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Nota Técnica nº 26/2025/CGAA11/SGA1/SG/CADE

 

Processo nº 08700.002893/2025-17

Representante: Cade ex-officio

Representada: Apple Inc. e Apple Services LATAM LLC.

Advogados: Não consta.

 

EMENTA: Representante: Cade ex-officio. Representadas: Apple Inc. e Apple Services LATAM LLC. Supostas práticas de abuso de posição dominante de caráter discriminatório e exclusionário no mercado de sistemas de pagamentos por aproximação em dispositivos móveis com sistema operacional iOS. Conduta passível de enquadramento como ilícito previsto nos incisos I, II e IV do caput do art. 36, c/c incisos III, IV, V e X do §3º do mesmo artigo da Lei nº 12.529/11. Instauração de Inquérito Administrativo, nos termos do art. 13, III, da Lei nº 12.529/2011.

 

VERSÃO ÚNICA

 

 

Sumário

I. RELATÓRIO

II. MERCADO RELEVANTE

III. ANÁLISE

IV. CONCLUSÕES

 

 

 

I. RELATÓRIO

Trata-se de instauração ex-officio de Inquérito Administrativo para apuração de infrações à ordem econômica (“IA”) em face de Apple Inc. e Apple Services LATAM LLC (doravante e em conjunto apenas “Apple” ou “Representada”) para avaliação dos indícios de infração à ordem econômica passíveis de enquadramento como ilícito previsto nos incisos I, II e IV do caput do art. 36, c/c incisos III, IV, V e X do §3º do mesmo artigo da Lei nº 12.529/11 no mercado de sistemas de pagamentos por aproximação em dispositivos móveis com sistema operacional iOS.

Conforme noticiado[1], este Conselho promoveu, em 19.02.25, uma Audiência Pública[2] com o objetivo de consultar e discutir com a sociedade sobre aspectos concorrenciais relacionados aos ecossistemas digitais em que se inserem os sistemas operacionais para dispositivos móveis iOS e Android. Naquela ocasião, para além das 16 (dezesseis) manifestações orais[3] apresentadas pelos diversos segmentos sociais participantes (setor empresarial, comunidade acadêmica e sociedade civil), foram recebidas 30 (trinta) contribuições escritas[4] sobre o tema proposto para debate.

A partir do inteiro teor de informações recebidas por este Conselho naquela oportunidade, mostra-se especialmente relevante neste momento as informações apresentadas pelo Banco Central do Brasil (Bacen)[5], Federação Brasileira de Bancos (Febraban)[6] e pela Zetta[7], associação sem fins lucrativos que reúne empresas de tecnologia atuantes no mercado financeiro e de pagamentos, as quais revelam uma possível prática de infrações à ordem econômica por parte da Representada no mercado de sistemas de pagamentos por aproximação em dispositivos móveis com sistema operacional iOS.

Por intermédio do Ofício nº 4319/2025/DIORF/BCB[8], o Bacen expressou preocupações relacionadas a ausência de pressões concorrenciais à Apple no mercado de sistemas de pagamentos por aproximação em dispositivos móveis com sistema operacional iOS, que atua como monopolista nesse mercado por intermédio da ferramenta Apple Pay e pelas barreiras impostas pela Representada nesses mercados.

Segundo o Bacen,

“Para a viabilizar essa expansão do pagamento por aproximação, ganhou expressiva relevância o uso de smartphones junto com o uso das carteiras digitais, que prestam o serviço de tokenização de instrumentos de pagamento nesses aparelhos. Nesse cenário, com relação à prestação de serviço de solicitação e armazenamento de token de dados de instrumentos de pagamento, ofertado nos dispositivos com sistema operacional iOS por meio do Apple Pay, a preocupação do BCB ocorre porque, uma vez que consumidores são avessos a pagar pelo uso do serviço e os emissores de cartões temem perder clientes se não provirem acesso ao serviço do Apple Pay, a Apple beneficia-se então de significativo poder de mercado frente aos emissores para a imposição de elevadas tarifas para acesso a esse serviço. Por conseguinte, os emissores tendem a absorver estes custos ou repassá-los ao conjunto de consumidores (usuários ou não do serviço de tokenização) via outras tarifas. A experiência internacional sugere a ausência de pressões concorrenciais que moderem as tarifas cobradas para acesso ao Apple Pay. Dessa forma, o BCB acredita que há espaço para intervenção regulatória para promover o equilíbrio entre os interesses dos diferentes agentes.

Ciente da tendência de aumento das transações de pagamento por aproximação, e com o objetivo de expandir a política pública de digitalização dos meios de pagamento, o BCB está incorporando o uso da tecnologia NFC [Near Field Communication] no Pix. Com o suporte das regras do Open Finance, já é possível realizar pagamentos por aproximação, oferecendo uma melhor experiência ao consumidor, reduzindo as etapas necessárias para fazer um Pix. Assim, para realizar pagamentos presenciais por aproximação, os usuários poderão utilizar tanto o aplicativo para celular (APP) de Iniciadores de Transações de Pagamentos (entre os quais se incluem as carteiras digitais) quanto aplicativos do seu prestador de serviço de pagamentos (PSP, instituição detentora da conta do usuário pagador). O objetivo dessa incorporação é o de estender aos mais de 100 milhões de usuários do Pix a comodidade e a segurança propiciadas pelos pagamentos por aproximação.

Entretanto, o BCB identifica duas possíveis barreiras à implementação eficaz dessa funcionalidade em dispositivos com sistema operacional iOS. A primeira barreira está relacionada ao custo, considerando tanto as tarifas cobradas pela Apple quando do uso do Apple Pay, quanto à cobrança pelo acesso à sua API [Application Programming Interface] de NFC para terceiros[[9]]. Já a segunda refere-se às restrições impostas a aplicações de terceiros no uso de atalhos e gadgets (a exemplo do Apple Watch) que poderiam melhorar a experiência do usuário nos pagamentos digitais.” (g.n.).

Outrossim, aponta a Febraban[10] que

“(...) é tecnicamente possível que o desenvolvedor do sistema operacional de um dispositivo móvel possa estabelecer barreiras de acesso ao componente NFC por desenvolvedores terceiros, por exemplo, limitando seu uso, exclusivamente, a aplicações do próprio desenvolvedor do sistema operacional. É este o caso da Apple, em que, atualmente, o único aplicativo autorizado para realizar transações por aproximação de cartões em dispositivos com sistema operacional iOS é o Apple Pay.

(...)

Quando se observa os custos existentes neste mercado, é possível detectar duas barreiras financeiras. A primeira delas é o pagamento pelas instituições financeiras emissoras de cartões aos detentores de sistemas operacionais de taxas para que aquelas possam disponibilizar aos seus clientes a opção de cadastrar os cartões em soluções como Apple Pay, Samsung Pay e Carteira do Google. Apenas a Apple realiza cobrança dos emissores dos cartões. A segunda barreira é o acesso ao componente NFC dos dispositivos por desenvolvedores terceiros. Para dispositivos que utilizam sistema operacional Android, do Google, desenvolvedores terceiros conseguem acesso ao componente NFC sem custos. Por outro lado, para dispositivos que utilizam sistema operacional iOS, o acesso ao componente NFC por desenvolvedores terceiros era bloqueado. Recentemente, a Apple anunciou que haverá abertura do componente NFC no Brasil, porém com a cobrança de taxas associadas.

Ao enfrentar questionamentos da prática de bloqueio de acesso ao componente NFC na Europa, a Apple se comprometeu perante a Comissão Europeia, entre outros compromissos: (i) a disponibilizar acesso aos componentes NFC para desenvolvedores terceiros sem quaisquer custos ou discriminação; e (ii) a permitir a fácil configuração, pelo usuário do dispositivo móvel, de qual será seu aplicativo padrão de pagamentos, que conta com facilidades de atalhos de abertura, como duplo clique. Empresas como PayPal e Curve se mostraram interessadas em lançar para o público europeu suas próprias soluções de pagamento por aproximação, mostrando como a abertura da tecnologia de forma gratuita gera maior competição e dá o poder de escolha ao consumidor proprietário do aparelho móvel.”

Em sentido semelhante, sustentou a Zetta[11] que

“As dificuldades enfrentadas por desenvolvedores na oferta de produtos e serviços nos ecossistemas iOS são especialmente preocupantes nos segmentos de pagamentos por aproximação em dispositivos móveis e de distribuição de aplicativos.

Os pagamentos por aproximação utilizam a tecnologia Near Field Communication (‘NFC’), que idealmente permite ao usuário cadastrar a carteira digital de sua preferência em seu aparelho celular (ou outro dispositivo móvel inteligente) e realizar pagamentos por aproximação via uso dessa tecnologia NFC. No entanto, nos dispositivos Apple (como o iPhone, iPad, Apple Watch e outros), a empresa (i) possui seu próprio sistema de pagamento, denominado Apple Pay, e (ii) impõe restrições e dificuldades excessivas, de modo a favorecer o uso da sua própria carteira digital, impedindo que desenvolvedores de outras carteiras digitais tenham acesso à tecnologia NFC e possam oferecer alternativas independentes do Apple Pay no ecossistema iOS.

Como resultado, instituições do setor financeiro que disponibilizam carteiras digitais para pagamento por aproximação enfrentam barreiras para ofertar seus produtos e serviços no ecossistema iOS. Essas empresas são forçadas a utilizar soluções proprietárias da Apple, que impõem custos elevados e exigências contratuais excessivas, inviabilizando a oferta dessas soluções nos dispositivos da Apple. (...)

Atualmente, a Apple bloqueia as APIs necessárias para processar o Pix via tecnologia NFC e exige a utilização da sua própria plataforma paga, com modelo comercial amplamente desvantajoso. Esses custos tornam economicamente inviável a oferta do Pix por aproximação para os usuários do iOS, dificultando sua disseminação e prejudicando o desenvolvimento desta funcionalidade de amplo interesse público (entre outras possíveis soluções inovadoras) no Brasil”.

É o relatório.

 

II. MERCADO RELEVANTE

Conforme verificado no relatório supra, as condutas ora investigadas dizem respeito ao ecossistema digital para dispositivos móveis iOS, supostamente afetando sobretudo os mercados de sistemas de pagamentos por aproximação em dispositivos móveis com sistema operacional iOS. Avaliando-se a jurisprudência deste Conselho, observa-se inexistirem precedentes em que foram avaliados especificamente tais mercados.

Não obstante, encontra-se atualmente em trâmite nessa SG/Cade o Processo Administrativo nº 08700.009531/2022-04, no qual são investigadas práticas restritivas ocorridas no âmbito do ecossistema digital para dispositivos móveis do sistema operacional não-licenciável iOS, no qual estariam inseridos os mercados relevantes possivelmente afetados pela suposta conduta.

Quando da instauração do referido PA, esta SG identificou[12] e definiu como um mercado relevante único o mercado do sistema operacional móvel não-licenciável iOS, o qual se apresenta como o mercado central de todo o ecossistema iOS. Assim sendo, e levando-se em consideração a já reconhecida complexidade dos ecossistemas digitais para dispositivos móveis, muito embora as informações apresentadas tenham indicado e nomeado os mercados possivelmente afetados, entende-se por necessário aprofundar a análise quanto ao funcionamento dos sistemas de pagamento por aproximação, bem como sobre as regras impostas pela Apple para o seu funcionamento no ecossistema iOS para que se possa ter uma maior clareza quanto a definição dos mercados relevantes possivelmente envolvidos na suposta conduta praticada.

Assim sendo, amparado na jurisprudência desse Conselho e nas melhores práticas relacionadas à investigação de condutas em mercados digitais, e sem prejuízo à realização de uma posterior definição de mercado relevante, entende-se que tal questão pode ser deixada em aberto neste momento, sendo desnecessária neste momento processual a realização de uma definição precisa de mercado relevante.

 

III. ANÁLISE

Com base no quanto relatado acima, tem-se, em apertada síntese, que as distintas contribuições escritas elaboradas pelo Bacen, Febraban e pela Zetta informam que

“com relação aos pagamentos por aproximação que utilizam a tecnologia NFC, nos dispositivos iPhone, iPad, Apple Watch e outros, a Apple impõe restrições e dificuldades excessivas de modo a favorecer o uso de sua própria carteira digital, impedindo que desenvolvedores de outras carteiras digitais tenham acesso à tecnologia NFC e possam oferecer alternativas independentes do Apple Pay. Como resultado, instituições do setor financeiro que disponibilizam carteiras digitais para pagamento por aproximação enfrentam barreiras para ofertar seus produtos e serviços no ecossistema iOS. Essas empresas são forçadas a utilizar soluções proprietárias da Apple, que impõem custos elevados e exigências contratuais excessivas, inviabilizando a oferta dessas soluções nos dispositivos da Apple.”[13]

Nesse sentido, destaca ainda o Bacen[14] que:

Nos arranjos de cartões de pagamento, a despeito do recebimento da tarifa de intercâmbio pelos emissores de cartões, verifica-se que clientes menos rentáveis tendem a não ter ofertada a possibilidade de usar o Apple Pay, já que os custos de uso dessa carteira digital são considerados altos pelos emissores.

Em relação ao Pix, é importante ressaltar que se trata de arranjo de pagamentos instituído pelo BCB que oferece um meio de pagamento eficiente e acessível, gratuito para pessoas físicas tanto em transações de transferência quanto para pagamentos a estabelecimentos comerciais. A simplicidade da jornada de pagamento e a gratuidade para os usuários são pilares fundamentais desse arranjo. Assim, as regras do Pix não admitem cobrança pelo seu uso por pessoas físicas e a sua arquitetura não prevê uma tarifa de intercâmbio entre os participantes do arranjo, a exemplo do que ocorre nos arranjos de cartão de pagamentos.

Dessa forma, qualquer custo adicional para terceiros ofertarem Pix por meio do Apple Pay ou pelo acesso à tecnologia NFC em dispositivos iOS pode inviabilizar a adoção do Pix por aproximação nesses dispositivos. Em outras palavras, a cobrança de tarifas sobre soluções de pagamento por aproximação nos dispositivos iOS representa potencialmente uma barreira intransponível à implementação de pagamentos por aproximação do Pix aos usuários dessa plataforma.

Adicionalmente, a usabilidade amigável dos instrumentos de pagamento é essencial para sua ampla adoção. Caso o Pix por aproximação seja implementado de forma assimétrica entre sistemas operacionais – permitindo que carteiras digitais de terceiros utilizem plenamente os recursos em algumas plataformas, mas impondo restrições em dispositivos iOS, há o risco de redução do uso do Pix em comparação com outros meios de pagamento por questões de usabilidade. Restrições semelhantes aplicadas a dispositivos como o Apple Watch também poderiam limitar as condições de oferta e afetar negativamente a experiência do usuário no pagamento por Pix, assim como o uso de soluções alternativas à Apple Pay, em se tratando dos arranjos baseados em cartões de pagamento.

Em outras palavras, as contribuições narram que a Apple estaria supostamente abusando de sua posição dominante decorrente da condição de detentora e controladora do ecossistema iOS para criar artificialmente barreiras à entrada e ao desenvolvimento de rivais interessados em concorrer com ela e oferecer aos usuários iOS outros sistemas pagamentos por aproximação em dispositivos móveis, supostamente privilegiando seus próprios serviços (Apple Pay) em detrimento de concorrentes e inviabilizando o efetivo às ferramentas necessárias para viabilizar pagamentos por aproximação.

No Brasil, tais práticas narradas, se comprovadas, são passíveis de enquadramento como ilícitos concorrenciais previstos nos incisos I, II e IV do caput do art. 36, c/c incisos III, IV, V e X do §3º do mesmo artigo da Lei nº 12.529/11, in verbis:

“Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;

(...)

IV - exercer de forma abusiva posição dominante.

(...)

§ 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:

(...)

III - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;

IV - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;

V - impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição;

X - discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços;”

Com efeito, as informações recebidas dão conta, ainda, de que situação semelhante levou autoridades de defesa da concorrência de outras jurisdições a iniciar investigações e estipular remédios visando solucionar tais questões, de forma que “após decisões de autoridades de promoção da competição em outras jurisdições, a Apple desenvolveu uma API” [15] para possibilitar o acesso de carteiras digitais de terceiros à estrutura de sua tecnologia de Near Field Communication.

Sobre tal questão, narra a Zetta[16] que

“a Comissão Europeia acusou a empresa de violar a lei de defesa da concorrência ao bloquear o acesso de concorrentes à tecnologia NFC para pagamentos, favorecendo seu próprio sistema, o Apple Pay. A Comissão Europeia considerou que essa prática excluía rivais, resultando em menos inovação e menos opções para os usuários de carteiras móveis no iPhone. Como resultado, em janeiro de 2024, a empresa apresentou compromissos de abertura buscando endereçar as preocupações da Comissão Europeia”.

De maneira semelhante, informa que

“o Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América (DoJ) iniciou um processo contra a Apple em março de 2024 por violação de leis antitruste, alegando que as condutas praticadas pela empresa assumem diferentes formas, incluindo a limitação de carteiras digitais de outros desenvolvedores, o que impede que aplicativos de terceiros oferecessem a funcionalidade de pagamento por aproximação”.

Assim sendo, e não havendo dúvidas de que o caso apresentado trata de matéria de competência do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, devem os indícios de infração à ordem econômica serem investigados em sede de Inquérito Administrativo, ocasião em que esta SG poderá, inter alia, se debruçar sobre os termos e condições impostos pela Apple para regulação de pagamentos por aproximação e carteiras digitais em dispositivos móveis com sistema operacional iOS, investigando a sua racionalidade bem como potenciais efeitos sobre o mercado, de modo a concluir, ao final, pela existência ou não de infrações à ordem econômica.

 

IV. CONCLUSÕES

A partir das informações recebidas por este Conselho a partir da realização de Audiência Pública para consultar e discutir com a sociedade sobre aspectos concorrenciais relacionados aos ecossistemas digitais para dispositivos móveis, verifica-se existirem indícios de que Apple estaria abusando de sua posição dominante e fazendo uso de seu absoluto controle sobre as regras aplicáveis ao ecossistema iOS do qual é proprietária para criar artificialmente barreiras à entrada e ao desenvolvimento de rivais interessados em concorrer com ela e oferecer aos usuários iOS outros sistemas pagamentos por aproximação em dispositivos móveis visando favorecer seus próprios serviços (Apple Pay).

Nesse contexto, e não havendo dúvidas sobre o fato de a matéria ora investigada ser de competência do SBDC, entende-se por necessária a instauração ex-officio de Inquérito Administrativo para apuração de infrações à ordem econômica a fim de se investigar os indícios de infração à ordem econômica apresentados, cuja prática caso comprovada, é passível de enquadramento como ilícito concorrencial previsto nos incisos I, II e IV do caput do art. 37, c/c incisos III, IV, VIII e X do §3º do mesmo artigo da Lei nº 12.529/11.

Para tanto, esta SG necessitará, inter alia, adotar as seguintes providencias, sem prejuízo de outras que mostrarem-se relevantes para a investigação a ser realizada em sede Inquérito Administrativo:

(i) oficiar as principais empresas que atuam nos mercados relevantes possivelmente afetados pela conduta, de modo a melhor compreendê-los e defini-los;

(ii) averiguar o inteiro teor das investigações semelhantes em curso e eventuais decisões já proferidas em outras jurisdições, a fim de verificar sua relevância para a compreensão e análise do presente caso;

(iii) analisar o inteiro teor dos Termos & Condições da Apple referentes a sistemas de pagamentos por aproximação, sobretudo as regras constantes no Contrato de Licença do Apple Developer Program (“DPLA”) e na iOS Developer Documentation (“Documentação para Desenvolvedores iOS”), por decorrerem das regras neles estabelecidas as supostas práticas restritivas ora investigadas.

Diante de todo o exposto, conclui-se pela instauração de Inquérito Administrativo para apuração de infrações à ordem econômica, nos termos do art. 13, III, da Lei nº 12.529/2011.

Essas as conclusões.

 


[1] Nesse sentido, vide: <https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/cade-realizara-audiencia-publica-para-debater-concorrencia-nos-ecossistemas-digitais-de-dispositivos-moveis>. Acesso em 12.03.25.

[2] Edital nº 01 de 03 de fevereiro de 2025 disponível em:

<https://cdn.cade.gov.br/Portal/assuntos/noticias/2025/SEI_1509889_Documento_EDITAL_DE_AUDIENCIA_PUBLICA.pdf>. Acesso em 12.03.25.

[3] Disponível em: <https://www.youtube.com/live/ehpGbkb8reA>. Acesso em 12.03.25.

[4] SEI 1520733

[5] SEI 1520733, doc 8, reproduzido no âmbito do Processo nº 08700.002893/2025-17 sob o nº SEI 1532146.

[6] SEI 1520733, doc 7.1, reproduzido no âmbito do Processo nº 08700.002893/2025-17 sob o nº SEI 1532170.

[7] SEI 1520733, doc. 16, reproduzido no âmbito do Processo nº 08700.002893/2025-17 sob o nº SEI 1532148.

[8] SEI 1520733, doc 8, reproduzido no âmbito do Processo nº 08700.002893/2025-17 sob o nº SEI 1532146.

[9] Ressalta o Bacen que “até pouco tempo, esse acesso estava restrito à carteira Apple Pay”, mas que “após decisões de autoridades de promoção da competição em outras jurisdições, a Apple desenvolveu uma API para possibilitar esse acesso, mas ela cobra dos demais desenvolvedores por esse acesso à API”.

[10] SEI 1520733, doc 7.1, reproduzido no âmbito do Processo nº 08700.002893/2025-17 sob o nº SEI 1532170.

[11] SEI 1520733, doc. 16, reproduzido no âmbito do Processo nº 08700.002893/2025-17 sob o nº SEI 1532148.

[12] SEI 1501196.

[13] SEI 1520733, doc. 16, reproduzido no âmbito do Processo nº 08700.002893/2025-17 sob o nº SEI 1532148.

[14] SEI 1520733, doc 7.1, reproduzido no âmbito do Processo nº 08700.002893/2025-17 sob o nº SEI 1532170.

[15] SEI 1520733, doc 8.

[16] SEI 1520733, doc. 16.


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Documento assinado eletronicamente por Felipe Neiva Mundim, Superintendente-Geral substituto, em 03/04/2025, às 21:17, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Documento assinado eletronicamente por Marcus Vinícius Silveira de Sá, Coordenador-Geral substituto, em 04/04/2025, às 14:06, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Referência: Processo nº 08700.002893/2025-17 SEI nº 1541955