Timbre

Ministério da Justiça e Segurança Pública - MJSP

Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

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Ato de Concentração nº 08700.003130/2021-51

Requerentes: Louis Dreyfus Company Brasil S.A., Amaggi Exportação e Importação Ltda., Dalablog Participações Ltda., Cargill Agrícola S.A., SARTCO Ltda., Carguero Inovação Logística e Serviços S.A. e Green Net Administradora de Cartão Ltda.

Advogados: Sérgio Varella Bruna, Natalia Salzedas Pinheiro da Silveira, Marina Lissa Oda Horita, André Cutait de Arruda Sampaio, Suzane Nascimento e outros

Terceiro Interessado: Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos - CNTA

Advogados: Alziro da Motta Santos Filho e Helder Eduardo Vicentini

Relator: Conselheiro Sérgio Costa Ravagnani

VOTO DO RELATOR CONSELHEIRO sérgio costa ravagnani

VERSÃO PÚBLICA

Ementa:

ATO DE CONCENTRAÇÃO. ORDINÁRIO. ASSOCIAÇÃO ENTRE CONCORRENTES POR MEIO DE INVESTIMENTO E PARTICIPAÇÃO CONJUNTA NAS SOCIEDADES CARGUERO E GREEN NET. AQUISIÇÃO DE CONTROLE. OPERAÇÃO REALIZADA NO BRASIL. MERCADO DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS. MERCADO DE INTERMEDIAÇÃO DE FRETE RODOVIÁRIO DE CARGAS. MERCADO DE PAGAMENTO ELETRÔNICO DE FRETE. MERCADO GEOGRÁFICO NACIONAL. ABRANGÊNCIA NACIONAL. INTEGRAÇÃO VERTICAL. RECURSO DE TERCEIRO INTERESSADO. CONHECIMENTO. APROVAÇÃO SEM RESTRIÇÕES.

Ausência de capacidade e incentivos para fechamento de mercado é capaz de afastar preocupações concorrenciais em mercados verticalmente integrados.

A existência e viabilidade de compradores alternativos para o insumo no mesmo mercado geográfico, a mobilidade da estrutura de oferta e baixo custo de desvio de fornecimento mitigam o exercício do poder de compra.

Garantias quanto à gestão independente de empresa sujeita a controle comum entre concorrentes, existência de mecanismos de controle, monitoramento e tratamento do fluxo de informações sensíveis no âmbito de órgãos decisório e acionistas, podem mitigar preocupações concorrenciais relacionadas ao exercício de coordenado e compartilhamento de informações concorrencialmente sensíveis entre concorrentes.

voto

I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A OPERAÇÃO

Conforme detalhado no relatório (SEI 1017524), o Ato de Concentração trata da associação entre Louis Dreyfus Company Brasil S.A. (“LDC”), Amaggi Exportação e Importação Ltda. (“Amaggi”), Cargill Agrícola S.A. (“Cargill”), SARTCO Ltda. (“Sartco” e, em conjunto com LDC, Amaggi e Cargill, “Requerentes”) e Dalablog Participações Ltda. (“Dalablog” e, em conjunto com LDC, Amaggi, Cargill e Sartco, “Acionistas”) nas sociedades Carguero Inovação Logística e Serviços S.A. (“Carguero”) e Green Net Administradora de Cartão Ltda. (“Green Net” e, em conjunto com Carguero, “Empresas-Alvo”), por meio de Contrato de Investimento (“Operação”).

A Carguero é uma joint venture constituída pela LDC e Amaggi[1], que oferta soluções para intermediação de frete rodoviário por meio de uma plataforma digital (software web e aplicativo mobile)[2], conectando três tipos de agentes econômicos: (i) produtores/embarcadores que demandam a contratação de frete rodoviário para o transporte de suas cargas a, (ii) transportadores/agenciadores de cargas, e (iii) motoristas de caminhões, conforme pode ser compreendido na figura abaixo:

FIGURA 1

Fonte: SEI 0953283

 

 A Green Net é uma Instituição de Pagamento Eletrônico de Frete (“IPEF”) que viabiliza a gestão de pagamentos eletrônicos de frete, por meio de depósito em conta ou cartão para uso na rede credenciada da Green Net, e saque em caixas eletrônicos, para motoristas e empresas transportadoras rodoviárias de cargas. De forma complementar, a empresa oferta serviços adicionais de pagamento eletrônico de pedágio por meio de parcerias com empresas do setor.

Segundo as Requerentes, a Operação não enseja sobreposições horizontais, na medida em que representa a entrada delas no mercado de pagamento eletrônico de frete, e a entrada dos novos investidores (Cargill, Sartco e Dalablog) no mercado de intermediação de frete rodoviário por meio de plataforma digital. De outro lado, ainda de acordo com as Requerentes, a Operação poderá resultar em integrações verticais envolvendo os seguintes mercados: demanda de frete rodoviário de carga, intermediação de frete rodoviário por meio de software e pagamento de frete rodoviário.

 

II. INSTRUÇÃO REALIZADA PELA SG

Após análise preliminar, a Superintendência-Geral do Cade (“SG”) decidiu pelo não enquadramento do Ato de Concentração no rito sumário, sob justificativa da necessidade de obter maiores esclarecimentos quanto à possibilidade de aumento de poder coordenado, e determinou a realização de instrução complementar, nos termos do Despacho SG nº 994/2021 (SEI 0931159).

Assim, a SG deu início à instrução em 18 de agosto de 2021, expedindo diversos ofícios a concorrentes e clientes nos segmentos de mercado afetados pela Operação. Abaixo, a lista com as referências dos ofícios expedidos e das respectivas respostas:

TABELA 1

#

Ofício

Oficiado

Tipo

Resposta SEI

1

6201

LDC, Amaggi, Dalablog, Carguero e Green Net

Requerentes

0953283

2

6203

Cargil e SARTCO

Requerentes

0953283

3

6210

COFCO

Concorrente Agrícola

0952977

4

6213

Fretebras

Plataforma Intermediação

0956781

5

6214

Repom

Pagamento Eletrônico de Frete

0955765

6

6215

Bunge

Concorrente Agrícola

0956432

7

6216

Gavilon

Concorrente Agrícola

0952742

8

6217

Coamo

Concorrente Agrícola

0952616

9

6218

Camil

Concorrente Agrícola

0957113

10

6219

Coopercitrus

Concorrente Agrícola

0952989

11

6220

SLC Agrícola

Concorrente Agrícola

0952132

12

6221

Truckpad

Plataforma Intermediação

0957265

13

6222

Cargo X

Plataforma Intermediação

0956781

14

6223

Roadcard

Pagamento Eletrônico de Frete

0952563

15

6224

Pagbem

Pagamento Eletrônico de Frete

0953290

16

6225

eFrete

Pagamento Eletrônico de Frete

0953775

17

6226

JSL

Pagamento Eletrônico de Frete

0956599

18

6597

Glencore

Concorrente Agrícola

0952359

19

6695

Viterra Brasil

Concorrente Agrícola

0960731

20

7614

Goflux

Plataforma Intermediação

0972752

Fonte: elaboração própria com base em informações disponíveis nos autos.

 

III. DEFINIÇÃO DOS MERCADOS RELEVANTES

Para fins de economia processual, acolho as definições de mercado relevante constantes no Anexo ao Parecer SG nº 14/2021 (SEI 0996593), e suas respectivas fundamentações, quais sejam: (i) mercado nacional de demanda por transporte rodoviário de cargas; (ii) mercado nacional de intermediação de frete rodoviário por meio de softwares; e (iii) mercado nacional de pagamento eletrônico de frete.

Conforme será detalhado adiante, além dos mercados relevantes listados acima, a SG também considerou na sua análise cenários de mercado mais conservadores e diferentes estimativas de estrutura de oferta, com o objetivo de avaliar os possíveis impactos da Operação, além de investigar as preocupações concorrenciais indicadas pela terceira interessada Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (“CNTA”) e por alguns agentes de mercado oficiados durante a instrução.

Considerações adicionais sobre os cenários alternativos de mercado relevante analisados sob as dimensões produto e geográfica, serão feitas mais detalhadamente nas etapas destinadas à análise das integrações verticais decorrentes da Operação, e à luz das preocupações concorrenciais suscitadas pela terceira interessada em seu recurso.

IV. INTEGRAÇOES VERTICAIS DECORRENTES DA OPERAÇÃO

A Operação enseja as seguintes integrações verticais:

as demandas de frete rodoviário de carga da Cargill e da Sartco com as atividades da Carguero no mercado de intermediação de frete rodoviário por meio de software;

a demanda de frete rodoviário de carga dos Grupos LDC, Amaggi, Cargill e Sartco com as atividades da Green Net no mercado de pagamento de frete rodoviário; e

as atividades de intermediação de frete rodoviário por meio de plataforma digital da Carguero e as atividades de pagamento de frete rodoviário da Green Net.

Nesta etapa da análise, será verificado se as Requerentes possuem posição dominante e, em caso positivo, se possuem capacidade e incentivos para implementar estratégias anticompetitivas, sobretudo de fechamento de mercado. Embora a Operação não resulte em consolidação das atividades logísticas ou em unificação das contratações de fretes rodoviários demandados pelas Requerentes, e não contemple obrigações de exclusividade para contratação de frete rodoviário por meio da plataforma da Carguero[3], a SG considerou a participação conjunta das Requerentes, como entidade econômica única, para análise de possibilidade de exercício de poder de mercado.

Segundo a SG, tal abordagem conservadora se justifica porque, “dada a relevância das empresas do setor de commodities, a operação conjunta de uma plataforma digital de frete rodoviário poderia suscitar preocupações concorrenciais relacionadas, principalmente, à possibilidade de mitigação da rivalidade entre os concorrentes, que poderiam passar a atuar de forma cooperativa, além de possível fluxo de informações sensíveis entre empresas concorrentes.”[4]

Acompanho a SG nas suas considerações e passo a analisar a estrutura de oferta dos mercados relevantes envolvidos na Operação.

 

IV.1. Demanda por transporte rodoviário de cargas e intermediação de frete rodoviário de cargas por meio de software

Com relação à estrutura de oferta do mercado de demanda por transporte rodoviário de cargas, embora os precedentes do Cade definam este mercado sem segmentação quanto ao tipo de carga, na dimensão produto[5], a SG considerou, de forma conservadora, a demanda de transporte rodoviário de grãos de milho e soja como dimensão do mercado total analisado, não incluindo outros tipos de cargas agrícolas.[6]

Considerando a definição de mercado relevante adotada pela jurisprudência do Cade (mercado nacional de transporte rodoviário de cargas sem segmentação), a participação combinada das Requerentes representa somente [0-10%] [ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES] do mercado total, não suscitando preocupações concorrenciais.[7]

Na análise desta Operação, a SG utilizou como métricas para a estrutura de oferta do mercado de transporte rodoviário de cargas: (i) o valor transacionado em fretes (R$) e o (ii) volume transportado (t). Como proxy conservadora de mercado total, a SG adotou a produção nacional de milho e soja[8] e, em valor transacionado de frete, o produto da multiplicação daquele volume pelo valor médio do frete (R$/t).[9]

Desse modo, a estrutura de oferta de demanda para o mercado de transporte rodoviário de cargas é representada a partir da tabela abaixo:

TABELA 2 – [ACESSO RESTRITO AO CADE]

Fonte: SEI 0996495

 

Os dados acima demonstram que as Requerentes tiveram participação de mercado combinada pouco superior a 30% no mercado nacional em 2020, seja em termos de volume, seja em valor transacionado em fretes, patamar indicativo de poder de mercado capaz de suscitar preocupações concorrenciais em mercados verticalmente relacionados, nos termos do inciso IV do art. 8º da Resolução Cade nº 2/2012.

Contudo, a participação de mercado combinada das Requerentes atinge esse patamar somente no cenário mais conservador apresentado (grãos de milho e soja)[10], enquanto nos demais cenários alternativos analisados, a participação de mercado combinada das Requerentes foi inferior a 30% em 2020, conforme demonstrado na tabela abaixo:

TABELA 3 – [ACESSO RESTRITO AO CADE]

Fonte: SEI 0996495

 

Ademais disto, a maioria das empresas consultadas na instrução de mercado realizada pela SG afirmaram que os veículos utilizados no transporte de cargas agrícolas também podem movimentar outros tipos de cargas, como cimento, açúcar, fertilizantes e calcário,[11] produtos que compõem o cenário mais amplo analisado pela SG, no qual a participação combinada das Requerentes foi inferior a 20% em 2020.

Ainda nesta esteira, há indícios que apontam para a subestimação do mercado total nos cenários analisados. Nesse ponto, as Requerentes argumentam que as suas participações na demanda por frete rodoviário estariam superestimadas por nelas terem sido incluídos produtos não agrícolas[12], enquanto a estimativa de mercado total estaria subestimada, por estar baseada em recorte da SG que abrange somente a produção dos grãos de milho e soja, excluindo outras cargas agrícolas. Considerando esse cenário proposto pelas Requerentes, e os dados disponíveis no cenário 2 da tabela acima, verifica-se que a participação combinada das Requerentes também foi inferior a 30% em 2020.

De forma complementar, as Requerentes apresentaram o Plano de Negócios (Business Plan) preparado pelas Empresas-Alvo no curso das negociações para apresentar o conceito do negócio à Cargill e à Sartco, o qual informa que [13] [ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES]. O gráfico abaixo, extraído do Plano de Negócios, corrobora a alegação de que o mercado afetado pela Operação seria mais amplo do que o recorte utilizado pela SG.

GRÁFICO 1 - [ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES]

Fonte: SEI 1009636

 

Finalmente, a SG constatou que as estimativas obtidas para as estruturas de oferta dos mercados de intermediação de frete rodoviário e de pagamento eletrônico de frete a partir da instrução deste processo de Ato de Concentração, também sustentam a afirmativa de que o tamanho do mercado de demanda por transporte rodoviário de cargas é muito superior aos cenários analisados.

Não obstante a existência de diversos elementos que tornam razoável assumir que o mercado relevante afetado pela Operação é mais amplo do que o recorte utilizado pela SG, considerando (i) que as Requerentes apresentaram participação de mercado combinada ligeiramente superior a 30% no cenário mais conservador analisado em 2020; (ii) as preocupações concorrenciais apontadas pela terceira interessada e por alguns agentes consultados no teste de mercado; e (iii) [ACESSO RESTRITO AO CADE], o segmento de cargas agrícolas adotado pela SG será utilizado na análise da integração vertical entre o mercado de transporte rodoviário de cargas e o mercado de intermediação de frete rodoviário de cargas via software, decorrente da Operação.

Com relação à estrutura de oferta de intermediação de frete rodoviário de cargas por meio de softwares, os precedentes do Cade definem esse mercado sem segmentação por tipo de carga e caminhão, de âmbito nacional[14], havendo sido destacado pela SG, em alguns casos[15], a dificuldade de se obter informações públicas/oficiais que indiquem o tamanho total do mercado.

Baseado em informações obtidas no teste de mercado realizado nestes autos e em precedentes do Cade, a SG analisou as seguintes proxies de estrutura de oferta: (i) por faturamento bruto e (ii) por valor e volume de carga transacionado de frete.

Considerando a métrica do faturamento bruto, a participação de mercado da Carguero em 2020 foi de [20-30%] [ACESSO RESTRITO AO CADE]. A SG destaca que essa proxy não seria a mais adequada para aferir as participações neste mercado, em razão dos diferentes modelos de negócio adotados pelas empresas, os quais envolvem diferentes formas de remuneração, além de poderem abranger serviços de outras etapas do transporte de cargas. Dessa forma, não há uma relação necessária entre os faturamentos informados pelas empresas, por um lado, e o volume e o preço de fretes transacionados ou anunciados na plataforma, por outro.

Considerando as métricas de volume e de valores transacionados de frete nas plataformas, a SG adotou abordagem conservadora ao dimensionar o mercado total como sendo o correspondente aos dados informados pelas empresas consultadas no teste de mercado, conforme se depreende da tabela abaixo:

TABELA 4 - [ACESSO RESTRITO AO CADE]

Fonte: SEI 0996495

 

Mesmo nesse cenário, a participação da Carguero no mercado de intermediação de frete rodoviário via software em 2020 foi inferior a 10%, seja em termos de valor transacionado, seja em volume de frete transacionado. Atualmente, as Requerentes transacionam aproximadamente [ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES] em fretes de carga agrícola via plataformas digitais, o que representa [0-10%] [ACESSO RESTRITO AO CADE] do total de fretes transacionados por esse canal em 2020, considerando como total de mercado a soma dos dados informados pelas empresas consultadas no teste de mercado ([ACESSO RESTRITO AO CADE]).

Ainda que se admitisse o desvio total de demanda das Requerentes (correspondente à totalidade da carga agrícola contratada, tanto pelas plataformas digitais quanto pela via tradicional) para a plataforma Carguero, o valor transacionado representaria [10-20%] [ACESSO RESTRITO AO CADE] do valor total de frete transacionado em plataformas digitais em 2020, conforme demonstram os dados da tabela abaixo:

TABELA 5 - [ACESSO RESTRITO AO CADE]

Fonte: SEI 0996495

 

Adicionalmente, as Requerentes esclareceram que não há exigência de exclusividade ou preferência para utilização da Carguero por elas próprias, ou qualquer outra empresa do mercado, sejam embarcadores, empresas de transporte rodoviário de cargas ou transportadores autônomos de cargas, que permanecem livres para contratar com plataformas concorrentes.

A SG destaca que algumas empresas que concorrem com as Requerentes no mercado de comercialização de grãos já são verticalmente integradas com plataformas próprias de intermediação/contratação de frete (ex.: Coamo[16] e Bunge[17]), enquanto outras empresas comercializadoras de grãos também consultadas já contratam parte de suas demandas de frete rodoviário por meio de plataformas concorrentes da Carguero (ex.: Go Flux, Tmov, Trizy, Vector, Fretebras, etc.).

Assim, considerando (i) que mesmo o desvio integral da demanda de transporte rodoviário de cargas das Requerentes para a Carguero seria incapaz de fazer a plataforma ultrapassar 20% de participação no mercado de intermediação de frete por meio de software, (ii) que os embarcadores contam com plataformas alternativas à Carguero, e (iii) a ausência de cláusulas contratuais de exclusividade ou preferência, concluo pela ausência de capacidade da Carguero para fechar o mercado de intermediação de frete rodoviário de cargas por meio de softwares, tanto para os embarcadores quanto para os ofertantes de transporte rodoviário de cargas.

Na mesma linha, não foram verificados riscos concorrenciais significativos de fechamento de mercado às plataformas digitais concorrentes para acesso a clientes, sejam estes embarcadores, transportadores ou motoristas autônomos, decorrentes da Operação. Conforme se verifica na Tabela 4, o mercado de intermediação de frete rodoviário via software possui a presença de, pelo menos, um grande player com participação de mercado mais destacada que os demais (Fretebras, que responde por [80-90%] [ACESSO RESTRITO AO CADE], além de outros concorrentes com participações superiores ou próximas à da Carguero, capazes de atender eventual desvio de demanda.

Além disso, considerando que a demanda de frete rodoviário das Requerentes por transporte de grãos de milho e soja (recorte considerado pela SG) em 2020 representou [30-40%] [ACESSO RESTRITO AO CADE] em valor de frete transacionado via plataforma, não há capacidade de as Requerentes fecharem o acesso das plataformas digitais concorrentes a clientes.

Destaca-se que foi utilizada uma aproximação conservadora da dimensão de mercado total, pois a jurisprudência do Cade considera o mercado de transporte rodoviário de cargas sem segmentação por tipo de carga. Mesmo nesse cenário, em que foram desprezadas cargas agrícolas distintas de grãos de milho e soja, as plataformas concorrentes da Carguero ainda têm possibilidade de disputar aproximadamente [60-70%] [ACESSO RESTRITO AO CADE] da demanda por transporte rodoviário de carga agrícola.

Ademais disto, o mercado de intermediação de frete rodoviário de cargas via software encontra-se em franca expansão. Dos embarcadores consultados no teste de mercado (incluindo as Requerentes), menos da metade [40-50%] [ACESSO RESTRITO AO CADE] da demanda de frete rodoviário por carga agrícola é contratada por meio de plataforma digital. Dentre as empresas agrícolas, há aquelas que sequer contratam frete rodoviário por meio de plataformas digitais, a exemplo da [ACESSO RESTRITO AO CADE]. Existe, portanto, uma demanda potencial por intermediação de frete rodoviário via software que pode representar um acréscimo relevante na dimensão desse mercado.

Segundo dados obtidos pela SG no teste de mercado realizado para este Ato de Concentração, e em precedentes do Cade, o valor total de fretes transacionado em plataformas digitais em 2020 representa somente [10-20%] [ACESSO RESTRITO AO CADE] do mercado total de transporte rodoviário de cargas em geral[18], corroborando a conclusão de que há espaço para oportunidades de crescimento e acirramento da concorrência nesse mercado.

Dessa forma, como aponta a SG, a tendência de crescimento da digitalização dos processos de contratação de frete pelos embarcadores por meio das plataformas digitais de intermediação, tende a diminuir a importância relativa das Requerentes na demanda por frete de cargas agrícolas e de cargas em geral.

Quanto à relevância das cargas agrícolas nas plataformas digitais de intermediação de frete rodoviário, a SG apurou no teste de mercado que essas cargas representam [20-30%] [ACESSO RESTRITO AO CADE] dos fretes transacionados via plataformas digitais[19], concluindo que a maior parte da demanda por intermediação de frete rodoviário nas plataformas[20] é proveniente de cargas não agrícolas.

Por fim, considerando especificamente a contratação de transportadores autônomos de cargas, categoria que é alvo de preocupações da terceira interessada, a demanda por fretes rodoviários das Requerentes representaria [0-10%] [ACESSO RESTRITO AO CADE] do total de fretes transacionados pelos motoristas autônomos em 2020[21], se a demanda integral das Requerentes fosse atendida somente por essa categoria.

Assim, considerando (i) que empresas agrícolas concorrentes das Requerentes representam parte expressiva da demanda por transporte rodoviário de cargas agrícolas, (ii) que as plataformas digitais concorrentes atuam na intermediação de todos os tipos de cargas, incluindo as não agrícolas, bem como (iii) a tendência de digitalização dos processos de contratação de frete pelos embarcadores, concluo pela a ausência de capacidade de fechamento de mercado para as plataformas digitais decorrente da Operação, via restrição de acesso a clientes.

 

IV.2. Demanda por transporte rodoviário de cargas e pagamento eletrônico de frete

Com relação à estrutura de oferta do mercado de pagamento eletrônico de frete, os precedentes do Cade definem esse mercado como único na dimensão produto, sem segmentação por modalidade de pagamento (cartão ou depósito) ou tipo de transportador (transportadores autônomos, equiparados ou empresas de transporte), e nacional na dimensão geográfica.

A partir das informações obtidas na instrução de mercado, a SG elaborou a estrutura de oferta a seguir, na qual considerou, como mercado total, a soma dos valores transacionados em fretes (R$) e faturamento bruto das IPEF (R$), informados pelas empresas consultadas:

TABELA 6 - [ACESSO RESTRITO AO CADE]

Fonte: SEI 0996495

 

Os dados demonstram que a Green Net teve participação de mercado de [10-20%] [ACESSO RESTRITO AO CADE] em termos de valor transacionado em fretes, e [0-10%] [ACESSO RESTRITO AO CADE], em termos de faturamento bruto, ambos em 2020. Destaca-se a presença dos líderes do segmento Repom ([30-40%] [ACESSO RESTRITO AO CADE]) e Roadcard ([30-40%] [ACESSO RESTRITO AO CADE]), com participações de mercado relevantes em relação aos demais agentes consultados.

De outro lado, conforme exposto na Tabela 2, as Requerentes responderam por [30-40%] [ACESSO RESTRITO AO CADE] da demanda por transporte rodoviário de cargas agrícolas em 2020. Assim, caso os pagamentos de todos os fretes de cargas agrícolas contratados pelas Requerentes tivessem sido processados pela Green Net, esta empresa teria tido participação de mercado de [20-30%] [ACESSO RESTRITO AO CADE], portanto inferior a 30% e próximo das participações de mercado detidas pelas atuais líderes do segmento.

Vale ressaltar que essa estimativa é conservadora, pois a dimensão total do mercado de pagamento eletrônico de frete foi formada com dados de apenas 6 (seis) empresas consultadas na instrução de mercado realizada pela SG, enquanto há cerca de 29 IPEF ativas habilitadas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, indicando que as participações de mercado da Green Net e concorrentes estão provavelmente superestimadas.

Considerando como mercado total somente os valores de frete pagos a transportadores autônomos de cargas anualmente (R$ 120 bilhões)[22], a participação de mercado da Green Net representaria apenas [0-10%] [ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES] dos valores processados para essa categoria.[23] Ainda nesse cenário, na hipótese de desvio integral da demanda por contratação de frete para cargas agrícolas pelas Requerentes à Green Net, a participação de mercado desta empresa teria sido de [0-10%] [ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES].

Em um terceiro cenário de estrutura de oferta apresentado pelas Requerentes, mais conservador, pois considera como mercado total o “Segmento Regulado Penetrado” (o qual considera somente a modalidade de pagamento eletrônico a Transportadores Autônomos de Carga e Equiparados)[24], a participação de mercado da Green Net corresponderia a [10-20%] [ACESSO RESTRITO AO CADE], caso houvesse o desvio integral da demanda das Requerentes por contratação de frete de cargas agrícolas.

Adicionalmente, tanto a instrução de mercado realizada pela SG, como as informações prestadas pelas Requerentes, aponta que a escolha da IPEF que viabilizará os pagamentos de frete, é realizada pelo embarcador, ou pelo transportador/agenciador que contrata o motorista autônomo ou equiparado, não havendo interferência da plataforma que intermedia a contratação do frete rodoviário nesta escolha.

Em razão dessas características, as plataformas digitais de intermediação de frete rodoviário possuem incentivos para admitir diversas opções de pagamento no seu canal, com o objetivo de agregar valor aos serviços ofertados a seus usuários, de modo a tornar a plataforma mais atrativa.[25]

Dessa forma, considerando que em qualquer cenário considerado, a eventual concentração da demanda por transporte rodoviário de cargas agrícolas das Requerentes na Green Net é inferior a 30%, não vislumbro capacidade para fechamento de mercado, tanto para as IPEF concorrentes que permanecerão com acesso a parcela substancial da demanda pela contratação de frete rodoviário de cargas agrícolas e em geral, como para os clientes, que permanecerão com acesso a IPEF com capacidade para absorver eventual desvio de demanda.

 

IV.3. Intermediação de frete rodoviário de cargas por meio de software e pagamento eletrônico de frete

Conforme exposto nas Tabelas 4 e 6, em 2020 a Carguero deteve participação de mercado correspondente a [0-10%] [ACESSO RESTRITO AO CADE] no segmento de intermediação de frete rodoviário de cargas, enquanto a Green Net respondeu por [10-20%] [ACESSO RESTRITO AO CADE] da participação de mercado no segmento de pagamento eletrônico de frete. Assumindo que as Requerentes passem a contratar frete rodoviário para transporte de suas cargas exclusivamente por meio da plataforma da Carguero, a participação de mercado desta empresa corresponderia a [10-20%] [ACESSO RESTRITO AO CADE], enquanto a contratação via Green Net corresponderia a [10-20%] [ACESSO RESTRITO AO CADE].

Além disso, mesmo considerando cenários de oferta alternativos e mais restritivos, como os valores movimentados pelos transportadores autônomos e o Segmento Regulado Penetrado, o desvio integral da demanda das Requerentes não seria capaz de gerar preocupações concorrenciais decorrentes de eventual tentativa de fechamento de mercado. Nesse sentido, a demanda de frete das Requerentes para transportadores autônomos representa [0-10%] [ACESSO RESTRITO AO CADE] dos fretes transacionados em 2020, enquanto toda a demanda das Requerentes representaria [10-20%] [ACESSO RESTRITO AO CADE] de participação total para a Green Net em valores transacionados no Segmento Regulado Penetrado.

Ainda, (i) a presença de concorrentes relevantes nos segmentos de intermediação de frete via software e pagamento eletrônico de frete capazes de absorver eventuais desvios de demanda, e (ii) o fato de a escolha de contratação da IPEF que viabiliza o pagamento eletrônico não sofrer interferência da plataforma digital escolhida, atenuam possíveis preocupações concorrenciais oriundas da operação. Nesse ponto, vale ressaltar que as Requerentes esclareceram que não há cláusulas de exclusividade, prioridade ou preferência para utilização de serviços da Green Net para usuários da plataforma da Carguero.

Ante o exposto, considerando que mesmo nos cenários mais conservadores de desvio integral da demanda de transporte rodoviário de cargas das Requerentes para as Empresas-Alvo, as participações de mercado são inferiores a 30%, não vislumbro capacidade de fechamento de mercado decorrente da integração vertical analisada.

 

V. CONSIDERAÇÕES SOBRE O RECURSO DA TERCEIRA INTERESSADA

A CNTA interpôs recurso contra a decisão de aprovação sem restrições do Ato de Concentração exarada pela SG, argumentando que a análise realizada teria desconsiderado riscos concorrenciais relevantes decorrentes da Operação, sobretudo em razão “[...] da união, em uma mesma plataforma, de empresas concorrentes em outros mercados relevantes e cuja demanda por transporte rodoviário de commodities agrícolas é extremamente relevante no país.”[26]

O recurso é fundamentado em três principais eixos, que serão abordados adiante:

A Operação resulta em risco de fechamento de mercado para outras empresas intermediadoras de frete rodoviário via software;

A Operação consolida uma estrutura que viabiliza a atuação das Requerentes na contratação conjunta de frete rodoviário, permitindo a imposição de condições contratuais discriminatórias e exclusionárias, com forte impacto sobretudo aos motoristas autônomos;

A Operação resulta em aumento do poder coordenado e risco de compartilhamento de informações concorrencialmente sensíveis dos usuários da plataforma Carguero entre as Acionistas, para atuação em seus negócios principais, não relacionados ao negócio da Carguero.

A CNTA entende que a celebração de Acordo em Controle de Concentrações (“ACC”) se faz necessária para mitigar as preocupações concorrenciais apontadas, manifestando-se pela insuficiência dos compromissos particulares assumidos pelas Requerentes perante o Cade. Feitas essas considerações, passo a discorrer sobre cada uma das alegações apresentadas pela terceira interessada em seu recurso.

 

V.1. Considerações sobre alegações de fechamento de mercado para outras plataformas intermediadoras de frete rodoviário de cargas

Com relação ao primeiro eixo de preocupação, a CNTA argumenta que a consolidação das Requerentes em torno de uma plataforma única limita a demanda de contratação de frete rodoviário disponível para as plataformas concorrentes da Carguero, resultando em um mercado “excessivamente concentrado em apenas três empresas”. Segundo a terceira interessada, essa estrutura limitaria a possibilidade de desenvolvimento sadio do mercado, dificultando o crescimento de empresas menores que necessitam de demanda suficiente para operar, e que os compromissos particulares assumidos pelas Requerentes seriam insuficientes para mitigar os riscos concorrenciais da Operação.

Assim, a CNTA requer seja aprofundada a “análise sobre os incentivos para o aumento de custos de rivais e prováveis efeitos anticompetitivos decorrentes, bem como a necessidade de remédios comportamentais para mitigar tais efeitos.”[27]

Conforme exposto nesse voto, a representatividade da demanda por contratação de frete rodoviário de cargas das Requerentes é baixa, ([0-10%] [ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES]), considerando o mercado relevante de transporte rodoviário de cargas tradicionalmente adotado pela jurisprudência do Cade (mercado nacional sem segmentação por tipo de carga), afastando quaisquer preocupações concorrenciais quanto à limitação de demanda por este serviço.

Conforme exposto no item IV.1, mesmo em cenários conservadores elaborados a partir de diferentes metodologias e fontes pela SG, toda a demanda por transporte rodoviário de cargas agrícolas das Requerentes representou [10-20%] [ACESSO RESTRITO AO CADE] do mercado nacional de intermediação de frete rodoviário via software em 2020. Assim, ainda que as Requerentes optem por concentrar toda a contratação de frete rodoviário de cargas por meio da Carguero, as plataformas concorrentes ainda terão acesso a expressiva demanda por carga agrícola de embarcadores concorrentes.

Além disso, a representatividade da demanda por frete rodoviário das Requerentes perante os motoristas autônomos correspondeu a [0-10%] [ACESSO RESTRITO AO CADE] dos fretes transacionados pela categoria em 2020. Assim, as Requerentes não representam parcela suficientemente relevante da demanda para fechar o mercado de transporte de frete rodoviário para a categoria dos transportadores autônomos, que permanecem com acesso à demanda de diversos outros embarcadores de cargas agrícolas e de cargas em geral.

Ainda nesta esteira, o mercado de intermediação de frete rodoviário conta com a presença de rivais relevantes capazes de atender eventual desvio de demanda. Atualmente, há concorrentes que apresentam participações de mercado maiores (ex.: Fretebras) ou próximas à participação da Carguero (ex.: Truckpad e Goflux), sendo algumas delas verticalmente integradas com grandes concorrentes das Requerentes no mercado de comercialização de produtos agrícolas (ex.: Vector/Bunge), e que já atendem diversos embarcadores, como demonstrou a instrução de mercado realizada pela SG. É preciso considerar ainda que muitos embarcadores preferem contratar parte ou todo o frete diretamente com as transportadoras, e representam importante demanda potencial por contratação de frete via software a ser disputada pelas concorrentes nesse mercado.[28]

Por fim, os cenários de oferta no mercado de transporte rodoviário analisados pela SG são conservadores, limitados ao segmento de cargas agrícolas, enquanto as plataformas concorrentes da Carguero atuam na intermediação de frete rodoviário para todos os tipos de cargas. Assim, os impactos concorrenciais para os negócios das plataformas de intermediação de frete rodoviário decorrentes de eventual consolidação da demanda por transportes rodoviários de cargas agrícolas das Requerentes são menores do que os aventados pela terceira interessada em seu recurso. Ademais, a eventual consolidação da demanda por fretes rodoviários das Requerentes não ultrapassaria o patamar adotado pela jurisprudência do Cade, que ensejasse preocupações relacionadas ao fechamento de mercados verticalmente integrados.

 

V.2. Considerações sobre a alegação de exercício abusivo de poder de compra

Com relação ao seu segundo eixo de preocupação, a CNTA assume a premissa de que a Operação resultará na unificação de contratações de frete rodoviário das Requerentes, as quais passarão a atuar em conjunto, sob a perspectiva da demanda, resultando em elevado poder de compra perante transportadores autônomos e empresas de transporte rodoviário.

Tal premissa é sustentada pela terceira interessada com fundamento nos incentivos econômicos decorrentes da Operação, notadamente a realização de aportes financeiros significativos das Acionistas na Carguero, o que tornaria economicamente racional assumir que as Requerentes passarão a desviar toda ou parte significativa da demanda por contratação de frete rodoviário para a plataforma da qual são proprietárias, em detrimento de outras plataformas concorrentes ou outras modalidades tradicionais de contratação de transporte rodoviário de cargas.

De acordo com a CNTA, o exercício do poder de mercado adquirido viabilizaria a imposição de condições comerciais abusivas e predatórias, especialmente perante os transportadores autônomos, acarretando a redução de preços dos fretes, uma vez que esses motoristas não possuem poder de barganha suficiente para compensar o exercício daquele poder.

Ainda segundo a CNTA, os impactos concorrenciais seriam ainda mais relevantes em determinadas regiões do Brasil, nas quais a demanda por transporte rodoviário de cargas agrícolas é significativamente maior do que em outras localidades do País. Neste sentido, destaca a regionalização da demanda por frete rodoviário de cargas agrícolas a partir das rotas de origem e destino do transporte contratado, em razão da concentração e sobreposição de silos de grãos e unidades de processamento, refino e envase das Requerentes, sobretudo nas regiões Centro-Oeste e Sudeste do País.

Por estas razões, segundo a CNTA, a análise de exercício de poder de compra resultante da Operação deve considerar um cenário geográfico regionalizado, e os impactos gerados sobre os motoristas autônomos, que teriam seu poder de barganha reduzido com a Operação.

Contudo, não verifico a existência de nexo de causalidade entre a Operação e o alegado exercício de poder de compra pelas Requerentes em razão da sobreposição de ativos logísticos no destino das cargas (terminais de transbordo portuário). Isso porque a titularidade dos ativos não é objeto da Operação, e tampouco será afetada por ela. Também as rotas de exportação utilizadas para transporte de cargas não são exclusivas das Requerentes e podem ser utilizadas por outras comercializadoras de grãos.

Ademais, conforme será detalhado adiante neste voto, a Operação não resultará na unificação ou coordenação das operações logísticas e demandas das Requerentes por frete rodoviário, pois cada uma delas permanecerá realizando as contratações de frete rodoviário de forma separada e independente, seja via plataforma, seja pela modalidade tradicional off-line.

Em relação a poder de compra, a jurisprudência do Cade[29] tem estabelecido como metodologia de análise verificar se as empresas envolvidas possuem poder de compra e, em caso positivo, se possuem incentivos para exercê-lo. O poder de compra ocorre quando as empresas respondem por parcela significativa da aquisição do insumo, os fornecedores não detêm poder de mercado e há quantidade reduzida de empresas para as quais os produtores/fornecedores oferecem seus produtos ou serviços.

Caso comprovada a existência do poder de compra, prossegue-se à verificação dos incentivos para o exercício desse poder, e se há nexo de causalidade entre o aumento desses incentivos e a Operação. A análise depende das características do mercado analisado, tal como o grau de elasticidade da oferta, o nível de integração da cadeia produtiva, a dependência entre fornecedores e compradores, os custos associados ao desvio do fornecimento para outro cliente, as relações contratuais existentes etc.

Conforme exposto no item anterior, as Requerentes não detêm capacidade para implementar estratégias anticompetitivas de fechamento nos mercados de transporte rodoviário de cargas e de intermediação de frete rodoviário via software, independentemente do cenário analisado, nacional ou regional. Não obstante, tendo em vista as preocupações apontadas pela terceira interessada e alguns agentes de mercado, prossegue-se à análise regionalizada do mercado de transporte rodoviário de grãos de milho e soja para verificar se há preocupações concorrenciais quanto a eventual exercício de poder de compra.

Segundo levantamento feito a partir do teste de mercado realizado pela SG, a estimativa da demanda por transporte rodoviário de grãos por Estado e Região em 2020 é representada pela tabela abaixo:

TABELA 7 - [ACESSO RESTRITO AO CADE]

Fonte: SEI 0996593

 

Os dados confirmam que as Requerentes respondem por parcela significativa da demanda pelo frete rodoviário de grãos na região Centro-Oeste, ([50-60%] [ACESSO RESTRITO AO CADE]), que representa o maior polo produtor de grãos, com participação de 45,62% da produção nacional de grãos. Por outro lado, verifica-se que em todas as demais regiões brasileiras, a representatividade das Requerentes nesse mercado é inferior a 20%, mesmo em regiões produtoras relevantes, como o Sul (31,12% da produção nacional de grãos) e o Sudeste (9,18% da produção nacional de grãos).

Mesmo considerando o cenário conservador de cargas agrícolas no âmbito regional, não é possível desprezar algumas características do mercado de frete rodoviário que mitigam as preocupações quanto a eventual exercício de poder de compra pelas Requerentes. Primeiro, as Requerentes possuem participação relativamente mais baixa na demanda por frete agrícola em regiões produtoras importantes, adjacentes ou próximas da região Centro-Oeste, notadamente as regiões Sul e Sudeste. Assim, há incentivos econômicos para que a oferta de frete rodoviário se movimente para atender à demanda dessas regiões, em caso de piora das condições negociais na região Centro-Oeste.

A esse respeito, a CNTA sustenta não ser razoável supor a mobilidade dos motoristas diante da pressão pela redução dos fretes eventualmente exercida pelas Requerentes, especialmente porque a assimetria de informações a que está sujeita parte significativa dos motoristas autônomos impede esses agentes de conhecerem as melhores oportunidades de frete em outras localidades do Brasil, além da existência de fatores que dificultam essa mobilidade, como a fixação de moradia e família dos motoristas em determinadas regiões.

Contudo, as evidências reunidas nesses autos apontam que não há custos significativos relacionados ao desvio de oferta para atender clientes nas regiões próximas. Segundo o teste de mercado realizado pela SG, a maioria das empresas consultadas concorda com a definição tradicional do mercado de frete rodoviário no âmbito nacional, sem segmentação por tipo de carga. Ainda de acordo com as respostas das empresas consultadas, os veículos utilizados para transporte de cargas agrícolas podem ser utilizados para movimentação de cargas não agrícolas, como cimento, minérios, materiais siderúrgicos e de construção, entre outros, bastando observar a higienização adequada.

Em verdade, existem diversos outros produtos que originam a demanda por contratação de frete rodoviário, nas regiões em que as Requerentes respondem pela contratação de parcela relevante do serviço para cargas agrícolas, conforme demonstrado na tabela abaixo:

TABELA 8 - [ACESSO RESTRITO AO CADE]

Fonte: SEI 0996495

 

Os dados acima demonstram que, mesmo nas regiões Centro-Oeste e Centro-Sul, nas quais as Requerentes respondem por grande parcela da demanda por fretes agrícolas, cargas que podem ser transportadas nos mesmos veículos que movimentam os produtos agrícolas, representam demanda significativa de frete rodoviário. Assim, as cargas não agrícolas exercem influência nas condições de oferta de frete rodoviário de cargas agrícolas, sendo razoável afirmar que permitirão aos transportadores eventualmente prejudicados por uma piora nas condições negociais promovidas pelas Requerentes, ofertar seus serviços a outros compradores no mesmo mercado geográfico.

Não se pode desprezar também que os transportadores rodoviários, especialmente os motoristas autônomos, foram beneficiados por medidas governamentais nos últimos anos, capazes de protegê-los de um eventual exercício de poder por parte das Requerentes, a exemplo da fixação legal de piso para cobrança de frete, previsto na Lei nº 13.703, de 2018, que contribui para reforçar o poder de barganha dos transportadores nas negociações com os embarcadores e outros demandantes de frete rodoviário.

Ademais, não se verificam barreiras físicas ou regulatórias que impeçam ou dificultem a movimentação dos veículos para atender às variações nas demandas regionais por fretes rodoviários, ao contrário do que ocorre na estrutura de oferta dos serviços prestados no mercado de transporte aéreo de cargas, em que a mobilidade dos fatores de produção é limitada.

Observa-se ainda que há baixos incentivos para eventual exercício de poder de compra por parte das Requerentes, em face da dependência dos produtores e comerciantes agrícolas em relação ao modal rodoviário, da inviabilidade de modais alternativos, da reduzida quantidade de embarcadores com frota própria, da necessidade de escoamento rápido da produção em função da perecibilidade das cargas transportadas e do déficit na estrutura logística, conforme demonstrado no gráfico abaixo:

GRÁFICO 2

Fonte: SEI 0996593

 

Ante o exposto, concluo ser improvável o exercício de poder de compra pelas Requerentes perante os transportadores rodoviários, decorrente da Operação, mesmo no cenário regionalizado do mercado de frete rodoviário de cargas, em que as Requerentes respondem por parcela relevante da demanda por fretes agrícolas. Além da demanda de outros compradores capaz de absorver eventual desvio de oferta, as características do mercado tornam razoável assumir que a mobilidade dos ofertantes não apenas é possível como provável, em resposta às oscilações de preços e variação nas demandas provenientes de cada região.

 

V.3. Considerações quanto ao aumento do poder coordenado e risco de compartilhamento de informações concorrencialmente sensíveis

A CNTA alega que as medidas e garantias de governança apresentadas pelas Requerentes são insuficientes para mitigar os riscos concorrenciais de coordenação e troca de informações sensíveis, na medida em que são baseadas em compromissos privados que poderiam ser “facilmente alteradas pelas partes após a Operação”[30]. Assim, existiriam incentivos e fatores favoráveis para a prática de condutas anticompetitivas, e a mera possibilidade de repressão posterior, em sede de controle de condutas, seria insuficiente para coibir esses riscos concorrenciais, além das dificuldades para detecção da conduta, demora em eventual investigação e impossibilidade de desfazimento de efeitos consumados.

A terceira interessada destaca preocupações relacionadas à gestão e governança do fluxo de informações concorrencialmente sensíveis, em especial a forma de implementação de mecanismos que limitam o compartilhamento dessas informações e as interferências das Acionistas na plataforma, sobretudo para utilização em seus negócios principais, fora do escopo dos negócios da Carguero. Argumenta ainda que a SG subestimou as preocupações concorrenciais decorrentes da ausência de controle externo pelo Cade.

Ainda que se reconheça a existência de incentivos econômicos para que as Requerentes desviem a integralidade ou parte significativa de suas contratações de frete rodoviário para a Carguero, trata-se de situação distinta do acesso a informações concorrencialmente sensíveis de usuários da plataforma para implementação de estratégias anticompetitivas ou da unificação das demandas e negociações para contratação de frete rodoviário, conforme alegado pela CNTA.

Desde logo, vale ressaltar que a Operação não implica na formação de um consórcio ou pool de compras, não havendo unificação das operações logísticas, demandas ou estrutura que viabilize a negociação conjunta de contratação de frete rodoviário pelas Requerentes. Ademais, atualmente, a plataforma Carguero é uma joint venture entre duas comercializadoras de grãos concorrentes, em que já existem protocolos antitruste para disciplinar suas operações.

Contudo, a Operação resulta na entrada de outras duas grandes concorrentes comercializadoras de produtos agrícolas em uma mesma plataforma que atende concorrentes e fornecedores das Acionistas. Assim, a princípio, a Operação resulta em aumento dos riscos concorrenciais relacionados ao exercício de poder coordenado e de compartilhamento de informações concorrencialmente sensíveis entre as Requerentes, bem como da eventual utilização desse poder para implementar estratégias discriminatórias em benefício de outras entidades dos grupos econômicos das Acionistas.

Em atenção a essas preocupações, as Requerentes apresentaram esclarecimentos quanto ao modelo de negócios e ao funcionamento da plataforma Carguero. Por meio de manifestações juntadas aos autos (SEI 0953283, 0937880 e 0953285), as Requerentes esclareceram que:

a Carguero apenas gerencia o fluxo de informações logísticas de seus usuários, facilitando o contato e a interação entre embarcadores, transportadores e motoristas, não tendo participação ou ingerência na definição do valor dos fretes e de outras condições negociais;[31]-[32]

um embarcador não tem acesso a informações sobre as cargas oferecidas por outros embarcadores;

a Empresa de Transporte de Cargas (ETC) só visualiza os lotes que são a ela designados pelo embarcador;

os motoristas autônomos (TACs e Equiparados) e os frotistas só têm contato com as viagens que lhes são oferecidas pelo transportador, conforme a compatibilidade do seu equipamento e a sua localização;

há jornadas independentes com interfaces específicas para cada usuário da plataforma, cujas informações não podem ser acessadas por outros usuários;

é possível mesclar o uso da plataforma com a contratação tradicional de empresas transportadoras de cargas e de motoristas, em uma ou mais etapas do frete rodoviário.

As concorrentes da Carguero também confirmaram nos autos que a formação de preços dos fretes é feita pelo embarcador ou negociado entre embarcador e transportador, não existindo ingerência da plataforma digital nessa negociação.[33]-[34] Ainda segundo informações obtidas por meio do teste de mercado realizado pela SG, as plataformas sofrem com as oscilações de preços típicas da sazonalidade dos produtos que as empresas anunciam, havendo aumento de anúncios, volume de operações e contratações de frete rodoviário para produtos agrícolas na época de colheita das safras, por exemplo, e não há interferência das plataformas nas condições de demanda e oferta, ou influência quanto a escolha da contratação de transporte por determinada carga ou transportador.[35]

Ainda, há baixos incentivos econômicos para que as Requerentes implementem estratégias discriminatórias em face de concorrentes comercializadores de produtos agrícolas por meio da Carguero, com o objetivo de beneficiarem seus negócios principais. O mercado de intermediação de frete conta com a presença de plataformas alternativas de grande porte, algumas verticalmente integradas com empresas agrícolas importantes, que já atendem boa parte da atual demanda de embarcadores e possuem condições de absorver eventual desvio de demanda.

A bem da verdade, considerando tratar-se de mercado de dois lados, que conecta dois ou mais grupos de usuários diferentes, está-se diante de um cenário de disputa do mercado entre as plataformas concorrentes, em que, de um lado, busca-se formar uma rede de motoristas e transportadores e, de outro, conquistar uma base de clientes demandantes de frete rodoviário para transporte de cargas. Dados os efeitos de rede característicos desse modelo de negócios, quanto maior o número de usuários de um dos grupos da plataforma, maior será a utilidade e, consequentemente, a adesão de usuários do outro grupo. Assim, a obtenção de escala exerce um papel fundamental nessa disputa pelo mercado, sendo razoável assumir que a expansão da base de embarcadores e transportadores faz mais sentido econômico do que a utilização da plataforma em benefício das entidades que compõem os grupos econômicos das Acionistas.

[ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES]

FIGURA 2 - [ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES]

Fonte: SEI 1009636

 

FIGURA 3 - [ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES]

Fonte: SEI 1009636

 

Assim, as alegações das Requerentes encontram respaldo na racionalidade econômica da Operação, demonstrada por meio de documentos internos preparados no contexto da Operação, que mitigam as preocupações concorrenciais derivadas de eventual utilização da Carguero em benefício dos negócios principais das Acionistas.

Com relação aos riscos da utilização da Carguero como forma de facilitar a coordenação e a troca de informações concorrencialmente sensíveis entre concorrentes, as Requerentes apontam compromissos contratuais assumidos para garantir a conformidade da Operação à legislação concorrencial. Segue abaixo um quadro resumo com os principais instrumentos e dispositivos relacionados:

TABELA 9

Instrumento

SEI

Referências

Dispositivos

Acordo de Acionistas

0918086

Cl. 8 e 22.3

Regras para exercício de voto, administração e relações das Acionistas, órgãos da administração e dos funcionários relacionadas à conformidade com a Lei Concorrencial;

Cl. 9

Regras para disciplinar as transações entre Partes Relacionadas;

Cl. 22.3.6

Compromissos para treinamentos periódicos de compliance concorrencial aos membros do Conselho de Administração, diretores e funcionários da Carguero;

Protocolo Antitruste

0935993

Seção II, III, IV, V

Regras para disciplinar o fluxo de informações fornecidas aos membros do Conselho de Administração da Carguero e às Acionistas (tratamento e disponibilização de informações agregadas e anonimizadas)

Seção II

Acompanhamento de advogados externos ou internos da área de compliance com regras para discussão de assuntos nas reuniões do Conselho de Administração, com comunicação prévia de pauta, registro, revisão de ata, e aconselhamento profissional quanto ao conteúdo discutido na reunião;

Seção II e VII

Restrições de acesso às informações, servidores e base de dados da Carguero pelas Acionistas e membros do Conselho de Administração

Seção IV

Restrições ao compartilhamento de informações entre as Acionistas

Seção VI

Restrições de acesso a informações concorrencialmente sensíveis de terceiros, incluindo as Acionistas, pela Carguero

Seção VII

Regras para proteção e tratamento de dados dos clientes e dos usuários da plataforma;

Seção VIII

Previsão de treinamentos de compliance e realização de auditorias para avaliar a implementação e cumprimento do Protocolo Antitruste

Seção IX

Ausência de exclusividade, prioridade ou preferência às Acionistas ou outra empresa na utilização da plataforma;

Fonte: elaboração própria.

 

Considerando as preocupações concorrenciais indicadas pela terceira interessada e por alguns agentes de mercado oficiados pela SG, destaco o Protocolo Antitruste (SEI 0935993) que define o que são as informações concorrencialmente sensíveis tuteladas pelo instrumento:

[ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES]

 

Destaca-se ainda a previsão de inexistência de exclusividade das Requerentes na utilização da Carguero, assim como a não-preferência e não-prioridade em relação a qualquer outro usuário, de modo que tanto as Requerentes, como os demais usuários, permanecem livres para contratar com outras plataformas e realizar contratações na modalidade tradicional (off-line).

[ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES]

 

Por fim, destaco as disposições contratuais relacionadas ao tratamento de informações entre e para as Acionistas, conforme os trechos abaixo:

[ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES]

 

Já o Acordo de Acionistas (SEI 0918086) estabelece salvaguardas concorrenciais para disciplinar a atuação dos membros do Conselho de Administração, da Diretoria e outros funcionários da Carguero, especialmente no tocante aos cuidados e ao tratamento de informações concorrencialmente sensíveis, cujos acessos estão limitados ao estritamente necessário para assegurar às Acionistas o monitoramento do desempenho de seus investimentos no negócio e garantir que suas interações sejam conduzidas de maneira adequada e em conformidade com a legislação concorrencial:

[ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES]

 

Analisando as disposições contratuais previstas nos instrumentos mencionados acima, a SG concluiu que os compromissos e mecanismos apresentados pelas Requerentes são suficientes para afastar os riscos concorrenciais relacionados ao exercício de poder coordenado e troca de informações sensíveis por concorrentes.

A esse respeito, a SG concluiu que:

“[...] as disposições apresentadas acima estão alinhadas com as historicamente exigidas pelo Cade para mitigar as preocupações concorrenciais relacionadas a joint ventures celebradas entre concorrentes. Se efetivamente observadas, entende-se que as medidas são capazes de mitigar os riscos de coordenação e troca de informações sensíveis entre as Requerentes, na medida em que oferecerem garantias quanto à gestão independente da Carguero perante suas acionistas e proibição de troca de informações sensíveis entre as Partes, com mecanismos de controle e manipulação indevida de dados.” (SEI 0996593, § 425)

 

Observo que as garantias e compromissos contratuais assumidos pelas Requerentes compreendem estruturas de organização interna, procedimentos e obrigações comportamentais já adotados em precedentes do Cade[36], a exemplo de estruturas de governança para assegurar a gestão independente do negócio-alvo perante as Acionistas, mecanismos de controle, monitoramento e tratamento do fluxo de informações sensíveis no âmbito dos órgãos decisórios e funcionários da Carguero, buscando assegurar que as interações entre as Acionistas, concorrentes em outros mercados, estejam em conformidade com a legislação concorrencial.

Nesse sentido, verifico que as salvaguardas concorrenciais apresentadas são suficientes para mitigar os riscos de coordenação e troca de informações concorrencialmente sensíveis entre as Requerentes, e concluo pela aprovação da Operação sem restrições, por desnecessária a intervenção desta autoridade nesse momento.

Não obstante, acompanho as considerações da SG no sentido de alertar as Requerentes que eventual modificação, descumprimento ou negligência em relação às diligências assumidas por estas e adotadas como razões para decidir neste Ato de Concentração, pode ensejar a revisitação da matéria em análise de conduta e a eventual revisão deste Ato de Concentração, caso verificada a hipótese do art. 91 da Lei nº 12.529/2011, bem como a prestação de qualquer outra informação que se comprove falsa ou enganosa.

O registro é especialmente válido quanto à atuação independente e separada de cada uma das Requerentes na contratação de frete rodoviário e de suas atividades em seus negócios principais, e à ausência de exclusividades, prioridades e preferências, de direito ou de fato, vinculadas às atividades da Carguero e dos serviços de pagamento eletrônico de frete.

VI. CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA

As Requerentes informam que o Acordo de Acionistas (SEI 0918086) contempla as seguintes cláusulas que dispõem sobre restrições à concorrência:

[ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES]

 

As disposições contratuais restritivas à concorrência estão dentro dos parâmetros definidos pela jurisprudência do Cade para afastar eventuais preocupações concorrenciais. Nesse sentido, as restrições concorrenciais são limitadas temporalmente a período igual ou inferior a 5 (cinco) anos e limitadas ao escopo e limite geográfico de atuação das Empresas-Alvo, conforme as delimitações dos mercados relevantes analisados.

Além disso, as Requerentes reiteram que não há exclusividade em relação a qualquer dos mercados envolvidos, “com a Carguero e Green Net ofertando seus serviços no mercado e LDC, Amaggi, Cargill e ADM podendo contratar livremente prestadores de serviços de intermediação de frete rodoviário por meio de software e meio de pagamento eletrônico de frete”.

 

Dispositivo

Ante o exposto, entendo que a Operação não apresenta maiores preocupações concorrenciais, motivo pelo qual voto pelo não provimento do recurso interposto pela CNTA, com a consequente aprovação sem restrições da Operação, nos termos do art. 61 da Lei nº 12.529/2011.]

É o voto.

 

 

(assinado eletronicamente)

sérgio costa ravagnani

Conselheiro Relator

 

 

[1] A constituição da Carguero foi notificada e aprovada sem restrições pelo Cade em 02/10/2018 no âmbito do Ato de Concentração nº 08700.005537/2018-18. O objetivo da plataforma digital era viabilizar: “(i) a integração de sistemas de frete; (ii) a gestão de atividades relacionadas ao transporte de cargas; (iii) a intermediação da contratação de fretes pelo agenciamento eletrônico de Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas (“ETC”) e Transportadores Autônomos de Carga (“TAC”); (iv) a colocação eletrônica de ordens de transporte de carga; e (v) a gestão, manutenção e atualização de base de dados dos motoristas e prestadores de serviço de transporte de carga (...)”.

[2] SEI 0996593, § 94: “A atividade predominante da Carguero é a prestação de serviços de intermediação de frete rodoviário por meio de sua plataforma digital. A plataforma é um marketplace35 em que embarcadores podem, por meio de transportadores (agenciador de carga responsável por emitir a documentação aplicável ao transporte), localizar, contatar e contratar caminhoneiros/frotistas para o transporte rodoviário de suas cargas. Em outra direção, transportadores e motoristas podem buscar ofertas de frete na região em que se encontram, em conformidade com as condições de transporte (tipo de carga, caminhão, rota, peso, emissão, origem e destino) definidas pelo dono da carga e dispostas no aplicativo.”

[3] Segundo as Requerentes: “[...] como visto, com a Operação, as Requerentes não promoverão nenhuma consolidação de suas atividades logísticas. Cada uma delas continuará realizando suas contratações em separado e de forma individualizada, sem qualquer sorte de comunicação com as demais. Tampouco estarão as Requerentes obrigadas a utilizar a Carguero para a contratação de fretes, dado que continuarão livres para selecionar transportadoras que não ofertem suas viagens pela plataforma e prefiram operar no modelo tradicional.” (SEI 0953283, § 43).

[4] SEI 0996593, § 157.

[5] AC 08700.009559/2015‐12 (Fedex Corporation e TNT Express N.V.); 08700.004030/2012‐51 (Fedex e Rapidão Cometa); AC 08700.001020/2021‐55 (JSL e Transportadora Rodomeu); AC 08700.002437/2021‐35 (SMR, Germânia e Superpão); AC 08700.006428/2020‐32 (Direcional, Prime Express e Prime Time); AC 08700.003526/2020‐18 (BBM Logística e Translag).

[6] Em 2020, a produção agrícola nacional correspondeu a 256,9 milhões de toneladas (fonte: Anuário ONTL 2010‐2020, p. 27), das quais 227,4 milhões de toneladas corresponderam a grãos de milho e soja (fonte: Anuário ONTL 2010‐2020, p. 15.).

[7] Participação de mercado com base no total de mercado de transporte rodoviário de cargas utilizado no AC 08700. 003526/2020-18 (BBM ÇLogística e Translag) estimado em R$ 328 bilhões em 2019.

[8] Anuário Estatístico de Transportes 2010-2020 publicado pelo Observatório Nacional de Transporte e Logística (“ONTL”), p. 15.

[9] Vide a metodologia utilizada pela SG, conforme SEI 0996593, NR 87: “A SG utilizou as bases da metodologia de cálculo de frete médio (em R$/Ton) propostas pelas Requerentes. Em que pese a metodologia não incorporar um importante elemento do custo do frete – a distância percorrida ‐, considera‐se a metodologia adequada para os fins da presente Operação. O valor médio do frete em R$/tonelada – que corresponde à coluna (3) da Tabela 2 acima, foi obtido com a média ponderada dos valores transacionados em frete e respectivos volumes, dividindo‐se o total transacionado pelas empresas oficiadas pelo volume total atribuído a elas (1/2). O valor total transacionado em fretes foi obtido multiplicando‐se o volume total do mercado (fonte: Anuário ONTL 22010‐2020 e Conab) pelo valor médio do frete.”

[10] Cenários elaborados pela SG com base nas informações apresentadas pelas Requerentes, empresas oficiadas na instrução de mercado e informações públicas.

[11] SEI 0952132 (SLC Agrícola): “Os tipos de veículos [que comportam o transporte de produtos agrícolas em geral] são de dois eixos até nove eixos, articulados ou não. No mercado, são os conhecidos por caminhão toco, caminhão truck, carreta LS, carreta Bitrem, carreta rodotrem, treminhão, etc. O tipo de carroceria, normalmente são as de grade alta, para carga de graneis, com piso de madeira ou chapa metálica, e laterais de madeira. Também os tipos de carroceria basculante, em estrutura metálica são bastante utilizados, principalmente para períodos de colheita, para fazer o deslocamento do produto do campo até os silos. (...) A maioria dos veículos que transportam grãos e cereais no escoamento da comercialização, são utilizados para transporte de insumos e fertilizantes. Os veículos graneleiros são também utilizados para o transporte de fardos de algodão até o porto. De maneira genérica, são utilizados para transporte de qualquer material no país, granel, embalado, paletizado, em fardos, caixas, chapas, etc. Os caminhões basculantes, embora não embarquem algodão, são muito utilizados para o transporte de insumos, fertilizantes, materiais da construção civil, e, embarcam grãos e cereais.”

[12] Segundo as Requerentes, as cargas não agrícolas incluídas nos cálculos das participações informadas compreendem fertilizantes, sucos, metais, óleos, calcário, entre outros (SEI 0968224, § 9.1).

[13] De acordo com informações prestadas pelas Requerentes em atenção ao Ofício nº 6201/SG e 6203/SG (SEI 0968224), em 2020, [ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES].

[14] A definição de mercado foi deixada em aberto pela SG, mas para análise desta Operação, excluiu empresas de logística e agenciadores de frete considerando a atuação complementar dessas empresas em relação à atividade de intermediação de frete por meio de plataformas digitais. Nesse caso, transportadoras podem utilizar a plataforma tanto para serem contratadas pelos embarcadores, como para contratar motoristas. (SEI 0996593, §123).

[15] Vide AC 08700.003064/2021‐10 (Edenred/Buzau/Freto e Outros).

[16] SEI 0952616.

[17] SEI 0956432, que detém participação na plataforma Vector, que é aberta a outros embarcadores.

[18] Mercado total estimado em 328 bilhões em 2019, conforme proxy obtida no AC 08700.003526/2020-18 (BBM Logística e Translag).

[19] Trata-se de valor obtido a partir de média ponderada por valor total de frete transacionado com base em informações prestadas pelas empresas consultadas na instrução de mercado realizada pela SG. Vide SEI 0996495, § 120: “Em termos práticos, os concorrentes deste segmento estimaram que, em 2020, os fretes de cargas agrícolas representaram cerca de (SEI 0956782) [acesso restrito ao Cade] dos anúncios de fretes anunciados no marketplace da Fretebras; (SEI 0956782) [acesso restrito ao Cade] das operações transacionadas na plataforma CargoX; (SEI 0957266) [acesso restrito ao Cade] dos fretes na plataforma da Truckpad55; (SEI 0972758) [acesso restrito ao Cade] dos fretes na plataforma da GoFlux; e (SEI 0953285) [acesso restrito ao Cade e às Requerentes] dos fretes na plataforma da Carguero. Em média ponderada por valor total de frete transacionado56, cerca de [acesso restrito ao Cade] corresponde a carga agrícola.”

[20] Verifica-se que a importância relativa das cargas agrícolas em cada plataforma de intermediação á variada. Nesse ponto, vide SEI 0996495, § 259: “Assim, as plataformas digitais ouvidas pela SG (à exceção da [acesso restrito ao Cade]) transacionam fretes para todos os tipos de cargas, algumas com peso maior dos itens agrícolas ([acesso restrito ao Cade]) e outras, menor ([acesso restrito ao Cade]).”

[21] Dados obtidos a partir do total de mercado estimado de pagamentos de fretes feitos à categoria em 2020, correspondente a R$ 120 bilhões, indicado pela Confederação Nacional de Transportadores Autônomos (CNTA) em Nota Informativa sobre o Mercado de Antecipação de Recebíveis de Frete, disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/notas-informativas/2021/ni-20210502-2300-mercado-de-antecipacao-de-recebiveis-de-frete.pdf/view.

[22] Vide esclarecimentos indicados na nota de rodapé 21 acima.

[23] Vide Tabela 8 do Parecer SG (SEI 0996495).

[24] Vide a Tabela 6 do Parecer SG (SEI 0996495).

[25] SEI 0953775 (eFrete): “A IPEF pode ser contratada pelo embarcador ou pelo agenciador da carga (transportadora) que, atualmente, deve emitir o CIOT obrigatoriamente quando houver a contratação de TACs e equiparados, e realizar o pagamento a esses contratados via depósito em conta ou por meio das IPEFs.”

SEI 0957265 (Truckpad): “Normalmente a IPEF é uma escolha do transportador, uma vez que exige negociações de taxas e contratos entre as empresas. Porém o motorista tem a prerrogativa de escolher a forma que gostaria de receber pelo frete.”

[26] SEI 1003117, § 23.

[27] SEI 1003117, § 64.

[28] Conforme demonstrado na Tabela 9 do Parecer SG (SEI 0996495), menos da metade do frete rodoviário de carga agrícola contratado no Brasil em 2020 foi intermediado por uma plataforma digital, considerando como total de mercado os dados apresentados pelas empresas consultadas no teste de mercado realizado pela SG.

[29] AC 08012.005889/2010-74 (Fisher S.A. e Citrovita Agroindustrial Ltda.) e AC 08012.004423/2009-18 (Perdigão S.A. e Sadia S.A.).

[30] SEI 1003117, § 27.

[31] SEI 0937880, p. 34 e SEI 0953285, § 29.

[32] SEI 0953283 (Requerentes): “(...) a Carguero é mera plataforma digital e não possui qualquer influência na determinação de preços de frete. Os preços são definidos pelos embarcadores - para os transportadores - e pelos transportadores - para os motoristas. Por meio da plataforma, o motorista possui uma relação de ofertas disponíveis que se encaixam no seu perfil, podendo filtrá-las segundo diversos critérios, para selecionar a que for de seu interesse.”

[33] SEI 0956781 (Fretebras e Cargo X): “Com relação à Fretebras, os preços dos fretes são anunciados pelo próprio embarcador na plataforma e negociações posteriores envolvendo valores ocorrem diretamente entre embarcador e transportador, sem a participação da plataforma. (...) Com relação à Cargo X, os preços dos fretes são negociados entre Cargo X e embarcador.”

[34] SEI 0957265 (TruckPad): “A plataforma do TruckPad funciona como um marketplace de fretes. As empresas de transportes cadastradas (ETCs) publicam suas cargas e os caminhoneiros acessam essas cargas através de um aplicativo. A negociação e contratação é feita diretamente entre eles. O caminhoneiro sinaliza no app que tem interesse no frete e através de um painel de controle e a empresa tem acesso aos dados do caminhoneiro para finalizar a contratação. (...) os valores do frete são informados pelas transportadoras (ETCs).”

[35] SEI 0956781 (Fretebras e Cargo X): “A Plataforma Fretebras sofre com as oscilações de sazonalidade dos diversos produtos que as empresas anunciam. Por exemplo, na época da colheita da soja, os anúncios de fretes de soja tendem a aumentar na Plataforma. Essa mesma lógica é aplicável a qualquer produto cuja produção seja sazonal. Os motoristas e as empresas são livres para anunciar na Plataforma Fretebras e aceitar as condições que sejam mais benéficas às suas respectivas atividades. A Plataforma Fretebras não realiza qualquer tipo de interferência sobre a demanda e oferta de fretes rodoviários ou que possam de alguma forma influenciar a escolha de seus usuários na contratação do transporte de determinada carga. O aplicativo gerido pela CargoX também pode sofrer com as oscilações de demanda e oferta. Na época de colheita de produtos agrícolas, a tendência é que o volume de operações com os embarcadores de produtos agrícolas aumente, incrementando a contratação de frete rodoviário para essa espécie de produto.”

[36] Vide atos de concentração: 08700.002327/2018-78 (Votorantim/Tigre/Gerdau); 08700.003252/2016-81 (Dia

Brasil/International Retail & Trade Services), 08700.002792/2016-47 (Bradesco/BB/Santander/Caixa Econômica/Itaú), 08700.004934/2019-53 (ADM/Bunge/Cargill/COFCO), 08700.010055/2014-56 (Albermale/Israel Chemicals); 08700.009902/2014-30 (BB Elo/Cielo), 08700.005305/2014-36 (Bradesco/BB); 08700.006723/2015-21 (Record/SBT/RedeTV), 08700.004872/2013-94 (Objetiva/Arqueiro/Record) e 08700.008607/2014-66 (Novartis/GSK).

 


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Documento assinado eletronicamente por Sérgio Costa Ravagnani, Conselheiro, em 28/02/2022, às 09:40, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Referência: Processo nº 08700.003130/2021-51 SEI nº 1028533