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DESPACHO DECISÓRIO Nº 17/2021/GAB1/CADE

  Processo nº 08700.002747/2021-50

Ato de Concentração08700.002747/2021-50

Requerentes: MARFRIG GLOBAL FOODS S.A. e BRF S.A.

 

VERSÃO PÚBLICA

 

Trata-se de Ato de Concentração notificado no qual a Marfrig Global Foods S.A. (“Marfrig”) pretende adquirir participação societária relevante no BRF S.A. (“BRF”) que pode chegar a [ACESSO RESTRITO].  O valor da operação é estimado em [ACESSO RESTRITO].  Após a Operação, a Marfrig se tornará o maior acionista individual da BRF.

A Marfrig e a BRF são grandes empresas que atuam internacionalmente no mercado de alimentos.  A Marfrig tem operação no Brasil, Argentina, Chile, Uruguai e Estados Unidos, atuando no mercado interno desses países e exportando para diversos outros, se apresenta com a maior produtora de hamburgueres e a segunda maior produtora de carnes bovinas do mundo.  A a empresa é titular de marcas como “Bassi”, “Montana”, “Viva”, “Pampeano”, “Revolution”, “GJ” e “Bona Pet”.  O grupo econômico possui no Brasil 11 unidades de abate com capacidade para mais de 12 mil animais/dia, além de 3 unidades de processados, com capacidade para produzir 77 mil toneladas de hamburguer por ano e 66 mil toneladas de outros processados por ano.  Também possui 6 Centros de Distribuição em diversas regiões do país.  Nos Estados Unidos, a Marfrig é titular da National Beef sendo a 4ª maior produtora de carne bovina, detendo aproximadamente 14% da participação do abate nos EUA e tendo como infraestrutura 3 unidades de abate com capacidade para mais de 13 mil animais por dia, além de 5 unidades de processados, com capacidade para produção de 100 mil toneladas de hamburguer por ano e de 104 mil toneladas de outros processados por ano.

Por sua vez, a BRF é o grupo econômico derivado da operação Perdigão/Sadia, (Processo 08012.004423/2009-18), uma das maiores operações já analisadas no âmbito deste Tribunal e que envolvia diversos mercados afetos ao setor de alimentos.  Dada a complexidade da operação esta somente foi aprovada considerando um complexo ACC. 

A BRF é uma das maiores produtoras de alimentos frescos e congelados do mundo.  Seus produtos processados incluem frango congelado e marinado, carnes de peru e frango Chester, carnes especiais, carnes processadas congeladas, pratos prontos congelados, produtos fracionados e fatiados.  A empresa também produz e comercializa margarina, manteiga, cream cheese, doces especiais, sanduíches, produtos veganos e ração animal.  A BRF é titular das marcas “Sadia”, “Perdigão”, “Qualy”, “Perdix”, “Confidence”, “Hilal”, dentre outras.  Estima-se que no final de 2020 a BRF representou 10,1% do comércio mundial de aves.  No Brasil o grupo BRF tem cerca de 34 unidades industriais e 22 centros de distribuição, além de escritórios internacionais e unidades industriais em diversos continentes que a permitem atender clientes em 117 países.

A Superintendência-Geral emitiu o Parecer nº 366/2021/CGAA5/SGA1/SG/CADE (“Parecer SG nº 366/2021” – SEI nº 0952378) recomendando a aprovação sem restrições da operação. O referido parecer foi acolhido pelo Despacho SG nº 1.285/2021 (SEI nº 0934030), publicado no Diário Oficial da União de 24/09/2021 (SEI nº 0962317).

A análise da operação pela Superintendência-Geral descrita no Parecer nº 366/2021 foi arrimada em alguns aspectos, os quais são sintetizados abaixo:

Inicialmente, na notificação da operação realizada por meio da petição (SEI nº 0911066) e do Formulário de Notificação (SEI nº 0911072), ambos protocolados no dia 28.05.2021, a Requerente indicou que a aquisição de ações representaria [ACESSO RESTRITO] do capital social da BRF. Posteriormente à notificação da operação, a Requerente enviou um e-mail (SEI nº 0914201) no dia 07.06.2021 esclarecendo que, nos termos do Fato Relevante de 03.06.2021, comunicou ao mercado que, naquela data, passou a deter [ACESSO RESTRITO].

A Requerente declarou (segundo os autos, como por ela comunicado à BRF em 21.5.2021 e alvo de Comunicado ao Mercado divulgado por esta última) que não pretende: (a) eleger membros para a administração da BRF; (b) exercer influência sobre as atividades da BRF; ou (c) promover alterações no controle ou na estrutura administrativa da BRF; e que não celebrou quaisquer contratos ou acordos que regulem o exercício de direito de voto ou a compra e venda de outros valores mobiliários emitidos pela BRF.

Apesar dessas declarações, registra-se que a Marfrig irá se tornar o maior acionista individual da BRF, cujo capital social comporta apenas, atualmente, ações ordinárias.  O segundo maior acionista, [ACESSO RESTRITO].

Infere-se a partir dos dados de mercado que a participação da Marfrig no mercado a montante de carne bovina in natura situa-se abaixo de 30%, portanto, baixa probabilidade de fechamento deste mercado.  Quanto ao mercado a jusante de processados de carne bovina, em suas segmentações (hambúrgueres, almôndegas e quibes) nos canais food service, varejo e atacado, constata-se que, ou a participação conjunta das Requerentes situa-se abaixo de 20% (art. 8º, III, Res. 2/12, no caso do canal food service), ou abaixo de 50% com delta HHI abaixo de 200 pontos (art. 8º, V, Res. 2/12, no caso do canal varejo).

Quanto à integração vertical, nota-se que, apesar de a participação da BRF no mercado de processados de hambúrgueres ultrapassar um pouco 30%, não sendo possível, portanto, enquadrar este mercado na hipótese do inciso IV do art. 8º da Resolução 2/12 (baixa participação de mercado com integração vertical), destaca-se a baixa representatividade da BRF em relação à oferta de carne da Marfrig e do mercado como um todo.

No que diz respeito à fabricação e à comercialização de alimentos processados, a Requerente ressalta que o Grupo Marfrig praticamente obrigou-se a não competir, grosso modo, no ramo de alimentos processados, em função da alienação do negócio "Seara" ao grupo JBS, em meados de 2014 (AC n° 08700.000658/2014-40).

Em função das operações realizadas com o grupo Minerva (AC n° 08700.000658/2014-40), em 2014, e com o próprio grupo Marfrig em 2019, (AC n° 08700.007184/2018-91), a Marfrig relata que a BRF deixou de operar de forma integrada em parte das suas atividades de fabricação de hambúrguer, mantendo apenas uma unidade de fabricação de hambúrgueres na cidade de Rio Verde/GO, a qual a Marfrig acredita atender exclusivamente à própria demanda da BRF (produção cativa, de onde viria a diferença do total de processado pela BRF - aproximadamente [ACESSO RESTRITO] somando-se hambúrgueres, almôndegas e quibes - em relação às vendas de processados da Marfrig à BRF, no montante de aproximadamente [ACESSO RESTRITO]).

Constata-se que a relação vertical entre BRF e Marfrig não é capaz de limitar a concorrência em qualquer um dos respectivos mercados de atuação analisados.  De um lado, o Grupo Marfrig não representa a parcela de liderança do mercado de carne bovina in natura e, consequentemente, da produção de produtos processados de carne bovina (hambúrgueres, quibes e almôndegas). Por outro lado, a participação da BRF na oferta desses produtos ao consumidor é pouco significativa em comparação com o total de carne bovina produzido no mercado a montante, especialmente considerando que o Brasil é um dos maiores produtores de gado e de carne bovina do mundo.

Nesse sentido, os seguintes argumentos afastam preocupações concorrenciais advindas da Operação: (i) o Grupo Marfrig não ser o player dominante no mercado de produção de carne bovina in natura; e (ii) o volume de carne bovina adquirido pela BRF para fabricação de hambúrgueres, almôndegas e quibes ser pouco significativo se comparado com o volume de carne bovina in natura produzido no mercado a montante (e inclusive quando comparado ao volume vendido apenas pela própria Marfrig).

Recomendação da aprovação sem restrições.

Em que pese a posição da Superintendência-Geral favorável a operação, a meu ver a análise deste ato de concentração foi deficiente na medida em que não houve o aprofundamento de certos aspectos bastante relevantes da operação.

É importante ressaltar que em operações como a presente existe uma grande preocupação com a dinâmica concorrencial que será construída a partir da aprovação da operação, sendo necessário ir além do exposto no Parecer da SG que se limitou a elementos horizontais e verticais com uma instrução bastante deficiente, que poderia ter buscado obter mais informações dos mercados afetos ao setor, além de informações públicas disponibilizadas pelas empresas de capital aberto em outras fontes.

Duas questões me chamaram a atenção neste processo, e pretendo expô-las neste despacho sem a pretensão de exauri-las.  Em primeiro lugar tem-se questões ligadas ao poder de influência do acionista majoritário na BRF, em especial um acionista que atua no mesmo setor, e que já foi concorrente ainda mais próximo quando atuava com a marca “Seara”.

Como segunda questão, entendo que a análise não tratou de aspectos afetos a lógica de conglomerado e ao poder de portfólio, um ponto bastante relevante em análises antitruste que envolvem agentes de grande porte que atuam em mercados integrados como o de alimentos.  Neste sentido, cabe mencionar que a discussão acerca de conglomerados foi trazida a este plenário na 185ª Sessão Ordinária de Julgamento pela Conselheira Paula Azevedo no despacho de avocação da Operação envolvendo o Grupo Americanas S.A. e a Hortogil Hortifruti, SEI n° 0966743, AC n° 08700.004481/2021-80, e pretendo abordá-la novamente nesta análise.

 

EFEITOS DA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA

 

Uma questão que demanda uma análise mais profunda diz respeito aos efeitos da participação societária e a dinâmica concorrencial.  Neste ponto, cabe menção a lição do professor Calixto Salomão e sua separação do tema:

 

As diferentes soluções elencadas acima para o tratamento de uma preocupação semelhante sugerem que, apesar de terem objeto parcialmente comum, os dois ramos do direito (societário e concorrencial) têm uma profunda diferença de escopo.  Comum a ambos os ramos do direito é o tratamento dos poderes societários de disposição sobre unidades empresariais juridicamente independentes mas economicamente dependentes.  Distinção fundamental é que, enquanto a preocupação do direito societário é com a determinação de interesses estranhos aos interesses da sociedade (v.g., aqueles pessoais do controlador) dos destinos do patrimônio social, o direito concorrencial, ao se defrontar com o mesmo objeto, tem como preocupação a manutenção de estruturas de mercado (concorrência) consideradas desejáveis do ponto de vista econômico.

Consequentemente, objeto de proteção do direito societário são, em primeira linha, os interesses dos acionistas minoritários e dos credores, enquanto as preocupações do direito concorrencial se centram, como já visto, em concorrentes e consumidores.  Ocorre que os interesses desses diferentes grupos nem sempre, aliás raramente, coincidem.  Práticas que configuram abuso de posição dominante, claramente prejudiciais aos consumidores, são benéficas a minoritários e credores, na medida em que produzem lucros extraordinários. (SALOMÃO FILHO, Calixto.  Direito Concorrencial – As Estruturas. 3ª edição. p. 279)

 

Posteriormente, o professor analisa a distinção do conceito de “influência dominante” adotado no direito societário e no direito antitruste e complementa:

 

Daí por que a expressão “influência dominante”, quando utilizada pelo direito concorrencial, é identificada ao poder de influir sobre o planejamento empresarial de outro agente econômico.  (...) para caracterizar a influência sobre o planejamento societário não é preciso que haja domínio sobre todos os órgãos ou todas as decisões sociais.  Suficiente é que haja controle sobre os órgãos ou cargos diretamente relacionados à produção e atuação do mercado da empresa. (ob. Cit. p. 283)

 

Neste tema, também cabe menção a professora Ana Frazão, esta analisa a preocupação do antitruste diante desdobramentos do controle de empresa sobre a outra, com a criação dos grupos societários, definido por Engrácia Antunes na obra referência sobre o tema, como “o conjunto mais ou menos vasto de sociedades comerciais que, conservando embora as respectivas personalidades jurídicas próprias e distintas, se encontram subordinadas a uma direção econômica unitária e comum”. No entendimento da Prof. Ana Frazão, corroborado no presente Despacho, o controle torna-se um importante mecanismo para a criação de tais grupos societários que, ainda que formalmente possuam personalidades jurídicas independentes, passam a ser geridas com direção unitária, definida pelos seguintes aspectos:

 

(i) uma filosofia geral comum ao grupo (...)

(ii) uma estrutura geral comum ao grupo (...)

(iii) objetivos e estratégias comuns ao grupo (...)

(iv) política geral de funcionamento do grupo em áreas como marketing, produtos, finanças e pessoal (...)

(v) supervisão sobre a execução de todos os aspectos acima mencionados, o que enseja a criação de estruturas de controle interno, inclusive no que diz respeito ao gerenciamento de risco

 

Neste contexto, cabe destacar que na página 12 do formulário de submissão da operação de acesso restrito (SEI 0911073), as Requerentes indicam:

Nos termos do anexo Comunicado ao mercado datado de 25/05/2021, a Marfrig afirma que a Operação não implica aquisição de controle ou de influência significativa da Marfrig sobre os negócios da BRF. Conforme constado em Formulário de Notificação, “a Marfrig não pretende (a) eleger membros para a administração da BRF; (b) exercer influência sobre as atividades da BRF; ou (c) promover alterações no controle ou na estrutura administrativa da BRF; e que a Marfrig não celebrou quaisquer contratos ou acordos que regulem o exercício de direito de voto ou a compra e venda de outros valores mobiliários emitidos pela BRF.

Posteriormente, complementam:

[ACESSO RESTRITO]

Tal afirmação vai na linha do indicado pelo professor Calixto Salomão Filho em relação a independência e as diferentes perspectivas do direito societário e do direito concorrencial.  A informação de que a Marfrig não irá interferir naquele momento na gestão da BRF serve como um indicativo de que a Marfrig não está disposta a adotar medidas de tomada de controle ou fazer uso de outros instrumentos societários que possam causar instabilidade na gestão da BRF.  Em outros momentos da história as ofertas hostis e tentativas de tomada de controle complexos da Sadia em relação a Perdigão, e vice versa, geraram instabilidade nas duas empresas.

No entanto, no que tange a defesa da concorrência, a ressalva realizada pelas Requerentes deixa claro que a dinâmica concorrencial poderá ser posteriormente alterada, e, consequentemente, os impactos da influência dominante e da direção unitária.  Tais questões poderiam ter sido analisadas em maior profundidade pela SG e demanda uma instrução complementar neste processo.

Neste contexto, cabe mencionar que a Marfrig já atuou em diversos setores nos quais a BRF tem forte atuação posto que em dado momento era titular da marca “Seara” e da estrutura industrial e empresarial que lhe era associada.  Posteriormente, este ativo foi vendido para o grupo JBS.  Nos autos existe menção a impossibilidade da Marfrig atuar em setores nos quais a marca “Seara” era utilizada, mas esta questão não ficou clara na instrução, e, a meu ver demandaria uma análise mais aprofundada a fim de aferir eventuais impactos na esfera pública e na concorrencial.

 

PODER DE CONGLOMERADO

 

Além das questões societárias expostas, o segundo ponto que me chamou atenção foi em relação ao poder de conglomerado derivado desta operação em um eventual exercício de influência ou numa direção unitária exercida pelas Requerentes.

É fato que tais empresas são motivo de orgulho nacional na medida em que desenvolvem o agronegócio nacional e impulsionam diversos mercados complementares.  São também exportadores eficientes, trazendo divisas e gerando receitas para o país.  No mercado nacional, a pressão competitiva que uma empresa exerce sobre a outra no setor de proteínas não pode ser ignorada, e tal pressão traz vantagens ao consumidor na medida em que as empresas buscam praticar preços mais competitivos e disponibilizam substituto.  Dessa forma, carnes bovinas, suínas e de aves, apesar de não serem substitutos perfeitos um do outro, podem ser opções utilizadas pelo consumidor a fim de fugir do aumento de preços de um e de outro ocasionados pelos mais diversos motivos.

A instrução da SG ao focar em aspectos horizontais e verticais ignora que se trata de dois grandes grupos no setor de alimentos atuantes no Brasil e no exterior, e que são líderes nacionais e mundiais em diversos segmentos.  A atuação coordenada das Requerentes em diversos segmentos tenderia a impactar significativamente a dinâmica concorrencial e ter efeitos tanto para fornecedores como para os consumidores.  Seria necessária na instrução uma análise do impacto da operação também em mercados como o de food service, de varejo, de atacado, em especial no de alimentos processados em que as duas empresas têm uma significativa capacidade e nos quais seria necessário examinar se existe segmentação.

Ademais, analisando a instrução realizada, fiquei com algumas dúvidas em relação a dados fornecidos, como, por exemplo, a informação de que a Marfrig é a maior produtora mundial de hamburgueres e que tem uma capacidade de produção de 77 mil toneladas por ano no Brasil, constante em seu relatório de relações com investidores.  Na análise da SG são indicados uma produção de hamburgueres [ACESSO RESTRITO] .  Uma análise dos dados de mercado, que são poucos, com o devido apuro permitiria uma análise mais precisa das participações de mercado das Requerentes.

Analisando os mercados e as informações apresentadas pelas Requerentes em seus sítios voltados a relação com investidores, observa-se que as empresas têm atuação em diversos segmentos do setor alimentício e significativas participações de mercado, quando não são líderes do segmento.  Tal fato demonstra que as Requerentes, atuando isoladamente, possuem um significativo poder de portfólio, na hipótese de uma atuação coordenada entre as duas, tal poder seria ampliado, com efeitos no mercado consumidor e nas diversas cadeias produtivas envolvidas.

Sobre o poder de conglomerado, cabe menção ao voto da Conselheira Cristiane Alckmin no AC Kroton Estácio (Processo 08700.006185/2016-56):

Definição

Uma vez que se trata de um tópico sem uma definição precisa e única (diferentemente de concentrações horizontais e verticais), tomando a liberdade de fazer uma definição baseada em todas as leituras mencionadas, pode-se dizer, destarte, que: Uma concentração conglomeral ocorre quando duas empresas se juntam, cada uma atuando em um mercado relevante distinto (logo não se trata de uma concentração horizontal) e não estando estes mercados relacionados entre si em uma mesma cadeia produtiva(logo não se trata de uma concentração vertical). Estes mercados podem ser não correlacionados entre si ou podem ter relação de complementariedade, tanto do lado da oferta quanto do lado da demanda.

(...)

Em suma, o problema principal antitruste quando se trata de uma concentração conglomeral é, além da eliminação da competição potencial, de exclusão de competidores atuais (via preço predatório ou venda casada) e de fechamento de mercado para possíveis entrantes. Além disso, há também o aumento da probabilidade –em havendo a exclusão e fechamento de mercado, por conta do número menor de jogadores –de se observar condutas tácitas colusivas, conduzidas pela firma líder.

 

CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, entendo que, com uma análise mais precisa e informações mais consistentes, será possível uma análise adequada do ato de concentração em tela a fim de compreender se existem, ou não, preocupações concorrenciais. 

É necessário desenvolver uma análise mais ampla sobre os mercados envolvidos e a complementaridade dos produtos, a fim de perceber se, e como, tais relações podem reforçar poder de mercado. Ou, ainda, de outro lado, como a eventual complementaridade e incremento das atividades das Requerentes podem proporcionar ganhos de eficiência e de bem-estar ao consumidor. No entanto, na ausência de uma devida análise, nenhuma das conclusões pode ser propriamente alcançada.

O que não se deseja em situações como esta é que a aquisição de uma participação societária expressiva de um outro agente atuante no mesmo mercado de alimentos venha a ser algo prejudicial à dinâmica concorrencial do mercado e ocorra um eventual fechamento que impacte negativamente consumidores, efetivos e potenciais, além de outros agentes da cadeia produtiva.  Desta forma, entendo necessária uma análise mais profunda desta operação.

Ressalta-se, consoante entendimento externado pela Conselheira Paula Farani no âmbito do AC nº 08700.000180/2020-04 (SEI 0728615), o despacho de avocação não corresponde a um juízo de mérito sobre a operação submetida ao CADE; é, na verdade, resultado da existência de dúvida fundamentada acerca da possibilidade de aprovação da operação, implicando na necessidade de maiores esclarecimentos e instrução probatória[1].

Este entendimento foi corroborado recentemente pelo Conselheiro Luis Braido em sua manifestação oral sobre o AC nº 08700.001134/2020-14, durante a 169ª Sessão Ordinária de Julgamento:

“[...] A avocação fundamentada de casos complexos é uma obrigação do Tribunal, não é um capricho. Não constitui absolutamente juízo sobre o trabalho da SG ou qualquer ilação que possa ser feita a esse respeito. É apenas uma dúvida fundada sobre uma determinada operação, que se pede mais tempo para ser esclarecida. Eventualmente chegaremos a uma conclusão diferente da [conclusão] tomada anteriormente, eventualmente não, como é o caso aqui.

A análise da avocação é expedita, no meu caso ela se concentra muito no Despacho da SG e, quando identifico preocupação, faço uma análise preliminar dos autos, mas sem muito para tempo para reflexões mais aprofundadas. Vale lembrar aqui que o número de casos que ficam abertos para avocação gira entre 20 e 40, numa janela de 15 dias. Se for a gente estudar cada caso detalhadamente, a gente não faria mais nada a não se se debruçar sobre esses casos. Então a ideia é fazer uma análise preliminar rápida e, nos casos que se identifica potencial problema, avoca-se e ganha-se algum tempo para fazer uma análise mais aprofundada, exatamente o que foi feito aqui.

Esse caso exemplifica bem a situação que eu quero descrever – o CR2 do mercado após a operação ia para 85%, isso por si só constitui um sonoro alerta. Após reflexão detalhada, convenci-me que as condições de rivalidade são suficientes para aprovação, sendo exatamente o mesmo argumento que a SG usava. Não vejo problema nisso, apenas precisei de mais tempo para o convencimento [...]”

Por fim, diante de todo o exposto, e em conformidade com o art. 65, II, da Lei nº 12.529/11, e art. 121, II, do Regimento Interno do CADE, peço a avocação, por parte deste Conselho, do referido Ato de Concentração.

Paralelamente, dou ciência à Superintendência-Geral deste pedido, ainda pendente de aprovação pelo Plenário do CADE na próxima Sessão de Julgamento do Conselho.

 

É o despacho que submeto para apreciação.

 

Brasília, 11 de outubro de 2021

 

 

[assinatura eletrônica]

LENISA RODRIGUES PRADO

Conselheira do CADE

 

[1]3.        Até pouco tempo, existia um entendimento no Tribunal de que a avocação não deveria ser exercida quando não houvesse a possibilidade de alteração no vetor de aprovação incondicional proferida pela SG/CADE. Entendo, no entanto, que tal interpretação não deve subsistir. Se esta fosse a intenção do legislador, essa vontade estaria refletida na legislação. No entanto, as únicas condições para a avocação incluídas na Lei consistem na necessária provocação por um Conselheiro por meio de uma decisão fundamentada, como descrito no art. 65, inciso II da Lei nº 12.529/11. Dessa forma, entendo que a fundamentação apresentada pela Conselheira Lenisa Prado é suficiente para ensejar uma avocação.

4.            Da mesma forma, entendo que, no momento da provocação da avocação, não é necessário que a fundamentação já discorra sobre o mérito do processo a ser avocado, e nem que o Tribunal o examine quando do deferimento ou não da avocação. A depender do caso, a análise de mérito pode ser demasiadamente complexa, não sendo razoável pretender que o Conselho consiga tomar uma decisão de tal natureza dentro dos 15 dias previstos para a avocação no artigo 65 da Lei nº 12.529/11.”.


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Documento assinado eletronicamente por Lenisa Rodrigues Prado, Conselheira, em 11/10/2021, às 22:27, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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