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Nota Técnica nº 7/2022/CGAA1/SGA1/SG/CADE

Autos nº 08700.001797/2022-09

Representante: Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador - ABBT

Indiciada: iFood.com Agência de Restaurantes Online S.A.

 

EMENTA: iFood.com Agência de Restaurantes Online S.A. Supostas práticas anticoncorrenciais no mercado de vale-benefícios. Condutas restritivas verticais. Instauração de Inquérito Administrativo para Apuração de Infrações à Ordem Econômica nos termos do art. 13, III, e 66, da Lei nº 12.529/11 e art. 10, III do Regimento Interno com fulcro no art. 36, I a IV e 36, §3º, III, IV, V, IX, X, e XV da Lei nº 12.529/11. Pedido de concessão de medida preventiva. Recomendação de postergação da análise após manifestação do iFood, consoante o art. 13, XI, e 84 da Lei 12.529/2011, e o art. 10, XI, do Regimento Interno do Cade.

 

VERSÃO ÚNICA DE ACESSO PÚBLICO

I. RELATÓRIO

A presente Nota Técnica tem como objetivo analisar a denúncia de supostas infrações à ordem econômica por parte da iFood.com Agência de Restaurantes Online S.A., (doravante “iFood”). A denúncia foi formulada em Representação apresentada em 11.03.2022 pela Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (doravante “ABBT”)[1].

A denúncia diz respeito a supostas condutas restritivas verticais praticadas pelo iFood no mercado de vale-benefícios a partir da entrada da empresa neste segmento em 2021, com o iFood Benefícios.

Em linhas gerais, a denunciante afirma que o iFood, ao entrar no mercado de vale-benefícios, teria passado a praticar três supostas condutas anticoncorrenciais: (1) usar dados gerados em sua atuação no mercado de plataformas de delivery de comida para obter vantagens concorrenciais no mercado de vale-benefícios, verticalmente relacionado; (2) adotar subsídios cruzados, financiando descontos, prazos e benefícios financeiros a clientes do iFood Benefícios por meio de receitas obtidas em sua atuação no mercado de plataformas de delivery de comida, com vistas a alavancar sua participação no mercado de vale-benefícios; e (3) discriminar, de forma anticoncorrencial, as operadoras de vale-benefícios concorrentes na plataforma de delivery do iFood em favor do iFood Benefícios (self-preferencing).

Adicionalmente, a ABBT requereu medida preventiva, justificando-a com base na necessidade de “preservar a possibilidade de competição nos mercados de vale-benefícios, bem como restaurar os padrões de rivalidade existentes antes da operação subsidiada do iFood Benefícios”[2].

Dessa forma, a presente Nota Técnica busca avaliar preliminarmente as denúncias da ABBT no que tange à existência de indícios de infrações concorrenciais, bem como avaliar preliminarmente a medida preventiva requerida pela ABBT, sugerindo que o pedido de medida preventiva seja apreciado apenas após a manifestação do iFood nos autos.

É o relatório.

II. DO MERCADO RELEVANTE E DO PODER DE MERCADO

II.1. Considerações Iniciais

A Representante afirma que o iFood abusaria de “seu poder de mercado em aplicativos de delivery, isto é, plataformas de pedidos de comida online, visando a alavancagem de seu produto recém-lançado no mercado de vale-benefícios, favorecendo assim o iFood Benefícios enquanto discrimina concorrentes”[3].

Sendo assim, as condutas denunciadas envolvem os seguintes mercados verticalmente relacionados: o mercado de vale-benefícios e o mercado de plataformas de pedidos online de comida/aplicativos de delivery de comida.

A presente seção apresenta a definição de mercado proposta pela Representante para os mercados envolvidos, sem prejuízo da eventual proposição de definição distinta pela SG após instrução e análise das denúncias em sede do IA que ora se propõe instaurar. Adicionalmente, a presente seção apresentará análise preliminar acerca da existência de poder de mercado da Representada nos mercados mencionados.

II.2. Do Mercado de Plataformas de Pedidos Online/Aplicativos de Delivery de Comida

A Representante defende que a definição de mercado adequada às atividades do iFood seria o mercado nacional de plataformas de pedidos online de comida. Integrariam este mercado os negócios de pedidos online (plataformas dedicadas), marketplaces multi-restaurante e especialistas em pedidos e logística. De outro lado, pedidos por telefone não fariam parte do mercado de plataformas de delivery por falta de substituibilidade.

 Do ponto de vista geográfico, a Representante defende que o mercado de plataformas de pedidos online de comida teria contorno nacional, não descartando, contudo, definição mais restrita em âmbito geográfico.

A SG, ao analisar a operação Naspers/Delivery Hero[4], avaliou os cenários de mercado geográfico municipal e nacional, deixando a definição geográfica do mercado em aberto. Para fins desta Nota Técnica, tampouco se faz necessário definir precisamente os contornos do mercado relevante.

Assim, será analisado o mercado de plataformas de pedidos online de comida/aplicativos de delivery, em dimensão nacional, conforme definição de mercado proposta pela Representante. Portanto, deixa-se em aberto a definição do mercado relevante, ressalvando-se a possibilidade de a SG adotar definição de mercado distinta do cenário ora analisado, em momento futuro, com base no resultado da instrução do IA que se propõe instaurar.

II.3. Do Mercado de Vale-Benefícios

De acordo com a Representante, o “segmento de vale-benefícios compreende diversas formas de complementação do pacote de remuneração oferecido por empregadores a seus funcionários, desde vale-refeição até cadastro em clubes de compras com descontos sobre bens de consumo”,[5] cada um constituindo um mercado relevante distinto.

Nesse contexto, a Representante alega que os segmentos de vale-refeição e vale-alimentação fazem parte do mesmo mercado relevante, dado que contariam com elevada substitutibilidade pela ótica da oferta e a demanda. Assim, a Representante alega que esses dois produtos comporiam o mercado de vale-benefícios.

No que tange à dimensão geográfica, a Representante alega que o mercado de vale-benefícios tem dimensão nacional, uma vez que os produtos vale-refeição e vale-alimentação são regulados por Lei Federal e são ofertados por empresas com atuação nacional.

Dessa forma, para os fins desta Nota Técnica, será analisado o segmento de vale-benefícios, em dimensão nacional, sem necessidade, entretanto, de delimitar precisamente os contornos do mercado relevante afetado. Ressalva-se, contudo, a possibilidade de a SG adotar definição de mercado distinta, em momento futuro, com base no resultado da instrução.

II.4. Da existência de poder de mercado

II.4.1. Mercado de Plataformas de pedidos online / aplicativos de delivery de comida

Acerca do poder de mercado do iFood no segmento de plataformas de delivery de comida, em dimensão nacional, a ABBT assevera que a Representada tem posição dominante, apresentando a Figura 1 reproduzida abaixo. De acordo com tais dados, a participação do iFood no mercado de plataforma de pedidos online teria avançado de 55%, em março de 2019, para 65%, em março de 2020, com um intervalo de confiança de +5% e -5%.

Figura 1 – Estrutura de oferta do mercado nacional de plataformas de pedidos online, por número de pedidos

Fonte: Representante, com base em dados da SG, na Nota Técnica nº 4/2021/CGAA1/SGA1/SG/CADE, Inquérito Administrativo nº 08700.004588/2020-47.

A ABBT afirma, ainda, que a dominância do iFood no segmento de plataformas de pedidos online seria ainda maior hoje, tendo em vista a saída do então segundo maior player do mercado, o Uber Eats[6].

A Representante apresenta, adicionalmente, dados de participação de mercado com base na receita dos restaurantes por plataforma de entrega, demonstrando que a participação do iFood na receita dos restaurantes advinda de pedidos online chegaria a um patamar entre 70% a 80%[7]. Não foram apresentados, contudo, dados que demonstrem o percentual da receita das empresas de vale-benefícios advindo de plataformas de pedidos online, de forma geral, e do iFood, em específico.

Desta forma, ainda que mais dados sejam necessários para avaliar a potencialidade de efeitos das supostas condutas denunciadas, é possível concluir, em análise inicial com base nos dados apresentados, que o iFood tem posição dominante no mercado nacional de plataformas de pedidos online/aplicativos de delivery de comida.

II.4.2. Mercado de Vale-Benefícios

Considerando o fato de que o iFood é um entrante recente no segmento de vale-benefícios, não são apresentados dados de sua participação neste mercado.

Sobre este ponto, a ABBT aduz que, apesar de o iFood ser entrante recente no mercado nacional de vale-benefícios, a empresa viria ganhando espaço neste segmento com sua estratégia de verticalização, dado o seu poder econômico e as condutas anticoncorrenciais supostamente praticadas. Contudo, não são apresentados dados quantitativos, o que pode ser objeto de apuração do proposto inquérito.

Acerca da existência de poder de mercado do iFood no mercado de vale-benefícios, vale ressaltar que a denúncia da ABBT se baseia na afirmação de que o iFood, por meio de diversas condutas supostamente anticoncorrenciais, usaria de sua posição dominante no segmento de plataformas de pedidos online de comida para alavancar artificialmente sua participação no segmento de vale-benefícios, no qual é entrante.

Assim, não é necessário comprovar posição dominante no mercado de vale-benefícios para que se verifique a potencialidade lesiva da conduta, uma vez que a denúncia se baseia, exatamente, na suposta adoção de medidas anticoncorrenciais para que a participação de mercado do iFood Benefícios seja alavancada. Dentre tais medidas, segundo a Representante, estariam subsídios cruzados, discriminação e utilização de informações obtidas no mercado em que o iFood é dominante. Portanto, o objetivo das condutas seria, precisamente, reforçar o poder de mercado da Representada no segmento de vale-benefícios.

A ABBT informa, sobre este ponto, que as supostas condutas do iFood no segmento de vale-benefícios só seriam viáveis dada a sua posição dominante no mercado verticalmente relacionado de plataformas de pedidos online.

De toda forma, tendo em vista que, segundo informação da Representante, o iFood entrou no mercado de vale-benefícios em junho de 2020[8], dados de mercado poderiam auxiliar na análise de efeitos das supostas condutas, por meio da comparação do cenário pré e pós entrada do iFood Benefícios. Como exemplo, dados que demonstrem o percentual da receita das empresas de vale-benefício advindo de pedidos online, em geral, e da plataforma iFood, em específico, desde junho de 2020, poderiam constituir indícios de efeitos da suposta conduta de self-preferencing, caso comprovada.

Portanto, a apuração das condutas denunciadas requer obtenção e análise de dados adicionais que podem ser obtidos por meio de procedimento investigatório, com a instauração de inquérito administrativo.

II.4.3. Da conclusão acerca do poder de mercado

Conclui-se, portanto, salvo instrução em contrário, pela existência de potencial poder de mercado do iFood no mercado de plataformas de pedidos online/aplicativos de delivery de comida, e da necessidade de instrução complementar para a avaliação da evolução da participação do iFood no mercado de vale-benefícios.

De toda forma, considerando-se que as condutas dizem respeito à suposta tentativa de alavancar a participação de mercado do iFood no segmento de vale-benefícios por meio de sua posição dominante no mercado verticalmente relacionado de plataformas de pedidos online, não é possível afastar a potencialidade de dano das condutas, tendo em vista a suposta existência de poder de mercado em plataformas de delivery online.

III. ANÁLISE

III.1. Observações Iniciais

A ABBT, em sua Representação, denuncia três condutas principais. A Representante defende que, com o entrada do iFood no mercado de vale-benefícios, a Representada (1) usaria indevidamente os dados obtidos em sua plataforma de delivery para sua atuação no mercado de vale-benefícios; (2) praticaria subsídio cruzado, financiando a concessão de rebates, cashback, prazo para pagamento e outros benefícios no mercado de vale-benefícios, com a receita obtida no mercado de plataformas de pedidos online de comida, no qual a Representada é dominante; e (3) discriminaria concorrentes no acesso à plataforma de delivery do iFood.

A Representante alega que tais condutas tiveram seus efeitos potencializados por dois aspectos: a pandemia de Covid-19 e as mudanças regulatórias do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).

Sobre a pandemia de Covid-19, a ABBT afirma, em linhas gerais, que a adoção de trabalho remoto ou híbrido durante a pandemia ocasionou um aumento da importância dos serviços de delivery, cenário que teria beneficiado o iFood e reforçado a disparidade entre a Representada e seus concorrentes no mercado de plataformas de pedidos online de comida. Com isso, a posição de dominância da Representada teria ficado ainda mais pronunciada, facilitando as supostas práticas anticompetitivas.

No que tange ao PAT, a Representante afirma que certas mudanças promovidas pelo Decreto nº 10.854/21 (“PAT remodelado”) facilitaram a suposta estratégia anticoncorrencial da Representada.

Entre outros pontos, tal decreto determina a portabilidade dos benefícios (arranjo aberto de pagamento) e a interoperabilidade (segundo a qual “o consumidor final poderá utilizar seus vouchers em qualquer estabelecimento que aceite esse tipo de instrumento de pagamento, e não somente nos estabelecimentos credenciados pela operadora de vale-benefícios”[9]).

Além disso, o PAT remodelado proíbe as empresas de vale-benefícios de oferecer descontos e de conceder prazo para pagamento aos empregadores que descaracterize a natureza pré-paga dos benefícios[10]. O Decreto, em seu art. 175, §1º, estabelece um período de transição, de forma que essas proibições não se aplicam aos contratos vigentes até o seu encerramento ou até 18 meses após a publicação do decreto, o que ocorrer primeiro. Dessa forma, o decreto autoriza que as empresas de benefício concedam descontos, rebates, e prazos de pagamento durante o prazo de transição apenas para contratos pré-existentes.

Ademais, o Decreto estabelece penalidades em caso de descumprimento dessas regras (inclusive o cancelamento da inscrição no PAT), determina meios para a realização de denúncias e prevê a fiscalização do cumprimento do PAT[11].

A esse respeito, a ABBT alega que, em função do período de transição, o iFood teria intensificado a concessão de descontos com o objetivo de capturar mercado durante este período, antes que a proibição de descontos entrasse em vigor. Além disso, o iFood teria sido favorecido nessa estratégia por ter a capacidade de implementar descontos muito elevados por meio de subsídios cruzados. Assim, segundo a ABBT, o PAT remodelado “motivou a conduta predatória do iFood e impôs enormes dificuldades à atuação e à entrada de competidores no mercado de vale-benefícios por um ano e meio”[12].

Por fim, a ABBT alega que a portabilidade “pode se revelar prejudicial à concorrência. Há risco associado à implementação da portabilidade, tendo em vista que o iFood já adota sistematicamente a prática de cashbacks para usuários do iFood Benefícios no seu aplicativo de delivery com o intuito de atrair mais usuários ao seu ecossistema”[13].

Ademais, a ABBT defende que a plataforma do iFood constituiria uma essential facility para o mercado de vale-benefícios, de forma que o iFood seria essencial para tornar viável o negócio de operadoras de vale-benefícios. Nesse sentido, a Representante afirma que “receitas advindas da atividade essencial (serviço de entrega online) podem subsidiar a atuação na etapa dependente (de operação de vale-benefícios), inviabilizando a competição por outros players nesta etapa (margin squeeze)”[14]. Dessa forma, a ABBT afirma que as condutas denunciadas poderiam gerar efeitos anticoncorrenciais mesmo que o iFood seja um entrante e não detenha poder de mercado no segmento de vale-benefícios.

Feitas tais observações iniciais, passa-se à análise das condutas.

III.2. Uso Indevido de Dados Obtidos na Plataforma de Pedidos Online do iFood

A Representante alega que o iFood detém um grande volume de dados produzidos na sua plataforma, tanto em relação a consumidores finais de pedido de comida online como a restaurantes. Assim, esses dados obtidos em sua atuação no mercado de plataformas de pedidos online gerariam vantagens concorrenciais ao iFood, alavancando a posição do iFood Benefícios no mercado verticalmente relacionado de vale-benefícios.

A Representada afirma, ainda, que os dados de clientes dizem respeito a “perfil socioeconômico, preferências, frequência de pedidos, valor médio gasto, meios de pagamento utilizados, instituições financeiras a eles vinculadas, dentre outros. Além disso, a mesma infinidade de dados diz respeito aos restaurantes, indicando o perfil de sua clientela, se os vale-benefícios são essenciais à sua operação ou não, o faturamento, dentre outros”[15].

A principal alegação da ABBT nesse sentido é que a Representada estaria usando tais dados para abordar diretamente usuários finais, oferecendo-lhes vantagens para que apresentem o iFood Benefícios aos seus empregadores, de forma semelhante a um programa de referral. A potencialidade de efeitos da prática seria agravada, de acordo com a Representante, pela previsão de portabilidade no PAT Remodelado.

Em resumo, a ABBT defende que

ainda que não haja evidências de que o iFood teria dados mais sensíveis acerca das taxas praticadas por vale-benefícios concorrentes para os empregadores, o que poderia lhe outorgar vantagem competitiva ainda mais relevante, fato é que as informações que compõem sua base de dados, uma vez bem trabalhadas, e com certeza são, podem lhe gerar um interessante caminho de foco estratégico para uma parcela mais rentável do mercado[16].

Sobre esta conduta, preliminarmente, verifica-se que a Representação não aponta especificamente quais dados obtidos pelo iFood em sua plataforma de pedidos online representam vantagens concorrenciais no mercado de vale-benefícios, nem tampouco como tais dados são utilizados para alavancar sua posição no mercado adjacente.

Ainda que a Representante mencione ocasião em que o iFood teria oferecido o iFood Benefícios a um diretor de uma grande empresa, não está claro se essa ação foi viabilizada por dados gerados em sua plataforma de delivery, ou por dados públicos, uma vez que muitas empresas têm como praxe divulgar publicamente quem são os seus diretores[17]. Assim, neste caso, não está claro se tais dados estão ou não disponíveis ao público, ou mesmo se tais dados são de fato coletados na plataforma do iFood.

De toda forma, a utilização por plataformas digitais de dados obtidos na relação com seus clientes atuantes em mercados verticalmente relacionados para concorrer com tais clientes nestes mercados adjacentes pode despertar preocupações concorrenciais. Assim, caso comprovada, tal prática pode, em tese, vir a gerar efeitos anticoncorrenciais.

Apesar disso, por ora não há indícios suficientes de infração à ordem econômica que autorizem a instauração de processo administrativo, sendo necessário realizar instrução adicional em sede de procedimento investigatório.

Em conclusão, considerando a potencialidade de efeitos anticoncorrenciais advindos da conduta denunciada, é cabível a instauração de Inquérito Administrativo para Apuração de Infrações à Ordem Econômica nos termos do art. 13, III da Lei nº 12.529/11 e art. 9º, III do Regimento Interno, com fulcro nos arts. 36, I a IV e 36, §3º, III e IV, da Lei nº 12.529/11.

III.3. Subsídio Cruzado

A Representante alega que o iFood “vem utilizando do enorme respaldo financeiro (...) para aplicar, de forma sistemática, práticas extremamente nocivas ao ambiente concorrencial, com o intuito de artificialmente aumentar a sua participação no mercado de vale-benefícios. Trata-se, pois, de subsídios cruzados”[18].

Assim, a ABBT alega que a política de benefícios da Representada não seria economicamente viável uma vez isolada a operação de vale-benefícios, de forma que somente se faria possível em razão da alta lucratividade das suas atividades no mercado de delivery.

A Representante alega que os subsídios cruzados, no presente caso, se manifestam em três práticas principais: (i) rebates, cashback, e descontos financiados por suas operações no mercado de delivery; (ii) antecipação de valores para pagamento das muitas rescisórias para empregadores migrarem para o iFood Benefícios; e (iii) financiamento de clientes na recarga de vale-benefícios por um período estendido.

Em linhas gerais,

subsídios cruzados ocorrem quando uma empresa suporta ou aloca toda ou parte dos custos de sua atividade em um mercado relevante geográfico ou de produto em suas atividades em outro mercado geográfico ou de produto. Em certas circunstâncias, subsídios cruzados [...] podem distorcer a concorrência e levar a concorrentes serem superados por ofertas que são viabilizadas apenas por subsídios cruzados, e não por eficiências (incluindo economias de escopo) e performance. (tradução livre)[19].

Em outras palavras,

subsídios cruzados ocorrem quando a cobrança de preços relativamente elevados por certos produtos ou serviços permite que uma empresa cobre preços relativamente baixos por outros produtos ou serviços. Nem todas as formas de subsídios cruzados são consideradas lesivas do ponto de vista regulatório. (...) Subsídios cruzados lesivos ocorrem quando uma empresa cobra preços excessivos em mercados nos quais ela detém poder de mercado, e usa as receitas geradas por tais preços para praticar preços predatórios em outros mercados com variados níveis de rivalidade. (...) Portanto, subsídios cruzados anticoncorrenciais são uma combinação de dois tipos de conduta abusiva: preço abusivo e preço predatório, em que a receita obtida com os preços abusivos viabilizam os preços predatórios[20].

Em relação à concessão de benefícios financeiros, rebates e cashback para migração para o iFood Benefícios, a ABBT afirma que os descontos chegaram, em certos casos, a 6,5%, somados rebates e cashback. Além disso, também seriam oferecidos benefícios para empregados que indiquem o iFood Benefícios para seus empregadores, caso os empregadores de fato migrem seus contratos de vale-benefício para a o iFood Benefícios.

A ABBT afirma, ademais, que o iFood Benefícios concede descontos ou taxas negativas para os empregadores migrarem suas carteiras que chegariam a 4% a 8% do valor do contrato. A ABBT afirma que os concorrentes do iFood Benefícios não teriam capacidade de oferecer os mesmos descontos a seus clientes, já que tais descontos apenas se tornariam viáveis para o iFood devido à prática de subsídios cruzados. Adicionalmente, a Representante afirma que tais práticas se intensificaram antes da entrada em vigor do PAT Remodelado, em 10 de dezembro de 2021, que proibiu a aplicação de taxas negativas.

 A ABBT também denuncia que o iFood Benefícios custearia multas rescisórias dos contratos entre empregadores e concorrentes no mercado de vale-benefícios, para que tais empregadores encerrassem contratos com as empresas de vale-benefícios concorrentes e migrassem para o iFood Benefícios. Na prática, a conduta representaria um desconto adicional no valor do contrato, na forma de custeio de multa rescisória, como incentivo para a celebração de contrato com o iFood Benefícios.

Por fim, a ABBT alega que o iFood Benefícios financiaria os empregadores contratantes mediante a concessão de prazo de pagamento de até 90 dias. Sobre este ponto, a Representante afirma que os prazos praticados pelo iFood seriam superiores aqueles praticados pelo mercado, usualmente de 30 dias, e só seriam viáveis devido aos subsídios cruzados praticados pelo iFood.

Relevante mencionar que a ABBT reconhece que a prática de descontos e de financiamento seria corriqueira no mercado, porém em patamares significativamente inferiores àqueles praticados pelo iFood. Assim, a Representante afirma que tais descontos e prazos de pagamento concedidos pelo iFood Benefícios seriam subsidiados por seus lucros supracompetitivos no mercado de plataformas de pedidos online.

Cabe ressaltar que, se comprovada, essa conduta poderia configurar infração concorrencial. Entretanto, a Representação não apresenta indícios suficientes que indiquem a ocorrência de preços supracompetitivos no mercado de plataformas de pedidos online, tampouco de preços predatórios no mercado de vale-benefícios.

Nesse sentido, por exemplo, a análise de preços predatórios requereria instrução adicional que pudesse produzir elementos aptos a avaliar, entre outros fatores, os custos do iFood Benefícios no mercado de vale-benefícios e as condições de entrada do mercado.

Especificamente no que tange à concessão de descontos, cabe ressaltar programas de desconto não são per se anticompetitivos e, em certos casos, podem inclusive ser pró-competitivos, reduzindo o nível de preços do mercado e aumentando o bem-estar do consumidor.

Do ponto de vista teórico, a literatura costuma analisar programas de desconto sob dois prismas principais: a discriminação de preços e a possível criação de incentivos à exclusividade. Segundo Jones e Sufrin[21],

A discriminação de preços ocorre quando o mesmo produto é vendido a preços diferentes para clientes diferentes a despeito de representarem custos idênticos, ou seja, as vendas têm diferentes proporções de preço para custo marginal. A discriminação de preços também inclui a venda de produtos pelo mesmo preço a despeito de as vendas terem custos marginais distintos. A discriminação de preços abrange uma ampla variedade de práticas. [...] Por exemplo, preço predatório e políticas de rebates podem envolver discriminação de preços.

Já a criação de incentivos à fidelização ou, no limite, à exclusividade, diz respeito à situação em que tais programas de descontos ou rebates geram incentivos para que os clientes concentrem todas as suas compras, ou grande parte delas, no fornecedor que lhes concede os descontos.

Assim, os descontos denunciados não são necessariamente anticoncorrenciais em si, merecendo maior aprofundamento em sede de inquérito administrativo no que tange à possibilidade de configurarem preços predatórios, terem caráter discriminatório anticompetitivo, ou induzirem a exclusividade.

Portanto, caso comprovada, a prática de subsídios cruzados pode, em tese, vir a gerar efeitos anticoncorrenciais. Entretanto, com base nos elementos disponíveis nos autos, não há indícios suficientes de infração à ordem econômica que autorizem, por ora, a instauração de processo administrativo.

Em conclusão, considerando não ser possível afastar a potencialidade de efeitos anticoncorrenciais advindos da conduta denunciada, recomenda-se a instauração de Inquérito Administrativo para Apuração de Infrações à Ordem Econômica nos termos do art. 13, III da Lei nº 12.529/11 e art. 9º, III do Regimento Interno, com fulcro nos arts. 36, I e IV e 36, §3º, III, IV, IX, X, e XV da Lei nº 12.529/11.

III.4. Discriminação de Concorrentes na Plataforma (self-preferencing)

A terceira conduta denunciada pela ABBT diz respeito à suposta discriminação dos concorrentes do iFood Benefícios na plataforma de delivery do iFood por meio da prática de self-preferencing.

A Representante alega que o iFood criaria dificuldades para o cadastramento de vale-benefícios concorrentes por restaurantes na plataforma de pedidos online do iFood. Ainda, afirma que os benefícios do iFood Benefícios são cadastrados automaticamente como meio de pagamento na plataforma, enquanto os vale-benefícios de concorrentes precisam ser cadastrados a pedido do restaurante, dependendo de homologação do iFood. 

Por fim, a ABBT afirma que os restaurantes e clientes têm tido problemas frequentes para a utilização de benefícios de concorrentes do iFood Benefícios, e que a Representada não solucionaria o problema. Assim, essa conduta alavancaria o poder de mercado do iFood Benefícios no mercado de vale-benefícios por meio da discriminação de concorrentes em sua plataforma de pedidos online. Em outras palavras, a Representada facilitaria o uso do iFood Benefícios na sua plataforma de pedidos online, ao mesmo tempo em que criaria barreiras à atuação de operadores de vale-benefícios concorrentes em sua plataforma.

Em suma, o iFood imporia dificuldades para o acesso de concorrentes no mercado de vale-benefícios à sua plataforma de pedidos online, que a ABBT alega ser essencial para a atuação no mercado de vale-benefícios. Assim, o iFood não promoveria a interoperabilidade entre sua plataforma e os vale-benefícios de terceiros.

A Representada apresenta, como evidência da conduta, reclamações de clientes e restaurantes no website ReclameAqui por dificuldade de cadastramento ou pagamento com vale-benefícios de concorrentes.

Essa conduta, se comprovada, poderia gerar efeitos anticoncorrenciais consistentes, em última instância, no fechamento do acesso de concorrentes do iFood Benefícios à parcela significativa do mercado de aplicativos de delivery de comida, dada a posição dominante do iFood neste mercado.

A configuração desta conduta requer a constatação de criação injustificada e deliberada, pela Representada, de dificuldades para a utilização de vale-benefícios de concorrentes na plataforma do iFood. Para tanto, há que se avaliar se as dificuldades relatadas são enfrentadas por parcela representativa dos clientes e restaurantes ou se são eventos pontuais. Além disso, há que se analisar se as dificuldades encontradas se devem a conduta deliberada do iFood ou a problemas técnicos gerados pela integração das APIs de terceiros operadores de benefícios com a API do iFood. Ou seja, há que se afastar dificuldades técnicas que não sejam provocadas pelo iFood. Esses questionamentos são relevantes tendo em vista que foram juntadas à representação evidências de que usuários das plataformas Rappi e Uber Eats também encontraram problemas semelhantes.

Em conclusão, considerando não ser possível afastar a potencialidade de efeitos anticoncorrenciais advindos da conduta denunciada, caso comprovada, recomenda-se a instauração de Inquérito Administrativo para Apuração de Infrações à Ordem Econômica nos termos do art. 13, III da Lei nº 12.529/11 e art. 9º, III do Regimento Interno, com fulcro nos arts. 36, I e IV e 36, §3º, III, IV, V, e X da Lei nº 12.529/11.

IV. DA MEDIDA PREVENTIVA REQUERIDA

IV.1. Do escopo da medida preventiva requerida

A Representante requereu a concessão de medida preventiva para que se determine:

i. Suspensão da concessão de rebates pelo iFood Benefícios, sob qualquer hipótese e para quaisquer destinatários, seja dentro ou fora do Programa PAT;

ii. Suspensão da concessão de quaisquer tipos de cashback para usuários do iFood Benefícios, visando sua utilização na plataforma de delivery do iFood;

iii. Suspensão de pagamento pela Representada, de muitas rescisórias ou quaisquer outras penalidades, para que clientes rescindam seus contratos com operadoras de vale-benefícios concorrentes e celebrem outro em seu lugar com o iFood Benefícios;

iv. Suspensão de qualquer concessão, por parte do iFood Benefícios a seus clientes, de prazos de pagamento ou repasse que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores a serem disponibilizados aos trabalhadores, nos termos do artigo 175 do PAT Remodelado;

v. Suspensão de qualquer forma de utilização de dados originados no mercado de delivery de comida (quer seja dados cadastrais e de perfil de consumo, quer seja de dados originados via meio de pagamento da plataforma) para quaisquer atividades que envolvam o mercado de vale-benefícios em que atue o iFood Benefícios;

vi. Suspensão de utilização pelo iFood Benefícios, em concorrência com operadores de vale-benefícios, de quaisquer dados não disponíveis publicamente, que sejam gerados em razão das atividades desses operadores na plataforma de delivery do iFood;

vii. Determinação de tratamento isonômico para que operadores de vale-benefícios promovam, na plataforma essencial do iFood, ofertas a usuários finais, em igualdade de condições com o iFood Benefícios, bem como para que permita que os consumidores (usuários finais) acessem e utilizem, na plataforma de delivery do iFood, ofertas, promoções e outras ações comerciais lícitas dos operadores de vale-benefícios concorrentes;

viii. Permissão aos operadores de vale-benefícios, ou a terceiros por eles autorizados, a título gratuito, o acesso e a utilização, de forma efetiva, contínua, em tempo real e com elevada qualidade, de dados agregados ou não agregados, fornecidos ou gerados no contexto da utilização dos serviços por eles ofertados na plataforma de delivery da Representada;

ix. Suspensão do cadastramento do iFood Benefícios de maneira automática (default) na plataforma de delivery do iFood - ou alternativamente adoção do mesmo procedimento para as demais empresas ofertantes de vale-benefícios - com a consequente disponibilização, aos usuários da plataforma, de todas as opções de operadores de vale-benefícios, de forma não discriminatória, na plataforma de delivery do iFood;

x. Monitoramento, supervisão e resolução, através da criação e um canal de atendimento a ser operacionalizado pelo iFood, no prazo de 15 (quinze) dias, das questões e problemas técnicos relativos ao cadastro e utilização de vale- benefícios concorrentes por restaurantes e consumidores na plataforma de delivery do lfood; e

xi. Criação de um canal de denúncia específico para monitoramento pelo Cade do cumprimento da medida preventiva, a ser utilizado por restaurantes, consumidores e empresas contratantes de vale-benefícios.

Para que exercite o contraditório antes da manifestação desta Superintendência-Geral a respeito, recomenda-se à indiciada que se manifeste a respeito destes pedidos no prazo para informações. 

V. CONCLUSÃO

Pelo exposto, decide-se:

Instaurar Inquérito Administrativo para Apuração de Infrações à Ordem Econômica em desfavor de iFood.com Agência de Restaurantes Online S.A., com vistas a apurar as condutas acima descritas, nos termos dos artigos 13, III, e 66 e seguintes, da Lei nº 12.529/2011 e art. 10, III do Regimento Interno, com fulcro no art. 36, I a IV e 36, §3º §3º, III, IV, V, IX, X, e XV da Lei nº 12.529/11.

Postergar a apreciação da medida preventiva requerida, com fulcro no art. 13, XI, e 84 da lei 12.529/2011, e no art. 10, XI, do Regimento Interno do Cade.

Intimar a indiciada iFood.com Agência de Restaurantes Online S.A. para exercício do contraditório acerca dos termos da representação e, em particular, dos pedidos de medida preventiva no prazo de 15 dias contados da data de comprovação da comunicação. 

 

[1] Representação, SEI nº 1034135.

[2] Representação, SEI nº 1034135, §272.

[3] Representação, SEI nº 1034135, §110.

[4] Ato de Concentração nº 08700.007252/2017-76 (Naspers, Rocket e Delivery Hero).

[5] Representação, SEI nº 1034135, §123.

[6] Representação, SEI nº 1034135, §29.

[7] Representação, SEI nº 1034135, §33, com base em dados disponíveis no IA 08700.004588/2020-47.

[8] Representação, SEI nº 1034135, §63.

[9] Representação, SEI nº 1034135, §98.

[10] Decreto nº 10.854/21, art. 175.

[11] Decreto nº 10.854/21, art. 179 e seguintes.

[12] Representação, SEI nº 1034135, §103.

[13] Representação, SEI nº 1034135, §107.

[14] Representação, SEI nº 1034135, §59.

[15] Representação, SEI nº 1034135, §138.

[16] Representação, SEI nº 1034135, §150.

[17] Representação, SEI nº 1034135, §145.

[18] Representação, SEI nº 1034135, §152.

[19] Notice from the Commission on the application of the competition rules to the postal sector and on the assessment of certain State measures relating to postal services, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:31998Y0206(01)&from=EN. No original: “Cross-subsidisation means that an undertaking bears or allocates all or part of the costs of its activity in one geographical or product market to its activity in another geographical or product market. Under certain circumstances, cross-subsidisation in the postal sector, where nearly all operators provide reserved and non-reserved services, can distort competition and lead to competitors being beaten by offers which are made possible not by efficiency (including economies of scope) and performance but by cross-subsidies”.

[20] ERGP Report on the crosssubsidisation, disponível em https://ec.europa.eu/docsroom/documents/38864/attachments/3/translations/en/renditions/native. No original: “Cross-subsidisation occurs when relatively high prices from one set of products or services allow a company to set relatively low prices on another set of products or services. Not all forms of cross-subsidisation are considered harmful from a regulatory point of view. (…) Harmful cross-subsidisation could occur when a company charges excessive prices in the markets where it has economic market power, and uses the revenues it generates from those prices, to engage in predatory pricing in other markets with varying degrees of competition. (…) Harmful cross-subsidisation is therefore a combination of two types of abusive behaviour: excessive pricing and predatory pricing, with the former contributing to the funds enabling the latter”.

[21] JONES, Alison; SUFRIN, Brenda. EU Competition Law. Oxford: 2011. 4.ed, fl. 386-7. No original: “Price discrimination occurs where the same commodity is sold at different prices to different customers despite identical costs, i.e., the sales have different ratios of price to marginal cost. It also covers sales at the same price despite different costs. Price discrimination covers a wide range of practices. […] for example predatory prices and rebate policies may involve price discrimination”.

 


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Referência: Processo nº 08700.001797/2022-09 SEI nº 1051738