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Nota Técnica nº 13/2022/GAB-SG/SG/CADE
Inquérito Administrativo nº 08700.001797/2022-09
Tipo de Processo: Inquérito Administrativo
Representante: Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador - ABBT
Advogados: Bruno de Luca Drago, Daniel Oliveira Andreoli, Marco Antônio Fonseca Jr. e Otávio Cividanes.
Representada: iFood.com Agência de Restaurantes Online S.A.
Advogados: Amadeu Carvalhaes Ribeiro, Marcio Dias Soares, Eduardo Frade Rodrigues, Ana Carolina Folgosi Bittar, Venicio Branquinho Pereira Filho, Raphaela Boffe Palma e Mariana Llamazalez
EMENTA: Inquérito Administrativo arquivado nos termos dos arts. 13, IV, e 66 da Lei Federal nº 12.529/2011 c/c os arts. 141 e seguintes do Regimento Interno do Cade. Recurso ao Superintendente-Geral apresentado pelo Representante com base no art. 144 do RICADE. Recurso conhecido e desprovido. |
I. RELATÓRIO
Trata-se de recurso interposto (SEI 1137023), em 20/10/2022, pela ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE BENEFÍCIOS AO TRABALHADOR (“ABBT” ou "Representante"), com fundamento no art. 144 do Regimento Interno do CADE (RICADE), em face do Despacho SG Arquivamento Inquérito Administrativo nº 20/2022 (SEI 1130763) que acolheu os fundamentos da Nota Técnica nº 20/2022/CGAA1/SGA1/SG/CADE (SEI 1079706).
Cumpre esclarecer, inicialmente, que a Representação (SEI 1034119), que deu início à presente investigação, foi proposta pela Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (doravante “ABBT” ou “Representante”), por meio da denúncia de supostas práticas de condutas anticompetitivas por parte do iFood.com Agência de Restaurantes Online S.A. contra concorrentes a jusante no mercado de vale-benefícios através de vantagens auferidas no mercado de plataformas de delivery de refeições.
A ABBT reúne empresas do setor de benefícios ao trabalhador, notadamente o segmento de benefícios voltados à alimentação e refeição, e tem como associadas as principais empresas deste segmento, a saber, Alelo, Banri Card, Ben Visa Vale, Cabal Vale, Compro Card, Green Card, Le Card, Nutricash, Onecard, Sodexo, Ticket, Up Brasil, Vale Card, Vale Shop, Vegas Cartões Benefícios e VR Benefícios.
Em linhas gerais a Representante não questiona o poder de mercado auferido pelo iFood no mercado de plataformas digitais de delivery de refeições, mas as supostas condutas lesivas à concorrência que podem advir de sua estratégia de verticalização, especialmente: (i) o uso do banco de dados obtido pela plataforma para prospectar sua operação no mercado de vales benefício; (ii) a adoção de subsídios cruzados, lançando mão das receitas auferidas no mercado de plataforma digital, no qual a Representada é dominante, para subsidiar descontos e outras vantagens para clientes corporativos no mercado de vales benefício; (iii) a discriminação de outras operadoras de vales benefício em sua plataforma digital, por exemplo, através do cadastramento automático do iFood Benefícios como meio de pagamento na plataforma do iFood, independente de consentimento do restaurante.
Segundo a ABBT, o uso da base de dados da plataforma de delivery de refeições prontas e o subsídio cruzado operam do lado da demanda, oferecendo propostas customizadas, descontos e outras vantagens (que a Representante reputa ser economicamente inviável para suas rivais no mercado de vales benefício), para trabalhadores e clientes corporativos. A conduta de discriminação praticada pela plataforma atingiria o lado da oferta, ou seja, empresas concorrentes do iFood Benefícios no mercado de vales benefício.
Ato contínuo, a peticionante propôs a utilização de medidas que poderiam sanar os problemas apontados, como: (i) a separação total da estrutura e atividades da plataforma iFood de suas operações no mercado de vales benefício, ou ainda, alternativamente, (ii) a abertura de sua base de dados para as concorrentes do iFood Benefícios e (iii) a imposição de “uma obrigação geral de tratamento não discriminatório e interoperabilidade com fornecedores de serviços complementares”.
Por fim, requereu o deferimento de Medida Preventiva visando (i) a inversão do ônus probatório, cabendo ao iFood provar sua não ocorrência, (ii) a suspensão de todos os descontos e vantagens concedidos pelo iFood Benefícios aos trabalhadores e clientes corporativos, (iii) que a plataforma do iFood se abstenha de fazer uso de sua base de dados para prospectar sua operação no mercado de vales benefício e (iv) a obrigatoriedade da plataforma adotar tratamento isonômico para as concorrentes no mercado de vales benefício relativamente ao concedido ao iFood Benefícios.
Em apertada sínteses, em sua primeira manifestação (SEI 1068264), a Representada trouxe esclarecimentos e contribuições para a instrução do Inquérito Administrativo e requereu: (i) que as empresas sugeridas por ela fossem oficiadas, bem como que fossem acrescidas as novas questões propostas pelo iFood; (ii) que fosse concedido ao iFood a versão completa da nova petição a ABBT, dando publicidade aos dados mantidos sob sigilo, ainda que apenas para a Representada; (iii) que fosse devolvido ao iFood o prazo para se manifestar, (iv) que seja devolvido ao iFood e ao iFood Benefícios igual prazo para responderem aos ofícios que lhe foram encaminhados; (v) que seja concedido à Representada o direito de se manifestar acerca das respostas aos ofícios encaminhados pela SG.
Sequencialmente, esta SG expediu a primeira rodada de ofícios, conforme se verifica nos documentos SEI de nº: 1061262, 1061311, 1061312, 1061313, 1061317, 1061319, 1061320, 1061321, 1061322, 1061324, 1061327, 1061328, 1061329, 1061332, 1061336, 1061339, 1061341, 1061350, 1061402, 1061415 e 1061419, endereçados às empresas incumbentes no mercado de vales benefício (Alelo, BanriCard, Bem Cabal Vale, ComproCard, GreenCard, Le Card, Nutricash, Onecard, Sodexo, Ticket, Up, ValeCard, Vale Mais, Vale Shop, Vólus, Vegas, Verocheque, VR Benefícios) e concorrentes da plataforma do iFood (Rappi e 99Food) no mercado de plataformas de delivery de refeições prontas, além de ofícios com igual teor para a plataforma do iFood e iFood Benefícios. O objetivo desses ofícios foi instruir o Inquérito Administrativo com informações trazidas pelas empresas que atuam nos mercados afetados pelas condutas lesivas à concorrência imputadas pela ABBT ao iFood.
Em resposta (SEI 1078783), o iFood Benefícios fez esclarecimentos quanto ao perfil da empresa; área de atuação; montante de clientes; contratos firmados; principais concorrentes no mercado de vales benefício; número de estabelecimentos credenciados; diferenciais de seus produtos; vantagens concedidas aos clientes corporativos; cadastramento do vale benefício do iFood Benefício em outras plataformas; proporção do faturamento do vale benefício do iFood fora das plataformas; dificuldades para a utilização de seu vale benefício em plataformas agregadoras; e impacto das plataformas no uso do cartão.
A plataforma iFood também traz respostas (SEI 1078794) quanto ao perfil de sua empresa; quanto ao seu faturamento; meios de pagamento utilizados na plataforma; valor movimentado no montante total do mercado de delivery de refeições; impacto da pandemia nos negócios da plataforma do iFood; montante de usuários de sua plataforma no Brasil; número de estabelecimentos de refeição prontas cadastrados; operadoras de vales benefício que trabalham em parceria com a plataforma do iFood, bem como sua representatividade; cadastramento na plataforma; condições de pagamento dos vouchers; vales benefício que atuam em arranjo aberto; vantagens que poderia ter o vale benefício do iFood Benefícios na plataforma do iFood; acesso à rede credenciada pela plataforma do iFood; relação de incentivos entre a plataforma e o iFood Benefícios; sinergias decorrentes da integração vertical entre iFood e iFood Benefícios; e portabilidade prevista no Decreto nº 10.584/2021.
Ao se manifestar sobre a abertura do Inquérito Administrativo a Representada se opôs às denúncias carreadas pela ABBT em sua Representação, bem como ao pedido de Medida Provisória pleiteada pela Representante, aos argumentos de que:
o presente procedimento é iniciado por empresas incumbentes no mercado de vales benefício contra uma empresa entrante;
o market share da Representada no mercado de plataformas de delivery de refeições prontas é irrelevante para a presente contenda;
para que o iFood Benefícios alcançasse uma posição dominante no mercado adjacente de vales benefício, seria necessário que seus concorrentes no mercado de vales benefício fossem altamente dependentes da plataforma do iFood;
a plataforma do iFood não se caracteriza como uma essential facility para as empresas de vales benefício;
o iFood Benefícios é entrante no mercado de vales benefício, com diminuta participação neste, ao passo que as associadas da Representante detêm mais de 90% deste mercado;
dentre as entrantes de semelhante perfil, o iFood Benefícios sequer é aquela com maior participação ou crescimento;
o iFood Benefícios não alterou o cenário de market share das demais empresas;
a racionalidade econômica não justifica a discriminação das operadoras de vales benefício da plataforma do iFood;
o iFood não se vale de sua base de dados para prospectar-se no mercado de vales benefício e que pressupor tal uso poderia frustrar a geração de eficiências, inovação, melhores serviços e competição;
a política de descontos praticada pelo iFood Benefícios não diverge daquela praticada no mercado de vales benefício e é usual para permitir que entrantes se tornem competitivas, e ainda, que não cabe à autoridade antitruste arbitrar disputa de descontos entre rivais;
o cadastramento das operadoras de vales benefício na plataforma segue critérios técnicos e de eficiência e que eventuais dificuldades técnicas não tem por propósito discriminar suas concorrentes no mercado de vales benefício, posto que tais falhas impactam negativamente na própria plataforma do iFood, além de explicar que as principais operadoras de vales benefício incumbentes têm total acesso à plataforma e representam a maioria dos meios de pagamento via vales benefício da plataforma, em detrimento do iFood Benefícios, que é meio de pagamento menos usual na plataforma.
Quanto ao pedido de Medida Preventiva, alega inexistirem periculum in mora nem fumus boni Iuri, havendo inclusive a possibilidade de periculum in mora reverso, caso concedida a cautelar, uma vez que a medida eliminaria uma entrante no mercado de vales benefício em favor da manutenção do status quo em favor das incumbentes.
A Representada alega, ainda, que: a entrada do iFood Benefícios no mercado de vales benefício seria um fato pró-competitivo; refuta a tese de que as operadoras de vales benefício são dependentes da plataforma do iFood; o market share do iFood no mercado de plataformas de delivery de refeições prontas não tem qualquer relação com este pleito; ressaltam que não há incentivos para que o iFood promova a exclusão de operadoras da sua plataforma; a plataforma do iFood não é um insumo essencial; seu diminuto tamanho no mercado de vales benefício, em torno de 0-5%, aponta para sua incapacidade de ensejar danos à concorrência; não promove qualquer conduta exclusionária; ausência de racionalidade econômica; ausência de comprovação de quais seriam os dados relevantes utilizados para sua alavancagem no mercado de vales benefícios; e o uso de dados de sua base de dados atende exclusivamente aos objetivos de integrar as operações de seus vales benefício à plataforma.
Quanto à acusação sobre prática de subsídios cruzados a Representada defende que o tamanho do iFood não é indício para qualquer conduta anticoncorrencial e que os descontos e outras vantagens oferecidas no mercado de vales benefícios não se caracterizam como conduta predatória à concorrência, uma vez que são estratégias adotadas tanto por entrantes quanto por incumbentes, no intuito de ganhar market share. Afirma, ainda, que o PAT remodelado não permite mais a oferta dessas promoções para captar clientes corporativos, o que vale para todas as operadoras de vales benefício.
Quanto à possibilidade de o iFood Benefícios antecipar o pagamento de multa rescisórias das clientes corporativas vinculadas a outras operadoras, a Representada alega que se trata de prática usual no mercado, e tem sido a forma de um entrante conseguir obter alguma parcela desse mercado. No mesmo sentido, afirma ser corriqueira a prática de estender os prazos de pagamentos das recargas nos cartões de vales benefício.
No que tange à última conduta atribuída ao iFood pela Representante, qual seja a discriminação de concorrentes e o self-preferencing em sua plataforma, a Representada aduz que o vale benefício do iFood não é cadastrado automaticamente na plataforma do iFood e que o cadastramento de outras operadoras de vales benefício na plataforma não pode ser feito de forma automática porque não existe uma integração de sistemas e operações, e ainda, que o credenciamento é feito pelo estabelecimento comercial que oferece refeições, não tendo o iFood como intervir na interação entre operadoras de vales benefício e esses estabelecimentos para promover habilitações automáticas em sua plataforma. Além do mais, eventuais dificuldades dos usuários em se utilizarem de vales benefício como meio de pagamento na plataforma decorrem de razões técnicas, e não propriamente anticoncorrenciais da parte do iFood. Essas dificuldades de integração técnica da plataforma com as operadoras de vales benefício demandam efetivamente constantes interações e ações com vistas a solucionar os problemas surgidos dessa interação.
Por fim, quanto ao self-preferencing, o iFood alega que não existe nenhuma relação de exclusividade entre sua plataforma e o iFood Benefícios, e ainda, que a plataforma não privilegia sua operadora de vales benefício na plataforma. Indício dessa não discriminação, consoante a Representada é o fato de que as incumbentes no setor de vales benefício representam quase que a totalidade das transações feitas na plataforma através desse meio de pagamento, particularmente se comparadas ao iFood Benefícios. O market share das operadoras de vales benefício se reflete na plataforma. A Representada indica, outrossim, que dentre as entrantes, nesse mercado, por trabalharem em regra no arranjo aberto, são cadastradas não como vales benefício, mas como transações de crédito na plataforma, mas que também são contempladas na plataforma. O iFood menciona que despendeu mais recursos com as incumbentes de maior market share relativamente às pequenas, mas isso por razões de racionalidade econômica, não de discriminação.
Após a análise preliminar dos esclarecimentos juntados aos autos, esta SG, por meio da Nota Técnica nº 20/2022/CGAA1/SGA1/SG/CADE, entendeu pelo não cabimento da Medida Preventiva, uma vez que não restaram satisfeitos os requisitos necessários para tanto, em suma: (i) carece o pedido da verossimilhança das alegações, exigindo instrução probatória mais aprofundada para imputar as condutas anticoncorrenciais apontadas à Representada; (ii) não está presente o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, ou ainda, o perigo do resultado inútil do processo, por força do diminuto market share do iFood Benefícios e da dimensão do mercado de plataforma de delivery de refeições prontas como canal prevalente para o consumo dos valores de vale-benefícios; (iii) presente o perigo de dano reverso, fechando-se ao iFood Benefícios a oportunidade de aumentar seu market share no período concedido pelo Decreto nº 10.854/2021, até que sejam definitivamente proibidos os descontos e vantagens a serem concedidas às clientes corporativas do mercado de vale-benefícios no âmbito do Programa do PAT, restringindo as empresas desse mecanismo para expandir-se nesse mercado.
Ato contínuo, foi realizada nova rodada de ofícios (SEI 1084194, 1086403, 1086407, 1086408, 1086411 e 1086412 , incluindo a Representada e outras empresas entrantes no mercado de vales benefício (Flash Benefícios, Cajú, Swile Card, Creditas Card e Seu Vale).
Após pedido de abertura das informações e manifestação da CGAA1, a ABBT apresentou Parecer Econômico, elaborado pela Tendências Consultoria Integrada, acerca da atuação do iFood no mercado de vales benefício. Para tanto, organiza-se na seguinte estrutura: (i) define mercado relevante afetado pelas condutas anticoncorrenciais; (ii) aborda a teoria dos danos aplicáveis; (iii) realiza a análise das habilidades, incentivos e efeitos anticompetitivos das condutas da Representada, e, por fim, (iv) caracteriza a condição de gatekeeper do iFood.
Em seguida a Representada apresentou nova manifestação (SEI 1117094) na qual alega abrir parte das informações requeridas pela Representante, e justifica as informações mantidas como confidenciais, consoante previsões para tanto dispostas no Regimento Interno do Cade. Nessa Manifestação, a Representada traz aos autos informações adicionais para demonstrar suposto propósito anticompetitivo da Representação formulada pela ABBT. Por derradeiro, esclareceu pontos relativos à terceira conduta denunciada, a discriminação das concorrentes do mercado de vales benefício na plataforma do iFood.
Posteriormente a Representante apresenta nova petição (SEI 1117093) com o objetivo de traçar considerações sobre o andamento da instrução processual e produção de provas.
Em 11/10/2022 esta SG, por meio da Nota Técnica nº 41/2022/CGAA1/SGA1/SG/CADE (SEI 1130456), profere decisão no sentido de arquivar o Inquérito Administrativo por insubsistência dos indícios de infração à ordem econômica, nos termos dos arts. 13, IV, e 66 da Lei Federal nº 12.529/2011 c/c os arts. 141 e seguintes do Regimento Interno do Cade.
Em 20/10/2022 a ABBT interpôs Recurso contra a decisão de arquivamento. Posteriormente o iFood apresentou manifestação em face do Recurso (SEI 1159448).
É o relatório.
II. EXAME DE ADMISSIBILIDADE
O § 4º do art. 66 da Lei nº 12.529/11 dispõe que do despacho que ordenar o arquivamento de procedimento preparatório cabe recurso ao Superintendente-Geral. Para a apresentação deste recurso, o art. 144 do RICADE prevê o prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da ciência da decisão recorrida.
No caso em discussão, a decisão foi publicada (SEI 1132858) no Diário Oficial da União ("DOU") em 13/10/2022. Com isso, o prazo iniciou-se no dia 14/10/2022, nos termos do art. 224 do Código de Processo Civil combinado com o art. 115 da Lei 12.529/2011.
Isto posto, verifica-se que o recurso é tempestivo, dado que foi apresentado em 20/10/2022.
Desta forma, conheço do recurso, por ser cabível e apresentado tempestivamente.
III. ANÁLISE
O recurso concentra-se na reversão da decisão de arquivamento do presente Inquérito Administrativo, sob o argumento de que:
A Nota Técnica nº 41 está eivada de erros de premissas, bem como revela a ausência de instrução apropriada do caso.
A SG não praticou qualquer ato instrutório no sentido de (i) apurar a estrutura organizacional e contábil da Representada; (ii) de buscar, dos clientes, do iFood Benefícios, esclarecimentos sobre a motivação da contratação de seus serviços, que poderiam indicar não só os níveis de descontos (rebates) praticados, mas também a forma de prospecção do iFood Benefícios baseada nas informações geradas na plataforma de delivery da Representada; (iii) verificar a evolução da representatividade dos vale-benefícios na plataforma de delivery do iFood; (iv) apurar as dificuldades de operação na plataforma de delivery do iFood; (v) verificar a forma de tratamento dos dados coletados pela plataforma de delivery da Representada; e (vi) analisar a possibilidade de portabilidade e de operação em arranjo aberto de pagamento.
Quando da instauração do Inquérito Administrativo, na Nota Técnica nº 7/2022/CGAA1/SGA1/SG/CADE, reconheceu a potencialidade lesiva da conduta em tese.
A SG ignorou os elementos de prova trazidos aos autos, em especial os verificados no Parecer Econômico[1] e o pedido de produção de prova oral feito pela ABBT.
A investigação foi encerrada em 7 (sete meses) e, em sua visão, não é tempo hábil para uma investigação antitruste, que demanda tempo e uma análise aprofundada.
O tratamento de sigilo dado às informações trazidas pela Representada é ilegal.
A ausência de envolvimento do Departamento de Estudos Econômicos (“DEE”) levou à desconsideração desmotivada do Parecer Econômico apresentado.
Existem ilegalidades na decisão de arquivamento em relação: (i) à definição de mercado relevante e a caracterização da Representada como um gatekeeper; (ii) à discriminação e self-preferencing; (iii) ao subsídio cruzado; e (iv) ao uso indevido de dados.
Inicialmente, é importante ressaltar que o recurso em análise não trouxe nenhum fato ou indício novo, limitando-se apenas a reiterar os fatos e as alegações já analisados na decisão de arquivamento recorrida.
A maioria das alegações feitas pela peticionante são no sentido de que a investigação feita por esta SG teria sido superficial e deficiente, bem como o tempo de encerramento da instrução não teria sido hábil para uma análise aprofundada. No entanto, essas argumentações não procedem.
Conforme verifica-se nos autos, esta SG realizou as diligências necessárias e suficientes para formar seu convencimento, consubstanciadas nas duas rodadas de ofícios realizadas, que resultaram na expedição de cerca de 30 (trinta) ofícios endereçados às empresas incumbentes no mercado de vales benefício (Alelo, BanriCard, Bem Cabal Vale, ComproCard, GreenCard, Le Card, Nutricash, Onecard, Sodexo, Ticket, Up, ValeCard, Vale Mais, Vale Shop, Vólus, Vegas, Verocheque, VR Benefícios), concorrentes da plataforma do iFood (Rappi e 99Food) no mercado de plataformas de delivery de refeições prontas, incluindo a Representada, e outras empresas entrantes no mercado de vales benefício (Flash Benefícios, Cajú, Swile Card, Creditas Card e Seu Vale).
Nesse sentido, tanto as partes, quanto o mercado, trouxeram ao processo fartos esclarecimentos e documentação, informações essas que foram exaustivamente analisadas na Nota Técnica nº 41/2022/CGAA1/SGA1/SG/CADE, conforme será comprovado no decorrer da presente análise.
Em seu pedido de reconsideração, a Recorrente alega que a SG já teria reconhecido a potencialidade lesiva da conduta em tese, quando da expedição da Nota Técnica nº 7/2022/CGAA1/SGA1/SG/CADE (SEI 1051738), razão pela qual entendo ser importante, inicialmente, destacar as funções das três espécies de processos administrativos previstos na Lei de Defesa da Concorrência, quais sejam: (i) procedimento preparatório de inquérito administrativo; (ii) inquérito administrativo; e (iii) processo administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica.
Conforme preceitua o §2º do art. 66 da referida Lei, “A Superintendência-Geral poderá instaurar procedimento preparatório de inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica para apurar se a conduta sob análise trata de matéria de competência do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, nos termos desta Lei”. Ou seja, por meio do procedimento preparatório, a autoridade avaliará se os fatos reportados e documentos constantes dos autos indicam a existência de possível conduta anticompetitiva.
Destarte, em sede de procedimento preparatório - espécie processual na qual foi emitida a Nota Técnica nº 7 - não cabe a ponderação quanto aos indícios serem suficientes para demonstrar a existência da conduta anticompetitiva, mas apenas a realização de análise preliminar para verificar se os fatos reportados e documentos apresentados estão relacionados a possível ilícito que seria de competência do CADE. Ou seja, se o suposto ilícito narrado, caso comprovado ao final, configuraria uma violação à ordem econômica.
Uma vez estabelecido o entendimento de que os fatos em análise tratam-se de matéria de competência do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, caberá à autoridade avaliar se os indícios de infração à ordem econômica são suficientes para instauração de processo administrativo, ou se ainda é necessária a realização de instrução adicional em sede de inquérito administrativo (art. 66, §1º). Nesse âmbito, sim, cabe à autoridade averiguar a materialidade e autoria da suposta conduta anticompetitiva, cenário que se verifica no presente caso.
Note-se, ainda, que consta explicitamente em toda fundamentação da Nota Técnica nº 7, a necessidade de análise e instrução adicional. Portanto, ao contrário do alegado pela peticionante, não é possível se falar em reconhecimento por esta SG de potencial lesivo da conduta ora investigada.
Quanto à alegação de que a Superintendência-Geral ignorou os elementos de prova trazidos aos autos, bem como o tempo de análise teria sido insuficiente para a devida instrução do presente caso, vale frisar, que cabe à autoridade, e não à Representante, determinar quais são as diligências, informações e tempo necessários para a instrução robusta do caso.
Nesse sentido o art.13, IV, da Lei 12.529 e art. 10, IV, do RICADE disciplinam que é de competência da Superintendência-Geral decidir pela insubsistência dos indícios, arquivando os autos do inquérito administrativo, o que se verificou no presente caso, bem como o art. 66, § 9º da Lei 12.529 e art. 142 caput e § 1º, determinam que o inquérito administrativo deverá ser encerrado no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data de sua instauração, prorrogáveis por até 60 (sessenta) dias. Portanto, resta claro que esta SG se valeu do tempo legal e regimental para análise do presente Inquérito, qual seja 7 (sete) meses, não havendo que se falar em celeridade imprópria e ineficaz na atuação deste órgão.
Em relação ao Parecer, cumpre ressaltar que o fato desta SG não ter decidido de acordo com os interesses da Recorrente, não significa que ela tenha ignorado os elementos trazidos aos autos. Ademais, é importante frisar que o Parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração à sua motivação ou conclusões.
Em relação à ilegalidade no tratamento de sigilo dado às informações trazidas pela Representada, como regra, as informações contidas nos autos são públicas, de acesso facultado a qualquer pessoa interessada. Por outro lado, considera-se, por vezes, legítimo o interesse das empresas em limitar o acesso a determinadas informações, sobretudo aquelas consideradas sensíveis ou tidas como segredos de negócios. Ao proteger o sigilo desse tipo de informação, assegura-se que informações comercialmente estratégicas para a empresa não sejam divulgadas para seus concorrentes ou outras instituições que possam prejudicá-la, sobretudo do ponto de vista concorrencial.
Ademais, a divulgação de informações de acesso restrito dos agentes econômicos (como a revelação de eventual inovação ou diferencial competitivo da empresa a players concorrentes) pode, em certas circunstâncias, além de prejudicar o ambiente concorrencial, possibilitar práticas anticompetitivas, a exemplo da troca de dados sigilosos que possibilitem condutas colusivas entre agentes de mercado.
Acerca do tratamento das informações apresentadas nos autos, o Regimento Interno do Cade, em seu art. 49, estabelece que:
Art. 49. Aos autos, informações, dados, correspondências, objetos e documentos de interesse de qualquer das diversas espécies de procedimento administrativo, serão conferidos, no Cade, os seguintes tratamentos:
I. público, quando puderem ser acessados por qualquer pessoa;
II. acesso restrito, quando seu acesso for exclusivo à parte que os apresentou, aos Representados, conforme o caso, e às pessoas autorizadas pelo Cade;
III. sigiloso, quando seu acesso for exclusivo às pessoas autorizadas pelo Cade e às autoridades públicas responsáveis por proferir parecer ou decisão; ou
IV. segredo de justiça, com acesso limitado nos termos de decisão judicial. (grifo nosso)
O tratamento sigiloso de informações pode ainda ser necessário no interesse da investigação e instrução processual. Nesse sentido, dispõe o artigo 51 do RICADE:
Art. 51. No interesse das investigações e instrução processual, o Cade assegurará, no procedimento preparatório e no inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica e no processo administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica, no âmbito de aplicação da Lei nº 12.529, de 2011, tratamento sigiloso de autos, documentos, objetos ou informações e atos processuais, dentro do estritamente necessário à elucidação do fato e em cumprimento ao interesse social.
Destarte, não procede a alegação de ilegalidade no tratamento sigiloso das informações trazidas pela Representada, uma vez que a Lei disciplina essa possibilidade para preservação de informações sensíveis de mercado.
Em relação à queixa de prejudicialidade diante da ausência de envolvimento do Departamento de Estudos Econômicos, cumpre ressaltar que o DEE, atento às questões relativas a mercados digitais, já produziu dois trabalhos que esta SG entende que endereçam as questões discutidas no presente Recurso, quais sejam:
O documento intitulado Concorrência em Mercados Digitais: uma revisão dos relatórios especializados, cujo objetivo foi analisar os principais relatórios produzidos pelas autoridades e centros de pesquisas antitrustes; e
O décimo segundo número da série Cadernos do Cade enfocado no Mercado de Plataformas Digitais nos quais foram identificas atuações do Cade no referido mercado.
Vale frisar, novamente, que cabe à autoridade, e não à Representante, determinar quais são as diligências que devem ser adotadas durante a instrução processual.
Ademais, como já dito, os estudos produzidos pelo DEE endereçam as questões discutidas nos presentes autos, como: (i) definição de mercado relevante (ii) a preocupação sobre os gatekeepers quando a plataforma de intermediação é, ao mesmo tempo, produtora dos bens e serviços transacionados nela; (iii) self-preferencing; (iv) subsídio cruzado; e (v) uso indevido de dados, pontos esses que também foram amplamente analisados na Nota Técnica nº 41/2022/CGAA1/SGA1/SG/CADE.
Diante disto, não faz sentido determinar que o DEE repise estudos já feitos por aquele Departamento - que foram devidamente documentados - o que serviria somente para atrasar a conclusão do presente caso, uma vez que, repita-se, já possui elementos robustos que fundamentaram a decisão tomada por esta Superintendência. Ora, tal direcionamento só teria o condão de movimentar a máquina pública em atendimento ao inconformismo da peticionante com a conclusão contrária a seus interesses.
Não há, portanto, que se falar em ilegalidade da decisão recorrida. Isto porque, durante a instrução do presente caso foram analisadas todas as alegações e documentos trazidos aos autos.
Note-se, ainda, que a Nota Técnica verificou se seria possível enquadrar as condutas da plataforma do iFood como exclusionárias e de self-preferencing no mercado de vales benefício e, mesmo quando as operadoras de vales benefício manifestaram receio de que a plataforma do iFood pudesse representar para esse mercado e suas concorrentes, foram verificados poucos indícios de que tal conduta de discriminação tenha ocorrido de fato. E mesmo quando houve relatos de dificuldades de operacionalidade, parece seguro afirmar que tais falhas no uso do meio de pagamento vales refeição na plataforma do iFood decorrem de problemas de interoperabilidade na Interface de Programação de Aplicação (ou Application Programming Interface, doravante “API”).
Quanto a problemas de interoperabilidade, as próprias incumbentes no mercado de vales benefício, que operam com vouchers e não cartão bandeirados, são quase uníssonas em afirmar que o Decreto nº 10.854/2022, ao dispor sobre a interoperabilidade ainda no arranjo fechado do PAT, deve trazer desafios para as operadoras. Trata-se, portanto, de um desafio técnico não trivial também para as incumbentes.
Isto posto, e diante da inexistência de novos argumentos capazes de ensejar o desarquivamento do presente IA, sugere-se a manutenção da decisão recorrida.
IV. DECISÃO
Diante do exposto, sugere-se o conhecimento do recurso, posto que cabível e tempestivo, e o encaminhamento pelo seu não provimento, nos termos do artigo 66, § 4º, da Lei nº 12.529/11 e do artigo 138, §4º do Regimento Interno do CADE, sendo que a manutenção do arquivamento não prejudica eventual investigação futura diante da existência de novos indícios de infração à ordem econômica a ensejar a continuidade da investigação.
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| Documento assinado eletronicamente por Alexandre Barreto de Souza, Superintendente-Geral, em 15/12/2022, às 11:16, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014. |
| Documento assinado eletronicamente por Tatiane Gonçalves de Oliveira Negreiros Aguiar, Assistente, em 16/12/2022, às 14:07, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014. |
| A autenticidade deste documento pode ser conferida no site sei.cade.gov.br/autentica, informando o código verificador 1145253 e o código CRC 234F5226. |
Referência: Processo nº 08700.001797/2022-09 | SEI nº 1145253 |