram indicados apenas alguns dos modelos relevantes para se aferir o resultado mencionado. A tabela abaixo representa a síntese

 

Tabela 1 – Resultado referente à diminuição de preço esperada com término da patente

 

Resultado modelo OLS

Resultado - Propensity Score matching

Modelo 1

76,47%

75,68%

Modelo 2

76,46%

75,76%

Modelo 3

41,99%

58,18%

Modelo 4

64,63%

65,76%

Modelo 5

64,52%

65,88%

Modelo 6

79,74%

75,91%

Modelo 7

79,56%

75,56%

Modelo 8

42,77%

36,42%

Modelo 9

41,92%

36,42%

Média

65,77%

66,14%

*Obs. Nos modelos OLS regrediu-se a variável preço, (Preço de medicamentos vendidos no ano ao distribuidor, de cada apresentação de fármaco no Brasil em 2012), com a dummy patente (Variável de tratamento: Assume valor 1 se o fármaco tem patente e 0 caso não possua). De igual forma, o modelo propensity score utilizou a variável preço como variável observada e a variável “patente” como variável de tratamento. Isso ocorre em todos os modelos. O que há diferente de um modelo para outro são as variáveis explicativas.

Tabela 2 – Variáveis explicativas de cada um dos modelos

MODELO

VARIÁVEIS

Modelo 1

LQUANT

monop tarj2 min2 min3 min4

 

Modelo 2

LQUANT

monop tarj2 min2 min3 min4

duop

 

 

Modelo 3

LQUANT

monop tarj2 min2 min3 min4

duop

Pmc12

 

Modelo 4

FAT

monop tarj2 min2 min3 min4

 

Modelo 5

FAT

monop tarj2 min2 min3 min4

duop

 

 

Modelo 6

QTD

monop tarj2 min2 min3 min4

 

Modelo 7

QTD

monop tarj2 min2 min3 min4

duop

 

 

Modelo 8

QTD

monop tarj2 min2 min3 min4

duop

Pmc12

 

Modelo 9

QTD

monop tarj2 min2 min3 min4

duop

Pmc12

atc1-17

 

Tabela 3 – Explicação das variáveis utilizadas – referentes ao banco SAMMED de 2012

VARIÁVEL

EXPLICAÇÃO

patente

Variável de tratamento: Assume valor 1 se o fármaco tem patente e 0 caso não possua

PREC

Preço de medicamentos vendidos no ano ao distribuidor, de cada apresentação de fármaco no Brasil

FAT

Faturamento  de medicamentos vendidos no ano, de cada apresentação de fármaco no Brasil

LQUANT

Logarítimo da quantidade de medicamentos vendidos no ano, de cada apresentação de fármaco no Brasil

QTD

Quantidade de medicamentos vendidos no ano, de cada apresentação de fármaco no Brasil

monop

Dummy de monopólio, na molécula investigada - assume valor 1 em monopólio e 0 quando não há

duop

Dummy de duopólio, na molécula investigada - assume valor 1 em duopólio e 0 quando não há

tarj1

Dummy Remédio tarja preta - assume valor 1 com remédio tarja preta e 0 em outros tipos de fármaco

tarj2

Remédio tarja vermelha - assume valor 1 com remédio tarja vermelha e 0 em outros tipos de fármaco

Tarj3

Remédio sem tarja - assume valor 1 com remédio sem tarja e 0 em outros tipos de fármaco

min1

Dummy para fármacos ministrados por gás, assume valor 1 nesta modalidade e 0 nas demais.

min2

Dummy para fármacos ministrados por injeção, assume valor 1 nesta modalidade e 0 nas demais.

min3

Dummy para fármacos ministrados por líquidos, assume valor 1 nesta modalidade e 0 nas demais.

min4

Dummy para fármacos ministrados por pomadas, assume valor 1 nesta modalidade e 0 nas demais.

min5

Dummy para fármacos ministrados por supositório, assume valor 1 nesta modalidade e 0 nas demais.

min6

Dummy para fármacos ministrados por comprimido, assume valor 1 nesta modalidade e 0 nas demais.

Pmc12

Preço máximo ao consumidor, permitido pela regulação, assumindo 12% de ICMS

 

Também foram utilizadas dummies de fármacos por tipo de doenças que tratam ( Anatomical Therapeutic Chemical (ATC) Classification System):

Tabela 4 – Dummies sobre ATC-1

Variável

Código

Conteúdo

Atc11

A

Doenças do trato alimentar e metabolismo

Atc12

B

Doenças do sangue

Atc13

C

Doenças cardiovasculares

Atc14

D

Doenças dematológicas

Atc15

G

Doenças do Sistema urinário system e hormônios sexuais

Atc16

H

Preparações hormonais, excluindo hormônios do sexo e insulina

Atc17

J

Doenças infecciosas

Atc18

K

Soluções hospitalares

Atc19

L

Antineoplásicos e referentes a imunidade

Atc110

M

Doenças do Sistema muscular e esquelético

Atc111

N

Doenças do Sistema nervosa

Atc112

N/C

Sem identificação

Atc113

P

Antiparasitários inseticidas e repelentes

Atc114

R

Doenças do Sistema respiratório

Atc115

S

Doenças de órgãos sensoriais

Atc116

T

Agentes de diagnósticos

Atc117

V

Variados

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


logotipo

Documento assinado eletronicamente por Ana de Oliveira Frazão Vieira de Mello, Conselheiro(a), em 02/07/2015, às 20:23, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


QRCode Assinatura

A autenticidade deste documento pode ser conferida no site sei.cade.gov.br/autentica, informando o código verificador 0073476 e o código CRC EFB08023.




Referência: Processo nº 08012.011508/2007-91 SEI nº 0073476