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Ministério da Justiça e Segurança Pública - MJSP

Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

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Nota Técnica nº 22/2023/DEE/CADE

 

Inquérito Administrativo 08700.001901/2017-90 (Apartado Restrito nº 08700.003289/2021-76)

Representados: Raízen Combustívies S.A. (“Raízen")

Advogados: Mauro Grinberg; Leonor Augusta Giovine Cordovil; Karen Caldeira Ruback e outros.

 

 

 

 

  

EMENTA: Inquérito Administrativo. Fixação de preços de revenda. Esmagamento de margem. Influência de conduta uniforme. Análise econômica indica possibilidade de efeitos negativos à concorrência.

 

VERSÃO pÚBLICA

 

1.      INTRODUÇÃO

    

A Superintendência-Geral (SG), por meio do Despacho Decisório nº 49/2020, SEI (SEI 0768701), solicitou ao Departamento de Estudos Econômicos do Cade (DEE), a elaboração de análise econômica com o propósito de verificar se a conduta investigada no inquérito em epígrafe pode gerar efeitos negativos à concorrência, caracterizando-se como uma conduta anticoncorrencial nos termos da Lei n.º 12.529/2011.

O objetivo do presente Inquérito Administrativo é, portanto, apurar se a representada Raízen, como distribuidora de combustíveis, sugeriu ou fixou preços, de forma anticoncorrencial, a serem praticados pelos postos revendedores de combustíveis no varejo que ostentam a bandeira “Shell”. Mais ainda, pretende-se averiguar se as práticas da empresa relacionadas ao monitoramento do comportamento competitivo de seus revendedores e concorrentes nos vários mercados em que estes atuam está de acordo com a legislação antitruste.

Em que pese o inquérito ter sido instaurado com o fim de se investigar a fixação ou sugestão de preços, praticada de forma unilateral, pela Raízen, os fatos já conhecidos podem indicar a prática de outras condutas anticompetitivas. Essas possibilidades (teorias do dano) devem também ser investigadas.

Como se verá, há indícios de que a representada usava a variação no preço de compra de combustível de seus revendedores como meio de punir aqueles que não seguissem o preço determinado pela empresa. A prática se relacionava à fixação de preços de revenda, mas é importante também investigar se poderia configurar-se em conduta anticompetitiva isoladamente. O esmagamento de margens (margin squeeze), conduta na qual um fornecedor aumenta os preços de compra de um revendedor que não tem capacidade de aumentar seus preços de revenda, pode configurar-se como conduta anticompetiva.

Paralelamente, se o aumento de preços de compra atingir apenas parcela dos revendedores exclusivos, essa discriminação também pode configurar-se como conduta anticompetitiva. A possibilidade de dano é tanto maior porque a representada parece influenciar consideravelmente, se não determinar, os preços de revenda. Poderia, então, tornar inviável a atuação de alguns postos. Independentemente das razões pelas quais assim agisse, haveria potencial de dano à competição.

As ações da Raízen, ademais, podem configurar-se como influência à conduta uniforme. Conforme o ex-conselheiro Alessandro Octaviani Luis, em seu voto no Processo Administrativo nº 08012.004736/2005-42, no qual eram representados a Raízen Combustíveis S.A. (denominação atualizada da Shell Brasil Ltda.) e Odon de Oliveira Mendes:

(...) A influência de conduta uniforme é uma prática em que um agente induz, de forma coercitiva ou não, a que empresas que atuem em um mesmo ramo ajam de forma espelhada. Sua realização pode vir acompanhada de meios impositivos, mas estes não são necessários para sua configuração. Ela pode ter como agente qualquer pessoa, entidade ou agremiação, mas assume maior relevância à medida que se constata o grau de influência do agente sobre as empresas envolvidas, como no caso muito frequente de associações ou de sindicatos setoriais. (SEI 0003437, fls 2027).

Naquele voto, o então Conselheiro explicou as diferenças e semelhanças entre essa conduta e a fixação de preços de revenda:

63. Vê-se, portanto, que a influência de conduta uniforme é um comportamento mais abrangente, que pode, inclusive, comportar a fixação de preço de revenda. Esta última apareceria como especialização da primeira, constituída por contornos mais bem delineados em relação aos atos e agentes envolvidos, bem como de seu objeto. O cerne de sua semelhança é o fato de, em ambas, haver um agente exterior e diferente dos agentes de determinado mercado, que irá levá-los a adotar um padrão de comportamento não autônomo, heterônomo.

64. Entretanto, as divergências existem, primeiramente, porque, na fixação de preço de revenda, este comportamento resume-se a pré-estabelecer o preço a ser oferecido aos consumidores de um outro nível da Cadeia produtiva. Já a influência de conduta uniforme apresenta condutas variadas que podem se adequar a seu conceito, não se restringindo à variável preço.

65. Em segundo lugar, tem-se que, na fixação de preço de revenda, o agente deve estar ligado ao outro em uma mesma Cadeia de produção, já que se trata de uma restrição vertical. Por sua vez, o agente causador da influência à conduta uniforme não é pré-definido, podendo ser qualquer pessoa natural, jurídica, ou ainda sem personalidade jurídica, independentemente da atividade que desempenha. Decorre de tal constatação que os efeitos materiais da prática de fixação de preço de revenda são mais restritos, limitando-se ao mercado atendido pelos agentes do mercado downstream subordinados a um mesmo fornecedor, enquanto que, na influência de conduta uniforme, a ação pode visar, de forma direta, a um mercado inteiro de certo produto ou serviço.

66. Por fim, fica claro, pelo próprio tipo legal, que, na fixação de preço de revenda, faz-se necessária a presença de algum tipo de coação, uma imposição, ainda que não formal; na prática da influência de conduta uniforme, é suficiente sua aptidão para gerar condutas concertadas, não carecendo de um elemento compulsório para ser identificada.(SEI 0003437, fls. 2027-2028, grifo nosso)

Os dados constantes deste inquérito administrativo quando da solicitação de análise pelo DEE não eram suficientes para que se excluísse a possibilidade de a prática ser melhor caracterizada como influência à conduta uniforme.

A fim de investigar a conduta em si e os possíveis danos decorrentes dela, conforme as teorias expostas acima, a presente nota técnica será estruturada da seguinte forma. Inicialmente, será feito um sumário de processos administrativos e de consultas ao Cade nos quais, direta ou indiretamente, a Raízen, Representada, esteve envolvida. Esse resumo é pertinente porque, como se verá, condutas semelhantes já foram analisadas anteriormente pelo conselho. Após, será realizado um relatório do processo, seguido de uma análise das condutas em questão e, por fim, será apresentada a conclusão do DEE a respeito da análise econômica das informações coletadas.

 

2. JURISPRUDÊNCIA DO CADE SOBRE A PARTICIPAÇÃO DAS DISTRIBUIDORAS NO MARCADO DE COMBUSTÍVEIS

Antes de adentrar especificamente no objeto do presente inquérito administrativo, serão expostas e discutidas questões anteriormente debatidas em processos administrativos já julgados pelo Cade ou que estão sendo investigadas. Os processos sumariados envolvem direta/indiretamente a Representada, Raízen, ou se relacionam com a conduta ora apurada. Não se pretende reanalisar condutas já julgadas ou cuja análise está em curso no Cade. Pretende-se apenas contextualizar a conduta em tela. Resumos mais detalhados de cada uma dessas ações constam do anexo A.

 

   2.1 Processo Administrativo nº 08012.011042/2005-61 (Bauru e Marília/SP)[1]

O julgamento desse processo administrativo ensejou a presente investigação. Por meio do Memorando n. 1451/2016/SEAP/CGP/DA/CADE, de 17 de agosto de 2016, SEI (SEI 0319233), foi encaminhada a orientação contida no Voto do Conselheiro-Relator Marcos Paulo Veríssimo, SEI (SEI 0319217) e do Voto-Vista do Conselheiro Márcio de Oliveira Júnior SEI (SEI 0319225), ambos lançados nos Autos do Processo Administrativo 08012.011042/2005-61, onde foi determinado a abertura de procedimento, por parte da Superintendência-Geral do Cade.

O então Conselheiro Alessandro Serafin Octaviani Luis (SEI 0003190, fls 1280-1323) entendeu que houve exercício ilegal de poder de mercado pela Shell por meio das práticas de Fixação de Preço de Revenda - "FPR" - e de influência à adoção de conduta uniforme sobre o mercado de revenda do combustível gasolina comum em Bauru/SP e Marília/SP entre 1999 e 2003. O posicionamento pela condenação da Shell (Raízen) foi seguido pelos demais conselheiros, com exceção de Marcos Paulo Veríssimo que votou pela existência de prescrição no referido caso.

No voto, o ex-Conselheiro Alessandro Serafin Octaviani Luis:

(1) fez referência há uma série de provas e de evidências de que a Shell realizava Fixação de Preços de Revenda;

(2) Compreendeu que houve imposição da conduta, mesmo que os Representados tenham alegado que apenas “sugeriam” preços, considerando os aspectos verticais do mercado e a dependência dos varejistas em relação à distribuidora. Frise-se que este tipo de característica não muda de município para município. Portanto, se este aspecto estava presente em Marília, muito possivelmente está presente em outros municípios brasileiros,

(3) Mencionou que no caso de Marília e em outro caso analisado pelo CADE (em relação à cidade de Bauru), a fixação de preço de revenda foi utilizada de maneira a permitir uma melhoria das condições de colusão entre marcas de distribuidoras distintas. Novamente, é importante recordar que as mesmas distribuidoras que estavam presentes em Marília, estão presentes igualmente em vários outros municípios brasileiros, em diferentes mercados com as mesmas condições estruturais e verticais;

(4) Após avaliar os alegados benefícios e os malefícios da conduta, considerou-se que a prática de fixação de preços de revenda feita pela Raízen possuiria efeito líquido negativo.

 

Motivado pelas inúmeras evidências da prática, o Plenário do Cade decidiu, por maioria, pela condenação da Raízen pela prática de infrações à ordem econômica, previstas nos artigos 20, incisos I e IV, e 21, incisos II e XI, ambos da Lei 8.884/1994 (com correspondência no art. 36, §3°, incisos II e IX., da Lei 12.529/11). Apenas não houve unanimidade porque o conselheiro Marcos Paulo Veríssimo votou pela existência de prescrição no caso. Concluiu-se, portanto, que houve prática de influência à adoção de conduta uniforme ou concertada pela Distribuidora Shell, bem como que dela decorreram efeitos líquidos negativos. A decisão, contudo, atinha-se ao que fora investigado, a conduta da empresa nos municípios de Marília e Bauru, ambos em São Paulo.

 

   2.2 Processo Administrativo nº 08012.004736/2005-42 (São Carlos/SP)

Tratou-se de Processo Administrativo instaurado pela SDE em desfavor da Raízen e de Odon de Oliveira Mendes (funcionário da Shell/Raízen[2]) a partir de denúncia de fixação de preço de revenda apresentada por um revendedor no ano de 2003, no município de São Carlos/SP.

Em decisão de Plenário do Cade (SEI 0034196), a Raízen foi condenada por influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes (artigo 20, incisos I e IV, concomitantemente com o artigo 21, inciso II, ambos da Lei 8.884/1994). Do que foi apurado nos processos julgados pelo Conselho, há indícios de que o sistema de acompanhamento de preços da Raízen utilizado em Marília, Bauru e São Carlos não era diferente de outros sistemas utilizados em outros municípios.

 

   2.3 Processo Administrativo nº 08700.010769/2014-64 (Belo Horizonte e arredores)

Também no processo em epígrafe investigou-se cartel e influência à adoção de conduta comercial uniforme na revenda e na distribuição de combustíveis em Belo Horizonte, Betim e Contagem, ambos em Minas Gerais. Entre os diversos representados estava a Raízen. Apesar de as condutas terem sido feitas e atingido o mercado de revenda de combustíveis, funcionários das distribuidoras de combustível, entre as quais a Raízen, tiveram papel ativo. Conforme a SG, no anexo à nota técnica 45/2017/CGAA6/SGA2/SG/CADE (SEI 0423510, parágrafo 139), “(...) cumpre destacar que o mecanismo de monitoramento do cartel foi complementado pela ação de funcionários de distribuidoras que intermediavam acordos e trocas de informações estratégicas entre concorrentes, além de auxiliarem no monitoramento e pressão sobre revendedores que praticavam preços `abaixo do mercado´”. Por essa razão, a SG sugeriu que se tratava de um cartel hub and spoke[3]. As distribuidoras, ademais, reuniam-se para trocar informações estratégicas entre si e celebrar acordos. Haveria um pacto informal de não agressão, que não se limitava à região metropolitana de Belo Horizonte, em que as distribuidoras comprometiam-se a não passar “por cima da outra” quando um posto pretendia trocar de bandeira.  

Vale assinalar que a caracterização da conduta das distribuidoras como hubs de um cartel hub and spoke pela SG baseou-se em evidências que explicitavam o papel delas como um agente de pressão sobre postos que não estavam se comportando da maneira combinada entre os membros do cartel. Consultores da Shell, por exemplo, admitiram que as sugestões de preço da empresa, geradas por meio da plataforma ComPrice, eram utilizadas para pressionar postos que praticava preços abaixo do mercado, ou seja, que tentavam seguir uma política de preços independente dos seus concorrentes. O Conselho considerou que, naquele caso, não era necessário discutir a dinâmica de estruturação do cartel, já que havia se caracterizado a influência à conduta concertada. De acordo com o Voto do Conselheiro Relator João Paulo de Resende (SEI 0580229), definir a conduta como um cartel hub and spoke poderia tornar necessária a análise de relevância ou essencialidade da interação entre os revendedores e as distribuidoras para que o cartel fosse estruturado, conforme defenderiam alguns.

Destaca-se que a discordância do Relator, contudo, restringiu-se ao enquadramento da conduta. Não houve dúvidas quanto à participação das distribuidoras na prática coordenada. Conforme Voto do Conselheiro Relator João Paulo de Resende (SEI 0580229), a SG inferiu, por meio da Nota Técnica n. 145/2017, SEI (SEI 0423078), que as sugestões de preço seriam facilitadas por meio da utilização da plataforma “ComPrice”, na qual a Raízen: (i) recolhia diariamente de sua rede de revendedores informações sobre os preços praticados pelos postos de concorrentes; e (ii) com base, nesses dados, sugeria preços de bomba “compatíveis” com o cenário competitivo delineado por essas informações agregadas.

Apesar dos indícios de que a ferramenta seria usada para sugerir preços em alinhamento com postos concorrentes e para forçar os revendedores a seguirem os preços estabelecidos, o Conselheiro-relator não achou necessário a análise do sistema naquele caso por já haver outras provas e documentos que mostravam a atuação da Shell. Para esta investigação, contudo, esses indícios são relevantes.

Vale ressaltar que, o Plenário, por maioria, decidiu pelo arquivamento do processo em relação a Raízen nos termos do voto vista da Conselheira Polyanna Vilanova por insuficiência probatória (SEI 0610658).

 

   2.4 Processo Administrativo nº 08012.008859/2009-86 (Operação Dubai)

Neste aspecto e contexto, há ainda um caso sendo instruído no SBDC com teor parecido com a presente discussão, mas restrito ao território do Distrito Federal.

Com efeito, no Anexo Nota Técnica nº 60/2020/CGAA6/SGA2/SG/CADE (SEI 0773211), referente à instauração do Processo Administrativo nº 08012.008859/2009-86, é possível, novamente, notar que a Shell/Raízen indicou/sugeriu preços à sua rede revendedora e tal foi compreendido, inicialmente, como indícios de condutas anticompetitivas.

O caso em questão ainda está em análise na Superintendência Geral do Cade. Ainda que nada se possa concluir a respeito do mérito deste caso, os indícios constantes dos trechos apresentados permitem inferir que há a possibilidade de que o ocorrido em Marília e adjacências também ocorre em outros mercados de revenda de combustíveis do Brasil.

 

   2.5 Inquérito Administrativo nº 08700.004860/2018-74 (Operação margem controlada)

 Outro caso relacionado a este que também está sendo investigado pelo CADE é o inquérito em epígrafe. As investigações foram iniciadas a partir de operação da Polícia Civil do Estado do Paraná, da qual participaram técnicos do CADE. O inquérito investiga condutas anticoncorrenciais supostamente praticadas no município de Curitiba-PR, consistentes em cartel no mercado de distribuição de combustíveis e fixação de preços no mercado de revenda de combustíveis, tendo como Representadas as três maiores distribuidoras de combustíveis do País – Ipiranga Produtos de Petróleo S.A., Petrobrás Distribuidora S.A. e Raízen Energia S.A. As provas obtidas no âmbito do processo judicial foram compartilhadas com a SG e estão sendo analisadas.

Nesta denúncia, tem-se que grandes distribuidoras estariam não apenas sugerindo o preço para revenda, mas determinando qual seria o seu lucro limite. E o fariam de maneira coordenada, estipulando um preço “sugerido” ao mesmo tempo em que modificariam o preço de compra do combustível em relação à aderência ou não posto varejista ao preço sugerido.

Novamente, as evidências coletadas no âmbito daquela apuração devem ser apuradas em processo administrativo próprio e não se está fazendo aqui qualquer espécie de ilação ou pré-julgamento, mas apenas relatando informações de fontes oficiais (sítio do Ministério Público do Paraná e Sistema Eletrônico de Informações do CADE), bem como daquilo que foi noticiado na imprensa.

 

   2.6 Outros casos

Existem outros casos que não envolveram diretamente a Representada, Raízen, mas que podem ser relevantes para entender o mercado investigado. No Processo Administrativo nº 08700.009879/2015-64, foi julgado o chamado “Cartel de combustíveis em Joinville/SC”. A Superintendência-Geral determinou a instauração, em 1 de outubro de 2015, de PA em face de postos revendedores de combustíveis, distribuidoras, sindicato de revenda de combustíveis e proprietários e/ou gerentes das empresas envolvidas, para apurar a possível ocorrência das seguintes condutas, praticadas por revendedores, distribuidoras e pessoas físicas por:

formação de cartel;

influência de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;

criação de dificuldades a concorrentes e adquirentes;

fixação de preços de revenda e condições comerciais;

discriminação de adquirentes.

Houve divergência entre os conselheiros sobre a participação das distribuidoras representadas no cartel, porém a maioria concluiu pela responsabilização das distribuidoras Ipiranga e Rejaile pela infração a conduta comercial uniforme.

 

   2.7 Considerações finais

A análise desses precedentes permite concluir que, em diversos mercados de distribuição e revenda de combustíveis, houve condutas anticompetitivas que prejudicaram a concorrência. As principais distribuidoras de combustíveis do País já foram condenadas tanto por formação de cartéis quanto por influenciar condutas uniformes no mercado a jusante. Alguns comportamentos, como o monitoramento dos preços praticados pela revenda, são repetidos em diferentes mercados. O fato de condutas semelhantes terem sido detectadas ou estarem sendo investigadas em diferentes municípios e estados pode indicar que não se trata de práticas pontuais e isoladas. Pode haver uma conduta sistemática. Embora não se pretenda reanalisar casos que já foram julgados ou adentrar em casos que estão em análise, esses fatos indicam que o setor de combustíveis no Brasil não é muito competitivo. Nesse cenário, condutas verticais relacionadas a preços devem ser avaliadas com cuidado.

Paralelamente, estas investigações jogam luz ao fato de que é possível haver um relacionamento entre distribuidoras de combustíveis que ocorre para além das fronteiras de Marília e Bauru. Recorde-se, igualmente, que as distribuidoras possuem ativos em comum em diferentes mercados, o que não é um ilícito, mas, igualmente, pode diminuir a intensidade de concorrência intermarcas, a depender do contexto. O grau de competição entre distribuidoras é relevante porque a fixação de preços de revenda tende a diminuir a concorrência intramarca. Se, contudo, a prática for uma forma de se atuar para que a marca ganhe competitividade frente aos rivais, esse malefício pode ser compensado. Todavia, em um mercado no qual a rivalidade entre as distribuidoras é limitada, essa justificativa pode não prosperar.

Os precedentes também mostram qual tem sido o posicionamento do Conselho em relação às condutas de fixação ou sugestão de preços e de influência à conduta uniforme. Condutas restritivas verticais de preço (fixação de preços, sugestão de preços e PMA) tendem a ser avaliadas à luz da regra da razão. Dentre estas, a fixação de preços teria maior potencial anticompetitivo do que a mera sugestão de preços.

Por vezes, a sugestão ou fixação de preços são usadas como meio para se influenciar conduta uniforme, mas essa conduta pode ser praticada de diferentes maneiras, não apenas por meio dessas restrições. Além disso, é uma prática que pode não gerar eficiências, devendo ser analisada como uma infração por objeto, à semelhança dos cartéis.

 

3. DO RELATÓRIO DO ANDAMENTO PROCESSUAL

Nesta seção, serão sumariados os atos processuais e discutidos os documentos constantes do processo considerados relevantes para análise. Também serão descritas os eventos e ações relacionados ao envio do Ofício no 2233/2023/DIAP/CGP/DAP/CADE (SEI 1195956). Uma descrição de todas as etapas da instrução processual do presente inquérito até 24/06/2022 consta da Nota Técnica 103/2022/CGAA6/SGA2/SG/CADE (SEI 1094439). Após essa data, em 28/02/2023, foram enviados ofícios a 4.173 postos revendedores de combustível da Raízen por meio da Solução Questionário Digital do Cade, conforme consta relatado no Ofício no 2233/2023/DIAP/CGP/DAP/CADE. As intercorrências no envio dos ofícios, bem como as respostas também serão sumariadas abaixo[4].

 

   3.1 Antecedentes

Por meio do Memorando n. 1451/2016/SEAP/CGP/DA/CADE, de 17 de agosto de 2016 (SEI 0319233), foi encaminhada a orientação contida no Voto do Conselheiro-Relator Marcos Paulo Veríssimo (SEI 0319217) e do Voto-Vista do Conselheiro Márcio de Oliveira Júnior (SEI 0319225), ambos lançados nos Autos do Processo Administrativo 08012.011042/2005-61, onde foi determinado a abertura de procedimento, por parte da Superintendência-Geral do Cade, com o objetivo de:

(...) apurar as condições em que se dá o relacionamento da Raízen com seus distribuidores franqueados e não franqueados, solicitando a essa empresa informações detalhadas e atuais acerca de eventuais práticas de fixação ou sugestão de preços, máximos, mínimos ou sugeridos, de revenda de combustíveis, bem como informações detalhadas ligadas a seus eventuais programas de compliance com a legislação antitruste e ao eventual monitoramento do comportamento competitivo de seus distribuidores e dos concorrentes destes nos vários mercados em que estes atuam.

Em 17 de março de 2017, foi expedido o Ofício no 1756/2017 (SEI 0319927) à Raízen Combustíveis S.A., com perguntas relacionadas à decisão do plenário do Cade. No dia 8 de maio de 2017, foi peticionada resposta da Raízen aos questionamentos formulados pela SG (SEI 0334730), com versões pública e restrita.

Na versão pública (SEI 0334730), a Raízen informou que não havia troca de informações com os franqueados referente ao volume de venda e preços praticados. Revelou, também, que não existia qualquer obrigação de os postos franqueados seguirem com os preços de revenda sugeridos pela Raízen. E que, dessa forma, não havia qualquer penalização para os postos, sejam franqueados ou não, que optem por não acompanhar a sugestão de preços. Finalmente, relatou que os revendedores não conheciam os preços de compra praticados pela Raízen para cada franqueado, e que essa negociação era realizada individualmente.

Cabe destacar a resposta da representada ao questionamento de se existia alguma relação entre preço de distribuição e o preço praticado pelo franqueado nas bombas:

[ACESSO RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN] (SEI 0332980)

Outrossim, foi expedido o Ofício no 5539/2019, de 19 de agosto de 2019 (SEI 0650318) com perguntas complementares da SG à Raízen. Destaca-se a resposta da Raízen ao questionamento referente à sugestão de preços de revenda:

[ACESSO RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN] (SEI 0707610)

Seguindo a instrução, a SG encaminhou o Ofício no 3377/2020, de 18 de maio de 2020 (SEI 0754411), fazendo novos questionamentos. A resposta da empresa ocorreu no dia 2 de junho de 2020 (SEI 0762418), cujos destaques são apontados nos seguintes parágrafos.

Sobre a frequência da prática de sugestão de preços aos postos revendedores, cabe transcrever a resposta da representada:

[ACESSO RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN] (SEI 0762418)

Segundo a Raízen, [ACESSO RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]

Questionada a representada se existia resilição unilateral do contrato ou algum tipo de punição caso o posto franqueado não seguisse o preço mínimo de revenda sugerido, cabe reproduzir a resposta:

[ACESSO RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]

Foi indagado o percentual de adesão dos postos revendedores ao preço de combustível no ano de 2016. A Raízen respondeu que [ACESSO RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]

Em 12 de junho de 2020, o Superintende-Geral do Cade determinou, por meio do Despacho n.22/2020 (SEI 0765108), pela instauração de Inquérito Administrativo para apuração de Infrações à Ordem Econômica em razão dos indícios de supostas infrações à ordem econômica.

 

   3.2 Participação do Departamento de Estudo Econômicos (DEE)

Como anteriormente mencionado, a SG, por meio do Despacho Decisório nº 49/2020 (SEI 0768701) solicitou ao Departamento de Estudos Econômicos do Cade (DEE), a elaboração de análise econômica com o propósito de verificar se a conduta investigada no inquérito em epígrafe pode gerar efeitos negativos à concorrência, caracterizando-se como uma conduta anticoncorrencial nos termos da Lei n.º 12.529/2011. 

A fim de cumprir o solicitado pela SG, o DEE solicitou as seguintes informações à Raízen via Ofício no 7840/2020/DEE/CADE (SEI 0826150):

base de dados de controle da comercialização da revenda, de maneira mais desagregada possível, explicitando qual seu tamanho, qual a linguagem de programação, quais os campos/variáveis da base de dados, e se é possível extrair os dados e permitir a leitura pelo DEE;

Esclarecimentos quanto ao funcionamento da plataforma "CS Online", se (i) há algum algoritmo de precificação sugestiva da Raízen para o downstream e se há um algoritmo de precificação do middlestream na distribuição; (ii) como tais algoritmos funcionam;

Envio de todos os contratos assinados com o posto;

Apresentação de racionalidade econômica ou justificativa para preços sugeridos a postos revendedores;

Adequação dos dados disponíveis para preencher tabela anexa (SEI 0826407), bem como prazo necessário.

 A resposta ao Cade chegou no dia 03 de março de 2021, em versão pública (SEI 0874087) e de acesso restrito ao Cade e à Raízen (SEI 0874091).

Referente ao item “a)”, a Raízen informou na versão pública que não possui base de dados unificada de controle da comercialização de revenda de combustíveis para fornecer ao DEE.

Ressalte-se que a resposta causou estranheza ao DEE. Considerando o porte da empresa, seria esperado que a Raízen dispusesse de forma sistemática todas as informações solicitadas pelo DEE conforme anexo do referido ofício (SEI 0826407).

[RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]

Desse modo, conforme a própria empresa, em resposta ao ofício no 3377/2020/CGAA6/SGA2/SG/CADE (SEI 0762418), [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]

Ou seja, a versão contada pela representada é que [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]

Entende-se ser inverossímil que a empresa distribuidora exija a contratualização de cláusulas [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]. De igual forma, é pouco crível que uma empresa faça [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]

De todo modo, admitindo a versão apresentada pela oficiada, é muito difícil que o Departamento de Estudos Econômicos realize qualquer tipo de análise sobre impacto nos preços de distribuição e dos revendedores, nos lucros e na concorrência de maneira geral, sobre a sugestão de preços feita pela empresa representada se [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN] A resposta apresentada à motivação da referida prática aparenta ser de caráter genérico.

Muitas destas informações apenas a própria distribuidora poderia ter de maneira organizada e já sistematizada, até mesmo para demonstrar para a Autoridade de Defesa da Concorrência qual o impacto de sua prática. No entanto, como já referido acima, tal não se verificou.

Sobre a questão do item “b”, referente à plataforma “CS Online”, na qual os revendedores realizam a colocação de pedidos, a Raízen explicou, [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN] Outrossim, responde, para a numeração (ii), em que se questionava como esses algoritmos funcionava, [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN] Note-se que, conforme a própria empresa, em resposta ao Ofício n° 5539/2019, a Raízen [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN] Considerando-se as respostas aos ofícios da SG e ao enviado pelo DEE,[RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN] 

É importante considerar a posição única que a empresa possui de guarda deste tipo de informação. Ainda que o processo acima pareça improvável, é muito difícil se contestar as informações apresentadas pela empresa. A incerteza sobre o informado é tanto mais prejudicial porque há um grande potencial de que as sugestões feitas pela Raízen, em diferentes mercados e municípios caracterizem algum tipo de ingerência no dia a dia da empresa. O CS-Online é um aplicativo disponível na apple store e no google play:

Figura 1 – Aplicativo “CS-Online”

Fonte: https://csonlinetenant.b2clogin.com/csonlinetenant.onmicrosoft.com/oauth2/v2.0/authorize?p=B2C_1A_SeamlessMigration_signuporsignin_UserName&client_id=9ee58843-cddd-427d-a2af-2911434ad880&nonce=defaultNonce&redirect_uri=https%3A%2F%2Fcsonline.com.br%2Fpt-BR%2FPages%2FLogin%2FLogin.aspx&scope=openid&response_type=id_token&prompt=login&ui_locales=pt-BR&response_mode=query e https://apps.apple.com/br/app/csonline-ra%C3%ADzen/id1140243414

 

É possível questionar a probabilidade de a empresa com este tipo de sofisticação fazer [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]

Ora, uma empresa e um software com este tipo de sofisticação, quando inclui alguma recomendação de preços, tal se dá com base em cálculos, estatísticas e de maneira possivelmente automatizada, via algoritmos já pré-definidos. No entanto, quando questionada qual seria o algoritmo que utiliza para precificação, o DEE recebeu a seguinte resposta: [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN] Neste contexto, é ainda menos verossímil que a escolha de sugestão de preços por parte da Raízen seja feita de forma aleatória, sem qualquer justificativa, base de dados e memória.

Diferente do que respondeu ao DEE, a empresa conta aos seus investidores que tem algoritmos que identificam melhores oportunidades de geração de valor para os postos Shell, no estilo “ganha-ganha”:

Figura 2 – Informe aos investidores 1

Fonte: https://www.raizen.com.br/relatorioanual/2021/pdf/raizen-rs2021-pt.pdf

Mesma informação consta no relatório de 2019 e 2020 da Raízen:

Figura 3 – Informe aos investidores 2

Fonte: Relatório de 2019 e 2020.

Pode-se inferir que a empresa utiliza, portanto, algoritmos de inteligência artificial para “influenciar” as políticas de pricing, otimização e personalização das relações com revendedores e clientes, mas não os utiliza [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]. Talvez, os analistas de pricing da empresa sejam capazes de processar inúmeras variáveis e otimizar o preço sugerido sem o auxílio de programas ou algoritmos, já que, entre suas atribuições, está a análise das melhores sugestões de preços de bombas para a carteira de postos revendedores, como pode ser observado no anúncio de vaga para a posição na empresa:

Figura 4 – Anúncio de vaga para Analista de Pricing Pleno, requisitos e responsabilidades

Fonte: http://www.canaonline.com.br/conteudo/raizen-contrata-analista-de-pricing-pleno.html. Acesso em 27/06/2023

No Linked In, é possível encontrar analistas de pricing da empresa que têm, de fato, a atribuição de “auxiliar o time de vendas no melhor approach junto aos revendedores para maximizar margem e volume e analisar quais as melhores sugestões de preços de bombas para a carteira de postos revendedores, bem como analisar as demandas de preços e aprovar exceções (descontos e ações de preços)”[5].

Enfim, cumpre salientar como é pouco provável que uma empresa que faz este tipo de sugestão por meio de analistas e gerentes de pricing e que divulga o uso de algoritmos de inteligência artificial para se relacionar com os postos de combustíveis tenha fornecido este tipo de resposta ao CADE, com pouca qualidade informacional.

Relativo ao item “c”, em que se requer os contratos assinados com postos de gasolina, [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]

Em relação à concessão de bonificação e obrigações mínimas de galonagem,[RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]

Questionada no item “d” sobre a racionalidade econômica ou justificativa para que a empresa apresente preços sugeridos a postos revendedores, segue transcrição da resposta da representada:

[RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN] (grifo nosso)

Por fim, pertinente ao item “e”, em que solicitava preenchimento de tabela em Excel, a Raízen informou que, [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]

Portanto, verifica-se uma ausência de informações inicialmente solicitadas para análise do caso por este Departamento de Estudos Econômicos. A representante alega não dispor de forma sistemática dessas informações. Todavia, as informações divulgadas a investidores da empresa, bem como aquelas que constavam dos currículos de profissionais por ela empregados apontavam para a existência de ferramentas automatizadas que não foram devidamente explicitadas ao DEE, por mais que se tenha feito questionamentos específicos a este respeito.

Assumindo que a Raízen não possua as informações solicitadas pelo DEE, é relevante ressaltar que a empresa assuma a responsabilidade a respeito de possíveis e eventuais efeitos que são esperados, em razão de sugestões feitas neste mercado específico, por razões estruturais, como já se explicou. Assim, não se descarta que o que se verificou em Marília/Bauru, possa ser verificado em outras regiões do Brasil.

Em 26 de maio de 2021, o DEE enviou ofício à Associação Brasileira de Revendedores de Combustíveis Independentes e Livres (Abrilivre), Ofício no 3643/2021/DEE/CADE (SEI 0910114), sendo que a resposta da associação ocorreu no dia 22 de junho de 2021 (SEI 0921583), em caráter sigiloso.

Preliminarmente, a Abrilivre requereu a concessão de tratamento sigiloso/acesso restrito às informações e documentos

[ACESSO RESTRITO AO CADE]

Ainda na análise do DEE, em maio de 2021, foram expedidos 17 ofícios[7] a diversos sindicatos de comércio varejista de derivados de petróleo para que pudessem apresentar quaisquer indícios que contribuíssem com as investigações do caso. Foram feitos os questionamentos em relação ao conhecimento de: que postos revendedores que pertençam a Rede Raízen teriam seguido a sugestão de preços ou a fixação de preços, que haveria algum tipo de coação por não obedecer a sugestão ou a fixação, que nos contratos haveria cláusulas comerciais que gerariam algum efeito anticompetitivo, bem como apresentação de demais informações relevantes.

Em relação às respostas aos ofícios, dois sindicatos apresentaram respostas às questões formuladas ainda que não se envolvessem nas contratações bilaterais entre postos e distribuidores. A maior parte dos sindicatos, porém, alegou que por não se envolverem nas relações entre distribuidoras e revendedores, não tinham informações úteis ao Cade.

A Sincopetro/SP (SEI 0915613) enunciou que tinha conhecimento de ações movidas por advogados contratados diretamente pelos postos, que poderiam ser pesquisadas junto aos Distribuidores Cíveis do TJ/SP, além de ações civis públicas ingressadas por entidades sindicais na 3ª Vara Federal. Destaca-se que a Superintendência-Geral do Cade solicitou as ações civis públicas na 3ª Vara Federal.[8]

A Sulpetro/RS (SEI 0915636) destacou que: “O contrato de adesão elaborado inteiramente pelo departamento jurídico da Raízen, ao qual os revendedores são obrigados a aderir para integrar a REDE DE POSTOS SHELL, contém cláusulas de preço que permitem à RAÍZEN a prática de preços diferenciados entre revendedores, o que somado a fixação unilateral do preço de venda dos combustíveis tem o condão de resultar em efeitos anticompetitivos.”

A Paranapetro, (SEI 0916163) enviou parecer do advogado Arthur Viliamil Martins que concluiu pela conduta anticompetitiva por meio de troca de mensagens, e-mails e conversas telefônicas entre distribuidores e revendedores que indicam a fixação de preço de revenda e a tentativa de indução de conduta comercial uniforme. O parecer havia sido contratado quando de investigação policial e encaminhado à Promotoria de Defesa do Consumidor.

Por fim, no dia 28 de fevereiro de 2023, o DEE enviou ofícios a postos revendedores de combustível da Raízen, conforme relatado anteriormente. O questionário enviado aos postos pode ser consultado no processo (SEI 1201480). A lista inicial de revendedores oficiados (SEI 1202366), proveio de resposta da representada ao Ofício 9207/2020/DEE/CADE (SEI 0847969). No momento da instrução, contudo, havia postos que constavam da lista, mas não eram vinculados à empresa, bem como outros que não constavam da lista, mas eram bandeirados pela Raízen. Revendedores ligados à Raízen que não haviam recebido o e-mail originalmente e entraram em contato com o Cade e foram incluídos na lista de distribuição. Ao final do prazo de resposta, haviam sido enviados 4.355 ofícios (SEI 1202366). Foram recebidas 1.639 respostas, o que corresponde a aproximadamente 37% dos ofícios enviados, mas em 13 dessas respostas não constava o CNPJ do posto, tampouco a razão social.

Durante o prazo de resposta (de 28/02/2023 a 08/04/2023), servidores do Cade responderam mais de quinhentas mensagens eletrônicas de postos de combustíveis. Uma parte das mensagens visava solicitar esclarecimentos acerca da veracidade do ofício ou esclarecer dúvidas sobre seu preenchimento. Em outras mensagens era informada incorreção relativa ao destinatário da mensagem – por exemplo, a pessoa não tinha mais conexão com o posto ou solicitava o envio do questionário a revendedores vinculados à Raízen não oficiados. Houve também relatos de problemas técnicos no envio do questionário ou em seu preenchimento.

[ACESSO RESTRITO AO CADE]

Figura 11 - Trecho do Questionário enviado aos postos pela Raízen

Fonte: DEE.

Além das mensagens de postos, no transcorrer do período em que o ofício estava disponível para resposta, ocorreram três reuniões relativas a ele. [ACESSO RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]

A Abrilivre solicitou reunião, realizada também em 13/03/2023, com o fim de se colocar à disposição para divulgar o envio do ofício para seus associados. A associação informou que colocaria em seu site na internet a informação e os e-mails de contato do Cade para o caso de algum posto vinculado à Raízen não ter recebido o ofício. Em reunião posterior, em 22/03/2023, a Abrilivre informou que havia feito a divulgação.

 

4. ANÁLISE

Em relação às respostas aos questionários, o Gráfico abaixo mostra que revendedores de 25 estados responderam o ofício. A maior parte dos respondentes está em atividade na região Sudeste, mas houve respostas em todas as outras regiões do País.

Gráfico 1 - Quantidade de Postos Respondentes por Estado

Fonte: Elaboração própria pelo DEE com base nas respostas dos Questionários Digitais.

Referente às respostas dos postos revendedores, 144 estabelecimentos responderam “Sim” a pergunta: “Alguma vez a Raízen sugeriu ou fixou preço de revenda de seu posto?”. Como se pode observar no Gráfico abaixo, a maior parte dos postos que responderam afirmativamente a essa pergunta estão localizados em São Paulo. Considerando que a maior parte dos respondentes do questionário, estão nesse estado, isso era esperado. Há, contudo, respostas positivas de postos localizados em outros sete estados e no Distrito Federal.

Gráfico 2 - Quantidade de Postos que Responderam Sim à Pergunta sobre Fixação ou Sugestão de Preços

Fonte: Elaboração própria pelo DEE com base nas respostas dos Questionários Digitais.

A resposta positiva a essa pergunta isoladamente não indica necessariamente a prática de uma conduta anticompetitiva, mas é um indício. A fim de entender quais os impactos dessa conduta e como a prática era realizada, foi feita uma série de perguntas adicionais aos postos que responderam positivamente à questão sobre a sugestão ou fixação de preços. Note-se que, se, por um lado, essas questões permitiram que se entendesse mais profundamente a prática, por outro, elas foram um desestímulo à resposta positiva à questão sobre a sugestão ou fixação de preços. Se um respondente não se sentisse prejudicado com essa prática e se pretendesse terminar o questionário o mais rapidamente possível, poderia responder não à pergunta sobre fixação ou sugestão de preços apenas para diminuir o tempo gasto com o preenchimento do questionário. 

Tendo isso em consideração, passa-se a análise das perguntas específicas aos postos que responderam afirmativamente ao questionamento sobre a sugestão ou fixação de preços. Conforme os postos, o principal meio empregado para sugerir preços pela Raízen era por meio de funcionários próprios (105 respostas), mas a empresa também usava sistema informatizado (49 respostas), terceirizados (18 respostas) e outros meios. Sobre a pergunta: “As sugestões ou imposições de preços da Raízen resultavam em preços mais altos do que os que seriam cobrados pelo posto se elas não existissem?”, 73 postos responderam afirmativamente a essa questão. Outrossim, 105 desses 144 postos alegaram que as sugestões/imposições de preços eram feitas diretamente pela Raízen.

Seguem alguns relatos dos postos revendedores em resposta à pergunta: “Dê mais detalhes a respeito de como eram feitas as sugestões ou fixações de preços pela Raízen”:

(1) “as sugestões de preço ficam disponíveis no site do revendedor raizen”;

(2) “quando se consultava os preços do dia aparecia do lado de cada produto o preço sugerido pela companhia isso a partir de 2014 que foi a ano que adquirimos o posto antes disso não sei como funcionava e a alguns anos esse preço sugerido já nao é mais praticado pela Cia”;

(3) “Denuncia !!!! Denuncia!!! Denuncia !!! Eu fui expurgado do mercado de combustíveis pela Raízen combustíveis SA, [ACESSO RESTRITO AO CADE] A Raizen está concentranto (sic) todos os seus postos nas mãos de poucos revendedores, formando várias redes de postos artificialmente, com vistas a eliminar a concorrência local e poder subir os seus preços !!!! Consigo comprovar estes fatos em Belo Horizonte e Brasília !!! Já a fixação de preços de bomba é feita conforme pode-se apurar na operação margem controlada que aconteceu em Curitiba !!! Um motoboy contratato (sic) pela Shell através de uma empresa terceirizada passa semanalmente nos postos tirando fotos dos preços de boma (sic) e depois lança num sistema chamado pp click que vai para um aplicativo (sic) chamado completa ai! o supervisor de vendas [ACESSO RESTRITO AO CADE] através dos preços de bomba do revendedor fixa os preços de custos infringindo assim o artigo 36 da lei 12.529!!!”;

(4) “em agumas (sic) oportunidades foram sugeridos preços temporários, para tornar o posto, segundo os acessores (sic), mais atraentes para os consumidores”;

(5) “Quando iria comprar o combustível no sistema havia sugestão de preço”;

(6 )“tinham uma tabela sugerida”;

(7) “Raramente eles sugeriam preços mas nunca fomos obrigados à aceitar tais preços. Eram apenas sugestões”;

(8) “A condição comercial era condicionada ao preço de revenda. Se colocar preço sugerido, eles baixavam o preço do combustível”;

(9) “A Raizen tem patamares de preço de custo para o posto, que dependem do preço de venda praticado pelo posto. Por ex. o combustível sobe, o posto pega o novo custo (sic), acrescenta a margem de revenda (a mesma praticada antes do aumento) e determina o preço de venda, se o novo valor de venda mudar de patamar a Raizen aumenta o preço de custo. Eles controlam o posto através de motoboys que uma vez por semana passam no posto e anotam os preços. Se o posto aumenta o preço, automaticamente eles aumentam o custo. O assessor faz uma sugestão de preço de venda e com isso faz o preço de custo. Diariamente passa um motoqueiro tirando foto do meu placar de preço de venda”;

(10) “Para obter preço de compra mais baixo, estipulam um preço máximo de venda nas bombas”;

(11) “as sugestões se davam periodicamente e, não tem como não seguir. não temos como ter certeza de que os outros postos tinham conhecimento”;

(12) “O distribuidor indica apenas sugestão de preço, são três sugestões de preço de venda para diferentes preços de compra, não somos obrigados a seguir a sugestão de preço”;

(13) “Era feita diariamente consulta de preços de vendas do posto por pessoas da Raízen para realizarem preço de compra encima (sic) do preço da venda final”;

(14) “gerente de território veio até nosso posto informou que a gasolina aditivada passaria ter um novo valor ante a gasolina comum e sugeriu uma margem maior para trabalhar no preço de venda da gasolina aditivada”;

(15) “sempre que a (sic) uma mudança de preço a sugestão de preço é feita pelo funcionário da Raízen”;

(16) “a sugestão é feita diretamente pela nossa gerente de área chamada de GT sempre que ouver (sic) mudança de preço significativa”;

(17) “a sugestão de preço e feita pela própria GT (gerente de área)”;

(18) “Condição de preço de compra atrelado ao preço de venda praticado pelo posto, com coleta periódica de preços de venda por uma equipe terceirizada da Raizen”;

(19) “É e era sugerido um preço de venda ao consumidor final que se fosse seguido teríamos um preço de custo menor pois o preço sugerido era e é normalmente um preço baixo. Caso não se coloque o preço sugerido o preço de custo aumenta imediatamente pois é acompanhado por motoboy contratado pela Raízen quase que diariamente”;

(20) “No passado no site da Raizen havia uma sugestão de preços, eles coletavam preço das cidades identificavam um modal e faziam a sugestão em cada produto... algumas vezes essa sugestão era maior que meu preço de bomba outras vezes igual”;

(21) “É dado descontos de acordo com a aceitação ou não do preço sugerido. Sempre sugerindo preços mais baixos”;

(22) “no caso da gasolina V.Power é sugerido que seja partricado (sic) um preço de venda de 0,20 centavos a cima da gasolina comum”.

Como se pode notar dessas transcrições, ainda que os relatos sejam diferentes, muitos são condizentes com o afirmado pela Abrilivre e entre si. Essas questões serão debatidas de forma mais detalhada a seguir, mas o mero relato já chama a atenção para a existência de pessoas responsáveis por fazer o monitoramento presencial dos preços praticados pelos postos de combustível e a prática de aumento de preços de compra para postos que não seguissem a sugestão de preço de revenda.

Na pergunta inicial não se distingue a fixação de preços da sugestão. Os relatos acima permitem compreender melhor a conduta. Somam-se a eles respostas a perguntas específicas adicionais. Questionados se havia represália para quem não cumpria a sugestão de preços, 104 postos afirmaram que não havia represália, 6 informaram que havia, mas não especificaram quais eram e 34 detalharam suas respostas. A maior parte destes indicou que havia aumento do preço dos combustíveis se não seguissem o que a empresa determinou. Paralelamente, questionou-se se decorria alguma vantagem para o posto da sugestão ou fixação de preços. Enquanto 106 negaram haver qualquer vantagem, 38 afirmaram que havia vantagem, sendo esta a redução dos preços de compra de combustível ou a concessão de descontos. Note-se que a conduta da Raízen de estabelecer os preços de compra do posto a partir de seus preços de revenda parece ter sido interpretada de maneira diferente por diferentes postos. Alguns entenderam que o aumento do preço de compra se não fosse seguida a sugestão de preço de revenda da empresa era uma represália. Outros entenderam que a empresa os favorecia se adotassem a conduta preconizada.    

Conforme a resposta de 76 postos de combustível parece que a prática continua (51 outros postos afirmaram que ela foi descontinuada, e outros 17 não responderam). No que se refere aos efeitos da conduta da distribuidora nos preços, de acordo com os postos, 73 afirmaram que as sugestões ou imposições resultavam em preços mais altos do que aqueles que seriam cobrados pelos postos se elas não existissem, 60 afirmou que a conduta não tinha esse efeito, e 11 não responderam.  

Para o enquadramento da conduta, é importante entender o poder de barganha dos revendedores em face da distribuidora e a facilidade de um revendedor se desvincular do distribuidor. Em relação ao poder de barganha, as respostas dos postos em que explicam como é feita a negociação dos preços dos combustíveis com a Raízen mostram que os postos bandeirados têm pouquíssimo poder de barganha. Conforme postos respondentes, existem gerentes de território ou assessores comerciais regionais da Raízen, e há postos que relatam negociar com esses funcionários da empresa quando necessário. Repetem-se, contudo, respostas como as transcritas abaixo, nas quais postos afirmam não haver qualquer espaço para negociação:

(23) “Não existe negociação formal. Os preços são impostos por eles diariamente. Constantemente reclamamos sobre os preços estarem mais altos que os concorrentes e dificilmente temos um retorno positivo”;

(24) “Eles determinam o valor”;

(25) “Não há negociação. A compainha terceiriza (sic) uma empresa que faz 2 vezes por semana a coleta de preços junto aos Postos bandeirados Shell. este preço coletado estabelece o preço de custo do revendedor. Caso o revendedor aumento seu preço por deliberalidade (sic) e opção mercadológica, imediatamente os preçso (sic) de custo são ajustados pra cima, dividindo a margem com o revendedor”;

(26) “[A]s altas e as baixas de mercado são repassadas pela companhia, porem as vezes demora muito tempo para que se compre o combustivel com preço correto de mercado”;

(27) “NÃO TEMOS NEGOCIAÇÕES DE PREÇOS. ELES FIXAM O PREÇO E PRONTO”;

(28) “[N]ao tem negociaçao o preço esta fixado no portal. faz-se o pedido. no momento de carregar caso houve alteraçao do mesmo ja vem com preço do momento de carregamento”;

(29) “Em regra cumpre-se o valor do dia, sem negociação”.[9]

A percepção diferente dos postos em relação a seu poder de barganha pode estar relacionada a diferentes fatores como o tamanho do posto e a rede a qual pertence e sua localização. Assim, não surpreende que exista um grupo de postos que consegue negociar com a distribuidora, enquanto outro grupo se vê obrigado a comprar combustível independentemente do valor.  Isso pode ser observado nos seguintes trechos de respostas:

(30) [RESTRITO AO CADE]

(31) [RESTRITO AO CADE]

(32) “GRANDES REDES COMPRAM MAIS, CONSEGUEM PREÇO MELHOR E ASSIM VENDE POR UM PREÇO MELHOR”;

(33) “O preço que a Raizen vende os combustíveis, também são diferentes entre os revendedores. As grandes redes chegam a pagar de 10 a 25 centavos mais barato do que a gente. Isso torna uma competição desleal entra os revendedores de mesma bandeira”;

(34) “O resultado e que a distribuidora dispunha desses mecanismos para alavancar a margem do pequeno revendedor para subsidiar as grandes redes com volumes maiores”.

Outrossim, verifica-se que em torno de 25 respostas, houve contato do posto revendedor com o assessor, gerente ou funcionário da Raízen para uma negociação de preços de compra de combustível. No entanto, a negociação era na maior parte das vezes pautada no valor de venda dos combustíveis no posto. Isto é, se aumentar o valor de venda, o valor de compra também sobe, resultando em esmagamento de margens. Em mais de 60 respostas, foram mencionadas que não havia qualquer espaço para negociação.

Quanto à facilidade para se desvincular da bandeira, um dos principais fatores é o prazo contratual. Se ele for longo, muito provavelmente o posto terá custos associados ao rompimento do contrato se quiser mudar de fornecedor. A média do prazo contratual, considerando-se todos os postos que responderam ao questionário, excluídos os treze que não se identificaram e 25 que informaram data de encerramento anterior à data de assinatura do contrato, é de 2.318 dias, um pouco mais de seis anos. A mediana do prazo contratual desse mesmo conjunto de postos é de 1.827 dias. O Gráfico abaixo mostra a distribuição do prazo contratual de acordo com o ano em que o contrato foi firmado. A partir de 2014, há uma redução contínua nos prazos contratuais. Ainda assim, a mediana dos ajustes, nos anos mais recentes, supera três anos, e há uma quantidade considerável de outliers

Gráfico 3 - Boxplot - Duração do Contrato em Dias, conforme o Ano de Assinatura

Fonte: Elaboração própria pelo DEE com base nas respostas dos Questionários Digitais.

Na avaliação subjetiva dos postos, 379 afirmaram que achavam o prazo contratual muito longo. Muitos dos contratos firmados por esses postos têm prazo superior a cinco anos e, segundo os postos, o mercado de combustível é dinâmico, havendo mudanças consideráveis em pouco tempo. Por isso, muitos apontaram que o ideal seria a negociação de contratos com cinco anos ou até menos. Além disso, conforme os postos, durante o prazo contratual, o poder de barganha é muito reduzido.

Mais importante que o prazo contratual, no entanto, é a explicação dada por alguns postos de que seus contratos têm cláusulas combinadas de tempo e galonagem (quantidade de combustível adquirida pelo posto). Se a galonagem prevista inicialmente para o tempo contratual não é atingida, o contrato mantém-se até que seja alcançado o valor estabelecido contratualmente. Isso, conforme alguns postos, influencia no prazo contratual significativamente:

(35) “O contrato em questão do tempo não é longo, porém visto que se não alcança a galonagem prevista, ele vai renovando automaticamente, se tornando quase 3x mais tempo”;

(36) “Porque o contrato original venceria em [RESTRITO AO CADE] para um volume mensal de [RESTRITO AO CADE] litros mês. Esse volume foi fixado unilateralmente pela aizen e se mostrou impossível de ser atingido, mesmo antes da pandemia, considerando que o Posto iniciou suas atividades em [RESTRITO AO CADE]. Vencido o contrato, fomos obrigados a assinar aditamento para cumprir o restante do volume no prazo fixado pela Raizen”;

(37) “Contrato envolve galonagem ou tempo caso galonagem não seja atingida o prazo será prorrogado”;

(38) “Por [que] o contrato é regido por vigência e por volume e o para cumprir o volume que é muito grande demandas mais de 10 anos”;

(39) “O contrato junto a Raizen está atrelado a aquisição de um volume, sendo que esse volume é previsto para se encerra (sic) em 8 anos de contrato, prazo bem elevado considerando a alterações econômicas e mercadológicas que ocorrem no mercado de combustível”;

(40) “Porque para cumprir os volumes estabelecidos de [RESTRITO AO CADE] são difíceis considerando a constante mudança de mercado e concorrência. Ex. Muitos postos novos bandeira branca, postos de bandeira com preços bem mais baixos e aumento de volume considerável no estado de GNV entre outros fatores”;

(41) “Os volumes colocados não são finalizados nas condições atuais de mercado”.[10]

A maior parte dos respondestes (939) afirmaram que há galonagem mínima prevista no contrato. Destes, 164 não informou o valor da galonagem ou se a considerava muito alta. Dos demais, 51 informaram que a galonagem exigida era maior que 2.500.000 litros mensais. No Gráfico abaixo, são apresentados os boxplots para da galonagem exigida para os postos restantes, considerando a percepção do posto sobre essa cláusula contratual. A maior parte dos postos (505 de 724) afirmaram que a exigência não era excessiva. Verifica-se no gráfico que o valor mediano de galonagem mínimo contratualizado para os postos que consideram a exigência excessiva é maior.

Gráfico 4 - Boxplot - Galonagem em Litros, conforme a Percepção do Posto sobre a Exigência

Fonte: Elaboração própria pelo DEE com base nas respostas dos Questionários Digitais.

Na explicação de por que consideravam a galonagem exigida muito alta, alguns postos explicaram que as condições mercadológicas mudaram do momento em que o contrato foi assinado para o momento atual:

(42) “Quando o contrato foi assinado o posto vendia essa litragem, porém o mundo enfrentou uma pandemia, que reduziu consideravelmente o volume de vendas, impedindo o cumprimento do volume contratado. Hoje o home office foi implantado em diversas empresas, reduzindo a circulação de veículos e consequentemente o abastecimento destes. Até hoje nunca mais o posto atingiu a mesma venda de combustíveis que possuía antes da pandemia”;

(43) “HOUVE UMA SÉRIE DE MODIFICAÇÕES NO MERCADO A PRESENÇA AGRESSIVA DO TRRS (sic) FEZ DIMINUIR MUITO A GALONAGEM”;

(44) “Quando foi assinado o contrato este volume era razoável. Posteriormente outros postos foram instalados e o volume se diluiu. Inclusive abriu posto da mesma bandeira na área de influência. O posto perdeu volume. Mas o contrato com a distribuidora permaneceu o mesmo”;

(45) “Muitas variáveis ocorrem no decorrer do contrato, por exemplo a via em frente ao posto tornou-se mão única, a covid-19 diminuiu as vendas, o preço da concorrência é muito mais atrativo que o nosso, dentre outros”;

(46) o número de postos concorrentes nas proximidades subiu muito e reduziu o volume de vendas não atendendo as expectativas anteriores”.

Além dos muitos relatos como esses, vários postos informaram que não conseguem atingir a galonagem mínima contratualizada, como os exemplos a seguir:

“porque a media do posto é de 65000 litros/mês" (O valor da galonagem exigida é 150.000 l);

“Tivemos pela concorrencia dos postos na região dificuldades em chegar a 60000 lts. Depois descobri que um dos postos que praticava preços irreais recebia combustíveis a mais de R$ 0,10 menor” (O valor da galonagem exigida é 225.000 l);

“[O] volume de venda é 40 mil e da galonagem é 100 mil por mês”;

“TENHO VOLUME ATUAL DE 100 M3 MENSAL, ONDE A MESES QUE VENDO ABAIXO DISSO” (O valor da galonagem exigida é 170.000 l);[11]

Soma-se ao prazo contratual e à exigência de se cumprir a galonagem, a bonificação recebida por alguns postos e a obrigação de ressarcir a empresa. Afirmaram ter recebido bonificação, 683 revendedores, enquanto 688 responderam não ter recebido nenhum valor da distribuidora. O valor médio recebido pelos postos que receberam bonificação foi de R$ 12.495.063,00, e a mediana foi R$ 500.000,00. Há dois postos que afirmaram ter recebido bonificações maiores que R$ 1.000.000.000,00 e um maior que R$ 400.000.000,00. Certamente, esses postos influenciaram na média. Sem essas três observações, a média das bonificações é de R$ 8.472.158,13 Os valores das bonificações não foram deflacionados. No Gráfico abaixo, são apresentados os valores das bonificações recebidas, conforme a quantidade de bombas no posto. Foram retirados dos gráficos as três observações de postos que afirmaram ter recebido mais de R$ 400.000.000,00 de bonificação e duas observações de postos que afirmaram ter 66 e 42.708 bombas. Não parece haver relação entre a quantidade de bombas e a bonificação recebida. Dos 683 postos que receberam bonificação, 427 afirmaram que teriam de devolvê-la caso pretendessem mudar de bandeira.

Gráfico 5 - Valor da Bonificação, conforme a Quantidade de Bombas

Fonte: Elaboração própria pelo DEE com base nas respostas dos Questionários Digitais.

Mesmo que não tenha recebido bonificação, um posto pode não ter condições de romper um contrato vigente devido à multa contratual cobrada. Do total de respondentes identificados, 1.031 afirmaram que há multa contratual estabelecida caso o posto deseje mudar de bandeira. A maior parte dos postos (890) não respondeu o questionamento sobre a percepção em relação à multa contratual, 461 afirmaram que ela é bastante elevada.

A maior parte dos postos respondentes (1.191) tem intenção de permanecer como distribuidor da Raízen após o final do contrato vigente. Como se pode observar no Gráfico abaixo, o principal motivo para isso é a percepção de que os consumidores confiam na marca. Fatores financeiros, como bonificação ou empréstimos concedido pela distribuidora não foram muito citados como fatores relevantes. Nesse sentido, é interessante notar que pouquíssimos postos relataram ser a Raízen proprietária do terreno em que estão (10), das bombas (36) ou da loja de conveniência (24).

Gráfico 6 - Fatores que Contribuem para o Posto Permanecer Embandeirado

Fonte: Elaboração própria pelo DEE com base nas respostas dos Questionários Digitais.

Assim, de um lado, há postos que relatam ingerência da distribuidora nos preços praticados na revenda e que consideram as obrigações contratuais excessivas, em especial a exigência de aquisição mínima mensal de combustível. Do outro lado, muitos postos pretendem continuar embandeirados, tendo como principal motivação a percepção do consumidor em relação à marca. É interessante que, paralelamente, 1.095 postos afirmam que há diferenciação de preços entre os postos bandeirados e os não bandeirados, sendo que 499 responderam que a discriminação é bastante grande.

Os postos foram questionados também sobre o emprego de sistemas eletrônicos de precificação, em especial sobre o sistema CS Online. Nas questões por meio das quais se objetivava conhecer o funcionamento desse sistema, 1.567 respondentes afirmaram que ou um funcionário do posto ou seu proprietário conheciam o referido sistema (apenas 59 negaram haver alguém no posto que o conhecesse). O principal uso do sistema é a realização de pedidos (1.531 postos) e a verificação de preços e outras condições de fornecimento (1.274 postos). Há, contudo, quem afirme que o sistema é consultado também para verificar os preços de revenda sugerido pela Raízen (104 postos) e para acompanhar os preços dos concorrentes (20 postos). Não é possível saber, por meio do questionário, se o sistema tem funcionalidades diferentes de acordo com o revendedor.  

Além das respostas a essas questões, alguns postos relataram que a sugestão/imposição de preços de revenda era feita pela Raízen por meio de sistema eletrônico, como mostram algumas das respostas transcritas anteriormente. Além disso, houve relato de que havia sido possível consultar os preços de concorrentes.

Todos esses documentos e dados serão analisados nas subseções a seguir.

Conforme relatado anteriormente, a SG solicitou ao DEE que empreendesse análise econômica com o propósito de verificar se a conduta investigada poderia gerar efeitos negativos à concorrência. Embora, inicialmente, o foco da investigação tenha sido a fixação de preços de revenda, verificou-se que as práticas poderiam ser enquadradas como outras condutas anticompetitivas, tais como esmagamento de margens (margin squeeze), discriminação e influência à conduta uniforme. Nesta análise, será estudado se há indícios a partir dos elementos coletados, de que a prática investigada se caracteriza como uma dessas condutas.

 

   4.1 Fixação de Preços de Revenda

A primeira hipótese a ser investigada é se a Raízen fixa preços de revenda de forma que sua conduta possa resultar em infração anticompetitiva. De acordo com o Voto do Conselheiro Alessandro Octaviani Luis, Processo Administrativo n° 08012.011042/2005-61 (SEI 0003190, fls 1295-1298):

63. A Fixação de Preço de Revenda ("FPR") caracteriza-se por ser uma restrição vertical em que a venda do produto ou o oferecimento do serviço é estabelecida a um preço fixo, mínimo (price floor), ou máximo (price ceiling), por agentes verticalmente relacionados com os ofertantes dos serviços ou com os comerciantes do produto. Em outras palavras, empresas presentes no mercado a jusante têm sua autonomia restringida pela atuação de empresa integrante do mercado a montante. A tentativa de uniformizar os preços comumente se dá por iniciativa de setor localizado acima na Cadeia de produção (mas há casos em que o inverso pode ocorrer).

64. A fixação pode ser acordada pelos agentes ou imposta unilateralmente por um deles, mas verifica-se sempre o caráter compulsório da disposição. Destarte, marcante na conduta é a presença de uma forma de coerção, seja ela expressa ou tácita. Pode ser, então, que o agente declare estar fazendo uma "mera sugestão de preços", mas que, em suas atitudes, revele um senso de obrigação atrelado a essa recomendação. Isso é fortemente verificável quando há uma relação de dependência entre os agentes, ficando um vulnerável às disposições do outro. Aqui, como em poucas situações, a situação das assimetrias de poder tendem (sic) a ser explícitas, palpáveis, não raro, é fácil identificar "grandes" e "pequenos", "detentor" e "dependente". Reforça tal entendimento o parecer da SDE ao dizer que, "mesmo em casos de sugestão de preço de revenda, se há um sistema de coerção crível, o efeito é o mesmo de uma imposição formal". Em outras palavras, o conceito do verbo "impor", presente na Lei no 8.884/94, art. 21, inciso XI, não deve ser entendido como conceito meramente formal; seu significado é aferido materialmente, imerso nas relações concretas de poder, exigindo, como é do feito do direito econômico, uma hermenêutica realista, e não a crença em fórmulas contratuais ou matemáticas, logicamente distante do mundo.

De acordo com a Conselheira Paula Farani em seu voto na Consulta 08700.002055/2021-10, o Cade não teria um entendimento jurisprudencial robusto e desenvolvido sobre a prática de manutenção de preços de revenda. De fato, no que tange a essa prática e a ora investigada, bastante correlatas, as análises têm-se distinguido. No Processo Administrativo 08012.001271/2001-44, em que se julgou a fixação de preços pela empresa SKF, a maior parte do Conselho entendeu que a conduta deveria ser analisada por objeto, ou seja, uma vez constatada, caberia à representada provar a existência de eficiências que compensariam os efeitos anticompetitivos. Desde esse julgamento, por vezes, adotou-se esse entendimento em processos julgados posteriormente, mas houve também a aplicação de entendimento diverso.

Na Consulta 08700.004594/2018-80, em que se avaliou a possibilidade de a empresa Continental implementar política de preços mínimos anunciados, o conselheiro-relator empreendeu a análise pela regra da razão. Indicou, ainda, que essa era a forma adotada pelo Conselho para analisar restrições verticais relacionadas a preços. Em face das diferentes decisões referentes a condutas verticais de preço, a Conselheira Paula Farani buscou sistematizar o entendimento do Tribunal a respeito do modo como a análise dessas condutas deve ser feita em seu voto na Consulta 08700.002055/2021-10. Considerando-se essa sistematização, são pontos relevantes para a análise de fixação de preços:

A partir desses itens, será avaliada a existência de indícios da prática de fixação de preços pela Raízen. Considerando-se uma análise por efeitos, importante também avaliar se há indícios de que a empresa tenha capacidade de impor preços de revenda e, com isso gerar efeitos negativos à concorrência. A análise da capacidade considerará os indícios de que a empresa tem poder de mercado e os contratos firmados entre a empresa e seus revendedores.  

 

      4.1.1 Dos indícios de imposição de preços aos revendedores

Ao longo da instrução processual foram colhidos diversos indícios e provas de que a Raízen, sistematicamente, impõe preços a seus revendedores. Embora a própria empresa afirme que apenas sugeria preços e que mesmo essa prática foi descontinuada, revendedores e entidade a eles vinculada, em diferentes momentos, afirmam que a empresa alterava os preços de compra de combustíveis dos postos caso estes não seguissem o preço sugerido. Ora, uma sugestão que, se não seguida, gera retaliação não pode ser considerada mera sugestão. No mais, também como se verá, postos afirmam que a prática permanece até o presente.

A representada, como já exposto, em resposta aos Ofícios no 5539/2019 (SEI 0707610), e no 7840/2020 (SEI 0874087), afirmou que [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN] Ainda segundo a representada, em maio de 2020, [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN] dos postos revendedores [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN] (SEI 0762418). A empresa não apresentou dados referentes ao ano de 2016, conforme solicitado no ofício no 3377/2020/CGAA6/SGCA2/SG/CADE, [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN].

Indício inicial de que não praticar os preços “sugeridos” pela Raízen pode trazer consequências aos revendedores aparece nos contratos apresentados pela representada ao DEE. No contrato da representada com o posto de combustíveis [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN] (SEI 0874100), apresentado em resposta ao Ofício no 7840/2020/DEE/CADE, a cláusula 4.3 especifica:

[RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]

Cláusula similar consta dos contratos com [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN] todos apresentados pela representada em resposta ao Ofício no 7840/2020/DEE/CADE. Note-se, também, que a cláusula é muito similar à apresentada pela Abrilivre.

Embora a cláusula transcrita acima não seja necessariamente anticoncorrencial, permite que a Raízen utilize os preços de compra para forçar os revendedores a praticarem os preços por ela indicados. Mais ainda, ao determinar-se que os preços de fornecimento serão estabelecidos conforme o posicionamento concorrencial do revendedor em relação a concorrentes em sua área de influência, pode-se estar diante não apenas de uma prática de fixação de preços, mas também de influência à conduta comercial uniforme, conduta que será analisada posteriormente nesta nota.    

 Essa cláusula, ademais, não é letra morta, como indicam relatos constantes de documentos apresentados pela Abrilivre (SEI 0921600) e as respostas aos ofícios enviados pelo DEE aos postos de combustível. [RESTRITO AO CADE]

O revendedor questiona o aumento sugerido na plataforma CSOnline do Etanol comum que altera de [RESTRITO AO CADE] para [RESTRITO AO CADE]. Ademais, solicita-se à Raízen que se mantenha a praticar ao preço antigo para continuar com preços competitivos e cumprir o contrato.

O exposto é semelhante ao que alega a Alcatraz Combustíveis e Conveniência Ltda. no Processo 1087799-60.2020 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (SEI 1053121). Trata-se de ação cominatória, cujo autora é a Alcatraz, que tinha um revendedor de combustíveis vinculada a Raízen, ré no processo. Segundo a Alcatraz, haveria aumentos injustificados de preço por parte da Raízen de maneira a forçar um aumento de preço no posto revendedor, reduzindo o volume de combustível comercializado.

No dia 11/09/2019, por exemplo, o preço de compra do Diesel S10 estabelecido para a Alcatraz, no sistema CSOnline era de R$ 3,2940, como pode ser observado na Figura abaixo, extraída do processo judicial.

Figura 13 - Preço de Compra do Diesel S10 da Alcatraz, no dia 11/09/2019

O preço praticado por um posto localizado a 200 metros do posto da Alcatraz era R$ 3,2940. Seria possível argumentar que não se tratava de posto vinculado à Raízen. Outros dois postos da região vinculados à empresa, contudo, praticavam o preço de R$ 3,2970, como pode ser observado na Figura abaixo.

Figura 14 - Postos Concorrentes - Preço no dia 11/09/2019

No processo, também consta e-mail em que o responsável pelo posto relata ter dificuldades nas vendas devido a seu preço de compra e relata que clientes o questionam de por que ele praticar preços mais altos que outros postos bandeirados Shell. Lendo-se o e-mail, também é possível saber que o posto havia reclamado anteriormente e que essa primeira reclamação resultou em diminuição de seu preço de compra para R$ 3,23, mas ainda mais alto que dos concorrentes.

Em novembro do mesmo ano, conforme relatório do Alcatraz, seus concorrentes aumentaram os preços de venda dos combustíveis. Como o posto tinha que cumprir o volume contratual, optou por não aumentar seus preços de revenda. Conseguiu, assim, obter um grande crescimento em suas vendas. A Raízen, contudo, aumentou os preços de compra do posto ao saber que ele assim agia. Veja-se o relato do posto:

Figura 15- Relatório do Alcatraz - Janeiro de 2020

Considerando que o revendedor tinha a intenção de aumentar seu volume de vendas, o esperado seria que a distribuidora também o que quisesse.

Em 20/03/2020, de novo o preço de compra cobrado do Alcatraz foi maior que o preço de revenda de seus concorrentes, como pode ser comprovado na Figura abaixo:

Figura 16 - Preço de Venda de Concorrente da Alcatraz e de Aquisição da Alcatraz (20/03/2020)

Esse relato poderia ser um caso isolado. Contudo, além da denúncia da Abrilivre, anteriormente mencionada, como relatado anteriormente, em referência ao Ofício n. 2233/2023/DIAP/CGP/DAP/CADE (SEI 1195956), 144 estabelecimentos responderam “Sim” à pergunta: “Alguma vez a Raízen sugeriu ou fixou preço de revenda de seu posto?”. Desses, muitos descreveram procedimentos tais quais os descritos pela Abrilivre, pela Alcatraz e pelos outros postos nos processos judiciais aos quais o Cade teve acesso: não sendo cumprida a “sugestão” de preços de revenda, os preços de compra eram imediatamente alterados. Os relatos abaixo são de postos que em questionamento a questão do Ofício n. 2233/2023/DIAP/CGP/DAP/CADE relataram que seguir ou não o de preço de revenda indicado pela Raízen determinava os preços de compra dos postos:

(51) "Os Poreços (sic) são fixados por indicação do funcionário da Raizen, através de uma tabela, em fica condicionado o preço nas bombas e as margens congeladas. Neste caso, nos revendedores, não temos a liberdade de praticar o preço que nos convém, e temos que praticar o preço e bomba pela Raizen estabelecido através de uma tabela imposta pela própria Raizen. Além disso, recebemos a visita diária de um motoqueiro que fotografa a placa de preços. Se não cumprimos a sujestão (sic) de preços indicada pela Raizen, automaticamente, os preços de compra, sobem";

(52) “Não há verbalização ou descrição em hipótese alguma sob a recomendação de preços por parte da Compainha (sic), entretanto a mesma se faz através da coleta de preços que eles fazem nos postos. Caso seu posto esteja acima do preço que eles chamam de "sugerido", a compainha (sic) aumenta o preço de custo. Isto é velado quando questionado, exatamente por temerem ao CADE ou a formação final do preço ao Revendedor. Usam a frase: "A formação de preço da bomba é de liberalidade do revendedor...", mas se o revendedor por motivos inerentes aos interesses da compainha (sic) (Competitividade, risco ao fornecer crédito para terceiros ou formação de margem) subir o preço o preço de custo aumenta automaticamente. Na nossa região, uma empresa terceirizada pela Raizen, faz a coleta de preços em nosso Posto todas as terças e sextas feiras. Caso tenhamos alterado o preço, já no próximo pedido há o aumento de custo”;

(53) “A Raizen tinha dentro de sua organização um setor de Análise de Preço, nomeado de “Princig”, do qual é responsável Precificar os Revendedores; Coletar informações de Preço de Bomba de seus Revendedores; Reunir preços de outras companhias; Repassar aumentos de Preços, seja por variação de custo do produto em si, concessões de crédito, custo logísticos, alterações de tributos incidentes, margem de distribuição, posicionamento concorrencial dos preços praticados pelo revendedor em comparação a um ou mais postos e até mesmo pela área de atuação da revenda, sempre a critério da distribuidora. Dessa maneira impedia a autonomia da Revenda praticar livremente o Preço de Mercado, mesmo que prejudique a quantidade de venda e a margem do negócio. Caso o Preço de Mercado desse a condição de trabalhar com uma margem melhor, a Raizen taxava o Preço de Custo do produto comercializado. O preço de fornecimento também era atrelado a quantidade consumida de cada Rede; ocasionando aos pequenos revendedores sempre um preço maior comparado aos outros Postos da mesma companhia”;

(54) “A Raizen faz a coleta de preços de bomba através de uma empresa terceirizada. E de acordo com o preço praticado na bomba, a Raizen determina o preço de custo";

(55) "Colocar preço x, o custo seria um. Colcar (sic) preço y, o preço seria outro";

(56) "As sugestões/fixações eram feitas de forma indireta. A Raízen geralmente sugeria um patamar para trabalharmos na venda. O nosso preço de custo era ""cobrado"" em cima do nosso posicionamento na bomba (preço de venda). Semanalmente um rapaz de moto passava/passa no posto, tira foto dos nossos preços e normalmente se nós não estivermos no patamar sugerido pela Raizen, o nosso preço de compra altera (aumenta). Esse procedimento é chamado de COLETA. Sempre que a coleta passa nosso preço de compra aumenta. O preço que a Raizen vende os combustíveis, também são diferentes entre os revendedores. As grandes redes chegam a pagar de 10 a 25 centavos mais barato do que a gente. Isso torna uma competição desleal entra os revendedores de mesma bandeira”;

(57) “sugestão de preços para venda no Shellbox (preço mais baixo). só ganharia o repasse (rebate) caso praticasse o valor sugerido”;

(58) “quanto mais baixo o preço na bomba, melhor o custo no sistema”;

(59) “As sugestões eram feitas através de ligações ou mensagens de Whatsapp. Era sugerido um preço de venda em contrapartida diminuiriam o preço de compra”;

(60) “De acordo com o preço de venda é definido pela distribuidora o preço de compra”;

(61) “o preço de venda ao posto é fixado de acordo com o preço que o posto pratica na bomba”;

(62) “Eles nos passavam o preço de bomba a ser comercializado e se aceitasse eles mudavam os preços de custo”;

(63) “A Shell tinha uma empresa parceira que fazia a coleta de preços do meu posto de gasolina. Com essas informações, eles calculavam o meu preço de venda e sempre pediam fotos da placa de preços para oferecer descontos. Eles tinham um sistema que diziam (sic) ser variável, que aumentava o meu preço de custo quando eu aumentava o preço de venda. No entanto, esse sistema só funcionava quando eu aumentava o preço, pois quando eu abaixava, precisava pedir para a Shell reduzir o preço de custo para mim. Para a Shell, isso era algo normal e justificável. A Shell praticava preços bem mais altos para mim do que os meus concorrentes que também eram Shell”;

(64) “até pouco tempo a Raízen sugeria o preço de que deveríamos praticar, e tentava controlar a margem. um motoboy fotografava os nossos preços nas placas e a Raízen ajustava para cima ou para baixo”;

(65) "no Csonline havia uma sugestão de preço atrelado ao preço de compra. caso o posto não praticasse o preço sugerido ele pagaria outro valor para compra dos combustíveis”.

Assim, diferentes relatos descrevem a ocorrência da mesma prática: se o revendedor não seguisse o preço indicado pela empresa, seu preço de compra subiria. Em alguns relatos, a dinâmica é a mesma, mas descrita de uma forma diferente: a Raízen concederia desconto se o preço praticado pelo posto fosse semelhante aos sugeridos. Embora o resultado da prática não se altere se descrito de uma forma ou de outra, isso pode afetar a percepção do posto sobre a prática da Raízen. Se o revendedor avalia que tem um aumento quando não segue o preço “sugerido”, tende a perceber esse aumento como uma punição. Já se considera ter tido um desconto se seguiu o preço “sugerido”, a tendência é que não veja a conduta da representada como impositiva, o desconto seria um benefício concedido pela empresa. Essa pode ser a razão pela qual 104 dos 144 postos que afirmaram haver sugestão ou imposição de preços terem informado que não havia represálias.

O fato de alguns postos não entenderem a conduta como impositiva não altera o seu caráter anticompetitivo. Os postos bandeirados somente podem adquirir o produto da Raízen. Como se discutirá abaixo, há custos para o rompimento do contrato, de forma que um revendedor que esteja insatisfeito tem dificuldades para trocar de bandeira. Assim, os aumentos de preços de compra aplicados quando um revendedor não segue o preço “sugerido” representa verdadeira punição. Essa punição, a depender do grau, pode não apenas diminuir a margem do posto, mas até levá-lo a operar com prejuízo. Isso porque é pouco provável que um posto consiga praticar preços muito maiores que seus concorrentes próximos. Se a prática é reiterada em relação a um revendedor, pode mesmo induzir sua saída do mercado. O esmagamento de margem pode constituir-se como prática anticompetitiva independentemente da fixação de preços.

Os diversos relatos podem indicar que a Raízen estabelece, ou pelo menos estabelecia, preços de revenda aos postos, e que, se não cumpridos, os preços dos combustíveis vendidos eram elevados como forma de esmagamento de margens (margin squeeze). A fim de verificar se situações desse tipo eram detectadas por meio dos dados públicos divulgados pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), foram analisados os dados coletados semanalmente pela Agência. O procedimento será descrito na próxima subseção.

 

      4.1.2 Análise de discriminação por meio dos dados públicos da ANP

         4.1.2.1 Dados

Os dados utilizados são Séries Históricas de Preços de Combustíveis[12] , da pesquisa de preços da ANP, no formato de dados abertos, para o período que vai de janeiro de 2015 a dezembro de 2021.

No desempenho de suas atribuições legais, a ANP acompanha o comportamento dos preços praticados pelas distribuidoras e postos revendedores de combustíveis por meio de pesquisa de preços (Levantamento de Preços de Combustíveis - LPC[13] ), realizada semanalmente por empresa contratada. A pesquisa abrange gasolina C, etanol hidratado, óleo diesel B, GNV e GLP P13 pesquisados em 459 localidades.

 

         4.1.2.2 Avaliação

Embora a pesquisa seja realizada semanalmente pela ANP, nem todos os postos são visitados todas as semanas. Por essa razão, nem sempre é possível saber qual foi o preço praticado pelo posto na semana anterior. Como não é de conhecimento público o preço possivelmente sugerido pela Raízen, tampouco é possível saber se o preço de compra do posto é uma retaliação da distribuidora em resposta a determinado comportamento. Apesar dessas limitações, é possível verificar se os preços de compra de postos em uma semana são maiores que seus preços de revenda na mesma semana e se os preços de compra de um posto são maiores que os preços de revenda dos postos em sua vizinhança.

Quando o posto pratica um preço de revenda menor que seu preço de compra na mesma semana (situação de prejuízo individual), é possível justificar essa prática por uma situação de mercado (há de se verificar, por exemplo, se os preços praticados pelos demais agentes não impõem essa condição, se há a possibilidade de se estar negociando estoques que foram comprados a um preço menor etc.). É mais difícil, no entanto, justificar o que chamamos de discriminação, que é quando o preço de compra de um posto é maior que o preço de revenda dos postos vizinhos.

A vizinhança foi definida como conjunto de CNPJs envolvidos em transações de um certo produto, sob uma bandeira específica, numa determinada data, em uma dada região geográfica. Limitou-se a região geográfica ao bairro no qual o posto está localizado. Não se trata de uma definição de mercado relevante (não obstante haver correlações). A ideia fundamental é de que a discriminação é tanto mais questionável quanto mais próximo estiver o vizinho. Note-se ainda que essa definição exclui comparações entre postos de diferentes bandeiras e a possibilidade de os preços de compra diferirem em decorrência da competição entre distribuidores.

Excluído da análise os postos de bandeira branca, foram identificadas 1.636 vizinhanças em que o preço máximo de distribuição era superior ao mínimo preço de revenda. Desse total de vizinhanças, 1.278 tinham único revendedor em sua composição, identificado pelo CNPJ, o que caracteriza uma situação de possível prejuízo individual, ou seja, uma situação em que o revendedor estava praticando preços de revenda menores que os próprios preços de compra.

Nas 358 vizinhanças em que havia mais de um posto de combustível, era possível a ocorrência de três situações distintas, além da que se esperar ser a mais comum, que é um posto comprar combustível a preços inferiores aos seus preços de revenda e de seus vizinhos. Essas situações são:

Foram identificadas 77 vizinhanças em que não havia discriminação, mas havia possíveis prejuízos individuais. Os postos eram das bandeiras Raízen, Ipiranga, Petrobras e Equador.

Foram 241 os casos em que havia discriminação, mas os postos discriminados ainda operavam possivelmente com lucro. Cinco bandeiras constavam das vizinhanças, dentre elas Raízen, Ipiranga Petrobras Distribuidora S.A.

Em 35 vizinhanças havia discriminação com possíveis prejuízos individuais de alguns, estando mais uma vez envolvidas as bandeiras Raízen, Ipiranga Petrobras Distribuidora S.A. de um total de cinco. Por fim, havia apenas cinco situações em que na presença de discriminação se observava um possível prejuízo coletivo.

 

         4.1.2.3 Conclusão da análise

Embora esses exercícios não permitam concluir, isoladamente, que as principais distribuidoras de combustível cobram preços mais altos dos postos que não aceitam suas sugestões de preços, eles permitem verificar que postos muito próximos, da mesma bandeira, na mesma semana, adquiriram combustível por preços diferentes. Mais ainda, as diferenças nos preços são tão altas que, por vezes, o preço de compra de um posto é maior que o preço de revenda do outro. Esses achados vão na direção dos relatos transcritos acima e, em conjunto com eles, indicam a possibilidade de a Raízen punir os postos que não seguem o preconizado com preços de compra mais altos. Nesse sentido, os achados não descartariam que outras distribuidoras também agissem da mesma forma, como Ipiranga e Petrobras.

 

      4.1.3 Da discussão sobre o esmagamento de margens

 Como afirmado acima, o esmagamento de margens (margin squeeze) por si só pode constituir infração anticoncorrencial. Por essa razão e considerando as práticas relatadas e evidências constantes do processo, cumpre rememorar, nesta parte da nota, como é que o Direito Antitruste lida com essa questão.

De acordo com o FTC[14] , há alguns testes que a jurisprudência propôs para fazer a análise das práticas anticompetitivas de condutas unilaterais, referentes à precificação, tais como os seguintes:

os seguintes:

(1) Balanceamento de efeitos                

Segundo o referido teste, deve-se analisar o impacto global de uma conduta sobre os consumidores ou os efeitos líquidos sobre o bem-estar do consumidor.  O teste pergunta se um determinado comportamento reduz a concorrência sem criar uma melhoria suficiente no desempenho para compensar totalmente estes efeitos adversos potenciais nos preços e, assim, evitar danos ao consumidor. O teste torna ilegal toda a conduta pela qual um monopolista adquire ou mantém o poder de monopólio quando a conduta causa dano líquido aos consumidores.[15]

(2) Sacrifício de lucros e falta de sentido econômico

Um teste de sacrifício de lucro pergunta se a conduta investigada é mais lucrativa no curto prazo do que qualquer outra conduta em que a empresa poderia ter se engajado e que não tivesse os mesmos (ou maiores) efeitos excludentes. Se a conduta não for a mais lucrativa, a empresa estaria sacrificando os lucros no curto prazo ao investir em seu esquema excludente, para, no longo prazo, assegurar o poder de monopólio e recuperar os lucros perdidos. Sobre a aplicação deste teste, citam-se os casos norte-americanos Aspen Skiing; Matsushita Industrial Co., Ltd. v. Zenith Radio Corp.; Brooke Group.

Todavia, alguns críticos sustentam que o teste de sacrifício de lucros é inadequado em diversas situações, tais como acordos de exclusividade, que fazem sentido econômico para o acusado "precisamente porque eles diminuem a competição de rivais pelo negócio afetado". Assim, não há uma maneira prática de separar os benefícios econômicos para um réu do impacto excludente sobre rivais. Outro exemplo diz respeito a práticas de sham-litigation, que falham nos testes de não-senso econômico ou do sacrifício de lucro. Em razão disto, por mais que a Jurisprudência reconheça tais testes, o FTC entende que os mesmos não são adequados, em especial para análise da Seção 2 do Sherman Act.

(3) Competidor igualmente eficiente                

Segundo o teste do competidor igualmente eficiente tem-se que se a prática excluir, de maneira provável, um concorrente igualmente ou mais eficiente, então, será anticompetitiva. Ver, por exemplo, LePage's Inc. v. 3M, 324 F.3d 141, 155 (3d Cir. 2003) (en banc); Concord Boat Corp. v. Brunswick Corp., 207 F.3d 1039, 1063 (8th Cir. 2000); Barry Wright Corp. v. ITT Grinnell Corp., 724 F.2d 227, 232 (1st Cir. 1983) (Breyer, J.); Ortho Diagnostic Sys., Inc. v. Abbott Labs., Inc., 920 F. Supp. 455, 466 (S.D.N.Y. 1996). Há críticas para uso deste tipo de teste em mercados com concorrência nascente, bem como em mercados multiproduto (em que a eficiência deve ser considerada em todos mercados analisados).

(4) Desproporcionalidade                      

Na ausência de uma regra específica de conduta, a conduta é anticoncorrencial sob a seção 2 quando resulta em "dano à concorrência" que seja "desproporcional aos benefícios do consumidor (ao fornecer um produto superior, por exemplo) e aos benefícios econômicos para o requerido (para além dos benefícios decorrentes da diminuição da concorrência)." No âmbito do critério da desproporcionalidade, uma conduta potencialmente com efeitos simultaneamente competitivos e anticoncorrenciais é anticoncorrencial se seus prováveis danos anticoncorrenciais superarem substancialmente seus prováveis benefícios pró-competitivos.

Segundo o FTC, caso seja corretamente aplicado, o teste de desproporcionalidade reduz a necessidade de mensurar e de equilibrar com precisão os efeitos maléficos e benéficos, os quais são uma tarefa difícil e onerosa.

Caso se admita a prática de esmagamento de margens como ilícita, o teste do Concorrente Igualmente Eficiente (teste CIE) sobressai-se em relação aos demais em termos de aplicabilidade e possibilidade de mensuração mais imediata, muito embora todos os testes acima de algum modo possam conversar entre si. O teste (CIE) tem suas origens nos escritos de Posner (1974) e de AREEDA & TURNER (1975). Na Europa, tal princípio é reconhecido em precedentes, como em Akzo Chemie BV v Commission (Case C-62/86) [1991] ECR I-3359 e em Oscar Bronner GmbH & Co KG v Mediaprint Zeitungs-und Zeitschriftenverlag GmbH & Co KG (Case C-7/97) [1998] ECR I-7791. Na Decisão da Comissão 2003/707/EC de 21 de maio de 2003 referente ao artigo 82 do tratado da Comissão Europeia (Caso COMP/C-1/37.451, 37.578, 37.579 – Deutsche Telekom AG) (2003) OJ L 263/9, entendeu-se que a Legislação Antitruste:

proíbe uma empresa dominante de, entre outras coisas, adotar práticas que tenham um efeito excludente sobre seus concorrentes igualmente eficientes, reais ou potenciais, isto é, práticas que são capazes de tornar a entrada no mercado muito difícil ou impossível para concorrentes, reforçando assim a sua posição dominante utilizando métodos que não os abrangidos pela concorrência sobre o mérito.

Em um exemplo hipotético, seria ilícita a prática de apresentar um preço no atacado (R$10 por medida de volume) muito superior àquele que é ofertado no varejo (R$5 por medida de volume). Em tal situação, por mais eficiente que seja o concorrente não integrado no varejo, tendo em vista que o preço do insumo no atacado é superior ao preço do varejo do agente integrado, o agente não-integrado não terá condições, objetivas, de concorrer em igualdade mínima, caso adquira tais insumos no atacado do agente integrado. Tal situação é, portanto, abusiva, em especial se o insumo ofertado é essencial para a concorrência, não havendo muita alternativa mercadológica capaz de lhe substituir.

Nesta situação 2, – para um concorrente igualmente eficiente ter algum tipo de chance de sobreviver no mercado – deve haver custo zero (e lucro zero) no mercado varejista. Ou seja, não basta que o preço no atacado para agentes verticalmente não integrados seja igual ao preço do incumbente verticalmente integrado no varejo. É necessário que o preço no varejo do incumbente verticalmente integrado incorpore uma medida mínima e necessária de custos. Dificilmente irá ocorrer uma situação de custo zero no varejo. Portanto, a diferença entre o preço do insumo essencial no atacado para agentes não-integrados e o preço no varejo ao consumidor final do concorrente verticalmente integrado deve ser tal que incorpore uma medida de custo eficiente e crível, tal como disposto no teste abaixo:

A Figura abaixo sumariza o teste do concorrente igualmente eficiente aplicado para avaliação de conduta de esmagamento de margem.

Figura 17 - Análise de Price Squeeze, segundo o Teste do Concorrente Igualmente Eficiente

As práticas relatadas pela Abrilivre, pelo Alcatraz, nos processos judiciais cujas cópias foram juntadas nos autos deste processo e por postos que responderam o ofício do DEE e verificadas na análise dos dados públicos da ANP podem se enquadrar neste tipo de situação. Alguns postos tiveram preços de compra do combustível mais elevados que o preço de venda que um posto concorrente. Ora, recorde-se que os postos da Shell não possuem outro distribuidor capaz de vender combustível, sendo que este desnível de preços acaba por gerar este tipo de situação em que

Aliás, algumas das situações descritas parecem assemelhar-se à situação abusiva 1, onde o abuso de margin squeeze seria ainda mais claro e evidente:

Poderia haver alguma explicação econômica aceitável para este nível de discriminação de preços. Se houvesse discriminação de preços por meio de algum tipo de regra objetiva de descontos, talvez, ficasse mais clara a motivação deste tipo de discriminação de preços. No entanto, não é possível descartar a possibilidade de ocorrência das narrativas apresentadas e, especialmente, de que a situação abusiva discriminatória pode servir para manter os postos de combustíveis dependentes da Raízen, em especial aqueles que possuem contratos de longo prazo e com elevadas multas contratuais pelo descumprimento. Desta forma, não foram identificados elementos, nos autos até o presente momento, para concluir que a discriminação praticada seria justificável segundo o “Competidor Igualmente Eficiente”.

Pode-se questionar que não se está diante de agente verticalizado, portanto, não haveria motivação da Raízen para discriminar seus revendedores. Como relatado, diversos postos aos responderem o questionário enviado pelo DEE afirmaram que a empresa tratava diferentemente os postos de acordo com seu tamanho. Mais ainda, no caso presente, como se mostrou na seção anterior, há a possibilidade de a discriminação ser feita com o fim de punir postos que não seguissem os preços determinados pela empresa.

Se todas as grandes distribuidoras agirem deste modo, é possível que este tipo de conduta acabe por perpetuar uma estabilidade de seu market share ao longo do tempo.

Frise-se, também, que, conforme ressaltado na revisão dos processos administrativos em que condutas semelhantes no setor foram investigadas, há indícios na operação Dubai de que as principais distribuidoras em atuação no Distrito Federal, Ipiranga, Raízen e BR Distribuidora, teriam adotado estratégias anticompetitivas consistentes na recusa de embandeiramento de postos revendedores que atuavam sob bandeira de distribuidoras concorrentes, evitando cada uma dessas redes avançarem sobre a rede de postos de combustíveis de suas concorrentes. Portanto, este tipo de conduta também pode ter este tipo de implicação. Desta forma, o DEE entende ser necessário alertar para a possibilidade de se verificar as condições comerciais (como preço) entre adquirentes de combustível no nível de concorrência intramarca. A depender do nível de assimetria, realmente, é possível que alguns postos tenham ficado dependentes da relação com a Raízen de forma perene, já que os postos não teriam condições de cumprir com suas obrigações contratuais.

 

      4.1.4 Mecanismos de monitoramento

Voltando-se a análise da fixação de preços, cumpre analisar os mecanismos de monitoramento usados pela Raízen para verificar se os postos estabeleciam preços conforme a “sugestão” da representada.

[RESTRITO AO CADE]

Importante transcrever alguns desses relatos:

(66) “um motoboy passa no posto três vezes por semana fotografando o preço cobrado pelo posto, a partir desse preço a Raízen define o preço que ela cobrará do posto”;

(67) “Por meio da foto tirada pelo motoboy do painel de preço”;

(68) "A cada 10 centavos no preço de venda da Gasolina eles diminuem 3 centavos e no Etanol eles diminuem 2,2 centavos. Semanalmente passa o motoboy e tira foto dos nossos placares de preço. Existe aba de preço sugerido dentro do site da companhia”;

(69) “Toda semana um motoqueiro passa e tira foto do placar de preços. Se houve aumento ou redução, o preço de custo também acompanha. Se você sobe R$ 0,10, a Shell sobre R$ 0,02. Se sobe R$ 0,20, ela sobe R$ 0,04. O mesmo serve para redução”;

(70) “Sugestão de preços pelo CSONLINE, motoqueiro que tira foto da placa de preços e envia para a companhia duas vezes na semana, sugestão de preços pelo GT. Em outros postos eu não sei precisar. Caso não aceite o valor de compra sugerido pela companhia o produto aumenta”;

(71) “Hoje o posto não é mais Raizen pelo motivo acima de querer mandar no meu negócio através de obrigação de preços praticados pela Raízen...Assim que o contrato foi cumprido, fizermos a troca de bandeira. A Raízen mandava um motoqueiro através de uma empresa contratada por eles e tirava fotos do painel de preço do posto 2 vezes por semana e praticava os preços na hora da compra de acordo com os valores que praticavamos (sic) ao consumidor final. A Raízen ainda vendia os combustíveis para o posto, sempre mais caros se comparando as grandes redes de posto”;

(72) “aqui em meu estabelecimento, 3x por semana passa uma moto de empresa terceirizada tirando foto dos meus preços. lá na Raízen existe um patamar. pra vc (sic) vender a 5,29 o preço é 4,70, se vc (sic) vender a 5,39 o preço é 4,75 e por aí vai”;

(73) “através de motos que passavam para fiscalizar o produto. se não fosse de acordo com os preços fixados a Raízen aumentavam (sic) nosso produto.”;

(74) “Semanalmente um motoboy passa pelo posto fazendo coleta de preços praticados no totem/bomba e com base nesses valores a Raizen por meio do seu assessor e departamento de pricing majora ou reduz no sistema o preço dos combustíveis vendidos ao posto”;

(75) “mandam moto para acompanhar os preços, se tiver em desacordo que a Raízen fixa, eles aumentam os produtos”;

Como se pode verificar os relatos são muito parecidos entre si e mostram que a distribuidora tem um sistema de monitoramento dos preços de revenda. De fato, quando foram solicitados os contratos da empresa com seus distribuidores, esta solicitou a apresentação de apenas uma amostra, já que todos os contratos seguiam um padrão. No contrato de franquia empresarial apresentado, verifica-se que [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN], como se pode observar na cláusula transcrita abaixo e como informado pela própria empresa:


[RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]

A margem bruta, por sua vez, é definida nas cláusulas iniciais do contrato:

[RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]

A Raízen tem, assim, uma razão contratual para monitorar os preços praticados pela sua revenda. E assim o faz, de acordo com seus postos revendedores.

Vale relembrar que [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN].

 

      4.1.5 Do sistema de preços

O monitoramento dos preços praticado pelos revendedores está intrinsecamente ligado às “sugestões” de preços. Não há dúvidas de que a empresa mantém um sistema no qual os postos podem fazer pedidos de compra e, até recentemente, verificavam os preços “sugeridos” pela empresa, como relatado em respostas ao questionário enviado pelo DEE:

(76) “Na tela de preços era possível visualizar os preços de custo do dia e ao lado uma informação com preços sugeridos pela companhia, tenho conhecimento disso desde a data em que compramos o posto em Maio de 2007, antes disso não sei como funcionava essa questão. vale ressaltar que a alguns anos essa mensagem de sugestão de preços deixou de ser apresentada”;

(77) “havia de fato uma tabela de preços no Csonline (site da Raízen) mostrando os custos a cada preço de venda”;

(78) "havia uma tabela de preço no sistema Csonline quando menor o preço na bomba, menor seria o seu custo”;

(79) No aplicativo e site de pedidos eletrônicos chamado CSonline - ficava escrito preço de compra e preço sugerido de bomba, mas deixo bem claro que nunca nem sequer foi falado sobre isso por nenhum assessor ou vendedor da Raízen. Apenas ficava no site como preço sugerido de bomba que as vezes tava (sic) mais caro que o praticado e as vezes mais barato, já que meu preço é decisão única e exclusiva minha e depende muito do mercado local, sendo assim a Raizen não tem e nem tinha condições de saber o que se passa na minha empresa pra sugerir algo. Portanto sempre via como algo apenas ilustrativo de noção de mercado. Apesar de nunca concordar com aquilo, era apenas pra mim, uma informação inútil. Caso não fosse seguida não fazia a menor diferença. Nunca fui orientado ou cobrado por não usar aquela informação”;

(80) “No mesmo site de preços de compra pelo revendedor, tinha uma aba que levava você na sugestão de preços de venda”;

(81) “Tem o sistema que chama CSonline onde utiliza para fazer pedidos de combustíveis e demais solicitações, lá acessa os preços de compra e tinha preço sugerido onde o posto vendesse no preço sugerido o custo era X se vendesse acima do sugerido o custo era Y, hoje já não tem mais este campo de preço sugerido, mesmo assim a prática continua, todos os dias passam motoqueiros que tiram foto da placa de preço ai eles analisam por qual preço eles vendem ao posto. A negociação de preço de compra e sempre atrelado ao preço de venda. A alguns anos eu pagava o motoqueiro para tirar a foto depois que eu alterasse o preço na placa para conseguir um preço melhor de compra. As grandes redes têm vantagem na negociação preços de compra de postos pequenos”;

(82) “Sugestão era feita geralmente via CS ONLINE (site) dos produtos, não éramos obrigados a seguir .... mas nos dava um referencial de algo que a "franquia" (RAIZEN) entendia ser o correto para nos posicionarmos no mercado”;

(83) “sugestão de preços via site CS ONLINE , apenas sugestão , não era obrigado a seguir”;

(84) “no Csonline até 2020 havia preço sugerido e a prática fora deste valor o custo seria mais elevado”;

(85) “até 2020 havia uma sugestão de preços no aplicativo Csonline, caso não seguisse a sugestão o ‘preço de custo subia’ ”;

(86) "aparecia no sistema Cs online ao lado do custo de compra dos produtos. pelo que sei, isso não influenciava no custo do produto, pelo menos nunca percebi diferença em relação aos meus preços de venda”.

  A empresa, contudo, foi extremamente refratária quando questionada sobre o sistema CSOnline, como relatado anteriormente. Não explicou como o sistema funcionava e afirmou que nunca adotou qualquer algoritmo de precificação sugestiva. No relatório desta nota, já se debateu a fragilidade da hipótese de que a Raízen sugira preços com vistas a aumentar a competitividade de seus revendedores, mas que essas sugestões sejam feitas de maneira assistemática. Está claro que a empresa tem um sistema que armazena as “sugestões” de preços e os preços efetivamente praticados pelos postos (se assim não fosse, não teria conseguido responder a pergunta sobre a quantidade de revendedores que seguiam suas sugestões, tampouco conseguiria estabelecer os royalties devidos), um aplicativo no qual os postos consultavam até recentemente os preços sugeridos e ainda fazem pedidos, uma área que tem por finalidade a precificação de produtos, porém, ao ser questionada informa que não sistematiza as fórmulas usadas nas “sugestões” de preços.

Houve um relato em que o posto não apenas informou que consultava o preço sugerido a seu posto por meio do sistema, mas também era capaz de ver os preços de seus concorrentes:

Inicialmente (alguns anos atrás) havia um sistema eletrônico de preços em que constavam os preços dos meus concorrentes (preços fornecidos pela Shell/Raízen e um campo onde eu colocava minha ideia de preço de venda ao consumidor (meu custo acrescido de margem de remuneração). Assim que digitava um preço de venda ao consumidor, eu ficava sabendo qual seria meu custo de compra. Se eu quisesse ter um preço de venda mais barato que meus concorrentes, meu custo não se reduzia.

Esse relato levanta possibilidade em relação a Raízen fixar preços, e até mesmo de uma possível formação de conluio na revenda. Essa questão será discutida na seção em que se analisa a prática de indução à conduta uniforme, mas é importante que seja destacada.

Ainda sobre o sistema, destaca-se e-mail que consta do Processo Judicial 1087799-60.2020.8.26.0100, mencionado anteriormente, do qual é autora a Alcatraz Combustíveis e Conveniência Ltda. Como relatado por diversos revendedores em resposta ao ofício do DEE, vê-se que o sistema CSOnline é usado para sugestão de preços pela Raízen. O que chama atenção, no entanto, é o fato de o posto pleitear que o preço de compra seja mantido para que ele possa atuar de modo mais competitivo. Os postos haviam relatado que o sistema alterava os preços de compra automaticamente conforme o preço de revenda, mas houve quem reclamasse que isso acontecia automaticamente quando subia o preço de revenda, mas não quando se pretendia reduzi-lo. No e-mail abaixo, observa-se justamente esse caso. O posto quer-se manter competitivo e, por isso, requer que o preço seja alterado no sistema. Se o intuito da sugestão de preço era manter os postos competitivos, esse é um caso em que se esperaria um comportamento diferente da distribuidora.

Figura 19 - E-mal do Posto Alcatraz à Raízen

No Processo Administrativo 08700.010769/2014-64, já havia sido discutida a utilização pela Shell de um sistema, à época chamado ComPrice. Naquele caso, todavia, não se julgou necessário compreender como o sistema funcionava. Entretanto, entende-se que na presente investigação deveria ser fundamental compreender o funcionamento do sistema, o que não foi possível até o momento, já que ele pode ter sido ou estar sendo utilizado para se viabilizar a prática em todos os municípios brasileiros em que a Raízen atua. Além disso, sistemas informatizados podem ser um meio de se facilitar a troca de informações entre concorrentes e de induzir conduta uniforme. Isso posto, a avaliação referente à iniciativa da fixação de preços e seu uso para facilitar a coordenação de concorrentes será realizada em seção em que se analisam, especificamente, a indução à conduta comercial uniforme.

 

      4.1.6 Possíveis eficiências da conduta 

Restrições verticais, como a fixação ou sugestão de preços, podem ser estabelecidas com o fim de aumentar a eficiência. Na análise do Processo Administrativo 08012.001271/2001-44, que tratava da fixação de margem mínima de revenda, foi comum o entendimento nos diversos votos constantes do processo de que a conduta poderia gerar eficiência. 

Um exemplo de possíveis ganhos de eficiência decorrentes de restrições verticais seria advindo do estímulo para que revendedores investissem em serviços no pré-venda. Na ausência de preços mínimos, os revendedores que não investissem nesses serviços poderiam cobrar preços inferiores aos de outros concorrentes. O comportamento ótimo dos clientes seria receber orientações dos revendedores com melhores serviços de pré-venda, mas adquirir o produto dos revendedores com os menores preços. A fixação de preços de revenda diminuiria o problema do free-rider (ao dar os incentivos adequados para que os revendedores forneçam o nível apropriado de serviços aos consumidores).

Em situação de dupla marginalização, quando tanto o distribuidor quanto o revendedor usufruem de algum poder de mercado, a fixação de preços de revenda também poderia gerar eficiências. Quando os agentes a montante e a jusante agem em conjunto, pode ser demonstrado que há um ganho de bem-estar e os preços aos consumidores se tornam menores. Todavia, quando há incertezas quanto aos custos ou às demandas, pode não ocorrer tal ganho de eficiência.

No presente caso, a representada argumentou, em diferentes ocasiões, [RESTRITO AO CADE E À RAÍZEN]

A argumentação da representada, no entanto, não é suficientemente demonstrada até o momento, e induz que sejam continuadas as investigações para uma análise mais concreta sobre o caso. De fato, a jurisprudência do Cade indica que, em casos de fixação de preços, cumpre ao administrado provar eficiências específicas à conduta.

 

      4.1.7 Capacidade de empreender a conduta

Considerando-se a hipótese de que se trata de conduta unilateral, ou seja, a empresa não fixaria preços de revenda em decorrência da existência de cartel no mercado de distribuição de combustível, é necessário verificar se teria capacidade de fixar preços de forma a gerar efeitos anticompetitivos atuando isoladamente. Na maior parte dos casos de condutas unilaterais anticompetitivas, a capacidade de praticá-las e a possibilidade de que gerem efeitos depende do poder de mercado da empresa que a empreende. No caso de condutas verticais de preço, mesmo que a empresa não tenha poder de mercado, a depender dos contratos firmados com os revendedores, estes podem ser coagidos a praticar os preços preconizados pela empresa. É por isso que o Office of Fair Trading (Reino Unido) entende que o desencadeamento dos efeitos decorrentes da fixação de preços de revenda (FPR) independe do market share[16]. A Autoridade de Concorrência Suíça depreende que a participação de mercado não é sequer relevante para caracterizar a ilicitude da FPR.

É sempre importante relembrar, ademais, que a participação de mercado é tão somente uma proxy do poder de mercado, que é mais ou menos adequada a depender da estrutura do mercado.

No presente caso, os indícios apontam para uma prática sistemática da empresa em algumas regiões nas quais atua. É, assim, ainda mais difícil relacionar a participação de mercado da empresa em um mercado isolado à sua capacidade de empreender a conduta. Desta forma, vários questionamentos surgem em relação a qual seria a melhor medida de uma análise que pretendesse usar a proxy da participação de mercado.

Considerando-se a hipótese de uma conduta sistemática, praticada de forma semelhante em todos os mercados nos quais atua, o DEE entende que seria plausível a utilização da sua participação de mercado pela participação nacional da empresa como proxy para aferir sua capacidade. Segundo a Raízen, sua participação na distribuição de combustíveis (setor que nomeia como Marketing & Services), entre janeiro e abril de 2021, foi de 33,1% no Brasil, como pode ser observado no gráfico abaixo, retirado de apresentação da empresa a investidores[17]. Mais ainda, segundo a investigada, foi a única empresa do setor a aumentar sua participação nos últimos dez anos. Em maio de 2021, tinha 34,2% de participação, ao passo que seu principal concorrente tinha 37,7%. Em seu site, a empresa afirma que comercializa “29 bilhões de litros ao ano, para mais de 4.000 clientes no segmento B2B e mais de 7.300 mil postos da marca Shell, licenciada pela Raízen n Brasil e na Argentina”[18].

Gráfico 7 - Evolução da Raízen na Participação de Mercado de Distribuição de Combustíveis - Brasil e Argentina

Fonte:  Raízen. Reshaping the Future of Energy. Setembro, 2021. Apresentação a potenciais investidores.

Esses dados indicam que a Raízen teria capacidade para adotar práticas que podem influenciar o desempenho do mercado de combustíveis no Brasil.

Considerando-se a jurisprudência do Cade, na maior parte dos precedentes analisados no Conselho neste setor[19], o mercado de produto na distribuição foi definido como combustíveis líquidos em geral (gasolina, óleo diesel e etanol). Na revenda, o mercado também foi delimitado como o de combustíveis líquidos. A dimensão geográfica, na distribuição, tem sido definida como estadual e, na revenda, como municipal quando a localidade tem menos de 200 mil habitantes e, segmentada por bairros nos demais municípios, conforme o Caderno do Cade sobre mercados de distribuição e varejo de combustíveis líquidos, publicado em 2022[20].

Há casos, contudo, em que se julgou adequado adotar-se definições alternativas[21]. No Ato de Concentração 08700.012337/2015-79, por exemplo, sob a ótica do produto, o mercado foi definido como de revenda de gasolina comum (tipo C), por ser este o produto mais representativo em termos de consumo.

Na análise do Ato de Concentração 08700.006444/2016-49, referente à operação entre Ipiranga e Alesat Combustíveis S.A. (Alesat), a Superintendência-Geral (SG) trabalhou com dois cenários para os mercados geográficos na distribuição de produtos. Um no qual se seguiu a jurisprudência, definindo-se o mercado como regional. Nesse caso, considerando-se a disponibilidade de dados, foram usados os estados como aproximação. A definição alternativa foi de que a dimensão geográfica seria nacional. Já no Ato de Concentração 08700.003321/2019-07, que tratava de incorporação, pela Rede SIM, da totalidade das ações de emissão da Agricopel, em um dos cenários, foram incluídos no mercado de produto apenas os combustíveis comercializados em postos bandeirados.

Definindo-se os mercados relevantes conforme a jurisprudência prevalecente, na dimensão produto, tanto na distribuição como na revenda, eles abrangem os combustíveis líquidos. Na dimensão geográfica, costumam ser avaliados cenários estaduais e nacional para a distribuição e os municípios, na revenda. Para municípios com mais de 200 mil habitantes, cada bairro é considerado um mercado relevante na revenda de combustíveis.

Considerando-se o ano de 2019, a empresa tinha postos a ela vinculados em todos os estados, de acordo com o anuário estatístico 2020, da ANP[22]. De acordo com sua resposta ao Ofício no 7840/2020/DEE/CADE, esses postos distribuíam-se, pelos estados, conforme o gráfico abaixo.

Gráfico 8 - Distribuição dos Postos por UF

Por sua vez, quando se verifica a participação de venda de gasolina do tipo C, a Raízen teve a participação acima de 15% entre as distribuidoras de acordo com dados da Agência Brasileira de Petróleo (ANP) entre 2010 e 2020, Gráfico 9.

Gráfico 9 – Participação das distribuidoras na venda de gasolina tipo C

Fonte: ANP.

A ANP não disponibiliza dados públicos de participação das distribuidoras por estado. Todavia, a agência cedeu dados com esta abrangência para a análise do Ato de Concentração 08700.006444/2016-49. No gráfico abaixo, apresentam-se as participações de mercado das três maiores distribuidoras brasileiras de combustíveis (BR, Ipiranga e Raízen), no ano de 2013, por estado.

Gráfico 10 - Participação de mercado por volume de combustível líquido (2013)