Ministério da Justiça e Segurança Pública - MJSP
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Ato de Concentração nº 08700.009905/2022-83
Requerente(s): SustainIt Pte Ltd, Cargill, Incorporated, Louis Dreyfus Company Participations B.V., ADM International Sarl
Advogados(as): Tatiana Lins Cruz, Leonardo Mansur Lunardi Danesi e Victor Oliveira Cotta
Relator(a): Conselheiro Sérgio Costa Ravagnani
VOTO VOGAL - presidente alexandre cordeiro macedo
VERSÃO PÚBLICA
voto
Em breve síntese, trata-se da formação de uma joint venture (JV) entre SustainIt Pte Ltd (“SustainIt”), Cargill Incorporated (“Cargill”), Louis Dreyfus Company Participations B.V. (“LDC”) e ADM International SARL (“ADM” e, em conjunto, Requerentes) com a finalidade de desenvolver uma plataforma para padronizar a medição de sustentabilidade nas cadeias de suprimentos alimentícios e agrícolas. Cada uma das Requerentes possuirá participação de 25% na JV.
Antes de adentrar a análise do caso, é importante ressaltar que existem diversos indicadores atualmente disponíveis para medir a sustentabilidade de uma empresa. O propósito dessa plataforma não é criar novos indicadores, mas sim padronizar os já existentes.
A presente operação foi notificada ao Cade em 09/12/2022 (SEI 1164584), tendo sido objeto de emenda por parte da Superintendência-Geral do Cade (“SG”), por meio do Despacho SG nº 1916/2022 (SEI 1168632), conforme consta no Relatório produzido pelo Conselheiro Relator (SEI 1247671).
Destaca-se que a operação em tela, foi aprovada sem restrições pela Superintendência-Geral em 23/03/2023, conforme Despacho SG nº 372/2023 (SEI 1209126). Entretanto, em 10/04/2023, o ato de concentração teve a proposta de avocação apresentada pelo Conselheiro Victor Oliveira Fernandes, por meio do Despacho Decisório nº 16/2023 (SEI 1219596), homologada pelo Tribunal na 211ª Sessão Ordinária de Julgamento (“SOJ”), realizada em 12/04/2023. Em ato contínuo, o processo foi distribuído a relatoria do Conselheiro Sérgio Ravagnani.
Ao longo da instrução processual, foram identificados, pela SG e posteriormente pelo relator, três situações que poderiam potencialmente ensejar riscos à concorrência. Como se verá adiante, tanto a Superintendência Geral, por meio do Parecer SG nº 107/2023/CGAA5/SGA1/SG (SEI 1209107), quanto o Conselheiro Relator, em seu Voto (1251141) entenderam que a operação deveria ser aprovada sem restrições devido à ausência de problemas concorrenciais.
A primeira preocupação aventada diz respeito à possibilidade de criação de padrões para a exclusão de concorrentes e fechamento de mercado no segmento de comercialização de commodities. As informações apresentadas pelas Requerentes sobre o funcionamento da plataforma foram cruciais para afastar tais preocupações concorrenciais. É importante ressaltar que a função da plataforma é agregar informações já existentes, sem criar dados novos ou fornecer indicadores de comparação de qualidade e preço. Além disso, a plataforma não realiza análises ou previsões, apenas organiza em uma mesma plataforma os dados e indicadores já existentes em fontes diversas.
O relator, em consonância com a posição da SG, enfatizou que a padronização das métricas é um meio necessário para o funcionamento da joint venture e que o sucesso da plataforma depende da adesão de terceiros. Portanto, não há incentivos para a adoção de práticas exclusionárias. Concordo plenamente com a posição adotada por ambos, uma vez que a plataforma não altera a estrutura do mercado nem afeta a concorrência. A participação de uma empresa na plataforma é opcional e seu funcionamento não será afetado pela presença de outras empresas, haja vista que cada empresa apenas terá acesso aos dados dos seus fornecedores e das cadeias produtivas de que participa. Dito isso, a plataforma atua como uma facilitadora no processo de tomada de decisões das companhias e não permite o acesso a informações de seus concorrentes. Esta última constatação será destrinchada adiante.
A segunda possível preocupação concorrencial consiste no acesso e compartilhamento de informações sensíveis. Concordo novamente com a posição adotada pela Superintendência-Geral e pelo relator. Os mecanismos apresentados pelas partes, incluindo os meios físicos e de governança, demonstram um compromisso em lidar de forma adequada com esse problema. É crucial garantir que as informações sensíveis sejam protegidas e compartilhadas apenas entre as partes envolvidas em contratos específicos na cadeia de suprimentos. A gestão independente, aliada ao acordo de acionistas e aos demais instrumentos contratuais, asseguram que os dados não sejam acessíveis por terceiros, preservando assim as condições de concorrência.
A terceira preocupação concorrencial aventada é referente à possível sobreposição horizontal no mercado de software. Com base nas conclusões da Superintendência-Geral e do relator, a eventual sobreposição horizontal não permitirá o exercício de posição dominante no referido mercado relevante. Isso porque, conforme pontuado pela SG, a plataforma em questão possui um objetivo bem definido, que difere substancialmente da atuação da joint venture Covantis, criada em meados de 2020 pelas empresas Cargill, ADM e LDC e outras empresas. Enquanto a Covantis atua na digitalização de informações no processo de trading (importação e exportação), a plataforma em análise tem como foco a padronização da medição de sustentabilidade nas cadeias de suprimentos alimentícios e agrícolas. Ainda assim, a participação societária das Requerentes na Covantis é inferior a 20% e conforme estimativas realizadas em ato de concentração recente (AC nº 08700.000256/2022-55), a Covantis deteria [0-10%] no mercado de software. Dessa forma, SG e Relator entenderam pela ausência de preocupações concorrenciais no mercado de softwares em razão da Operação.
Como se vê, após a devida análise, a Superintendência-Geral e o Conselheiro Relator concluíram que nenhuma das questões suscitadas trariam efeitos anticompetitivos decorrentes da operação.
Tendo sido afastados os possíveis efeitos anticompetitivos da presente joint venture, entendo que esse caso terá uma importância singular, tendo em vista que ele é centro da discussão que ocorre no mundo no que diz respeito aos objetivos do direito concorrencial.
Muito se discute sobre sopesar valores. A sociedade é composta por diversos valores, princípios e direitos, contudo nenhum deles é absoluto. Ao Cade é atribuída uma função específica, que se basiea na interpretação da norma vigente. Ao longo dos anos, os membros deste Conselho foram interpretando tanto a Lei 8.884/1994 quanto a Lei 12.529/2011 para extrair o sentido da missão institucional da autoridade antitruste.
O voto do Conselheiro Relator discorre com precisão sobre as atuais medidas regulatórias adotadas no cenário internacional, em especial na União Europeia, com vistas ao direcionamento das práticas empresariais à sustentabilidade e à preservação do meio ambiente.
Embora concorde que as mudanças climáticas, entre outros temas como soberania, direito do consumidor, igualdade de gênero, direitos trabalhistas representam importantes assuntos da nossa sociedade e que determinadas medidas de proteção desses direitos são necessárias, preocupa-me que casos como este possam ser utilizados com o intuito de expandir a competência da autoridade de defesa da concorrência para além daquela prevista na legislação e para a qual possui capacidade técnica.
Na minha opinião, não é atribuído ao Cade o direito de trazer institutos alheios ao tradicional objeto do direito concorrencial, fugindo de uma análise ortodoxa, de modo a sopesá-los e valorá-los como aquilo que é nossa missão institucional, que é a defesa da concorrência. Caso façamos isso, abriremos uma caixa de Pandora em que qualquer sorte de assuntos sociais e políticos poderão se tornar objeto de análise antitruste.
Existe uma tendência mundial de que tudo que não é resolvido por outra instituição, chama-se, portanto, a responsabilidade do direito concorrencial e da autoridade antitruste. Vejo como oportuno ressaltar meu posicionamento de que nós temos que tomar muito cuidado com uma ampliação errônea das competências da autoridade antitruste.
Douglas Ginsburg, vencedor do Jonh Sherman Award de 2020, afirmou em seu discurso de agradecimento que “none of these suggestions for broadening the goal of antitrust from consumer welfare to incorporate additional objectives seems in the least bit practical”.[1] Faço coro às palavras de Ginsburg e buscarei expor brevemente meu entendimento de que este Tribunal deve se ater exclusivamente ao objetivo de proteção da concorrência via maximização do bem-estar dos consumidores.
Ao analisar um ato de concentração ou conduta, unilateral ou coordenada, o Cade atua em defesa da concorrência, de modo que seu foco está na identificação de potenciais efeitos econômicos anticompetitivos diretamente decorrentes da operação ou conduta sob observação. Conforme afirma Carl Shapiro, o direito antitruste viabiliza a aferição de tais efeitos econômicos por meio do consumer welfare standard, conceito com origem na literatura econômica, em especial no ramo da Organização Industrial.[2]
Hovenkamp esclarece que, ainda que o termo consumer welfare tenha sido utilizado por Robert Bork no sentido de bem-estar total, somando-se o bem-estar de empresas e consumidores, atualmente o entendimento majoritário é o de que consumer welfare diz respeito ao bem-estar dos consumidores propriamente ditos, excluindo-se de seu significado o bem-estar das empresas.[3] Em contribuição recente à OCDE, o Cade demonstrou que este é e tem sido o sentido adotado pela autoridade brasileira mesmo em precedentes recentes em que outros quesitos como privacidade de dados foram citados na análise.[4]
Em suma, a defesa da concorrência tem sido efetivada, na prática, por meio da aferição dos efeitos das condutas e operações sobre variáveis econômicas que impactam o bem-estar dos consumidores. Tais variáveis costumam ser preço e quantidade, avaliados por meio das interações entre empresas do mercado relevante.
Estimar tais efeitos já se mostra uma tarefa complexa, muitas vezes envolvendo dados e práticas que não podem ser diretamente observados pelo Cade. Ampliar o escopo da análise antitruste, seja no sentido de estimar efeitos ambientais, seja no sentido de incluir varáveis distributivas, como propõem Sunstein e Posner[5], tornaria ainda mais árdua a missão desta autoridade, aumentando o risco de que as nossas estimativas percam precisão e se tornem menos objetivas. Assim como a especialização do trabalho conduz a uma maior produtividade, como já apontava Adam Smith, a especialização de uma autarquia tende a torná-la mais produtiva e precisa.
Além disso, a ampliação dos objetivos do antitruste conduziria a conflitos com outras agências governamentais, como já ocorre em mercados regulados. Um exemplo é o Sistema Financeiro Nacional, cujos atos de concentração são avaliados tanto pelo Cade, quanto pelo Banco Central. Embora o primeiro se preocupe com os efeitos concorrenciais e o segundo enfatize os aspectos prudenciais, relativos à higidez do Sistema Financeiro Nacional, ainda assim foi necessário que as autoridades firmassem um acordo de cooperação a fim de se evitar decisões conflitantes. Posto isso, fica claro que devemos buscar uma delimitação rigorosa dos objetivos desta autoridade.
De volta ao presente caso, cabe ainda mencionar que os efeitos econômicos deste ato de concentração não podem ser confundidos com os efeitos das medidas regulatórias ambientais, que ensejaram o surgimento da plataforma. A imposição de normas ambientais busca diminuir as externalidades negativas, as quais não estão incluídas nos preços dos produtos, mas representam custos sociais. A minimização dos custos sociais leva ao aumento dos custos às empresas. Pode-se observar esse fenômeno com clareza nos custos envolvidos na transição para novas fontes energéticas e na própria necessidade de monitorar os níveis de emissão de carbono da empresa e de seus fornecedores. Em outras palavras, as normas ambientais podem conduzir, nos curto e médio prazos, a aumentos de preço.
A presente operação, no entanto, tende a diminuir alguns desses custos, em especial os chamados search costs. Atualmente, empresas que queiram adquirir insumos de produtores com bons indicadores de sustentabilidade precisam pesquisar os dados por conta própria. Essa pesquisa demanda tempo e dinheiro, de modo que aumenta os custos da empresa. A plataforma aqui analisada busca justamente explorar a existência de tais custos, aproveitando-se de ganhos de escala e de efeitos de rede. Caso a plataforma cobre preços mais altos do que os custos que pretende diminuir, as empresas poderão simplesmente voltar a realizar suas pesquisas por conta própria e a plataforma perderá viabilidade econômica.
Na minha visão, este caso não é um caso de sopesar concorrência e sustentabilidade, o caso concreto trata de uma operação sem quaisquer riscos ao bem-estar dos consumidores em termos concorrenciais.
Dispositivo
Diante do exposto, voto pela aprovação sem restrições devido à inexistência de problemas concorrenciais, não tendo como fundamento decisório as questões relacionadas à sustentabilidade, ainda que tais questões tenham sido merecidamente mencionadas no voto do Conselheiro Relator. Essa é uma distinção fundamental, uma vez que o papel do Cade é proteger a concorrência.
alexandre cordeiro macedo
Presidente
(assinado eletronicamente)
[1] GINSBURG, Douglas H. Remarks on the Consumer Welfare Standard, On the Occasion of Receiving the John Sherman Award from the Antitrust Division Department of Justice. out. 2020. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3766927 . Acesso em: 25 de junho de 2023.
[2] SHAPIRO, Carl. What went wrong and how to fix it. Antitrust, v. 35, n. 3, 2021.
[3] HOVENKAMP, Herbert J. On the Meaning of Antitrust's Consumer Welfare Principle. Faculty Scholarship at Penn Law, n. 2152, jan. 2020. Disponível em: https://scholarship.law.upenn.edu/faculty_scholarship/2152 . Acesso em: 25 de junho de 2023.
[4] Advantages and Disadvantages of Competition Welfare Standards – Note by Brazil. 140th OECD Competition Committee meeting, jun. 2023. Disponível em: https://one.oecd.org/document/DAF/COMP/WD(2023)27/en/pdf . Acesso em: 24 de junho de 2023.
[5] POSNER, Eric A.; SUNSTEIN, Cass R. Antitrust and Inequality. American Journal of Law and Equality, n. 2, 2022. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=4023365 . Acesso em: 24 de junho de 2023.
| Documento assinado eletronicamente por Alexandre Cordeiro Macedo, Presidente, em 03/07/2023, às 14:46, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014. |
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Referência: Processo nº 08700.009905/2022-83 | SEI nº 1251494 |