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Ministério da Justiça e Segurança Pública - MJSP

Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

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Ato de Concentração nº 08700.007309/2021-88

Requerentes: Bunge Alimentos S.A., Cervejaria Petrópolis S.A. e Cervejaria Petrópolis do Centro Oeste Ltda.

Advogados: Francisco Ribeiro Todorov, Adriana Franco Giannini, Paulo Sanches Campoi, Diego Zapparoli Sanches Campoi e outros.

Terceiro Interessado: Imcopa – Importação, Exportação, e Indústria de Óleos S.A. – Em Recuperação Judicial

Advogado: Arthur Sanchez Badin 

Relator: Conselheiro Gustavo Augusto Freitas de Lima.

VOTO DO RELATOR – CONSELHEIRO GUSTAVO AUGUSTO

VERSÃO PÚBLICA

Ementa:

ATO DE CONCENTRAÇÃO. ORDINÁRIO. CONTRATO DE FORNECIMENTO DE PRODUTOS. OPÇÃO DE EXCLUSIVIDADE. OPERAÇÃO REALIZADA NO BRASIL. MERCADO RELEVANTE. ÓLEO DE SOJA. FARELO DE SOJA. LECITINA DE SOJA. CASCA DE SOJA. ETANOL. BIODIESEL. ABRANGÊNCIA NACIONAL. RECURSO DE TERCEIRO INTERESSADO. APROVAÇÃO CONDICIONADA À CELEBRAÇÃO DE ACC.

1. Ato de concentração que abrange o mercado de óleo de soja e outros subprodutos da soja, como o farelo de soja, lecitina de soja, casca de soja, etanol e biodiesel, de âmbito nacional.

2. Operação notificada que envolve o direito de exclusividade de fornecimento de insumos e de compra de produtos industrializados em plantas de processamento de soja de propriedade da Terceira Interessada e arrendadas a um dos Requerentes.

4. Existência de indícios de incentivo econômico adverso, dadas as características peculiares da Operação em análise. Preocupação concorrencial específica em relação ao óleo de soja refinado envasado.  

5. Necessidade de adoção de remédio concorrencial de natureza comportamental, a fim de reequilibrar a balança em favor da competição. 

6. Aprovação do Ato de Concentração, condicionado à celebração do Acordo em Controle de Concentrações (ACC).

 

voto

A íntegra do relatório foi disponibilizada previamente (“Relatório”), no dia 19.05.2022 (SEI nº 1064421), no qual constam, em detalhes, o andamento processual e os atos instrutórios relativos a este processo. Ademais, registre-se que, para fundamentar o presente voto, foram considerados todos os documentos presentes nestes autos, em especial os juntados pelas Requerentes e pela Terceira Interessada.

PRELIMINARES

Em seu Recurso, a IMCOPA IMPORTAÇÃO, EXPORTAÇÃO E INDÚSTRIA DE ÓLEOS S/A – EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL (“Imcopa”) solicitou que as Requerentes fossem intimadas a apresentar a versão pública do “contrato de fornecimento”, justificando eventuais tarjas que fossem estritamente necessárias.

Por meio do Despacho Decisório nº 1/2022/GAB3/CADE (SEI nº 1054527), em sede de instrução complementar, determinei que as Requerentes indicassem, de forma fundamentada, quais trechos específicos do contrato de fornecimento (SEI nº 1002830) deveriam ser objeto de sigilo em relação à parte Interessada, observados os artigos 52 e 53 do RICADE.

Em resposta à determinação em tela (SEI nº 1062204), a Bunge (Bunge Alimentos S.A.) defendeu a manutenção do sigilo do contrato de fornecimento celebrado entre as Requerentes, sustentando, para tanto, que a Imcopa figurasse nos presentes autos como Terceira Interessada e, nessa condição, assumisse o papel de “colaborar com a análise concorrencial, e não defender seus interesses próprios”. Além disso, argumentou que a exposição do teor do negócio expõe as Requerentes ao risco de prejuízo no presente Ato de Concentração, o que vai ao encontro tanto do disposto no art. 52, VIII do RICADE, quanto da jurisprudência deste Conselho.

Por meio do documento SEI nº 1062495, o Grupo CP (Cervejaria Petrópolis S.A. e a Cervejaria Petrópolis do Centro Oeste Ltda.) também se manifestou pela manutenção do sigilo do contrato firmado com a Bunge, justificando que o documento tem “natureza privada e contém estratégias comerciais cuja divulgação pode representar vantagem competitiva a outros agentes econômicos, incluindo eventualmente a própria Imcopa. ”

Com razão as Requerentes.

Considerando os posicionamentos e justificativas apresentados, e tendo examinado os dados disponibilizados na versão pública do Formulário de Notificação do Ato de Concentração em exame (SEI nº 1002822), vislumbro que todas as informações necessárias para a compreensão dos efeitos concorrenciais da Operação em tela já foram publicizados. Portanto, considero não haver qualquer prejuízo à manifestação da Terceira Interessada nos presentes autos, estando adequada a manutenção do sigilo do Contrato de Fornecimento (SEI nº 1002830), em conformidade com o disposto no inciso VIII, art. 52 do RICADE.

Registre-se, ainda, que em 27 de maio de 2022, a Imcopa solicitou (SEI nº 1069112) que: i) fosse certificado nos autos a instauração de apartado para análise de proposta de ACC apresentado pela Bunge, tendo em vista o adiamento do julgamento do presente caso, comunicado na 197ª Sessão de Julgamento; e ii) fosse dada publicidade ao apartado ou, subsidiariamente, à motivação de eventual decisão de autoridade que lhe tenha determinado sigilo.

No tocante aos pleitos em apreço, cabe pontuar que, em atendimento ao disposto no § 1º do art. 125 do RICADE, a proposta de ACC apresentada pela Bunge foi juntada aos autos do Processo nº 08700.007311/2021-57, o qual já se encontrava instaurado como apartado de acesso restrito desde 29/12/2021, em conformidade ao disposto no inciso II, do art. 49 do RICADE, bem como está apenso aos autos principais do presente processo.

Além disso, cabe registrar que o Acordo em Controle de Concentrações (ACC) é o instrumento utilizado para viabilizar a adoção de remédios concorrenciais, a fim de afastar eventuais riscos ao equilíbrio da competição em um determinado mercado. Logo, tal iniciativa deve ser tratada com os agentes diretamente envolvidos na operação em que os indícios de efeitos concorrenciais negativos foram identificados. Para a preservação da negociação, bem como para garantir a viabilidade do Acordo, as tratativas são realizadas de modo sigiloso, só cabendo a sua publicização quando da assinatura do ato. Esse é o raciocínio expresso pelo § 11 do art. 125 do RICADE, e que é conferido a todo e qualquer ACC negociado pelo CADE.

Portanto, considerando as solicitações apresentadas pela Imcopa, entendo que essas já foram atendidas, uma vez que o ACC apresentado pela Bunge foi autuado em autos apartados e está relacionado ao processo principal (Processo nº 08700.007309/2021-88); bem como o sigilo atribuído ao Acordo está devidamente motivado por expressa disposição regimental deste Tribunal que regula o tratamento desse tipo de instrumento. Após a assinatura do ato, o documento será devidamente publicizado, momento no qual será atendida a solicitação da terceira interessada.

Por fim, necessário pontuar que a Imcopa, em 03 de junho de 2022, apresentou nova manifestação nos autos (SEI nº 1072391), reiterando os pleitos que já se encontram analisados nesta preliminar, bem como solicita que o AC em exame seja condicionado a implantação de remédios do tipo hold separate provisions. Quanto a esse pleito, esclarece-se que as medidas necessárias à preservação do tripé “plantas-marca-equipe” já estão devidamente previstas nos compromissos a serem assumidos pela Bunge no ACC que condiciona a aprovação deste Ato de Concentração. Outrossim, caberá ao Trustee de Monitoramento, em seu plano de trabalho, apurar se a Bunge está cumprindo com as medidas de hold separate previstas no Acordo.

 

MÉRITO

DA OPERAÇÃO NOTIFICADA

 

A operação notificada pelas Requerentes, Bunge e Grupo CP, é uma operação bastante peculiar, a qual não se confunde com aquela anteriormente autorizada por este Conselho no âmbito do Ato de Concentração nº 08700.002605/2020-10, Relator Conselheiro Sérgio Ravagnani, julgada em 04/11/2020.

No referido ato, a Requerente Bunge desejava adquirir as plantas de processamento da Imcopa, ora terceira interessada. Naquela ocasião, o Tribunal do CADE, por unanimidade, aprovou a operação, sem qualquer restrição. Contudo, no presente ato, a operação que está sendo celebrada entre a Bunge e o Grupo CP refere-se não a uma aquisição de ativos, mas ao exercício de uma cláusula de exclusividade, em caráter temporário, a qual passo a explicar.

Como narram as Requerentes (SEI nº 1002833), a operação ora notificada refere-se ao exercício de uma opção de exclusividade, a qual está prevista no contrato de fornecimento de produtos firmado entre a Bunge e o Grupo CP. Esclareço que a Imcopa, proprietária das plantas de processamento em questão, celebrou um contrato de arrendamento com o Grupo CP, por meio do qual o referido grupo passou a deter o efetivo controle das duas plantas industriais, localizadas nas cidades de Araucária e Cambé, no Paraná. As referidas plantas são as que hoje produzem o óleo de soja “Leve”, marca essa que pertence à terceira interessada (Imcopa) e que atualmente compete com o óleo de soja “Soya”, da Bunge.

Com o exercício da referida cláusula de exclusividade, haverá uma integração vertical entre a Bunge e o Grupo CP. Por meio do ato ora notificado, a Bunge passa a ter a exclusividade no fornecimento de soja e melaço para as plantas em questão. O Grupo CP, por sua vez, fornecerá à Bunge os seguintes produtos manufaturados, todos derivados da soja: óleo de soja degomado; óleo de soja refinado a granel e envasado sob a marca “Leve”; farelo de soja; proteína de soja concentrada; lecitina; casca de soja; melaço; tocoferol (vitamina E); e borra. Esse fornecimento também se dará em caráter exclusivo, passando à Bunge o controle sobre a comercialização dos referidos produtos. Além disso, a operação também prevê uma integração vertical para oferta de etanol, a jusante.

Sobre a operação, assim relataram as Requerentes, em seu formulário de notificação:

O contrato concedeu direito de opção para a transformação da simples relação de fornecimento em um contrato de exclusividade entre as partes, efetivamente transferindo o controle da produção do Grupo Imcopa, hoje detido pelo Grupo CP, para a Bunge.

Aprovada a presente operação, a Bunge passará a controlar, em caráter exclusivo, tanto o fornecimento de insumos (soja e melaço) para as plantas da Imcopa de Araucária e Cambé, no Paraná, como a efetiva comercialização dos bens produzidos, sendo certo que as plantas em questão passarão a produzir exclusivamente para a Bunge.

Feito esse breve introito, passo a analisar a cadeia produtiva da soja.

A CADEIA PRODUTIVA DA SOJA

Para o entendimento adequado da situação em tela, é necessário compreender as etapas da cadeia produtiva da soja e, dentre os seus subprodutos, o de óleo de soja refinado. Nesse sentido, a análise desenvolvida no Parecer nº 08/2022/CGAA3/SGA1/SG (SEI nº 1045862), feita mais especificamente no tópico V, apresenta todos os esclarecimentos para o desenvolvimento do que ora se propõe.

O grão de soja é uma oleaginosa que permite a extração de óleos e gorduras, de modo que os seus subprodutos podem ser utilizados nos segmentos de nutrição animal, alimentação e produção de combustíveis. Tais subprodutos, portanto, compõem o denominado “complexo da soja” e advêm de etapas que perpassam a indústria de insumos agrícolas, a produção do grão de soja, o processo de originação dos grãos, as atividades de trituração/esmagamento (“crushing”) e de refino, a produção de derivados do óleo e a atividade de distribuição, chegando, por fim, ao consumidor.

Para além da produção do grão, a soja também é utilizada para a fabricação de importantes derivados como o óleo bruto e o farelo de soja, conforme representado na figura 1:

                   

Fonte: BNDES.

 

As Requerentes consideraram as etapas de aquisição de grãos de soja, esmagamento e refino como as principais para a análise desta Operação, tendo em vista que tanto a Bunge quanto Cervejaria Petrópolis atuam nesses elos de forma verticalmente integrada.

Em relação à atuação da Bunge, ela é maior nas etapas de originação, exportação de grãos e no processamento da soja para a obtenção do farelo e do óleo de soja envasado das marcas “Soya” e “Primor”; além da produção de biodiesel, biocombustíveis e produtos como a casca de soja e a lecitina.

Já no caso do Grupo CP, a atuação está centrada nas atividades de aquisição de grãos, esmagamento da soja, refino do óleo de soja e comercialização de subprodutos como lecitina, casca e melaço, atividades essas exercidas no âmbito do contrato de arrendamento com a Imcopa (itens 63 a 65 do parecer da SG).

Identificou a SG (itens 67 a 71) que a Operação poderia dar ensejo tanto a sobreposições horizontais quanto a integrações verticais, sendo que a primeira incidiria nos mercados de: (i) aquisição de grãos de soja, e originação de grãos geneticamente modificados (genetically modified organism ou “GMO”) e não GMO; (ii) farelo de soja; (iii) óleo de soja degomado; (iv) óleo de soja refinado; (v) lecitina de soja; (vi) casca de soja; e (vii) etanol; ao passo que as integrações verticais permeariam os seguimentos de: (i) originação de soja, a montante (upstream), e venda de produtos obtidos a partir do processamento da soja, a jusante (downstream); (ii) óleo de soja degomado/óleo de soja refinado; e (iii) óleo de soja degomado/biodiesel.

Sendo assim, a soja é um insumo que pode dar origem a distintos produtos, os quais atendem mercados completamente distintos.

Traçados esses esclarecimentos iniciais, passo ao exame da controvérsia central do Recurso e do ato de concentração em tela, a qual, no meu ver, se refere ao mercado de soja refinado.

 

CONSIDERAÇÕES SOBRE O MERCADO DE ÓLEO DE SOJA REFINADO

 

Sob a ótica concorrencial, o aspecto mais sensível do ato de concentração em exame, e que faz parte do ponto central do racional da operação negociada entre as Requerentes, é a produção, distribuição e comercialização do óleo de soja refinado, notadamente na sua modalidade envasada.

Em breve síntese, o óleo de soja pode ser classificado como: (i) bruto ou cru, tal como extraído do grão; (ii) degomado, quando submetido a um processo de extração de fosfatídeos, proteínas e substâncias coloidais; e (iii) refinado, quando submetido a um processo de refinação que visa eliminar impurezas e remover sabores e odores indesejáveis.

Embora o óleo de soja degomado possa ser utilizado na indústria de alimentos e na indústria de combustíveis, o produto com maior valor agregado é o óleo de soja refinado, o qual é usado diretamente pelo consumidor final para a fritura e preparo de alimentos. O óleo refinado é considerado um óleo comestível, eis que submetido a processos que aperfeiçoam a sua aparência, odor e sabor, tornando-o mais agradável ao consumo humano. O óleo de soja refinado e o óleo de soja degomado não são, portanto, produtos substitutos entre si, estando em pontos distintos da cadeia de produção.

Por esse motivo, no caso concreto, as empresas Requerentes consideraram que o óleo de soja degomado e o óleo de soja refinado constituiriam mercados relevantes distintos sob a dimensão produto, no que foram acompanhados pela SG (item 101, do Parecer nº 8/2022/CGAA3/SGA1/SG - SEI nº 1045862), posição essa com a qual estou de acordo.

Sobre a segmentação desse mercado relevante, as Requerentes entenderam que não seria necessário separar o mercado em “produto a granel” e “produto envasado”, tendo considerado o mercado relevante de óleo de soja refinado como um todo.

Nesse particular, divirjo das Requerentes, apontando que há clara distinção entre as modalidades a granel e a envasada sob a ótica do comportamento do consumidor. Para o consumidor pessoa física, na compra no varejo, o produto envasado não pode ser substituído pelo produto vendido a granel, uma vez que a quantidade ofertada a granel supera em muito as necessidades de consumo de uma família média. Assim, na maioria dos casos, a venda do produto a granel somente é economicamente justificável para compras feitas pela indústria de alimentos ou em uso por empresas, tais como restaurantes, escolas e hotéis. Observo, ainda, que ao se observar os sítios eletrônicos da requerente, ao mostrar a sua linha de produtos, ela anuncia o produto envasado, sequer colocando em seu site o produto a granel, do que se demonstra que o produto a granel não se destina ao consumidor em geral.

Verifico que recorte feito pela SG justamente segmentou os mercados em “envasado” e “a granel” (item 110, do Parecer nº 8/2022/CGAA3/SGA1/SG - SEI nº 1045862), segmentação essa que ora acompanho.

Logo, sob a dimensão do produto, o mercado relevante é o de “óleo de soja refinado”, o qual, por sua vez, é subdividido em produto envasado e produto a granel.

No aspecto geográfico, a jurisprudência do CADE considera que o mercado de óleo de soja é nacional. Sobre o tema, vide os Atos de Concentração nºs 08700.001134/2020-14 (Requerentes: Seara Alimentos Ltda. e Bunge Alimentos S.A.), 08700.005478/2018-88 (Requerentes: ADM do Brasil Ltda. e ABC Indústria e Comércio S.A.), 08700.007578/2016-87 (Requerentes: Cargill Agrícola S.A. e SGS Agricultura Ltda.), 08012.000091/2012-06 (Requerentes: ABC Indústria e Comércio S.A. e Bunge Alimentos S.A.) e 08012.006068/2002-45 (Requerentes: Bunge Alimentos S.A. e Bertol S.A Indústria Comércio e Exportação), entre outros. Nesse aspecto, acompanho a jurisprudência do CADE, dispensadas maiores considerações.

Quanto ao exame do poder de mercado, a SG efetuou a análise do óleo de soja considerando três cenários distintos: (i) mercado de óleo de soja refinado (sem segmentação); (ii) mercado de óleo de soja refinado envasado; e (iii) mercado de óleo de soja refinado a granel (item 193 do Parecer nº 8/2022/CGAA3/SGA1/SG - SEI nº 1045862). Reputo que o cenário relativo ao mercado de óleo de soja refinado envasado é o mais relevante para a Operação, como apontado pelas partes nos seguintes trechos:

 

Manifestação da Bunge (SEI nº 1062204):

 

7. Conforme detalhado abaixo, a Operação envolve uma série de mercados, mas é incapaz de afetar a concorrência, visto que, em grande parte, as concentrações estão bem abaixo dos patamares previstos pela Resolução nº 33/2022 do CADE. Os únicos mercados em que tais patamares são excedidos são os de óleo de soja refinado envasado e lecitina de soja (devido a sobreposições horizontais em ambos os casos) e óleo de soja degomado (devido à relação vertical com o óleo de soja refinado).

[...]

20. Convém mencionar que, anteriormente à celebração do Contrato de Fornecimento, as plantas arrendadas chegaram a ficar paralisadas por falta de insumos, conforme reconhecido pelo administrador judicial no âmbito da recuperação judicial da Imcopa (Documento nº 1). Dessa forma, o Contrato de Fornecimento foi uma solução para a retomada das atividades das plantas, e consequentemente para a comercialização dos produtos manufaturados pela Imcopa (especialmente o óleo refinado envasado da marca Leve).

 

Manifestação da Cervejaria Petrópolis (SEI nº 1062495):

 

10. Um relatório de atividades elaborado pela própria IMCOPA teria apontado "insuficiência de matéria prima nos últimos anos", o que "tem causado um aumento expressivo no nível de ociosidade das instalações do Terceiro Interessado", "cenário, que reflete a situação de uma empresa que passa por dificuldades operacionais [...] e financeiras, [o que] permite inferir que a Imcopa teria várias outras possíveis razões, para além do acordo celebrado entre Bunge e CP, capazes de justificar eventual decisão pela redução do número de funcionários "quanto ao alegado risco de descontinuidade na comercialização do óleo de soja "Leve" e possível "esbulho do market share da Imcopa" pelas marcas da Bunge, cabe ressaltar que, segundo informado pelas Requerentes, o acordo celebrado entre elas prevê o fornecimento de óleo de soja refinado envasado sob a marca da Imcopa pela CP à Bunge. Portanto, tendo em vista que os dispositivos citados preveem expressamente o fornecimento de óleo de soja "Leve" no âmbito do contrato, pode-se inferir que haverá continuidade na comercialização de tal produto pela Bunge no contexto pós-Operação.

 

Recurso Imcopa (SEI nº 1053046):

 

61. Diversas são as razões pelas quais a análise desenvolvida pela Superintendência-Geral merece ser aprofundada pelo Tribunal Administrativo, em especial a respeito do mercado de óleo refinado de soja envasado.

[...]

64. Em segundo lugar, vale relembrar as preocupações demonstradas pelo Conselheiro Luiz Hoffmann, quando da avocação do Ato de Concentração 08700.002605/2020-10 (BUNGE/IMCOPA), com a elevada concentração “no caso particular do ”, onde “a liderança da Bunge subsiste, pelo menos, desde 2015 e seria reforçada pela aquisição da Imcopa, ante uma franja de agentes com menor participação de mercado”. Dentre as preocupações que justificariam “um olhar mais cuidadoso por parte do Tribunal, especialmente quando se trata de elevadas participações de mercado”, estava a necessidade de maiores esclarecimentos a respeito das dúvidas apresentadas no parecer do economista Antônio Corrêa de Lacerda, juntado aos autos por ASSERJ e CERVBRASIL, sobre o reforço da posição dominante da BUNGE no mercado de óleo refinado de soja envasado.

 

 

Os estudos referentes ao corte ora apontado, mercado de óleo de soja refinado envasado, estão descritos na tabela 7 do estudo da SG (Parecer nº 08/2022/CGAA3/SGA1/SG - SEI nº 1045862).

 

Verifico, portanto, que a Operação resultará em uma participação de mercado expressiva, da ordem de  [ACESSO RESTRITO] do mercado de óleo de soja refinado envasado, em um mercado onde apenas outros dois competidores possuem poder de mercado significativo. Pelas projeções da SG, com a Operação, apenas três competidores, Bunge, ADM e Cargill, passariam a deter entre  [ACESSO RESTRITO] do mercado relevante. Ou seja, apenas três empresas passarão a controlar a maior parte do mercado. Essa questão levanta preocupações concorrenciais óbvias, ainda que não sejam, per se, impeditivas da Operação. De se destacar que as mesmas conclusões podem ser obtidas considerando qualquer das métricas analisadas, ou seja, tanto pelo volume como pelo valor.

Analisando os dados técnicos da Operação em tela em relação à supracitada segmentação, constato que o Índice Herfindahl-Hirschman (HHI) após a Operação fica entre  [ACESSO RESTRITO], com o Delta do HHI de  [ACESSO RESTRITO], valores esses que suscitam preocupações concorrenciais. De acordo com o Guia de Análise de Atos de Concentração Horizontal do CADE:

[...] operações que resultem em mercados com HHI entre 1.500 e 2.500 pontos e envolvam variação do índice superior a 100 pontos (ΔHHI > 100) têm potencial de gerar preocupações concorrenciais, tornando recomendável uma análise mais detalhada[1] .

 

Reconheço que o HHI é uma suposição inicial, que deve ser confrontado com outros elementos e considerado de acordo com as características do mercado. Porém, é uma variável de referência, a qual precisa ser levada em conta nas decisões deste Tribunal.

Observando os dados de mercado, como apontado pela SG (item 223 do Parecer nº 8/2022/CGAA3/SGA1/SG - SEI nº 1045862), houve “um aumento expressivo nos preços do óleo de soja e da lecitina nos últimos dois anos”. Embora parte desse aumento possa ser explicado por razões de mercado, como o preço da soja no mercado internacional, a desvalorização cambial do real em relação ao dólar e o aumento das exportações de soja e produtos derivados, não se pode ignorar que parte do mercado aponta que houve a redução da oferta do produto.

Nesse sentido, ressalto as manifestações de Oleoplan[2] , Solae[3] , BRF[4]  e Nestlé Brasil Ltda. (“Nestlé”)[5]  a esse respeito, como transcrito no item 224 do Parecer nº 8/2022/CGAA3/SGA1/SG (SEI nº 1045862).

Nos dois últimos anos, foi possível acompanhar um aumento recorde no preço da soja. No início de 2020, a tonelada de soja era cotada a US$325,47 na Bolsa de Chicago (CBOT), enquanto, nas praças brasileiras, era negociada a R$1.316-1.433. Ao longo de 2021, a soja continuou sua crescente de preços, alcançando em maio, na CBOT, o patamar de US$ 579,10/t e encerrando o ano em US$473,06/t. Nas praças nacionais, a tonelada superou R$3.000 (R$180/saca), mas encerrou o ano com a cotação entre R$2.666-2.966 (Fonte: ABIOVE). No mesmo sentido, nesse período ocorreram aumentos expressivos no preço da lecitina devido ao aumento do preço do grão de soja. Em alguns momentos, a demanda percebida era superior à oferta do produto, ou seja, escassez do produto lecitina. (Oleoplan)

 

Quanto à quantidade ofertada no mercado brasileiro, a Solae estima que houve diminuição resultante do aumento das exportações, decorrente da valorização do dólar frente ao real. (Solae)

 

 [ACESSO RESTRITO AO CADE]

 

 [ACESSO RESTRITO AO CADE]

Não desconheço que esse Tribunal já se manifestou pela existência de rivalidade e competição efetiva no mercado de soja refinado, nos termos do voto do Conselheiro Sérgio Ravagnani (Ato de Concentração nº 08700.002605/2020-10). Contudo, naquela ocasião, não foi feita a segmentação entre o óleo envasado e o óleo a granel.

De fato, olhando o mercado como um todo, granel e envasado, os problemas de concorrência parecem ser menores. Contudo, fazendo o corte específico para o mercado de óleo de soja refinado envasado, que é o que tem impacto direto no consumidor final, verifico que o cenário desperta maiores preocupações, notadamente em um contexto geopolítico e econômico onde as pressões de exportação tendem a agravar a falta de produto.

Considero, ainda, que naquela ocasião (2020) o mercado de óleo vegetal ainda não passava pelo choque de oferta atualmente estabelecido. O cenário atual foi diretamente impactado diante do conflito militar da Ucrânia, que é um dos grandes exportadores de óleo vegetal, e dos problemas nas exportações da Indonésia e na Malásia, que são os maiores exportadores de óleo de palma, produto para o qual o óleo de soja é um possível substituto. Confira-se a recente matéria, de abril de 2022:

 

A Indonésia, principal produtor mundial de óleo de palma, começou a aplicar nesta quinta-feira (28) um embargo total sobre as exportações do produto, o que pode desestabilizar o mercado global de óleos vegetais já afetado pela guerra na Ucrânia.

[...]

A Indonésia é responsável por 60% da produção mundial de óleo de palma – um terço é consumido no mercado interno do país, de mais de 270 milhões de habitantes.

Índia, China, União Europeia e Paquistão são os principais compradores do óleo, que também é um componente essencial para a produção de uma ampla gama de produtos, de cosméticos a alimentos.

Os óleos alimentares já haviam atingido preços recordes em março devido à escassez de oferta global provocada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, dois grandes produtores de óleo de girassol.[6]

De fato, são várias as notícias sobre os problemas na produção de óleos vegetais no mundo, no atual contexto geopolítico e econômico, contexto esse que certamente terá reflexos no mercado de óleo de soja refinado[7] .

Verifico que a SG igualmente entendeu que o mercado relevante em tela merecia uma atenção especial, razão pela qual avançou em uma análise mais detida sobre o tema (itens 227 e seguintes do Parecer nº 8/2022/CGAA3/SGA1/SG - SEI nº 1045862). Em relação à entrada de novos competidores, aponta a SG que, nos últimos anos, houve apenas uma única entrada no mercado, da CJ Selecta. Identificou a área técnica a existência de barreiras de entrada associadas ao investimento inicial necessário e ao grau de integração da cadeia produtiva, apontando que, conforme o teste de mercado, “a entrada isolada no mercado de óleo refinado não é considerada comercialmente viável” (item 229 do parecer). Por tal motivo, concluiu o parecer da SG que “a entrada de novos players seria pouco provável no caso concreto”, e, ainda que tal entrada existisse, “não seria, por si só, suficiente para disciplinar o poder de mercado das Requerentes no cenário pós-Operação” (itens 234 e 235).

Nesse contexto, a SG efetuou um teste de rivalidade específico para o segmento do óleo de soja refinado envasado, como avistável nos itens 236 e seguintes do seu parecer. Embora esteja enfrentando uma contestação do mercado por parte da ADM, verifico que a Bunge é, sem dúvida, a líder do segmento há alguns anos. Observo, ainda, que a ampliação da participação da empresa ADM somente foi possível pela aquisição de ativos de esmagamento de processamento de soja do Grupo Algar, o que ampliou a sua capacidade produtiva (item 241, do Parecer nº 8/2022/CGAA3/SGA1/SG - SEI nº 1045862), sendo pouco provável que esse cenário se repita, diante da consolidação do mercado.

Conforme os testes de mercado, o óleo de soja é considerado um produto essencialmente homogêneo (item 248, do Parecer nº 8/2022/CGAA3/SGA1/SG - SEI nº 1045862), ou seja, com características próximas às de uma commodity. Nesse tipo de cenário, o exercício de poder de mercado pela empresa resultante de um ato de concentração depende de sua capacidade de reduzir quantidades produzidas ou elevar preços de forma unilateral. Considerando que, nesse contexto, o preço tende a ter um importante poder disciplinador, entendo ser relevante perquirir se os demais concorrentes teriam capacidade de absorver um aumento da demanda, no caso de as Requerentes decidirem abusar da posição dominante e aumentar excessivamente os seus preços.

Analisando os números de produção e capacidade ociosa, haveria, em um primeiro olhar, capacidade ociosa suficiente para fazer frente a um eventual aumento unilateral de preços, como indicado pela SG na Tabela 12 e no item 255. Contudo, como melhor explicado no item 256 do multicitado parecer da SG, quase metade da capacidade ociosa registrada é detida por uma única empresa, [ACESSO RESTRITO]. À luz dessa informação, considerando que a referida empresa não tem como fazer uso da referida capacidade ociosa no curto prazo, não pode ser a mesma computada. Retirando a capacidade ociosa da referida empresa, verifico que mesmo que todos os competidores atinjam a 100% da sua produção, zerando a sua capacidade ociosa, cenário esse que é pouquíssimo provável, ainda assim somente poderiam absorver [ACESSO RESTRITO], valor esse insuficiente para fazer frente às [ACESSO RESTRITO] vendidas pelas Requerentes, em números de 2020 (item 253 do parecer da SG). Somando-se a isso as pressões do mercado internacional para o aumento da exportação do óleo de soja brasileiro, e a notícia do varejo de que já existe falta do produto, entendo ser pouco provável que eventual diminuição da produção possa vir a ser suprida por importações, ao menos no cenário de curto prazo. Exatamente nesse contexto, a SG registrou, após analisar as variáveis internacionais, que “a concorrência interna nem sempre será suficiente para conter um aumento generalizado de preços no mercado brasileiro”, como inclusive já efetivamente ocorrido nos anos de 2020 e 2021[8] .

Embora não seja papel da autoridade antitruste regular o preço de qualquer commodity, há, sim, uma preocupação concorrencial quando o líder de um determinado segmento adquire um dos seus principais concorrentes, passando a desfrutar de uma posição dominante que não tem como ser contestada pelos seus competidores, ao menos dentro de um prazo razoável. Notadamente em um cenário onde apenas três competidores controlam quase a totalidade do mercado. A capacidade desse player poder aumentar seus preços sem ser contestado pelos rivais é precisamente o que demonstra o seu poder de mercado.

Tenho que o contexto acima, embora não indique a necessidade de reprovação da operação, contém elementos suficientes para apontar a necessidade de a autoridade concorrencial ter alguma cautela com o negócio em exame, razão pela qual parece-me recomendável a adoção de um remédio concorrencial, para ao menos mitigar os riscos do ato de concentração ora analisado.

Verifico que a SG constatou que esse risco já estaria de certa forma mitigado diante do compromisso das Requerentes em continuar com a comercialização do óleo da marca “Leve”, de propriedade da Terceira Interessada, IMCOPA, e licenciado para uma das Requerentes, o Grupo CP. Confira-se in verbis a posição da SG, contida no Parecer nº 8/2022/CGAA3/SGA1/SG (SEI nº 1045862):

 

340. Portanto, tendo em vista que os dispositivos citados preveem expressamente o fornecimento de óleo de soja “Leve” no âmbito do contrato, pode-se inferir que haverá continuidade na comercialização de tal produto pela Bunge no contexto pós-Operação.

De fato, a manutenção da comercialização da marca “Leve” pode, de certa forma, mitigar os riscos da Operação. Contudo, a simples manutenção da marca, sem uma competição efetiva, não é medida suficiente para se atenuar os riscos à competição ora levantados. Ademais, a cláusula acima, ao indicar que as partes diretamente interessadas na presente operação comercializarão entre si o óleo de soja envasado da marca “Leve”, não pode ser considerada como uma garantia efetiva de que o produto continuará sendo efetivamente comercializado até o consumidor final em quantidades e condições competitivas, ou que tal cláusula gerará qualquer efeito em favor da competição. Ademais, trata-se de medida desprovida de enforcement por parte da autoridade concorrencial.

Feitas essas considerações, poderia se perquirir quanto ao eventual incentivo econômico de a requerente, Bunge, adquirir duas plantas de processamento para não utilizá-las em sua plena capacidade. Em uma primeira visão, essa conduta poderia parecer uma manobra onerosa, com finalidade de mercado duvidosa. Contudo, as características peculiares da Operação em análise geram um incentivo econômico preocupante, o qual merece ser aqui melhor explicado.

A Operação em tela não se refere propriamente à aquisição de ativos por parte da requerente Bunge. Trata-se aqui, na verdade, de um controle temporário e precário sobre os ativos da concorrente, IMCOPA, os quais estão temporariamente arrendados para o Grupo CP, também requerente do presente ato de concentração.

Cumprido o contrato de arrendamento original, celebrado entre a IMCOPA e o Grupo CP, o prazo de arrendamento se encerrará em breve, ou seja, em fevereiro de 2024. Assim, salvo na superveniência de algum fato novo, a primeira interessada terá o direito de exclusividade sobre as plantas objeto da Operação por um período relativamente curto, findo o qual as plantas de processamento, os equipamentos e a própria marca “Leve” retornariam para a Terceira Interessada, IMCOPA.

Claro está que, nesse momento, há uma alta probabilidade de que a Bunge tenha interesse de adquirir, em definitivo, as plantas em questão, medida essa que, inclusive, já foi autorizada pelo próprio CADE (Ato de Concentração nº 08700.002605/2020-10), embora não tenha sido consumada à época. Assim, o cenário de uma futura aquisição das plantas em tela pela empresa Bunge não é uma mera conjectura, mas corresponde a um cenário que reflete uma intenção já publicamente externada pela empresa e amplamente conhecida do mercado.

Pois bem, considerando esse cenário, ou seja, tendo em mente que a Bunge é uma potencial compradora dos ativos em exame ao término do contrato de arrendamento, o que ocorrerá em breve, acaba surgindo um incentivo econômico adverso: se a Bunge for extremamente eficiente na gestão das plantas e da marca “Leve”, agindo de forma competitiva, ela, ao fim, acabará sendo penalizada, pois haverá a valorização dos ativos da concorrente, e a empresa acabará sendo forçada a efetuar um pagamento maior se decidir, ao fim, efetuar a compra das plantas; por outro lado, se as plantas forem mal administradas, ou se a marca “Leve” perder valor, surge um incentivo econômico para a Bunge, pois essas medidas anticompetitivas permitiriam que, num curto horizonte de tempo, a compra fosse feita a um preço mais módico.

Em um cenário de mercado concentrado, a deterioração de ativos produtivos pode gerar choques de oferta e reforçar o poder de mercado por parte dos líderes do mercado relevante. Não é por outro motivo que o Guia de Remédios Antistrute do CADE assim prevê:

 

É importante evitar que haja deterioração dos ativos durante o período que antecede o desinvestimento. Nesse sentido, é importante que remédios de desinvestimentos prevejam obrigações relativas a não degradação do pacote de ativos a ser vendido. Tais obrigações podem incluir: (i) manter o negócio e não adotar medidas que tenham impacto negativo significativo no seu valor, gestão e competitividade; (ii) dar suporte financeiro necessário à continuação do negócio; (iii) reter pessoal chave; entre outras[9] .

 

Não desconheço que a hipótese tratada no Guia de Remédios Antitruste não se refere, exatamente, ao caso dos autos. Contudo, as mesmas razões que levam a se evitar que haja deterioração dos ativos durante o período que antecedem a um desinvestimento são as mesmas que me levam a concluir que se deve preservar os ativos de uma empresa que esteja às vias de ser adquirida pela concorrência. Como diz o brocardo latino, Ubi eadem ratio ibi idem jus, ou seja, onde há o mesmo fundamento, há o mesmo direito.

Quero dizer, portanto, que as mesmas razões que levam a autoridade concorrencial a proteger um pacote de ativos no período anterior ao desinvestimento são as mesmas razões que levam a se proteger os ativos ora em exame, em um cenário de possível aquisição pelo concorrente. Não se está, aqui, a tutelar o interesse privado da Terceira Interessada, mas tentando se garantir que o mercado em questão, já bastante concentrado, mantenha condições mínimas para uma competição livre e justa.

Essas conclusões são reforçadas quando se leva em consideração que a empresa controladora dos ativos em exame, IMCOPA, já se encontra em um cenário de recuperação judicial, demonstrando fragilidade econômica. Reforça o argumento de necessidade de cautela com o caso em tela a circunstância, de todo bastante evidente, de alta beligerância entre as Requerentes e a Terceira Interessada, contexto esse onde se verifica uma situação que bastante se assemelha a uma aquisição hostil (hostile takeover).

Feitas essas considerações, esclareço que não estou aqui afirmando que as Requerentes efetivamente agirão de uma ou outra forma, ou mesmo que tenham total consciência dos incentivos econômicos aqui descritos. O que aponto é que há, de fato, um incentivo econômico em favor de um comportamento anticompetitivo, o qual pode ter consequências negativas ao mercado relevante, diminuindo artificialmente a oferta de produto e, em última análise, a competição.

Nesse contexto, entendo que cabe ao CADE reequilibrar a balança em favor da competição, adotando remédios que criem incentivos econômicos para que as empresas envolvidas efetivamente busquem o crescimento econômico, a competição e a melhoria dos seus produtos, devendo se ter em mente o papel incessante que o CADE deve ter na defesa da livre concorrência e de um mercado justo e competitivo.

Por esse motivo, no caso específico do segmento de óleo de soja refinado e envasado, opino que deva o CADE adotar um remédio concorrencial, com grau mínimo de intervenção, que seja capaz de retirar os incentivos econômicos adversos e apto a estimular a adoção de práticas pró competitivas por parte das Requerentes.

 

DEMAIS RAZÕES RECURSAIS DA IMCOPA

Da alegação de configuração de gun jumping

 

Segundo a recorrente, o próprio contrato de fornecimento celebrado entre as empresas Bunge e Grupo CP corresponderia à consumação prévia da Operação de exclusividade, caracterizando indício de prática de gun jumping.

Anoto que o Parecer nº 8/2022/CGAA3/SGA1/SG (SEI nº 1045862) não apresentou análise meritória sobre a configuração ou não da prática, até mesmo porque essa questão ainda está em apuração no âmbito do APAC instaurado a partir de determinação constante no Despacho SG nº 291/2022 (SEI 1033977).

Entendo, portanto, que a referida acusação deve ser analisada no APAC nº 08700.001786/2022-11. Os fatos relacionados a tal acusação não estão sob avaliação nestes autos, razão pela qual não serão abordadas neste voto. Quanto às demais questões levantadas, de sham litigation e condutas anticompetitivas, entendo que o tema deva ser submetido à SG para, querendo, abrir novas investigações ou utilizar as informações nas apurações já em curso.

 

Dos supostos riscos de descontinuidade da comercialização do óleo de soja refinado

A IMCOPA afirma que o contrato de fornecimento celebrado com o Grupo CP foi aos poucos sendo alterado pelo comportamento de ambas as partes durante a sua execução, de modo que houve uma espécie de “cogestão”, na qual os assuntos operacionais passaram a ser controlados pelo Grupo CP, e os institucionais pela governança da própria recorrente. Registra, também, que essa dinâmica permitiu o controle total dos assuntos operacionais pelo Grupo CP, repercutindo diretamente na atividade de originação de grãos de soja, que passou a ser realizada pelos funcionários da recorrente em favor da empresa BUNGE. Nesse sentido, destaca ainda que atividades importantes, tais como a demissão e contratação de funcionários, vêm ocorrendo sem o seu controle, considerando que estão submetidas ao planejamento e orientação do Grupo CP, enquanto arrendatária.

Verifico que o contrato celebrado entre a BUNGE e Grupo CP prevê a continuidade da distribuição do produto da IMCOPA na forma de óleo de soja refinado envasado, o que pode mitigar o risco de prejuízos à marca e à oferta do produto em questão no mercado. Contudo, diante da ausência de maiores controles quanto à efetiva oferta competitiva do produto ao varejo, e considerando que o referido contrato não é dotado de enforcement por parte da autoridade de defesa da concorrência, não se pode descartar completamente a preocupação relacionada à redução da quantidade do Óleo de Soja da marca “Leve” disponível nas prateleiras dos supermercados e estabelecimentos comerciais similares, o que pode ter consequências negativas ao bom funcionamento do mercado relevante em questão, com prejuízo ao consumidor e à concorrência.

Nesse contexto, como já apontado anteriormente, diante dos riscos concorrenciais já abordados, e tendo em vista que o contrato de arrendamento caminha para o seu fim, reafirmo ser o caso de se dar alguma proteção ao pacote de ativos objeto da operação, os quais poderão ser adquiridos em breve pela Bunge ou por algum dos seus concorrentes. Por tal razão, entendo que essa questão deverá estar contemplada pela assinatura de ACC, embora não considere adequado a fixação de controles de produção ou limitações à contratação ou demissão da mão-de-obra, como pleiteia a recorrente. Tais medidas seriam uma ingerência excessiva na livre iniciativa dos agentes econômicos envolvidos, sem justificativa concorrencial para abonar uma intervenção tão extremada.

No tocante à alegação de desmobilização da rede de originação da IMCOPA, a recorrente já apresentou tal pleito em sede da instrução dos presentes autos. Face a essa alegação, a área técnica lançou questionamentos à BUNGE a fim de apurar a situação. Desse modo, a BUNGE, em resposta ao Ofício n° 2795/2022/SG-TRIAGEM AC/SGA1/SG/CADE (SEI 1058966), enviado pela Coordenadoria Geral de Análise Antitruste n°05 ("CGAA5"), em 7 de abril de 2022, esclareceu que:

O Contrato de Fornecimento Bunge CP não prevê qualquer tipo de intervenção de cunho organizacional da Bunge na CP, ou em qualquer dos negócios por ela geridos. Como explicado, a relação contratual entre as empresas se resume a um contrato típico de compra e venda de insumos, e posterior compra e venda de produtos manufaturados, que possui a opção de se tornar exclusivo.  [ACESSO RESTRITO]

 

Ante esses esclarecimentos, compreendeu a SG que:

332. Dessa forma, verifica-se que o Contrato de Arrendamento não prevê qualquer ingerência ou obrigação da Imcopa relativamente ao processo de originação de grãos, uma vez que atribui exclusivamente à Cervejaria Petrópolis a responsabilidade pelo fornecimento de matéria-prima. Além disso, conforme se depreende da cláusula 8.1, a mão de obra fornecida pela Imcopa no escopo do contrato não contempla atividades relacionadas à compra de soja, restringindo-se à “realização dos serviços de industrialização e administração” contratados:

8.1. A ARRENDANTE [Imcopa] assumirá o fornecimento de toda a mão de obra e equipamentos necessários à realização dos serviços de industrialização e administração ora contratados, arcando com todos os custos, ônus, impostos, taxas e outros encargos que incidam sobre os processos industriais executados.

Quanto aos aspectos de disputa sobre a operação das plantas de processamento, decorrentes do multicitado contrato de arrendamento, entendo que se trata de questão privada, contratual, a ser resolvida entre as partes, ou pela negociação, ou por meio do Poder Judiciário, em lide privada.

Opino que o que cabe ao CADE é a proteção da concorrência e a prevenção ao eventual abuso de uma posição dominante, devendo manter as condições para que o mercado em questão continue operando de uma forma justa e competitiva. Assim, eventual atuação desta autoridade concorrencial deve se limitar ao que for minimamente necessário para se evitar que uma eventual conduta anticompetitiva por parte da líder de mercado possa causar um artificial choque de oferta ou levar a um descontrolado aumento de preços do setor, sem que os demais concorrentes tenham tempo ou possibilidade material de reagir e contestar o mercado.

Nesse contexto, reitero ser necessário utilizar um remédio concorrencial, ainda que com um grau mínimo de intervenção, não para resolver as questões contratuais entre as partes, mas para manter o funcionamento saudável do mercado.

Considerando as alegações da Terceira Interessada, e tendo em mente os esclarecimentos prestados pelas empresas Requerentes, entendo que os planos de negócio apresentados já demonstram a intenção de adoção de comportamentos competitivos, aptos a sanar os riscos concorrenciais ora em exame.  E, nesse particular, gostaria de parabenizar as Requerentes, que foram proativas ao explicar, de forma satisfatória, o seu plano de negócios para o período pós-consumação.

Contudo, opino que, diante do interesse concorrencial já explicado, as condições apresentadas pelas Requerentes devem ser dotadas de enforcement, não podendo a defesa da concorrência depender das relações privadas entre as partes. Por tal motivo, entendo que o contrato entre as Requerentes e a apresentação do plano de negócios não são, por si só, suficientes, devendo os compromissos neles apresentados serem positivados em um ACC, para efetiva fiscalização e monitoramento por parte da autoridade concorrencial.

 

DOS DEMAIS MERCADOS RELEVANTES

Em que pese o aspecto mais sensível do ato de concentração em exame envolver o mercado relativo ao produto extraído do óleo de soja, importante registrar que outros mercados relevantes foram identificados pela Superintendência-Geral, tendo constatado uma sobreposição horizontal nos mercados de originação de soja, farelo de soja, lecitina de soja, casca de soja, etanol e biodiesel. Logo, torna-se necessário pontuar o exame realizado pela SG, consubstanciado no Parecer nº 8/2022/CGAA3/SGA1/SG (SEI nº 1045862), quanto a possibilidade de exercício de poder de mercado nesses mercados relevantes.

 

Mercado de originação de soja

Em sua análise de mercado de originação de soja, a SG pontuou que a verificação dos efeitos horizontais da Operação no mercado de soja em grãos deve se pautar pelo exame do volume combinado adquirido pelas Requerentes, considerando tanto a soja destinada ao processamento industrial quanto a comprada para posterior revenda no mercado externo ou interno. Nesse sentido, apresentou no item 179, tabelas demonstrando os volumes de soja adquiridos pela Bunge e pelo Grupo CP no ano de 2020, bem como estimativas da participação de mercado combinada das Partes em âmbito nacional e estadual, para os três cenários considerados, a saber: originação de soja (sem segmentação), aquisição de soja convencional (não geneticamente modificada – não GMO) e aquisição de soja geneticamente modificada (GMO). Do exame desses dados, a SG conclui que a operação em tela não suscitava maiores preocupações concorrenciais no mercado de originação de soja.

 

Mercado de farelo de soja

No tocante ao mercado do farelo de soja, da análise das informações apresentadas pela Bunge e Grupo CP (item 183), a SG constatou que a soma das participações detidas pelas entidades interessadas na Operação em apreço atingiu percentual inferior às demais empresas em concorrência horizontal com baixa variação do índice HHI. Portanto, frente a esse cenário, concluiu a SG que não haveria necessidade de uma análise mais profunda acerca da probabilidade de exercício de poder de mercado nesse segmento, uma vez que não se verificam condições para o aumento acentuado do atual nível de concentração do mercado nacional de farelo de soja.

 

Mercado de lecitina de soja

Em relação ao mercado de lecitina de soja, as projeções da SG foram no sentido de analisar (i) a possibilidade de exercício de poder de mercado (itens 199 a 203), a fim de verificar se a empresa resultante da Operação controlaria parcela suficientemente alta do mercado para viabilizar o exercício abusivo de posição dominante  e (ii) a probabilidade de exercício de poder de mercado (itens 216 a 226), no tocante à verificação de eventuais ocorrências de atos unilaterais tendentes a aumentar preços, reduzir quantidades, diminuir a qualidade ou a variedade dos produtos ou serviços, ou, ainda, reduzir o ritmo das inovações em relação aos níveis que vigorariam sob condições de acirrada concorrência, com a finalidade de aumentar os lucros.

A respeito da primeira análise, concluiu a SG, nos itens 214 e 215, que a Operação em tela resultaria em controle de parcela do mercado superior a 20% e variação do índice HHI superior a [ACESSO RESTRITO] em pelo menos um dos cenários examinados, qual seja, o mercado definido com base no valor das vendas no mercado interno. Já a segunda análise, decorrente da necessidade de uma segunda verificação a partir da primeira (itens 259 a 276), levou em consideração dois aspectos: as condições de entrada de novos players e a rivalidade entre empresas no mercado nacional.

Em relação ao primeiro aspecto, concluiu que os principais obstáculos ao ingresso de novos players estariam associados ao investimento inicial necessário e ao grau de integração da cadeia produtiva, dado que, a entrada isolada no segmento de lecitina de soja não é considerada comercialmente viável pelos produtores, mas que, apesar disso, não haveriam óbices relevantes à entrada de empresas que já atuam na indústria de processamento de soja. Por outro lado, ao analisar o segundo aspecto, identificou que alguns elementos apontariam para a existência de concorrência entre as Requerentes e as demais empresas instaladas, constituindo-se em componente apto a combater eventual tentativa de exercício de poder de mercado pelas Requerentes.

Ao final de toda a análise, concluiu que: (i) além das Requerentes, existem outros produtores brasileiros com participação expressiva nesse segmento, atuando tanto na oferta de lecitina baseada em soja GMO (como a comercializada pela Bunge) quanto na venda de lecitina produzida a partir de soja não transgênica (a exemplo da ofertada pelo Grupo CP); (ii) a análise da evolução das participações de mercado das partes e dos concorrentes consultados evidenciou que houve expressiva variação de market shares no período de 2016 a 2020, fator indicativo da existência de rivalidade entre as empresas instaladas; (iii) a despeito da existência de produtos baseados em soja GMO e não GMO (mais caros), os produtos ofertados pelos diferentes fornecedores são relativamente homogêneos, existindo substitutos próximos para a lecitina de soja ofertada pelas Requerentes no mercado; (iv) os concorrentes instalados possuem capacidade para absorver grande parte, se não a totalidade, de um desvio da demanda causado por eventual aumento unilateral de preços praticado pelas Requerentes; e (v) a precificação da lecitina, assim como de outros produtos derivados da soja, é fortemente influenciada por fatores externos – tais como a cotação da soja no mercado internacional, a taxa de câmbio, o volume da safra e os estoques dos mercados interno e externo, circunstância que poderia dificultar eventual tentativa de elevação unilateral de preços por parte das Requerentes.

Também constatou que as condições presentes no mercado permanecem as mesmas desde a análise do AC Bunge/Imcopa pelo Cade no ano de 2020, razão pela qual configuram motivos suficientes para afastar a probabilidade do exercício de poder de mercado das Requerentes no cenário pós-Operação.

 

Mercado de casca de soja

Tendo em vista a abrangência nacional do mercado de soja, especificamente quanto ao mercado de casca de soja, narrou a SG, no item 204, que as Requerentes não dispõem de informações precisas a respeito do volume total comercializado. Contudo, a partir dos dados constantes na tabela 10 do item 205, verificou market share com percentual inferior às demais empresas em concorrência horizontal, além de baixa variação do índice HHI, concluindo, portanto, que a Operação em tela não impacta a estrutura do mercado de casca de soja de forma significativa.

 

Mercado de etanol

Quanto ao mercado de etanol, narrou a SG que a Bunge não possui atuação direta nesse sentido, uma vez que a comercialização do referido produto ocorre por meio de uma joint venture entre a Bunge Brasil Holdings BV e a BP Bicombustíveis S.A, conforme descrito no item 208. Com isso, observadas as estimativas apresentadas pelas Requerentes, verificou que a variação do índice HHI é inferior tanto no cenário nacional, quanto no cenário regional, o que permitiu concluir pelo impacto irrisório desta Operação em ambos os cenários.

 

Mercado de biodiesel

Nos itens 160 a 164, a SG narra que a análise do mercado de biodiesel deve considerar a relação vertical existente entre o óleo de soja degomado produzido pelas Requerentes e a produção e venda de biodiesel por parte da Bunge, atribuindo relevância na análise sob a dimensão do produto. Nesse sentido, verificou que a Bunge possui participação pouco expressiva no segmento downstream (a montante) e que o Grupo CP representa parcela ínfima do segmento upstream (a jusante), destacando que, mesmo que todo o volume de soja degomado vendido pelo Grupo CP no ano de 2020 fosse destinado à produção de biodiesel pela Bunge, tal destinação não teria o potencial de alavancar a participação da empresa no segmento downstream, de modo que a Operação não provocaria fechamento do mercado em nenhum dos dois segmentos, conforme análise constante nos itens 311 a 319. Ao final, concluiu que o possível relacionamento vertical entre as atividades das Requerentes nos segmentos de óleo de soja degomado e biodiesel não suscitaria, por hora, preocupações concorrenciais.

 

Conclusão acerca dos demais mercados relevantes em face das razões recursais

A partir das análises descritas acima, verifico que a Operação em tela não gera problemas concorrenciais para os demais mercados considerados relevantes, razão pela qual acompanho o entendimento da SG no que foi consignado a respeito dos impactos da Operação para os mercados de originação de soja, farelo de soja, lecitina de soja, casca de soja, etanol e biodiesel.

Ademais, ressalto que os problemas relatados pela recorrente permeiam preocupações voltadas à possibilidade de reforço da posição dominante das Requerentes, além dos riscos de desmobilização da rede de originação dos grãos de soja e de descontinuidade na distribuição do óleo de soja refinado envasado sob a marca “Leve”. Não havendo nenhum questionamento acerca das conclusões do Parecer nº 8/2022/CGAA3/SGA1/SG (SEI nº 1045862) por parte da Imcopa no que tange aos mercados considerados relevantes, também concluo que não se tratam de preocupações centrais para a recorrente no contexto desta Operação.   

 

CONCLUSÕES

Diante de toda a análise ora desenvolvida, compreendo que as questões endereçadas pelo Despacho Decisório nº 1/2022/GAB3/CADE (SEI nº 1054527) foram devidamente respondidas e, após o exame detido do caso tratado nos presentes autos, não vislumbro a necessidade de instrução adicional, estando a matéria madura o suficiente para decisão deste Tribunal.

Não visualizo problemas concorrenciais decorrentes do ato de concentração em análise em relação aos mercados de: originação de soja, farelo de soja, lecitina de soja, casca de soja, etanol e biodiesel, não havendo óbice à consumação da operação nesse ponto.

Quanto ao mercado de óleo de soja, identifico problemas concorrenciais ao se considerar o segmento de óleo de soja refinado envasado. Em breve síntese, os problemas identificados foram:

Alguns players do varejo afirmam haver falta do produto;

Houve aumento significativo de preços nos anos de 2020 e 2021, os quais podem não ter sido inteiramente causados por fatores de mercado;

Há um choque de oferta no mercado de óleos vegetais, decorrente da guerra na Ucrânia e dos problemas de exportação de óleo de palma oriundos da Indonésia e da Malásia.

O mercado relevante em questão é concentrado, está consolidado, e, com a operação, será efetivamente controlado por apenas três empresas;

A requerente Bunge é a líder do mercado e ocupa essa posição há mais de 5 anos, sem ser contestada. Após a operação, a segunda colocada não terá como contestar os volumes adicionados pela operação sem investimentos significativos, uma vez que sua capacidade ociosa não é suficiente para fazer frente ao ato de concentração em exame, no curto prazo;

A probabilidade de um entrante contestar o mercado é remota;

A capacidade ociosa das concorrentes não é suficiente para fazer frente aos volumes produzidos pelas Requerentes após a consumação da operação, não havendo evidência de que esse problema possa estar resolvido nos próximos dois anos;

A operação apresenta incentivos econômicos adversos, os quais podem estimular uma conduta anticompetitiva se não forem devidamente balanceados e monitorados pelo CADE;

A operação é precária e temporária, razão pela qual há que se preservar o pacote de ativos até o fim do período de arrendamento, momento no qual é possível que os ativos sejam definitivamente adquiridos pela Bunge ou por algum concorrente; e

O contrato de fornecimento assinado entre as partes, e o plano de negócios apresentado, mitigam as preocupações concorrenciais. Contudo, não são dotados de enforcement pela autoridade de defesa da concorrência, razão pela qual necessitam ser veiculados em documento juridicamente vinculante.

Por isso, parece-me que a autorização da presente Operação deva ser condicionada à assinatura do Acordo em Controle de Concentrações apresentado pelas partes e que se encontra em anexo a esta decisão, como forma de conferir enforcement ao plano apresentado pelas Requerentes e para manter a competitividade do mercado de óleo de soja refinado envasado, como explico a seguir.

Destaco, contudo, que a maior parte dos problemas listados se devem a fatores conjunturais, episódicos, que tendem a se resolver no médio prazo, não sendo necessária a adoção de remédios estruturais mais fortes. Parece-me que a solução do problema que ora apresento passa mais por se manter o monitoramento de curto prazo, apenas para se garantir, por cautela, que a operação aprovada não gere choques de oferta no setor.

DO ACORDO EM CONTROLE DE CONCENTRAÇÕES E DOS REMÉDIOS A SEREM APLICADOS

Considerando os múltiplos usos comerciais da soja, mesmo que as atividades das plantas não sejam paralisadas ou diminuídas pela operação, haveria o risco de parte significativa da produção ser direcionada a outros mercados, em prejuízo do mercado nacional de óleo de soja refinado envasado, que é o mercado relevante objeto do meu destaque.

Logo, no intuito de endereçar as preocupações que apontei nesta análise e preservar as condições de concorrência nos mercados afetados pela operação, foram firmadas negociações entre a Bunge e o meu Gabinete, nos termos do artigo 9º, incisos V e X, artigo 10º, inciso VII, e artigo 13, inciso X, da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011 (“Lei nº 12.529/2011”), combinados com o artigo 121, inciso II, e 125 do Regimento Interno do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”), aprovado pela Resolução nº 22 de 19 de junho de 2019 (“RICADE”).

No curso dessas negociações, ficou claro que o plano da Requerentes é, de fato, dar continuidade à produção de óleo de soja refinado envasado, o que afasta boa parte dos riscos concorrenciais já expostos. Contudo, como explicado, tal intenção, para ter plena validade jurídica, deve ser veiculada em instrumento devidamente dotado de enforcement.

Como resultado, em 03 de junho de 2022, a Bunge apresentou uma proposta de Acordo em Controle de Concentrações – ACC (SEI nº 1072096), consolidando os comportamentos que serão adotados para manter a Operação em regime de equilíbrio com a competição que o mercado requer.

Do exame do ACC proposto, observo que foram propostos deveres e obrigações de preservação das condições de concorrência nos mercados relevantes afetados pela operação, em consonância com os princípios gerais de defesa da concorrência contidos na Lei nº 12.529, de 2011, especificamente em relação à comercialização do óleo de soja refinado envasado sob a marca “Leve”. Em linha com os compromissos assumidos, há previsão de penalidades a serem aplicadas em caso de descumprimento do Acordo, seja em face do não atendimento das obrigações principais assumidas, bem como para o caso de inadimplemento ou atraso no cumprimento dos compromissos acessórios previstos.

Registro, ainda, que a Bunge propõe a contratação de um Trustee de monitoramento às suas expensas, cuja nomeação dependerá de aprovação do CADE. Segundo os termos do Acordo, todas as informações solicitadas pelo CADE e pelo Trustee, que estejam relacionadas ao cumprimento do presente ACC, deverão ser devidamente fornecidas, incluindo as sigilosas, o que permitirá o efetivo monitoramento dos efeitos da operação no mercado relevante.

Entre os remédios adotados pelo acordo e aceito pela compromissária, destaco que:

A Bunge se comprometeu a continuar a comercializar o óleo de soja refinado envasado produzido nas plantas objeto da operação, não podendo cessar, de forma injustificada, a comercialização do referido produto;

A marca “Leve” continuará sendo produzida e comercializada até o termo final do acordo;

A Bunge se comprometeu a aplicar seus melhores esforços comerciais, e em grau compatível ao que adota para seus próprios produtos, para manter a competitividade do óleo de soja refinado envasado fabricado nas plantas objeto da operação e preservar o valor da marca da terceira interessada; e

A Bunge concedeu ao CADE e ao Trustee acesso direto à equipe de vendas da marca “Leve”, os quais poderão solicitar informações diretamente a esses empregados e realizar reuniões diretamente com os mesmos, para fim de verificar a efetiva competitividade dos esforços de venda em questão.

Esclareço que não foi fixada no Acordo qualquer meta de produção ou de preço, ou qualquer interferência do CADE nos volumes de venda ou na contratação ou demissão da mão-de-obra envolvida. Contudo, devem as Requerentes adotar os melhores esforços para atender às encomendas de óleo de soja refinado envasado do setor de varejo que tenham sido negociadas junto às suas equipes de venda, respeitada, claro, a capacidade operacional das plantas em questão, os preços e práticas de mercado e os volumes de insumos disponíveis. Nesse contexto, em síntese, havendo efetiva demanda do mercado nacional para a compra do óleo de soja refinado envasado da marca “Leve”, não deve a Compromissária criar obstáculos à referida comercialização, questão essa que será devidamente monitorada pelo Trustee.

Esclareço que o ACC estará em vigência até o dia 27 de fevereiro de 2024, podendo ser encerrado antes caso a Operação objeto do ato de concentração em tela seja desfeita pelas Requerentes, por qualquer motivo. Cumpridas todas as condições pactuadas, o acordo será declarado cumprido, as obrigações estabelecidas nele serão extintas e o CADE determinará o arquivamento dos autos deste Ato de Concentração.

 

Dispositivo

Por tudo quanto exposto, voto pela aprovação, com restrições, do presente Ato de Concentração, condicionada à assinatura do Acordo em Controle de Concentrações proposto pela Bunge e constante do anexo do presente voto, com vigência até o dia 27 de fevereiro de 2024, podendo ser encerrado antes se a operação objeto do ato de concentração em tela for desfeita pelas Requerentes, por qualquer motivo.

A consumação do ato de concentração em exame somente poderá ser realizada após o ACC ser assinado e o Trustee de Monitoramento, aprovado pelo CADE, ter iniciado as suas atividades, sob pena de multa de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) e reprovação da operação.

O ACC deverá ser assinado pela Bunge no prazo de até 30 (trinta) dias corridos, a contar da data da publicação da ata de julgamento, sob pena de reprovação da operação.

A contar da publicação deste voto, e enquanto não autorizada a consumação da operação, a Bunge, seus empregados e representantes devem se abster de se dirigir aos colaboradores que trabalhem nas plantas de processamento ou nos ativos objeto da operação, ou de ingressarem fisicamente nas referidas plantas. Nesse período, as conversas com o Grupo CP deverão ser feitas apenas por comitê técnico, devidamente designado e informado ao CADE, e exclusivamente por meio de parlor room, nos termos da seção 2 do Guia do CADE para Análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica, notadamente no item 2.6 do referido guia. Ressalvo da presente proibição apenas o ingresso de empregados de nível operacional, diretamente envolvidos em operações de entrega de insumos ou recebimento de produtos, operações essas que devem ser devidamente registradas. Limito a composição do referido comitê técnico a até 10 (dez) pessoas, por Requerente, sendo a indicação dos integrantes do comitê de livre escolha das partes. Em caso de descumprimento do presente item, fixo a multa diária em R$ 100.000,00 (cem mil reais) por evento, podendo ser dobrada em caso de reincidência.

Se as Requerentes decidirem prorrogar o contrato de exclusividade para além do prazo estipulado, deverá a prorrogação ser notificada ao CADE com antecedência mínima de 15 (quinze) dias úteis, contados do referido vencimento, podendo a operação ser mantida até a nova decisão da autoridade de defesa da concorrência, hipótese na qual os termos do ACC serão igualmente prorrogados.

Se, durante a vigência do ACC, qualquer das Requerentes decidir adquirir, em definitivo, qualquer dos ativos imobilizados objeto da presente operação, ou decidir adquirir ações ou participação em qualquer das empresas envolvidas na presente operação em montante superior a 5% (cinco por cento) do capital social, o ato deverá ser obrigatoriamente notificado ao CADE, mesmo que não esteja enquadrado nos limites da Resolução CADE nº 33, de 2022.

A aprovação da presente operação não afasta a necessidade de nova notificação ao CADE se, depois do término da vigência do ACC, alguma das Requerentes decidir adquirir os ativos objeto Operação, na hipótese de a nova operação estar enquadrada nos limites da Resolução CADE nº 33, de 2022.

Observados os termos e condições descritos no ACC, e durante o seu período de vigência, havendo efetiva demanda do mercado nacional para a compra do óleo de soja refinado envasado da marca “Leve”, e respeitada, claro, a capacidade operacional das plantas em questão, os preços e práticas de mercado e os volumes de insumos disponíveis, não devem as Requerentes criar obstáculos à referida comercialização.

Em caso de descumprimento dos termos do ACC, determino a aplicação das multas previstas no referido Acordo.

Nas demais hipóteses de descumprimento dos termos desse voto, para as quais não tenham sido previstas multas ou penalidades específicas, fixo a multa em R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia, para cada evento. A referida multa será duplicada após 30 (trinta) dias de descumprimento.

Considerando as alegações da Terceira Interessada quanto à suposta prática de condutas anticoncorrenciais, dê-se ciência à SG quanto aos termos das manifestações SEI nº 1053046 e 1062580, para utilização nas investigações já em andamento, se assim julgado pertinente, ou para as medidas que julgar adequadas, no âmbito das suas competências.

É como voto.

 

GUSTAVO AUGUSTO FREITAS DE LIMA
Conselheiro-Relator

(assinado eletronicamente)

____________________________

[1] Guia de Análise de Atos de Concentração Horizontal do CADE, p. 25.

[2] Resposta ao Ofício nº 679/2022. SEI nº 1025475.

[3] Resposta ao Ofício nº 680/2022. SEI nº 1021256.

[4] Resposta ao Ofício nº 684/2022. SEI nº 1022286.

[5] Resposta ao Ofício nº 698/2022. SEI nº 1021866.

[6] Indonésia suspende exportações de óleo de palma https://www.istoedinheiro.com.br/indonesia-suspende-exportacoes-de-oleo-de-palma/

[7] Nesse sentido, confira-se: Ukraine, War, And Global Oils & Fats Markets https://mpoc.org.my/ukraine-war-and-global-oils-fats-markets/ Óleo vegetal é escasso na Europa https://www.agrolink.com.br/noticias/oleo-vegetal-e-escasso-na-europa_463253.html Por que o preço do óleo de cozinha disparou no Brasil e no mundo  https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2022/05/16/por-que-o-preco-do-oleo-de-cozinha-disparou-no-brasil-e-no-mundo.htm Proibição de exportação de óleo de palma da Indonésia deixa compradores sem plano B https://forbes.com.br/forbes-money/2022/04/proibicao-de-exportacao-de-oleo-de-palma-da-indonesia-deixa-compradores-sem-plano-b/

[8] Nesse sentido, veja-se, por exemplo, notícias disponíveis em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/01/12/inflacao-de-2020-oleo-de-soja-tem-maior-subida-de-preco-do-ano-veja-as-maiores-altas-e-baixas.ghtml e https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/12/11/inflacao-de-alimentos-vai-desacelerar-em-2022-mas-so-no-2-semestre.htm. Acesso em 7.03.2022.

[9] Guia de Remédios Antistruste, p. 28.

 

 

 


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Documento assinado eletronicamente por Gustavo Augusto Freitas de Lima, Conselheiro, em 13/06/2022, às 11:49, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Referência: Processo nº 08700.007309/2021-88 SEI nº 1073717