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Ministério da Justiça e Segurança Pública - MJSP

Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

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Nota Técnica nº 10/2022/CGAA3/SGA1/SG/CADE

 

Processo (Estudo Temático): 08700.004132/2022-49

Interessado(s): Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq)

 

  

EMENTA: Colaboração Antaq. Leis 12.529/2011 e 10.233/2001. Acordo de Cooperação Técnica. Estudo de análise concorrencial da outorga da área denominada STS-10 (Cais de Saboó), no Porto de Santos. 

 

VERSÃO DE ACESSO PÚBLICO

SUMÁRIO:

1.            INTRODUÇÃO

1.1.       Objeto da Nota Técnica

1.2.       ACT Cade/Antaq 07/2019

1.3.       Atribuições do Cade e a LBDC

1.4.       Contextualização da Consulta Pública STS-10

1.4.1.         Considerações Iniciais

1.4.2.         Contribuição do DEE/Cade ao Guia AIC-TP

1.4.3.         Estudo de Mercado Minfra/Antaq/EPL e jurisprudência do Cade: uma análise comparada

1.5.       Investigações relativas a possíveis infrações à ordem econômica

2.            CONSIDERAÇÕES DO CADE ACERCA DO TEMA

2.1.       Integração vertical

2.1.1.         Considerações iniciais

2.1.2.         Principais armadores de transporte marítimo de contêineres no mundo e no Brasil

2.1.3.         Terminais portuários em Santos/SP e relevância da MSC e da Maersk neste mercado geográfico

2.2.       Análise preliminar sobre o reflexo das parcerias VSAs/SCAs no mercado de serviços portuários

2.2.1.         Atuação em VSAs e outras modalidades de parceria

2.2.2.         VSAs e SCAs no Brasil, critérios de seleção dos terminais portuários e possíveis riscos concorrenciais ao mercado portuário de Santos/SP

2.2.2.1.          VSAs/SCAs atualmente existentes

2.2.2.2.          Cláusulas de terminal próprio contidos nos acordos de VSAs

2.2.2.3.          Análise de cenários: possíveis direcionamentos de cargas dos parceiros de VSA/SCA pós-STS-10

2.3.       Competências da ANTAQ e recomendações do Cade

3.            CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

1.                       INTRODUÇÃO

1.1.                   Objeto da Nota Técnica

A presente nota técnica tem o objetivo de fornecer subsídios à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) no contexto do estudo de análise concorrencial da outorga da área denominada STS-10 (Cais de Saboó), no Porto de Santos, com fulcro no Acordo de Cooperação Técnica (ACT) firmado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e pela Antaq.

 

1.2.                   ACT Cade/Antaq 07/2019

Em junho de 2019, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) firmaram[1] o Acordo de Cooperação Técnica 07/2019 (SEI 0589347, Processo 08700.001852/2018-76), cujo objetivo é o aperfeiçoamento das ações voltadas à defesa, fomento e disseminação da concorrência no âmbito dos serviços de transportes aquaviários, bem como a adoção de ações conjuntas voltadas ao combate de atividades lesivas à ordem econômica[2].

Por meio deste ACT e das competências atribuídas a essas autarquias[3], Cade e Antaq podem, reciprocamente, compartilhar documentos, estudos, pesquisas, informações, conhecimentos, assim como informações constantes em seus respectivos bancos de dados, desde que observadas as restrições relativas à segurança da informação e do sigilo.

Neste contexto, equipes técnicas do Cade e da Antaq vem promovendo reuniões periódicas no intuito de compreender questões concorrenciais sensíveis que poderiam advir do leilão da área de Saboó, no Porto de Santos, cuja modelagem estava, até recentemente, sob a Consulta Pública STS-10, promovida pela Antaq[4].

Destaca-se que todas as informações tarjadas em cinza são de acesso exclusivo ao Cade[5], porém, conforme a Cláusula Quinta do referido ACT, o Cade poderá “franquear à ANTAQ o acesso às informações constantes em seus bancos de dados, desde que observadas as restrições relativas à segurança da informação e ao sigilo”. Desta forma, as informações tarjadas deverão ser recebidas e tratadas pela Antaq com o mesmo grau de proteção de sigilo conferido pelo Cade, isto é, serão de acesso exclusivo à Antaq.

 

1.3.                   Atribuições do Cade e a LBDC

As competências atribuídas ao Cade são definidas pela Lei 12.529, de 30/11/2011 (Lei Brasileira de Defesa da Concorrência, ou "LBDC")[6], e complementadas pelo Regimento Interno do Cade (RiCade), aprovado pela Resolução Cade 22, de 19 de junho de 2019 (versão de 05/2021)[7]

Conforme é possível depreender da leitura dos referidos dispositivos, a autarquia possui finalidade preventiva e repressiva. Ao atuar preventivamente, analisam-se fusões, aquisições de controle, incorporações e outros atos de concentração econômica entre grandes empresas que possam colocar em risco a livre concorrência. Sua atuação em caráter repressivo, por sua vez, busca investigar, em todo o território nacional, e, posteriormente, julgar eventuais condutas anticoncorrenciais, nos termos do art. 36 da LBDC. Para além destas, o Cade, conjuntamente com a Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade, possui a função educativa de instruir o público em geral sobre as diversas condutas que possam prejudicar a livre concorrência.

Mais especificamente, no âmbito da atuação preventiva, compete à Superintendência-Geral do Cade (“SG”), com fulcro na LBDC:

Art. 13. Compete à Superintendência-Geral:

I - zelar pelo cumprimento desta Lei, monitorando e acompanhando as práticas de mercado;

II - acompanhar, permanentemente, as atividades e práticas comerciais de pessoas físicas ou jurídicas que detiverem posição dominante em mercado relevante de bens ou serviços, para prevenir infrações da ordem econômica, podendo, para tanto, requisitar as informações e documentos necessários, mantendo o sigilo legal, quando for o caso; (...)

XIII - orientar os órgãos e entidades da administração pública quanto à adoção de medidas necessárias ao cumprimento desta Lei;

XIV - desenvolver estudos e pesquisas objetivando orientar a política de prevenção de infrações da ordem econômica; (...) (grifo nosso)

Com base na sua competência, especialmente disposta no Art. 13 inciso XIII, na sua expertise e banco informacional obtido em decorrência da análise de atos de concentração e de condutas unilaterais envolvendo os setores de transporte marítimo regular de contêineres (navegação de longo curso) e o setor portuário (movimentação de carga conteinerizada), a SG elabora a presente nota técnica para servir de subsídio à autoridade competente no contexto da Consulta Pública STS-10.

 

1.4.                    Contextualização da Consulta Pública STS-10

1.4.1.                Considerações Iniciais

O novo Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto Organizado de Santos, aprovado pelo Ministério da Infraestrutura, prevê a criação de um novo terminal dedicado exclusivamente à movimentação e à armazenagem de contêineres, na área do cais de Saboó (chamada de STS-10). A licitação para essa área está estimada para ocorrer no segundo semestre de 2022.

Em relação ao leilão da área STS-10, o Ministério da Infraestrutura, a Antaq e a Empresa de Planejamento e Logística S.A. (EPL) realizaram estudo específico de análise concorrencial (aqui denominado Estudo de Mercado Minfra/Antaq/EPL)[8] com o objetivo de zelar pela busca da competição no procedimento licitatório e também para assegurar a concorrência no ambiente pós-outorga. A análise seguiu metodologia disposta no Guia para Análise de Impacto Concorrencial de Novas Outorgas de Terminais Portuários (“Guia AIC-TP”), elaborado com base na Lei 12.529/2011. Tal estudo estava em consulta pública, tendo recebido contribuições de todos os interessados (Audiência Pública nº 06/2022) até o dia 31/05/2022.

Segundo o estudo, atualmente, o Porto de Santos utiliza 85% de sua capacidade instalada na movimentação de contêineres. Em 2021, todos os terminais do porto movimentaram 4,8 milhões de TEUs, sendo que a área STS-10 representará, segundo as estimativas, um incremento de 2,32 milhões de TEUs/ano na capacidade de movimentação de contêineres do porto. A área STS-10 representará assim um incremento significativo na capacidade de movimentação de contêineres do Porto de Santos, tendo potencial para mudar as relações de concorrência do porto, em função do seu porte.

A área de outorga, denominada STS-10 – Área de Saboó, será destinada à movimentação e armazenagem de carga geral e carga conteinerizada na margem direita, no cais de Saboó, do Porto de Santos[9]. Trata-se de uma área brownfield em área contígua ao BTP Santos (mesma margem[10]) de aproximadamente 601 mil m2, com capacidade operacional para no mínimo 2,3 milhões TEU/ano, conforme figura abaixo:

Figura 1 - Localização dos terminais BTP Santos e STS-10 (Complexo Portuário de Santos/SP)

Fonte: Estudo de Mercado Antaq/Minfra/EPL (p. 45)

Para o BTP Santos (e apenas para ele[11]), a possibilidade de exploração da área STS-10 abre a oportunidade para a unificação de ambos os terminais, o que poderá permitir que a capacidade do BTP Santos passe dos atuais 2 milhões de TEUs/ano[12] para 4,32 milhões de TEUs/ano[13], permitindo que suas acionistas – Maersk e MSC – possam ampliar a movimentação de suas cargas em terminal próprio, o que atualmente não é integralmente possível em razão da falta de capacidade ociosa do BTP Santos[14], como se verá adiante.

 

1.4.2.                Contribuição do DEE/Cade ao Guia AIC-TP 

Em 13/10/2021, o Ministério da Infraestrutura, através do Ofício 268/2021/DNOP/SNPTA (SEI 0970118), solicitou ao Cade a análise e manifestação em relação às metodologias propostas pelo Guia (Guia de Análise de Impacto Concorrencial de Novas Outorgas de Terminais Portuários – “Guia AIC-TP”). Com o objetivo de atender a demanda apresentada, o Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do Cade, elaborou a Nota Técnica 35/2021 (SEI 0978414), de 26/11/2021, visando fornecer subsídios a respeito das metodologias de análise no âmbito da política de defesa da concorrência.             

O objetivo do Guia AIC-TP é apresentar referências técnicas para a realização da Análise de Impacto Concorrencial (AIC), especialmente em relação a processos licitatórios relativos a arrendamentos portuários e concessões operacionais de portos organizados, buscando promover a competição nesses certames. Para tanto, a AIC busca estimular a concorrência em dois momentos: i) na fase do leilão, estimulando a máxima participação de agentes econômicos na disputa pelo ativo em licitação, e ii) após o leilão, projetando cenários para identificar efeitos concorrenciais futuros.

De maneira geral, a Nota Técnica elaborada pelo DEE traz dois principais aspectos a serem observados com mais atenção: (i) integrações verticais entre empresas que atuam em cadeias logísticas que incorporam serviços portuários; e (ii) a formação de consórcios de empresas para participar de licitações. Ressalta-se na análise que integrações verticais e a formação de consórcios não são ruins per se, podendo inclusive trazer eficiências econômicas e benefícios à licitação. No entanto, a NT reforça a necessidade de se analisar caso a caso, pois existem também riscos concorrenciais associados a essas condutas. Outro aspecto importante é considerar o histórico de condutas anticompetitivas nesses mercados, que pode ser um bom indicativo para possíveis condutas futuras.

Quanto ao “desenho” correto do processo licitatório, salienta-se a dificuldade em elaborar um certame adequado, com as restrições e estímulos corretos. Tendo em vista recomendações adotadas em diferentes países e inclusive pelo Cade (CADE, 2016)[15], o DEE destacou algumas que seriam as melhores práticas adotadas em âmbito internacional e que se aplicariam mais diretamente aos processos licitatórios objeto do Guia AIC-TP, a saber:

1. Quando possível, permitir que empresas de menor porte participem, mesmo que elas não tenham capacidade de competir por todo o contrato;

2. Definir os requisitos e especificações de forma clara e objetiva, evitando cláusulas de restrições desnecessárias que podem afastar competidores;

3. Não desclassificar empresas de futuras competições ou não removê-las imediatamente de uma lista de pré-qualificação por motivos que não sejam estritamente necessários;

4. Quando divulgar os resultados de um processo de concessão, considerar cuidadosamente qual informação divulgar, a fim de evitar a divulgação de informações sensíveis à competição;

5. Evitar qualquer tratamento preferencial ou discriminação para uma determinada classe, tipo ou participante;

6. Quando o risco de colusão é alto, usar o sistema de envelopes fechados (sealed-bid) ao invés de lances abertos (ascending bid) nos autos.

Adicionalmente, o DEE destacou em sua nota técnica que o referido documento também traz recomendações específicas sobre o desenho dos editais, em especial:

1. Quanto a consórcios, deve-se avaliar a adoção de critérios que estimulem a competitividade, de forma a incentivar a participação de "entrantes" no mercado, e também evitando que tal instituto seja utilizado para “redução estratégica da demanda” (fato prejudicial para a valoração do ativo, na perspectiva do concedente);

2. Em relação à subcontratação, deve-se estabelecer critério para controle e cadastro de empresas subcontratadas, com registro obrigatório, a fim de evitar a utilização do instituto como forma de pagamento lateral e cartelização;

3. Sugere, ainda, a criação de incentivos para empresas “entrantes” no que tange aos critérios de pontuação para avaliação técnica das propostas.

Observa-se, portanto, que as melhores práticas nacionais e internacionais têm como preocupação principal estimular a participação do maior número possível de empresas nas licitações, bem como incentivar a entrada de novas empresas no mercado, evitando ao máximo a inclusão de cláusulas restritivas.

Em suma, o DEE chamou atenção para a dificuldade de se desenhar uma intervenção adequada em que os impactos fossem estritos, apenas neutralizando possíveis efeitos anticompetitivos durante e após a licitação. Posto o caráter ambíguo de integrações verticais e consórcios, a inserção de regras restritivas deve ser considerada com o máximo de cautela possível, de maneira a não gerar o efeito oposto daquele desejado, eliminando concorrência e reduzindo eficiências.

Por fim, concluiu o DEE:

O Guia de Análise de Impacto Concorrencial de Novas Outorgas de Terminais Portuários apresenta referências técnicas para a realização de Análise de Impacto Concorrencial visando a promoção da concorrência em processos licitatórios relativos a arrendamentos de terminais portuários e concessões de portos organizados.

Para subsidiar essa análise sugere-se que se amplie o escopo da obtenção de informações sobre a cadeia produtiva e agentes dos mercados considerando o conceito de grupo econômico e visando identificar relações entre agentes econômicos no mercado em questão, bem como, em mercados relacionados. Além disso, é recomendável que se busquem informações sobre o histórico de condutas anticompetitivas nos mercados analisados.

A metodologia adotada, especialmente para a definição de mercados relevantes e identificação de relações horizontais e verticais, baseia-se em procedimentos e critérios tradicionalmente adotados pelo Cade nas análises de atos de concentração relativas aos mercados de serviços portuários. Alguns acréscimos à metodologia tradicional, como o uso de zonas de influência dos portos para a definição de mercados relevantes não se contrapõem à metodologia do Cade, mas ampliam a possibilidade de se trabalhar com cenários de mercado considerando diferentes possibilidades de resultados dos leilões.

Integrações verticais e consórcios são arranjos econômicos que se justificam sob o ponto de vista da racionalidade econômica na medida em que podem gerar reduções de custos e viabilizar investimentos em atividades intensivas em capital. Contudo, demandam análises detalhadas por parte das autoridades, pois também podem facilitar a adoção de condutas anticompetitivas como fechamento de mercado, condutas discriminatórias ou coordenação entre competidores. Tais estruturas são comuns e merecem análise detalhada quando se avaliam questões concorrenciais relativas a licitações públicas e mercados de serviços portuários.

Considerando o caráter de incerteza quanto ao real resultado do processo licitatório, bem como, a ambiguidade dos efeitos concorrenciais de questões como a participação de consórcios e a existência de integrações verticais, que, via de regra, devem ser avaliados caso a caso e não de forma prévia, constata-se a dificuldade de se estabelecerem regras que restrinjam a participação de determinados agentes econômicos nos leilões.

Nesse contexto, recomenda-se que a aplicação de restrições à participação de agentes econômicos, quando necessária, se dê com máxima cautela, considerando condições que indiquem efeitos concorrenciais negativos significativos e incontornáveis e com indicação de restrições mínimas capazes de neutralizar o possível prejuízo à concorrência. (grifo nosso)

 

1.4.3.                Estudo de Mercado Minfra/Antaq/EPL e jurisprudência do Cade: uma análise comparada

Segundo a jurisprudência deste Conselho, o armador é a pessoa jurídica, estabelecida e registrada, com a finalidade de realizar transporte marítimo, local ou internacional, através da operação de navios, explorando determinadas rotas, e que se oferece para transportar cargas entre portos. Não precisa necessariamente ser proprietário dos navios que opera, sendo facultada a utilização de navios arrendados de terceiros para composição de frota.

Já o Operador Portuário é pessoa jurídica pré-qualificada para a execução de operações portuárias, constituídas pela movimentação de passageiros ou a movimentação e armazenagem de mercadorias, destinados ou provenientes de transporte aquaviário, realizada no porto organizado. Os Operadores Portuários são os arrendatários (concessionários) dos terminais portuários localizados na zona primária dos Portos Organizados quando estes não permanecem sob administração das Companhias de Docas.

Tendo em vista as definições utilizadas pelo Estudo de Mercado Minfra/Antaq/EPL e a metodologia comumente adotada pela Cade, esta SG apresenta no Quadro 1 um comparativo da definição de mercado relevante, tanto sob as dimensões produto quanto geográfica.

Quadro 1 – Definição de mercado relevante de serviços portuários (comparativo)

Mercado relevante

Estudo de Mercado Antaq/Minfra/EPL

Jurisprudência do Cade

Serviços portuários – dimensão produto

Movimentação e armazenagem de carga conteinerizada

Existência de dois mercados relevantes distintos[16]:

- Movimentação de carga conteinerizada

- Armazenagem alfandegada de carga conteinerizada

Serviços portuários – dimensão geográfica

Considerou duas abordagens: contestabilidade da região de influência e efeitos do transbordo de carga, definindo dois mercados relevantes geográficos:

MR Base, que considerou apenas o Porto de Santos

MR ampliado, que considerou os Portos de Santos, Paranaguá, Itapoá, Portonave, Itajaí e Sepetiba Tecon

Intraporto: onde se localiza o terminal ou o recinto alfandegado envolvido na análise, sendo os demais portos opções menos viáveis economicamente

Fonte: Elaboração SG com base no Estudo de Mercado Antaq/Minfra/EPL e na jurisprudência Cade.

Convém destacar que apenas excepcionalmente o Cade considerou o mercado relevante geográfico numa perspectiva interporto, com o amparo de testes de mercado consistentes (como, por exemplo, alguns portos situados nos estados de Santa Catarina[17] e do Rio de Janeiro[18], tendo em vista a pequena distância rodoviária entre esses portos). Neste sentido:

O Cade tem visto com cautela a possibilidade de concorrência interportos, tendo em vista as características estruturais do mercado. Considerando o ponto de vista do armador, o atendimento em um determinado porto depende da quantidade de carga a ser transportada, pois não seria economicamente viável incorrer em custos expressivos de acesso ao porto (serviços de rebocador, praticagem, consumo adicional de combustível) para embarcar pequenas quantidades de mercadorias. (Caderno de Mercado de Serviços Portuários/DEE/CADE)

Especificamente no caso do Porto de Santos, a jurisprudência consolidada[19] do Cade, subsidiada em testes de mercado reiterados e consistentes, considera o Porto de Santos como um mercado relevante independente (concorrência intraporto), de modo que apenas os terminais portuários situados dentro do Complexo Portuário de Santos – i.e., BTP Santos, Tecon Santos Brasil, DP World Santos, Ecoporto – são considerados rivais efetivos.

Para fins do MR Ampliado, o Estudo de Mercado Antaq/Minfra/EPL considerou a contestabilidade de portos em outros estados tendo em vista a possibilidade do uso de feeders[20]. Embora dois portos que não atendem a mesma hinterlândia[21] possam se localizar no mesmo mercado relevante geográfico caso disputem o mesmo tráfego de transbordo (ampliando-se o mercado relevante geográfico, segundo o Estudo de Mercado), a SG entende que essa hipótese não se aplica ao Porto de Santos, pois:

As cargas de longo curso representam grande parcela do volume total transacionado e todos os armadores[22] de longo curso do País fazem parada no Porto de Santos;

O Porto de Santos destaca-se por sua proximidade com os maiores centros consumidores e produtores de produtos industrializados, os quais, juntamente com seus insumos, constituem o principal tipo de mercadoria transportada em contêineres;

A opção de desembarcar ou embarcar a carga em outro porto para depois pegar um feeder (transbordo) para o Porto de Santos é uma alternativa inferior ao embarque/desembarque direto no Porto de Santos, onde praticamente todas as linhas de longo curso fazem paradas, devido aos custos mais elevados e ao aumento do tempo de transporte, com possível perda de eficiência. Isto é: não parece fazer sentido econômico o armador deixar de parar o serviço de longo curso no Porto de Santos se a carga tem destino para o Porto de Santos, para desembarcar em outro terminal e pegar um feeder para Santos. Tampouco a alternativa de utilizar o transporte rodoviário para o transbordo configura-se uma opção razoável de logística integrada, em função das longas distâncias e das travas de rodovias, o que pode trazer custos e riscos adicionais.

No Ato de Concentração (AC) 08700.005700/2021-48 (MSC/Log-In)[23], o teste de mercado indicou que parte expressiva dos armadores realizam suas opções de transbordo no Porto de Santos (por razões de conveniência logística e distância a outros portos nacionais, de oferta de serviços de feeder etc.), e que eventual  alteração do porto de transbordo, em bases regulares, foi inconclusiva (oferta não suficiente em outros terminais, distância e custos das opções de feeder em condições que poderiam não ser competitivas, não coincidência com os portos de paragem das linhas de navegação de longo curso etc.). (vide §§ 624-642 do Anexo ao Parecer 11/2022/CGAA3/SGA1/SG/CADE, SEI 1067649[24]).

 

1.5.                    Investigações relativas a possíveis infrações à ordem econômica

Está em análise no Cade o Inquérito Administrativo 08700.003945/2020-50[25], no qual é representante a Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados (ABTRA)[26], e são representadas as empresas A.P. MØLLER - MAERSK A/S (“Maersk”)[27], MSC Mediterranean Shipping Company Holding S.A. (“MSC”)[28] e Brasil Terminal Portuário S.A. (“BTP Santos” ou “BTP”)[29].

A Representação (SEI 0795290), datada de 20/08/2020, aduz que a celebração de diversos acordos cooperativos por Maersk e MSC, entre si e junto a outros armadores, bem como a verticalização de Maersk e MSC ao BTP Santos geraram distorções concorrenciais nos mercados de transporte marítimo regular de contêineres e de movimentação e armazenagem alfandegada de contêineres no Porto de Santos.

A ABTRA alega que as Representadas vêm abusando de suas respectivas posições dominantes “a partir de diferentes condutas discriminatórias e exclusionárias em desfavor dos demais terminais portuários e recintos alfandegados no Porto de Santos”, dentre as quais destaca:

(i) Vantagens competitivas indevidas conferidas por Maersk e MSC à BTP no mercado de armazenagem alfandegada de contêineres no Porto de Santos;

(ii) Demanda discriminatória, por Maersk e MSC, de serviços portuários de maior valor agregado nos mercados de movimentação e de armazenagem alfandegada de contêineres no Porto de Santos, a qual privilegia a BTP em detrimento dos demais concorrentes em tais mercados relevantes;

(iii) Cláusulas contratuais em acordos celebrados por Maersk e MSC - entre si ou com outros armadores concorrentes - no mercado de transporte marítimo regular de contêineres, as quais beneficiam a BTP no mercado de movimentação de contêineres no Porto de Santos e discriminam os demais terminais portuários atuantes em tal mercado relevante; e

(iv) Acordo de longo prazo - discriminatório e exclusionário - estabelecido entre, de um lado, Maersk e MSC e, do outro lado, BTP para prestação de movimentação de contêineres por esta última empresa às duas primeiras.

A Representante aprofunda o argumento acerca das alterações no cenário competitivo no mercado de transporte marítimo ocorrido nos últimos anos, o qual, para a Representante, está passando por um movimento de concentração, tanto a partir de fusões e aquisições quanto em razão da celebração de acordos entre concorrentes. Ademais, aponta uma tendência à verticalização, principalmente entre armadores e terminais portuários.

Destaca que, apesar de tais concentrações terem sido analisadas pelo Cade em sede de controle de estruturas, devido à própria natureza desse tipo de atuação, não se mostrou possível “antecipar a realidade que se estabeleceu”, capaz “de gerar distorções concorrenciais em tais mercados” e “verificar as condutas discriminatórias e exclusionárias praticadas”.

Em virtude de tais práticas, a ABTRA sustenta que há um “evidente fechamento dos mercados de movimentação e de armazenagem alfandegada de contêineres no Porto de Santos” e que a limitação física do BTP é a única razão pela qual ainda há concorrência em tais mercados, mas que, não obstante, a iminência do leilão para exploração da área denominada Caios de Saboó[30] e a possibilidade de que qualquer das Representadas venha a se consagrar a exploradora da área, ampliaria a capacidade de movimentação de contêineres das Representadas, possibilitando-se que o BTP abocanhe “- automaticamente e de modo anticompetitivo - fatias ainda maiores de mercado, reforçando sua dominância em prejuízo da concorrência” (SEI 0795290).

No bojo do inquérito administrativo, a ABTRA requereu a concessão de medida preventiva em desfavor das Representadas, de modo que se impeça a participação de qualquer agente econômico ligado, direta ou indiretamente, a quaisquer dos grupos econômicos das Representadas na concorrência para a concessão da área do Cais do Saboó.

A SG, por meio da Nota Técnica 9/2022/CGAA3/SGA1/SG/CADE (SEI 1079393) e do Despacho 839/2022 (SEI 1080241), indeferiu a medida preventiva pleiteada, ao argumento de ausência de competência legal[31] para conceder medida preventiva que interfira nos critérios para a participação de agentes econômicos no leilão da área STS-10.

Destaca-se que o indeferimento da medida preventiva pleiteada não encerra a investigação em curso, além disso, considerando as informações recebidas em análises recentes de atos de concentração, [acesso restrito ao Cade e à Antaq]. Não obstante, com base na competência desta Autarquia e na expertise e banco informacional obtidos em decorrência da análise de atos de concentração envolvendo os setores de transporte marítimo regular de contêineres (navegação de longo curso) e portuário (movimentação de carga conteinerizada) ao longo dos últimos anos, a SG elabora a presente nota técnica para fins de servir de subsídio à autoridade competente no contexto da Consulta Pública STS-10.

 

2.                       CONSIDERAÇÕES DO CADE ACERCA DO TEMA

2.1.                    Integração vertical

2.1.1.                Considerações iniciais

Maersk e MSC são as duas únicas armadoras verticalizadas com serviços de terminais portuários no Brasil: a MSC detém participação acionária nos terminais de contêineres Multi-Rio (Rio de Janeiro/RJ), Portonave (Navegantes/SC), Terminal de Vila Velha - TVV (Vila Velha/ES) e no BTP Santos (Santos/SP); já a Maersk detém participação acionária nos terminais de contêineres APMT Pecém (Pecém/CE), APMT Itajaí (Itajaí/SC), Itapoá (Itapoá/SC) e BTP Santos (Santos/SP).

A SG entende que a verticalização de armadores com terminais portuários não prejudica, per se, a concorrência. As integrações verticais podem gerar efeitos pró-competitivos como redução dos custos de transação com a combinação de atividades complementares, que podem ser revertidos para melhora e inovação de produtos e processos, aumentando a eficiência econômica da empresa, e proporcionando ganhos em termos de preços e qualidade aos consumidores.

Entretanto, nos últimos anos algumas características do setor tem despontado como fatores que podem ensejar algumas preocupações concorrenciais se analisadas em conjunto: (i) incremento das participações de mercado globais e no Brasil dos principais armadores (com redução geral do número de players atuando no transporte marítimo de contêineres e poucas/nenhuma novas entradas no mercado que atuem globalmente e/ou no Brasil); (ii) intensificação da verticalização dos armadores com terminais portuários; (iii) operação compartilhada na prestação dos serviços de transporte marítimo de contêineres (envolvendo junção de armadores em contratos do tipo VSA[32] e/ou SCA[33]); (iv) cláusula de terminais próprios em contratos de VSAs, com aumento do poder de negociação das alianças sobre os terminais portuários; (v) concentração de todas as cargas dos VSAs no mesmo terminal portuário[34], com possível exclusão dos demais terminais portuários que não fazem parte de grupos econômicos dos armadores (quando estes são verticalizados).

É o que se passa a ver. A SG tecerá contribuições gerais, mas com foco nas relevâncias dos armadores Maersk e MSC e suas subsidiárias, tendo em vista que ambas controlam conjuntamente o BTP Santos, que se insere no bojo da consulta pública da Antaq (STS-10).

 

2.1.2.                Principais armadores de transporte marítimo de contêineres no mundo e no Brasil

Com base nos dados públicos do site da consultoria marítima Alphaliner[35] (Alphaliner Top 100[36]), a SG consolidou na tabela abaixo os dados de market share (em abril de 2022) das 12 principais operadoras globais de navegação regular de contêineres (dentre as quais, 11[37] atuam no Brasil[38]), bem como da Grimaldi e Marfret[39].

Tabela 1 - Transporte marítimo regular de contêineres (em TEUs), dimensão global – Elaboração SG, com base nos dados da Alphaliner – abril de 2022

Fonte: Elaboração SG, com base nos dados do Ranking Alphaliner Top 100 / 15 april 2022, contida no Anexo Parecer 11/2022/CGAA3/SGA1/SG/CADE (SEI 1067649), AC 08700.005700/2021-48 (MSC/Log-In).

As empresas de navegação (armadores) atuam globalmente em alianças estratégicas. Segundo o Caderno do Cade de serviços portuários[40], para aproveitamento de ganhos de escala[41], ocorre a formação de alianças globais (e não restritas a determinadas rotas) “entre as grandes companhias de transporte marítimo, visando o compartilhamento de ativos e a cooperação operacional, porém mantendo cada membro individualmente suas estratégias de marketing e identidade comercial”. Neste sentido, observa-se como as principais alianças globais:

É possível observar que as empresas envolvidas nessas três alianças globais representam cerca de 80% do mercado global de transporte de contêineres. Mais especificamente, com base nos dados de abril de 2022, as empresas envolvidas na Aliança 2M representam conjuntamente aproximadamente 34% do mercado global, as empresas que compõem a Ocean Alliance cerca de 30% e os armadores da The Alliance são responsáveis por outros 18,5% (Tabela 1).

Sobre as alianças globais, em especial sobre a conjuntura de dificuldades para novos entrantes (armadores) e sobre suas implicações na relação vertical com os terminais portuários e poder de compra (monopsônio), é pertinente citar algumas conclusões a que chegou o The International Transport Forum (ITF), organização administrativamente integrada[44] à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em estudo denominado The Impact of Alliances in Container Shipping – OECD/ITF 2018 (“Estudo OCDE”)[45].

Segundo o Estudo OCDE, no início da cooperação entre as armadoras (anos 1990), o intuito era viabilizar rotas e serviços das companhias menores; atualmente, entretanto, essas alianças são formadas pelas maiores armadoras globais, de modo que as três maiores alianças globais (2M, Ocean e The Alliance) representam cerca de 80% do comércio global envolvendo transporte de contêineres[46].

Cita, ainda, que a formação das alianças globais tem aumentado a concentração de mercado dos players atuantes, o poder de mercado das alianças, as barreiras à entrada, o poder de monopsônio e as integrações verticais[47], dentre algumas outras características citadas[48].

No Brasil, os principais players globais apresentam relevância maior do que seus respetivos market shares globais. A tabela abaixo traz a estrutura de oferta dos armadores atuantes no Brasil (volumes transportados de/para o Brasil), com base nos dados da Datamar:

Tabela 2 - Transporte marítimo regular de contêineres (longo curso), mercado nacional - em volume (TEUs) e share (%), Anos 2016-2020 [acesso restrito ao Cade e à Antaq]

Fonte: AC 08700.005700/2021-48. Elaboração SG, com base nos dados da Datamar[49]. A taxa de crescimento CAGR foi calculada com base em TEUs.

A relevância da Maersk e da MSC, de forma conjunta, no total transportado de/para o Brasil (market share no mercado nacional) foi de 50-60% [acesso restrito ao Cade e à Antaq] em 2020. Em que pese, em regra, MSC e Maersk operarem separadamente[50] nas rotas de/para o Brasil, Maersk e MSC controlam, conjuntamente, o BTP Santos, e, nesta condição, possuem incentivos para movimentar as cargas com origem/destino no Porto de Santos no terminal portuário verticalizado.

 

2.1.3.               Terminais portuários em Santos/SP e relevância da MSC e da Maersk neste mercado geográfico

Especificamente no Porto de Santos, Maersk e MSC controlam conjuntamente o BTP Santos. A tabela abaixo apresenta estrutura de oferta recente elaborada pela SG (dados de 2020)[51]:

Tabela 3 - Estrutura de oferta de movimentação de contêineres no Complexo Portuário de Santos/SP, em volume (TEUs), Anos 2016-2020 – Elaboração SG [acesso restrito ao Cade e à Antaq]

Fonte: AC 08700.005700/2021-48, SEI 1067649 (elaboração SG, com base nos dados do teste de mercado).

Em 2020, o BTP Santos possuía 40-50% [acesso restrito ao Cade e à Antaq] do market share no Complexo Portuário de Santos. O terminal, contudo, não possui capacidade ociosa, de modo que dificilmente, nas condições atuais (pré-leilão STS-10), conseguiria absorver, de forma regular, novos serviços.

Em recente análise realizada pela SG no Ato de Concentração (AC 08700.005700/2021-48) envolvendo a aquisição, pela MSC, da empresa de cabotagem Log-In, a SG concluiu, no que tange à relação vertical entre o transporte marítimo regular de contêineres (longo curso) e a navegação de cabotagem, de um lado, e os serviços portuários de movimentação de carga conteinerizada no Complexo do Porto de Santos, de outro, que a Operação, em tese, poderia ensejar preocupações concorrenciais, tendo em vista a alta relevância de Maersk e MSC (50-60% [acesso restrito ao Cade e à Antaq])[52] em termos de movimentação de carga no Porto de Santos, bem como o controle conjunto do BTP Santos por Maersk e MSC, mas que tais preocupações não existiriam naquele momento pela falta de capacidade de movimentação do BTP Santos. Entretanto, assinalou-se que alteração desta conjuntura poderia trazer danos ao mercado[53], verbis:

782. Neste sentido, a preocupação externada pelos terminais portuários em geral, especificamente no mercado portuário de Santos seria mais complexa, pois as duas armadoras – Maersk e MSC – controlam conjuntamente o BTP Santos. Além disso, a MSC e a Maersk são responsáveis de forma conjunta pela movimentação de [acesso restrito ao Cade e à Antaq] TEUs no Porto de Santos, o equivalente a 50-60% [acesso restrito ao Cade e à Antaq] do total movimentado neste mercado[54].

783. Na atual conjuntura, o BTP Santos atua no limite da capacidade, então os possíveis efeitos da Operação citados nos cenários acima devem ser relativizados. Mas a médio prazo, existe a possibilidade de aumento expressivo da carga movimentada no BTP Santos se o BTP, Maersk ou MSC se consagrarem vencedores do leilão STS10 – Área de Sabóo. Caso isso ocorra, é possível que todas as cargas da Maersk, da MSC, da Log-In e dos inúmeros parceiros que com elas fazem parte de VSAs e de SCAs (Hapag-Lloyd, ONE, CMA, ZIM, Mercosul etc.), sejam direcionados para o BTP Santos e/ou novo terminal contíguo. (...)

787. O BTP Santos é controlado pela Maersk e pela MSC (responsáveis por 50-60% [acesso restrito ao Cade e à Antaq] do transporte marítimo regular de contêineres de/para o Brasil – Tabela 9), e demandantes de 50-60% [acesso restrito ao Cade e à Antaq] da movimentação portuária no Porto de Santos (apenas Maersk e MSC), em 2020. (...)

789. Já no que diz respeito ao fechamento de mercado aos terminais portuários concorrentes do BTP Santos, no Porto de Santos, é possível aventar preocupações concorrenciais da Operação apenas se a atual falta de capacidade ociosa do BTP Santos for alterada.

790. Tal cenário poderia ocorrer em caso de vitória de qualquer de suas acionistas a arrendarem nova área de exploração no porto. Porém, a concretização desse investimento não se daria de forma imediata (previsão 2028), sendo difícil a tomada de decisão da autoridade antitruste neste momento no sentido de antecipar preocupações concorrenciais considerando que a realidade concorrencial atual não necessariamente refletirá a dos próximos anos. Desta forma, eventual abuso de poder de mercado nesta seara poderá ser endereçado pela SG em sede de análise de infração à ordem econômica, vide Inquérito Administrativo 08700.003945/2020-50 já em curso. (grifo nosso)

Ao incluir os [acesso restrito ao Cade e à Antaq] TEUs movimentados pela Log-In no Porto de Santos (tanto de carga própria do serviço de cabotagem quanto de carga de armadores no serviço de feeder), esta representatividade dos Grupos Maersk e MSC como demandantes do serviço de movimentação portuária no Porto de Santos passa a ser de 60-70% [acesso restrito ao Cade e à Antaq].

Considerando que os dados de 2020 e a aprovação do AC MSC-Log-In, é plausível supor que as acionistas do BTP Santos – Grupos Maersk e MSC – representariam, sozinhas, 60-70% [acesso restrito ao Cade e à Antaq] da demanda por serviços portuários do Complexo portuário de Santos, como é possível observar na tabela abaixo, que traz a relevância dos Grupos Maersk e MSC (e apenas[55] das empresas que fazem parte dos grupos econômicos) para cada um dos terminais portuários do Porto de Santos e em relação ao mercado total:

Tabela 4 - Relevância da MSC + Maersk para o Complexo Portuário de Santos/SP, em volume (TEUs), dados de 2020 – Elaboração SG [acesso restrito ao Cade e à Antaq]

Fonte: Elaboração SG, com base nos dados de movimentação portuária fornecidos no teste de mercado do AC 08700.005700/2021-48[56].

(1) Volume total, em TEUs, movimentado pela MSC e pela Maersk em cada terminal portuário.

(2) Volume total, em TEUs, relativamente a todos os clientes (conforme Tabela 3), movimentado pelos terminais portuários.

(1/2) Relevância da movimentação dos Grupos MSC e Maersk face a cada terminal, bem como em relação ao total movimentado no Complexo Portuário de Santos (60-70% [acesso restrito ao Cade e à Antaq]).

É possível notar que, apesar de o BTP Santos ter movimentado [acesso restrito ao Cade e à Antaq] TEUs de cargas totais em 2020, a demanda dos Grupos Maersk e MSC no Porto de Santos é muito superior à capacidade do BTP: [acesso restrito ao Cade e à Antaq] TEUs. Esse excesso de demanda da Maersk/MSC atualmente é movimentado em outros terminais portuários (concorrentes do BTP) provavelmente pela falta de capacidade do BTP Santos.

Mais precisamente, deste montante de [acesso restrito ao Cade e à Antaq] TEUs movimentados no BTP em 2020, [acesso restrito ao Cade e à Antaq] foram dos grupos Maersk e MSC (70-80% [acesso restrito ao Cade e à Antaq], sendo os outros 20-30% [acesso restrito ao Cade e à Antaq] movimentados para os parceiros[57] de navegação destas companhias).

No total, os grupos Maersk e MSC têm demanda de movimentação de [acesso restrito ao Cade e à Antaq] TEUs no Porto de Santos, de modo que, em 2020, houve uma sobredemanda da Maersk e da MSC da ordem de 40-50% [acesso restrito ao Cade e à Antaq] que não é atendida no BTP, conforme pode ser visualizado na tabela seguinte:

Tabela 5 - Demanda MSC/Maersk no Complexo Portuário de Santos/SP e capacidade do BTP Santos, em volume (TEUs), Ano 2020 – Elaboração SG [acesso restrito ao Cade e à Antaq]

Fonte: Elaboração SG, com dados do teste de mercado do AC 08700.005700/2021-48.

Além disso, é possível visualizar que existe uma preferência do BTP como o terminal de destino das cargas movimentadas pela MSC no Porto de Santos, sendo razoável supor que tal preferência se estenderá para o novo terminal, caso a MSC seja a vencedora do leilão. No que tange à Maersk, apesar de ter volume considerável movimentado em outro terminal, é possível supor que tal fato ocorre em razão da falta de capacidade atual do BTP.

Apesar de saber que a concretização do investimento do STS-10 não se dará de forma imediata (previsão 2028), esta SG apresenta na Tabela a seguir simulação, de forma imediata, de uma possível reacomodação de serviços e de transferência de cargas da Maersk/MSC (e apenas delas[58], que são as acionistas do BTP) para um terminal expandido no qual se considera Maersk e MSC vencedoras do leilão STS-10, devido a um consequente aumento da capacidade de movimentação de cargas do BTP/acionistas no mercado portuário de Santos. Destaca-se que a simulação proposta é feita levando em consideração todas as demais características/condições do mercado ceteris paribus[59]:

Tabela 6 - Simulação de transferência de cargas MSC + Maersk para o terminal próprio no Complexo Portuário de Santos/SP, em volume (TEUs), dados de 2020 – Elaboração SG [acesso restrito ao Cade e à Antaq]

Fonte: Elaboração SG[60], com base nos dados de movimentação fornecidos no teste de mercado do AC 08700.005700/2021-48.

* Conforme dados da Tabela 4.

Assim, considerando-se apenas as cargas da Maersk e da MSC (sem incluir as cargas das parceiras de VSAs/SCAs) que atualmente são atendidas em outros terminais portuários, eventual expansão da área arrendada pelo BTP Santos poderia levar ao aumento de 30-40 [acesso restrito ao Cade e à Antaq] pontos percentuais ao BTP Santos, em detrimento das perdas de 20-30 [acesso restrito ao Cade e à Antaq] pontos percentuais pelo Tecon Santos e 0-10 [acesso restrito ao Cade e à Antaq] pontos percentuais pelo DPW World Santos. Considerando apenas as cargas das acionistas do BTP, portanto, o novo market share do terminal ampliado seria de 70-80% [acesso restrito ao Cade e à Antaq].

Algumas observações sobre a simulação constante na Tabela 6 e premissas levadas em consideração pela SG:

1) Transferência imediata de cargas: em que pese a área do Cais de Saboó (leilão STS-10) tratar-se de um projeto brownfield (com previsão para 2028, segundo o Estudo de Mercado), a SG simulou, de forma simplificada, a possibilidade de transferência de cargas de forma imediata, sem levar em consideração eventual crescimento orgânico dos mercados de transporte de contêineres e de movimentação portuária. Isso porque os próprios agentes de mercado estimam que a possibilidade de movimentação no cais poderá ocorrer no prazo de 3 anos, isto é, em 2025[61].

2) Dominância da MSC/Maersk no transporte de contêineres de/para o Brasil: MSC e Maersk respondem por 50-60% [acesso restrito ao Cade e à Antaq] do transporte marítimo de contêineres de/para o Brasil e, especificamente em relação ao Porto de Santos, respondem por 60-70% [acesso restrito ao Cade e à Antaq] da demanda por serviços portuários de movimentação de carga conteinerizada.  

Ainda que o ambiente concorrencial futuro seja de difícil previsão, levantamento realizado pela SG no banco de dados do Cade demonstra que as participações globais no mercado de transporte marítimo de contêineres da Maersk e da MSC vem crescendo e/ou permanecem estáveis (na faixa de 30-40%) ao longo dos anos; a saber:

Relativamente ao Brasil, a Tabela 2 mostra que, nos últimos cinco anos, que houve crescimento do volume total (em TEUs) transportado por elas, mas que as participações de mercado da Maersk e da MSC têm estado relativamente constantes - nas faixas de 30-40% para a primeira e de 20-30% para a segunda. Juntas, as empresas representam 50-60% do total de transporte de contêineres de/para o Brasil.

Como será visto em seguida, os armadores atuam majoritariamente, ou exclusivamente, por meio de VSAs. Nesse sentido, o Estudo OCDE, já citado, traz as implicações dessas alianças sobre as barreiras à entrada no mercado em geral (novo entrante) e também em como as alianças criam barreiras à entrada em relação aos armadores que não logram entrar em uma aliança já montada ou formar nova aliança, por reserva de mercado:

As alianças funcionam como uma barreira à entrada nas principais rotas comerciais Leste-Oeste, em particular nas rotas comerciais Ásia-Europa. Já era difícil para as transportadoras individuais entrarem neste mercado há dez anos, mas o rápido aumento do tamanho dos navios operados nesta rota – que precisam ser operados em fileiras de pelo menos dez embarcações – transformou essa rota comercial em “parque das alianças”. (Dynamar, 2015a). As operadoras que não conseguem encontrar parceiros para aliança estão praticamente excluídas da possibilidade de oferecer serviços Ásia-Europa. Uma rara tentativa da Pacific International Lines (PIL) de construir um serviço independente não foi bem-sucedida. Além disso, nem todas as transportadoras interessadas são admitidas em alianças. A transportadora israelense ZIM há muito tenta se tornar parceira de uma aliança, sem sucesso. A ZIM agora é uma operadora de nicho, fornecendo serviços de nicho (Dynamar, 2015a). Embora não opere serviços importantes no comércio Ásia-Europa, utiliza navios e opera serviços nos comércios transpacífico e transatlântico dos Estados Unidos. Nas últimas décadas, não houve novas transportadoras ativas na rota Extremo Oriente-Europa (tradução livre)[67].

O histórico mostra que, nos últimos 20 anos este setor vem perdendo players independentes (fusões e aquisições); não houve, nos últimos anos, entradas relevantes de players globais; os players já existentes ganharam market share e aumentou-se a concentração de mercado, tanto individualmente (por armador) quanto da relevância das alianças para o ecossistema[68].

Tendo tudo isto em vista, e em que pese a dificuldade de se projetar, com precisão, o ambiente concorrencial futuro, entende-se razoável, para uma análise de cenários, supor constante as condições concorrenciais atuais entre os armadores (participações de mercado atuais e atuação em alianças/VSAs) no prazo de 3-6 anos que se estima para a operação do Cais de Saboó (ou seja, assume-se nas simulações condições concorrenciais ceteris paribus).

3) Eventual crescimento orgânico da demanda por serviços portuários não altera a configuração de alta representatividade da demanda da Maersk/MSC, tampouco as parcerias formadas (VSA/SCA): ainda que haja forte crescimento da demanda por serviços portuários no Brasil, é razoável supor que, tendo em vista o histórico de maior concentração dos principais armadores e o fato de a operação destes majoritariamente ocorrer em VSAs (que amplifica a concentração da demanda), não é de se esperar alterações significativas na demanda de cada player, individualmente. Isto é, Maersk e MSC, maiores players no Brasil, também apresentarão crescimento orgânico e continuarão fortemente demandando serviços portuários em Santos, no terminal com o qual são verticalizadas[69].

4) Proxy de participação de mercado no pós-leilão STS-10: Deste modo, estima-se que Maersk e MSC[70] continuarão figurando entre as armadoras líderes, no Brasil e no mundo, com elevadas participações de mercado, e, como tais, continuarão sendo fortes demandantes de serviços portuários, inclusive no Porto de Santos. Assim, os riscos de alta concentração de mercado ao BTP Santos projetado pela SG na Tabela 6, apesar de uma proxy, parece bastante condizente com a evolução do setor nos últimos anos.

Tendo essas premissas em vista, a SG entende que sendo a MSC e Maersk as maiores armadoras atuando no Brasil (50-60% de share) e as maiores demandantes de serviços portuários no Porto de Santos (60-70%), bem como o fato de ambas, conjuntamente, operarem o BTP Santos, eventual aumento da capacidade de movimentação deste terminal (ou outro terminal operado por essas armadoras) poderá acarretar efeitos concorrenciais sensíveis no mercado portuário de Santos e alta concentração da demanda no BTP (70-80%) (conforme Tabela 6).

Há de que se destacar, entretanto, que eventuais efeitos potencialmente negativos ao ambiente concorrencial no Porto de Santos não se limitam exclusivamente ao direcionamento das cargas da MSC e da Maersk.

Eventual aumento da capacidade de movimentação do BTP Santos e/ou de suas acionistas, poderá implicar não apenas a transferência da carga própria da MSC/Log-In e da Maersk/Aliança dos terminais concorrentes (conforme Tabela 6) para o terminal próprio, mas também a carga dos demais armadores que formam VSAs ou SCAs com MSC e Maersk (notadamente: Hapag-Lloyd, ONE, CMA CGM, Zim, Mercosul Lines), já que é da natureza deste tipo de contrato (VSA) o compartilhamento de navios entre os armadores e a tomada de decisão de alguns aspectos operacionais do serviço, dentre eles a escolha do terminal de rotação. E, como se verá mais detalhadamente em tópico próprio, os armadores operam um volume muito relevante de serviços em VSAs.

 

2.2.                    Análise preliminar sobre o reflexo das parcerias VSAs/SCAs no mercado de serviços portuários

2.2.1.                Atuação em VSAs e outras modalidades de parceria

Em regra, os players desse mercado operam em rotas pré-determinadas e com frequência regular. Essa operação pode ser feita pela empresa de transporte marítimo: de forma individual (utilizando navios próprios ou fretados), por meio de aluguel spot de slots (espaços) em navios de terceiros, ou por meio de contratos Slot Charter Agreements (“SCAs”) ou Vessel Sharing Agreements (“VSAs”).

A operação isolada de uma linha ou serviço, por um único armador, ocorre, mas não é tão usual. Especificamente em relação ao Brasil, pode-se citar operações individuais por armadores com alta participação de mercado no País e em rotas de grande demanda importação/exportação[71], a saber: (i) [acesso restrito ao Cade e à Antaq]; (ii) [acesso restrito ao Cade e à Antaq].

A indústria de transporte marítimo regular de contêineres é caracterizada por elevados custos fixos na operação dos navios. Os ganhos de escala são, portanto, de grande importância para os players desse mercado ofertarem seus serviços a preços competitivos. Essa característica da indústria gerou uma tendência a aumentar o tamanho das embarcações para a obtenção de economias de escala. Segundo documento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE[72], nos anos 1980 os maiores navios tinham capacidade de 4.000 TEUs; atualmente, chegam a 18.000 TEUs. Para buscar ganhos de escala e otimizar eficiências, existe uma tendência global das empresas de transporte marítimo regular de contêineres em firmar parcerias na operação de determinadas linhas de serviços.

O contrato do tipo Vessel Sharing Agreement (VSA), de forma geral, prevê que as empresas participantes contribuam com navios próprios para operar determinada rota e, em troca, recebam parte dos slots de cada navio que opera no VSA, na mesma proporção da capacidade contribuída em relação à capacidade total do VSA.

Exemplificadamente, se o tempo de rotação de um serviço completo (ida e volta de/para a costa brasileira) for de 75 dias, e o serviço for regular e de frequência semanal (ou seja, semanalmente o serviço inicia em um porto brasileiro), as empresas do VSA precisarão disponibilizar no mínimo 11 (onze) embarcações[73] para que a prestação regular e semanal do serviço nesta rota seja possível. Por meio do contrato de VSA, os armadores ajustam entre si a contribuição, em números de embarcações e respectiva capacidade de transporte (em capacidade nominal e efetiva, em TEUs), que cada armador fará para viabilizar o serviço. A medida da contribuição de cada armador (em embarcações e capacidade) determinará qual a proporção de slots os armadores terão em cada um dos navios da linha. Assim, todos os armadores do VSA terão slots em cada uma das embarcações que realizam o serviço semanal, na proporção de suas respectivas contribuições.

Dessa forma, cada viagem é feita com um navio operado individualmente pelo detentor daquele navio, transportando os volumes de seus clientes e dos clientes da outra Parte (outros armadores do VSA), nas proporções de suas contribuições para o acordo. Nesse sentido, não há pagamento de uma parte à outra como consequência direta do serviço, uma vez que cada empresa recebe o equivalente àquela capacidade que disponibiliza ao funcionamento do VSA.

Regra geral, o VSA diz respeito apenas à operação dos navios, ou seja, as empresas participantes atuariam de forma conjunta exclusivamente nos procedimentos relacionados à etapa de transporte marítimo. Desse modo, o acordo não englobaria qualquer atividade de caráter comercial, marketing e venda aos clientes.

Apesar de contratos do tipo VSA levantarem preocupações das autoridades antitruste em relação a uma possível facilitação de ação coordenada entre as empresas participantes, as cláusulas dos contratos que regem os VSAs, em regra, limitam bastante o nível de informação a ser trocada entre os integrantes do acordo, de modo que, comercialmente, as empresas seguiriam operando de forma independente.

Por meio do acordo de VSA, as partes estabelecem aspectos importantes dos serviços, pelo lado da oferta: (i) frequência do serviço (normalmente semanal); (ii) rotação dos portos (quais localidades serão atendidas pelo serviço); (iii) número de navios fornecidos por cada consorciada, requisitos mínimos de capacidade da embarcação, de conexões para contêineres reefer etc.; (iv) critérios para a distribuição/alocação de slots entre as consorciadas; (v) os terminais portuários a serem utilizados em cada porto e os critérios de seleção de terminais.

O Cade tem reconhecido que os VSAs consistem em acordos operacionais que geram importantes eficiências econômicas, sobretudo em razão da racionalização do espaço utilizado nas embarcações, com redução da capacidade ociosa existente, além de outras características estruturais do mercado que justificam a existência desses arranjos.

Das 15 (quinze) empresas constantes da estrutura de oferta nacional de transporte marítimo regular de contêineres (longo curso) (Tabela 2), 9 (nove) delas operam majoritariamente e/ou exclusivamente em VSAs: Maersk, MSC, Hapag Lloyd, CMA, ONE, Cosco, Evergreen, PIL, Yang Ming.

Já Grimaldi, em princípio, atua sozinha em duas rotas de/para ECSA: North Europe – South America[74] e South America – West Africa[75]. Quanto à Marfret, não está claro se atualmente opera sozinha ou em parceria com outro armador na única rota em que a SG conseguiu mapear sua atuação. De todo modo, seguindo informações da própria empresa em caso analisado no Cade (SEI 0692291), o volume desta rota é muito pequeno é não é o foco da empresa desenvolver serviços na América do Sul[76].

Por sua vez, o Slot Charter Agreement (SCA) também é um tipo de contrato bastante comum no mercado de transporte marítimo regular de contêineres, o qual prevê o aluguel de espaços que estão ociosos no navio de um concorrente em determinada rota. Dessa forma, um transportador pode operar naquela rota sem necessariamente operar um navio próprio, apenas alugando certa quantidade de slots (e ocupando uma capacidade ociosa) em navios de concorrentes para ofertar a seus clientes o serviço de transporte de forma individual, sem qualquer relação com o operador do navio nessa negociação. Nesse caso, o operador do navio é quem decide unilateralmente os portos que irá atender e a frequência das viagens. Todos os custos são de responsabilidade do operador do navio. Não há marketing ou oferta conjunta do serviço de transporte entre o operador do navio e o transportador que aluga os espaços.

Nesse sentido, o entendimento da Comissão Europeia é de que SCAs não são acordos de cooperação, mas simples acordos de compra, venda e troca de slots. O Tribunal do Cade também analisou um contrato de SCA na Consulta 08700.006858/2016-78 (Consulente: Hamburg Südamerikanische Dampfschifffahrts-Gesellschaft KG[77]), manifestando-se pela não obrigatoriedade de notificação para contratos dessa espécie.

Em linhas gerais, portanto, os armadores podem operar em determinados países e rotas sem empregar embarcações para o serviço, isto é, podem ofertar os serviços aos clientes alugando slots de outros armadores que efetivamente empregam navios, próprios ou fretados, na rota (este aluguel pode ser em bases regulares, mediante contratos do tipo SCA que regulam quantidade, preço do aluguel etc., ou podem ser em base spot, para atender a uma demanda pontual e específica do armador que aluga o slot).

Especificamente na costa brasileira, e considerando a estrutura de oferta de armadores (Tabela 2), das 15 (quinze) empresas que ofertam serviços no Brasil, há indicativos de que 2 (duas) atuam sem empregar navios, isto é, atuam exclusivamente por meio de contratos SCA, nas quais alugam espaço de outros armadores: a HMM (Hyundai Merchant Marine)[78] e a ZIM[79].

Por fim, outras 2 (duas) empresas dentre as 15 (quinze) constantes da estrutura de oferta da Tabela 2 não prestam mais serviços de transporte marítimo de contêineres no Brasil: a Hanjin Group e a Nile Dutch. A Hanjin Group deixou de operar no Brasil em 2016 (conforme se observa na própria estrutura de oferta); e a Nile Dutch passou a pertencer ao Grupo Hapag-Lloyd[80] em 2021, e deixou, desde então, de operar no Brasil, segundo informado pela empresa (SEI 1034403).

Dentre as armadoras de longo curso atuantes no Brasil, ao menos 5 delas (Hapag-Lloyd, ONE, CMA CGM, Zim, HHM) atuam em VSA ou SCA com a MSC ou com Maersk, ou com ambas. Essas parcerias serão vistas em detalhe no próximo tópico.

 

2.2.2.                VSAs e SCAs no Brasil, critérios de seleção dos terminais portuários e possíveis riscos concorrenciais ao mercado portuário de Santos/SP

2.2.2.1.             VSAs/SCAs atualmente existentes

No Brasil, os players formam diferentes alianças operacionais, conforme o serviço. Mas, como visto em item precedente deste parecer, das 15 empresas que aparecem na estrutura de oferta no Brasil (Tabela 2), apenas 9[81] efetivamente atuam com embarcações próprias nas rotas de/para o Brasil[82]. Dentre essas 9, as empresas atuam majoritariamente em VSAs, sempre tendo dentre elas, na composição dos VSAs, a MSC, a Maersk, ou a CMA, ou duas delas.

Assim, dentro do que pôde ser melhor apurado pela SG[83], os VSAs sequem três composições básicas de formação:

Na melhor informação disponível à SG neste momento, e tendo em vista o market share das empresas em serviços de/para o Brasil, acredita-se que, das 9 empresas que empregam barcos para atender ao mercado consumidor brasileiro, apenas MSC e Maersk possuem serviços prestados individualmente, de modo que as outras 7 empresas - Hapag-Lloyd, CMA CGM, ONE, Cosco, Evergreen, PIL e Yang Ming - atuariam na costa brasileira exclusivamente por meio dos VSAs acima citados e/ou adquirindo slots (SCAs)[86] de outros agentes nas linhas em que não operam em VSA[87]. Considerando-se a relevante participação de mercado da Maersk no Brasil, acredita-se que esta armadora possua outros serviços prestados individualmente.

A tabela abaixo ilustra as principais formas de atuação dos armadores em serviços de/para o Brasil, segundo a melhor informação disponível à SG, bem como a respectiva relevância do armador em cargas transportadas de/para o Brasil. Os VSAs e SCAs que têm a Maersk ou MSC como partícipes estão identificados com cor de fundo azul para melhor visualização:

Tabela 7 - Atuação dos armadores e tipos de parcerias (VSA/SCA), Ano 2020 – Elaboração SG [acesso restrito ao Cade e à Antaq]

Elaboração SG, com fulcro em pesquisa da base de dados do Cade. O volume e o share são de âmbito Nacional (Tabela 2).

* Melhores estimativas da SG.

** A CMA forma VSAs com a Maersk, mas também com outros players. Para fins de medição do quanto as cargas da CMA neste serviço representam em relação ao total transportado por ela de/para o Brasil, obteve-se o volume total transportado na linha ECSA-MED pela CMA ([acesso restrito ao Cade e à Antaq] TEUs) em virtude do total transportado de/para o Brasil por todos os armadores em todas as rotas ([acesso restrito ao Cade e à Antaq]), totalizando uma representatividade dessas cargas da CMA em parceria com a Maersk (VSA) de 0-10% [acesso restrito ao Cade e à Antaq] do total transportado de/para o Brasil. Fonte: SEI [acesso restrito ao Cade e à Antaq] (AC MSC/Log-In). Para a CMA, este serviço representa 0-10%[88] [acesso restrito ao Cade e à Antaq] do total de cargas movimentadas por ela no Brasil.

*** Conforme mencionado anteriormente, a ZIM [acesso restrito ao Cade e à Antaq].

Conforme Tabela 7, é possível verificar o seguinte:

Além disso, há as cargas das empresas de cabotagem (100% das empresas são verticalizadas a armadores). Atualmente, as três empresas existentes – Aliança (Maersk), Log-In (MSC) e Mercosul (CMA CGM) – atuam principalmente no DPW Santos e no Tecon Santos (apenas a Aliança tem um serviço no BTP Santos). Sobre essas cargas de cabotagem/feeder, assinala-se o seguinte:

O organograma abaixo demonstra a relação entre esses armadores de longo curso e cabotagem e como, em decorrência dos VSAs e SCAs firmados entre eles, há possibilidade de as cargas de praticamente todos os armadores serem direcionadas para o BTP Santos em caso de eventual aumento de capacidade deste:

Figura 2 - Organograma das estruturas de VSAs e SCAs formadas entre armadores, empresas de cabotagem e suas relações com o BTP Santos