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Ministério da Justiça e Segurança Pública - MJSP

Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

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Nota Técnica nº 165/2021/CGAA6/SGA2/SG/CADE

Inquérito Administrativo nº 08000.019160/2010-14

Representante: Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo – Siaesp

Advogados: Adriane Fernandes Novo, Carlos Lazaro Bagaldo e outros

Representado: Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado de São Paulo – Sated

Advogados: Flavio Sartori, Marcelo Sartori e outros

 

 

 

  

EMENTA: Inquérito Administrativo. Suposta influência de conduta comercial uniforme no mercado de dubladores e diretores de dublagem profissionais. Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado de São Paulo (SATED). Tabela de honorários profissionais. Recomendação de Medida Preventiva e instauração de Processo Administrativo, nos termos dos artigos 13, inciso V, e 69 e seguintes, da Lei nº 12.529/2011 c/c os artigos 146 e seguintes do Regimento Interno do Cade.

 

 

VERSÃO DE ACESSO público

 

 

 

Sumário

I.       RELATÓRIO.. 2

II.      ANÁLISE. 6

II.1.       Do Mercado de Dublagem (artistas de dublagem, empresas de dublagem e diretores de dublagem)  6

II.1.1.        Artistas de Dublagem ou Dubladores. 6

II.1.2.        Diretores de Dublagem.. 7

II.1.3.        Estúdios de Dublagem.. 8

II.2.       Síntese dos Fatos Apresentados na Denúncia e Durante a Instrução. 9

II.3.       Da Análise de Casos de Influência de Conduta Comercial Consubstanciadas em Tabelas de Preços e/ou Outros Instrumentos Assemelhados. 11

II.3.1.        Da Atuação dos Sindicatos e Associações em Conformidade com a Lei de Defesa da Concorrência  11

II.3.2.        Da Jurisprudência Internacional Sobre o Tema. 14

II.4.       Da Manifestação do Sated nos Presentes Autos. 17

II.5.       Dos Elementos Contidos nos Autos. 19

II.5.1.        Inexistência de Vínculo Empregatício entre Estúdios de Dublagem e Dubladores (2009). 19

II.5.2.        Da Suposta Ausência de Legitimidade Representativa do Sated. 21

II.5.3.        Da Suposta Elaboração de Tabela de Honorários. 22

II.5.4.        Do Mercado de Diretores de Dublagem e do Atestado de Capacitação Profissional (conhecido por DRT)  22

II.5.5.        Dos Indícios da Existência de Conduta Deletéria ao Ambiente Concorrencial 39

II.6.       Considerações Finais. 55

II.6.1.        Individualização Das Condutas. 56

II.6.2.        Notificação dos Representados. 61

II.7.       Adoção de Medida Preventiva. 63

II.7.1.        Do Fumus Boni Iuris e do Periculum in Mora. 63

II.8.       Da Secretaria de Acompanhamento Econômico. 65

III.         CONCLUSÃO.. 66

 

I.                 RELATÓRIO

Trata-se de Inquérito Administrativo instaurado em 12 de junho de 2020, por meio do Despacho SG nº 21/2020 (SEI nº 0765100), em face do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado de São Paulo (“Sated/SP”, ou “Sated”), inscrito no CNPJ nº 62.494.174/0001-05, com o intuito de apurar a existência de conduta infringente à ordem econômica, passível de enquadramento art. 20, incisos I, II e IV c/c 21, inciso II; IX; X; XXIII, ambos da Lei nº 8.884/1994 (correspondentes ao art. 36, I, II e IV c/c §3º, II; VII; VIII; XVIII da Lei nº 12.529/11), consistente na imposição de valores mínimos estabelecidos em supostas convenções coletivas de trabalho, a serem seguidas pelos profissionais de dublagem.

A denúncia foi apresentada pelo Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (Siaesp) e autuada no Departamento de Direito Econômico (DPDE/SDE), em 09 de outubro de 2010 (SEI nº 0007787). Consoante o seu Estatuto Social (SEI nº 0007787, fls. 21), o Representante Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (Siaesp) foi fundado em 27 de março de 1961, com sede na capital do Estado de São Paulo, sendo uma associação sindical de primeiro grau, sem fins econômicos, para, dentre outras finalidades, representar a categoria econômica da indústria cinematográfica, compreendendo, dentre outras, estúdios, produtoras de televisão, produtoras de conteúdo e de vídeo, laboratórios cinematográficos, empresas de dublagem, de finalização e de locação de equipamentos audiovisuais produtoras de obras audiovisuais publicitárias, produtoras de obras audiovisuais, com base territorial no Estado de São Paulo.

Segundo o Representante, a relação fática e jurídica existente entre as empresas de dublagem e os artistas dubladores seria sempre de cunho civilista, sem qualquer conotação de vinculação trabalhista. Desta maneira, afirmou que inexistiria profissional de dublagem contratado com vínculo de emprego pelas empresas de dublagem.

Nos termos da peça exordial, tal afirmação seria comprovada por meio do Dissídio Coletivo de Greve, tramitado perante o Tribunal Regional do Trabalho da 2º Região, sob nº 20233.2008.000.02.00-3 (SEI nº 0007790, fls. 179), no qual teria sido declarado que o liame entre os artistas de dublagem e as empresas de dublagem seria de natureza exclusivamente civil, não havendo qualquer relação empregatícia entre os agentes.

Neste cenário, apontou que o Sated (Representado) teria por pretensão firmar Acordo Coletivo de Trabalho em uma relação na qual não existiria vínculo empregatício.

Consoante a denúncia, em 15 de outubro de 2010, o Sated teria encaminhado por e-mail à todas as empresas de dublagem, por meio de prepostos que figuram em seus quadros associativos e diretivos, sem qualquer pré-aviso ou negociação, um documento intitulado "Acordo Coletivo de Trabalho" no qual teria sido estabelecido o valor de contratação tanto de supostos profissionais empregados, como de profissionais autônomos. Alegou o Representante que o caráter da mensagem seria impositivo, pois constaria a mensagem “ou assina, ou paramos”.

O encaminhamento teria sido feito de maneira abrupta e sem conhecimento prévio de seu conteúdo, para concordância compulsória e imediata, sob ameaça de paralisação iminente, informando que, de fato, teria ocorrido a paralisação dos serviços pelos dubladores.

Segundo informado pelo Siaesp, para a atuação no mercado de dublagem haveria exigência de formação e registro específico, razão pela qual existiriam pouquíssimos profissionais.

De acordo com a denúncia, por meio de coordenação o Sated se articularia de maneira uniforme, para impor ao mercado, preço único, haja vista que a grande maioria das empresas de dublagem seriam de pequeno porte, dependendo para sua sobrevivência de produção diária.

Juntamente com a denúncia foram apresentados diversos documentos, consoante se verificam dos números SEI 0007787000779000077990007801.

Aos 07 de fevereiro de 2012 foi encaminhado o Ofício/SDE/DPDE/SGSI nº 990/2012, ao Siaesp solicitando informações. A resposta foi devidamente apresentada e juntada aos autos, conforme SEI nº 0007801, fls. 46 a 55.

Aos 08 de maio de 2015, em razão da entrada em vigor da Lei nº 12.529/11, com fundamento no art. 227 do Regimento Interno do Cade, o presente Procedimento Administrativo foi convolado em Procedimento Preparatório de Inquérito Administrativo, passando as normas processuais previstas na Lei nº 12.529/11 (SEI nº 0057644).

Aos 12 de maio de 2015, por meio do Ofício nº 2551/2015/Cade (SEI nº 0059245), com vistas a instruir o processo, foram solicitadas informações ao Sated[1]. Considerando a ausência de manifestação, os termos da solicitação foram reiterados por meio do Ofício nº 3090/2015/Cade (SEI nº 0070135), de 09 de junho de 2015[2].

Aos 11 de junho de 2015, foram apresentadas pelo Sated as informações solicitadas pelo Cade (SEI nº 0071213 e 0072326).

Em 03 de agosto de 2017, foi encaminhado o Ofício nº 4770/2017/CADE (SEI nº 0370209) ao Siaesp, solicitando informações. A Resposta ao Ofício foi apresentada em 25 de agosto de 2017, por meio da manifestação SEI nº 0378762, na qual informou que o Dissídio Coletivo firmado nos autos do processo n° 1001645-13.2013.5.02.0000 consistiria na imposição, pelo Sated, de preço único ao mercado, a partir de meios ilegítimos. Juntamente com a manifestação foram apresentados documentos elaborados pelo Sated, referentes a reajustes salariais correspondentes aos anos relacionados aos anos de 2010, 2012, 2013, 2014, 2016 e 2017.

Aos 05 de fevereiro de 2020, foi enviado o Ofício nº 849/2020/Cade (SEI nº 0715510) ao Sated, solicitando informações para a instrução do feito. A resposta foi apresentada em 20 de março de 2020, por meio do documento SEI nº 0734914.

Aos 15 de setembro de 2020 foram juntados aos autos diversos documentos extraídos da página do Sated na internet, consistentes em acordos, convenções coletivas, pauta reivindicatória etc. (SEI n° 0804820 e 0804822). Tais documentos apontam para a existência dos Acordos ou Convenções Coletivas de Trabalho desde o ano de 2008, se estendendo pelos demais anos, até o ano 2019. Insta registrar que a Convenção Coletiva 2019/2020 também consta nos presentes autos, tendo sido acostada juntamente com os documentos (SEI nº 0826217) apresentados pelo Siaesp.

Aos 16 de outubro de 2020 foram juntadas aos autos pelo Siaesp, por meio da petição SEI nº 0818596 e nº 0826216 novas evidências, representando 78 (setenta e oito) arquivos, consistentes em documentos diversos.

Aos 04 de novembro de 2020, foram juntados aos autos pelo Siaesp manifestações complementares, consistentes em 56 novos arquivos de documentos, protocolados sob o SEI nº 0826216 e 0826217.

Aos 09 de novembro de 2020 foi realizada reunião por videoconferência via zoom entre representantes do Siaesp e servidores do Cade, consoante se verifica da Certidão SEI nº 0827759.

Aos 26 de janeiro de 2021, foi apresentada manifestação pelo Sindicato da Indústria Audiovisual de São Paulo (Siaesp), protocolada sob o SEI nº 0858999, na qual relatou que, atualmente, as ameaças de paralisação das atividades em determinados estúdios, assim como a tentativa de alguns profissionais de retirarem trabalho desses mesmos estúdios e transferirem para outros estariam cada vez mais frequentes.

Segundo o Representante, as pessoas jurídicas prestadoras de serviços de dublagem (dubladores) e direção de dublagem (diretores de dublagem) estariam se recusando assinar contratos de prestação de serviços e, consequentemente, de prestarem serviços em si para alguns estúdios de dublagem, independentemente de estes terem os contratos com as distribuidoras para cumprir.

Em sua manifestação, o Siaesp relatou que os atos denunciados no início do processo perduram até o presente momento (2021) e salientou que não existiriam dubladores empregados dos estúdios de dublagens, sendo que estes trabalhadores seriam autônomos, em conformidade com a legislação civil e trabalhista. A situação laboral dos dubladores teria sido aclarada pelo Dissídio Coletivo de Greve tramitado perante o Tribunal Regional do Trabalho da 2a. Região sob n° 20233.2008.000.02.00-3.

Portanto, em vista da ausência de relação de emprego entre estúdios de dublagem e dubladores, alegou o Siaesp que o Sated não poderia firmar acordo ou convenção coletiva de trabalho e tampouco tabelar os serviços prestados por tais profissionais.

Ante o todo relatado na manifestação, solicitou o Siaesp que fossem tomadas medidas imediatas para coibir a ação do Sated e das empresas que prestam serviços de dublagem. Solicitou ainda a designação de audiência para tratar sobre o tema.

Considerando a petição feita pelo Siaesp por meio do documento SEI nº 0858999, foi emanado o Despacho SG nº 271/2021 (SEI nº 0871361), o qual integrou como suas razões a recomendação da Nota Técnica nº 20/2021/CGAA6/SGA2/SG/CADE (SEI nº 0871339) e, decidiu pelo conhecimento do pedido feito por meio da manifestação SEI nº 0858999 e, no mérito, pelo indeferimento da Medida Preventiva pleiteada.

O Despacho SG nº 271/2021 (SEI nº 0871361) foi publicado no Diário Oficial da União nº 40, seção 1, fls. 58, de 02 de março de 2021 (SEI nº 0872751).

Aos 07 de abril de 2021 foi apresentada manifestação pelo Siaesp (SEI nº 0888741), na qual solicitou a intervenção do CADE, relatando que a continuidade de seus negócios estaria sendo ameaçada pela conduta do Sated (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo). Consoante o Representante, a falta de posicionamento por parte do Cade estaria servindo como incentivo à ação cada vez mais incisiva, violenta e abusiva do Sated.

Aos 11 de maio de 2021, foi encaminhado o Ofício nº 3190/2021/CGAA6/SGA2/SG/CADE (SEI nº 0902784) à Associação Brasileira de Dublagem (Abdub) solicitando informações. A resposta ao Ofício foi tempestivamente atendida, consoante se verificam dos documentos SEI nº 0910126 e 0910127.

Segundo as informações apresentadas, a Abdub é uma associação de âmbito nacional que representa empresas de dublagem, sendo formada por empresas que também são associadas ao Siaesp, mas que não compactuam com nenhum tipo de tratativas relacionadas aos "acordos" de preços com o Sated. Informou que não reconhece o sindicato Representado como representante legal de qualquer interesse ligado ao setor da dublagem.

Relatou que os dubladores autônomos e alguns deles possuem empresas (pessoas jurídicas), atuando no mercado como artistas prestadores de serviços sendo contratados por obra. Assim, esclareceu que para cada nova produção seria firmado um novo contrato. Para o pagamento dos trabalhos os artistas emitiriam uma nota fiscal e, com isso, seriam pagos os cachês referentes às produções (SEI nº 0910126, fls. 07).

Aos 22 de junho de 2021, com vistas a instruir o feito, foram juntados por esta Superintendência-Geral documentos, protocolados sob os números SEI 0921818 e 0921820.

É o relatório.

 

II.               ANÁLISE

Conforme relatório, o Inquérito Administrativo foi instaurado nos termos dos artigos 13, III, e 66, §1º, da Lei nº 12.529/2011 c/c artigo 140 e seguintes do Regimento Interno do Cade, uma vez que os fatos apresentados a esta Superintendência-Geral apontam para a existência de supostas práticas deletérias ao ambiente concorrencial, relacionadas a atividades artísticas, criativas, espetáculos e atividade de organizações associativas, mais especificamente ao mercado de dublagem no Estado de São Paulo.

 

II.1.     Do Mercado de Dublagem (artistas de dublagem, empresas de dublagem e diretores de dublagem)

O exercício da profissão de artista e de técnico de espetáculos é regulamentado pela Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978, bem como pelo Decreto nº 82.385, de 05 de outubro de 1978 e seus anexos.

A Lei nº 6.533/1978 conceitua, em seu artigo 2º, o que se considera artista e o que se considera técnico:

 

Art . 2º - Para os efeitos desta lei, é considerado:

I - Artista, o profissional que cria, interpreta ou executa obra de caráter cultural de qualquer natureza, para efeito de exibição ou divulgação pública, através de meios de comunicação de massa ou em locais onde se realizam espetáculos de diversão pública;

II - Técnico em Espetáculos de Diversões, o profissional que, mesmo em caráter auxiliar, participa, individualmente ou em grupo, de atividade profissional ligada diretamente à elaboração, registro, apresentação ou conservação de programas, espetáculos e produções.

Parágrafo único - As denominações e descrições das funções em que se desdobram as atividades de Artista e de Técnico em Espetáculos de Diversões constarão do regulamento desta lei.

 

Consoante informações extraídas da página do Sated/RJ na internet[3], a Lei nº 6.533/1978 regulamenta as profissões de Artista e de Técnico em Espetáculos de Diversões, e estabelece que para a contratação dos artistas e técnicos, como profissionais, com a finalidade de que estes possam exercer suas atividades laborais na TV, cinema, teatro, publicidade, shows de variedades ou no setor de dublagem é necessário ter o registro profissional emitido por uma Delegacia Regional do Trabalho. Logo, no meio artístico, DRT teria o mesmo significado que registro profissional.

Em consulta à página do Ministério da Economia[4], verificou-se que:

 

O registro profissional é a identificação dos profissionais das categorias regulamentadas por lei federal, as quais delegam à Secretaria Especial de Trabalho, Emprego e Previdência a competência para emitir o registro, garantindo que o exercício profissional ocorra da forma estabelecida em lei.

 

II.1.1.  Artistas de Dublagem ou Dubladores

Consoante o informado pelo Siaesp, os artistas de dublagem são aqueles que desempenham o serviço de interpretar com sincronização sobre a imagem de outra pessoa, texto traduzido para um determinado produto audiovisual (filme, seriado, novela, desenho animado, reality show, etc.). (SEI nº 0007801, fls. 46)

Quanto ao mercado de dubladores, informou que este seria cativo e exigiria formação e registro específico desses trabalhadores. Relatou que a oferta de cursos neste setor seria diminuta, razão pela qual, existiriam pouquíssimos profissionais. (fls. 08, SEI nº 0007787)

Indagado a informar se poderia haver substituibilidade dos artistas de dublagem para que seus serviços fossem prestados por outros profissionais, informou o Siaesp que estes serviços não poderiam ser prestados por outros profissionais, visto que dependem de habilidades artísticas e interpretativas específicas, bem como do preenchimento de requisitos legais, a fim de que possa exercer regularmente a profissão, ainda que seja possível iniciar-se na profissão de maneira provisória com inscrição junto a Delegacia Regional do Trabalho e obtendo o registro (mesmo não sendo ator formado).

Segundo estimativa apresentada pelo Siaesp, em 2012, haveria apenas 200 dubladores no Estado de São Paulo.

Indagado a informar se diante de eventual interrupção dos serviços pelos artistas de dublagem, relatou que não seria possível contratar artistas não localizados no Estado de São Paulo em razão dos custos e da agenda dos profissionais. Além disso informou que somente o município do Rio de Janeiro contaria com um pequeno número de profissionais de dublagem.

 

II.1.2.  Diretores de Dublagem

 

Conforme o que estabelece o Anexo II, do Decreto nº 82.385/1978, que trata dos profissionais do Cinema, verbis:

 

DIRETOR DE DUBLAGEMM

Assiste ao filme e sugere a escalação do elenco para a dublagem do filme, esquematiza a produção, programa nos horários de trabalho, orienta a interpretação e o sincronismo do Ator sobre sua imagem ou de outrem.

 

Consoante o informado pela Abdub por meio do SEI nº 0910126, a empresa de dublagem, após receber um projeto audiovisual em língua estrangeira, o envia para um tradutor capacitado e, em sequência um diretor de dublagem realiza a revisão deste texto e é providenciada uma pré-adaptação. Após esta tarefa, o produtor de elenco ou diretor dão início ao processo chamado casting, que é a escolha dos dubladores que farão cada voz naquela produção. Após realizado o processo de escalonamento é que as escalas de gravação são marcadas.

Após a conclusão do processo de captação de voz é feito pelo estúdio um QC (quality control) que serve para avaliar a qualidade de toda a gravação realizada. Em seguida o projeto é encaminhado para a mixagem e, neste momento, as vozes em português são colocadas junto do M&E (música e efeitos - que são todos os sons das cenas além das vozes em português). Após mixado, o trabalho é devolvido para o cliente para que seja veiculado. Contratos de sessão de direitos de vozes e de direção são assinados e enviados para o cliente para que ele tenha o direito de utilizar este material.

 

II.1.3.  Estúdios de Dublagem

Com relação aos estúdios de dublagem, informou o Siaesp que a maioria dessas empresas seriam de pequeno porte e dependeriam de sua produção diária, fato que lhes conferiria posição de extrema fragilidade.

A Abdub (SEI nº 0910126) esclareceu que alguns donos de estúdios de dublagem, também exerceriam a função de diretores de dublagem, dubladores, mixadores, coordenadores de produção, administrativos e financeiros.

Com relação ao número de empresas de dublagem ativas, o Siaesp apresentou uma lista de empresas de dublagem associadas, no ano de 2012, contendo apenas 15 nomes (SEI º 0007801, fls. 54). Por sua vez, a Abdub (SEI nº 0910126), em informação atualizada (2021), informou existirem no mercado ao todo 30 (trinta) empresas de dublagem no Estado de São Paulo, sendo estas:

 

Atma Entretenimento,

BKS,

Centauro,

Clone,

DPN Santos,

Dubbing & Mix,

Dublavídeo,

Dubrasil,

IDF (Grupo Macias),

Lexx Comunicações,

Luminatta;

Studio;

Luminus;

Marmac Group;

Maximal Studios,

Mirage Filmes,

Sigma,

SP Telefllm,

Studio Gábia,

Tempo Filmes,

The Kitchen Brazil (Marka),

TV Group,

UniDub,

UniSom,

Universal Cinergia Dubbing,

Ultrassom,

 Vox;

 Mundi (VSI Media);

 Dubbing Company;

 UP Voice.

 

Segundo o informado pela Abdub, o núcleo do mercado de dublagem, onde estão localizados os principais estúdios do país, estaria localizado no eixo Rio de Janeiro-São Paulo.

 

II.2.     Síntese dos Fatos Apresentados na Denúncia e Durante a Instrução

De acordo com a denúncia (SEI nº 0007787), o Sated estaria manipulando artificialmente o mercado de dublagem, mediante a realização de Acordos Coletivos, sem prévia negociação com os estúdios de dublagem. Insta apontar que nesse cenário teriam ocorrido paralisações, nos anos 2009 e 2010, incentivadas pelo Sated e praticadas pelos profissionais de dublagem. Durante a instrução, foram localizados indícios de que o histórico de paralisações, supostamente, motivadas pelo Sated ocorreriam desde 2004.

Segundo o Representante Siaesp, os artistas de dublagem seriam profissionais autônomos e afirmou que inexistiria profissional de dublagem contratado com vínculo de emprego pelas empresas de dublagem (SEI nº 0818593, fls.10). Assim, a remuneração de cada um desses artistas deveria ser negociada entre contratante e contratado (profissionais e empresas de dublagem). Entretanto essa relação estaria sofrendo interferência direta do Sated, que estaria impondo tabelas de preços, sob pena de "boicote de todos os demais dubladores".

A suposta imposição seria feita pelo Sated às empresas de dublagem de pequeno porte, por meio de coação. Segundo o Representante, os valores dos honorários profissionais estariam dispostos em uma tabela de preços, denominada "Acordo Coletivo de Trabalho". Informou o Siaesp que para a definição de tais valores, não haveria nenhum tipo de negociação entre o Sated e o Siaesp, ou as empresas de dublagem.

Consoante o Representante, por haver poucos competidores no mercado, o Sated de maneira unilateral, arbitrária e hostil, procuraria cada uma das empresas de dublagem e as obrigaria a assinar a "Convenção Coletiva de Trabalho".

Assim, tal documento seria pré-estabelecido unilateralmente pelo Sated e imposto ao mercado, supostamente ditando um valor/preço mínimo para os honorários de profissionais liberais/autônomos, sob pena de “boicote coletivo ou greve”, não havendo neste cenário qualquer tipo de negociação individual ou coletiva. (SEI nº 0007801, fls. 49).

De acordo com a denúncia, haveria pressão para que os profissionais de dublagem somente trabalhassem com estúdios que houvessem assinado o Acordo Coletivo proposto pelo Representado.

Informou o Representante que os dubladores também sofreriam ameaças por parte de alguns diretores de dublagem, uma vez que estes seriam os responsáveis por escalar os elencos e, caso os dubladores aceitassem prestar serviços em determinado estúdio que não houvesse aceitado o “Acordo”, não seriam escalados para outros serviços. Esclareceu o Siaesp que, em razão da pressão existente, os dubladores cederiam a tais pressões, visto que evitariam contrariar à vontade dos diretores, por dependerem destes para serem contratados. (SEI nº 0818593, fls. 12).

Por meio de informações complementares apresentadas ao Cade, em 16 de outubro de 2020, por meio do documento SEI nº 0818593, fls. 26, relatou o Siaesp que o Representado estaria usurpando a função do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica (Sindcine) no que se refere à representação dos diretores de dublagem (SEI nº 0818593, fls. 25).

Segundo o informado pelo Representante, Sated buscaria a representação da classe de diretores de dublagem. Entretanto, alegou que, por lei, tal competência caberia ao Sindicine. Neste intento, o Sated estaria fornecendo, de forma irregular e ilegal, atestado de conhecimento técnico para alguns dubladores, ao seu livre critério, e somente esses dubladores poderiam se tornar diretores de dublagem, já que o atestado de conhecimento técnico seria um documento indispensável por lei para se adquirir o registro profissional junto ao Ministério da Economia.

Posteriormente, aos 07 de abril de 2021, o Siaesp apresentou a manifestação SEI nº 0888741, na qual informou que o Sated estaria instigando os atores a prestarem serviços apenas aos estúdios de dublagem que celebrassem os acordos coletivos de trabalho, com as previsões que o Sated entenderia cabíveis e interessantes, entre as quais o tabelamento de preços e outras já documentadas. Deste modo, relatou que estaria cada vez mais evidente a conduta do Representado, consistente na suposta tentativa de reserva de mercado e de pleno domínio do segmento econômico da dublagem. 

Reiterou o Representante não haver no mercado de dublagem atores empregados, mas sim, apenas empresários, consubstanciados em pessoas jurídicas prestadoras e tomadoras de serviços, em uma clara e transparente relação comercial, razão pela qual a atuação do Sated estaria desequilibrando as relações, causando uma absurda distorção e evidente prejuízo ao livre mercado e a livre iniciativa, em flagrante violação das disposições legais vigentes.

Portanto, em brevíssima síntese, as condutas relatadas pelo Siaesp podem ser elencadas nas supostas práticas consistentes em:

 

Adoção de tabela de honorários profissionais, por meio dos chamados “Acordos Coletivos de Trabalho ou Convenções Coletivas de Trabalho”;

Incentivo e ameaça de paralisação dos trabalhos para a assinatura dos acordos, mediante coação a atores e a estúdios de dublagem;

Fechamento do mercado de diretores de dublagem.

 

Tais condutas, se comprovadas, seriam passíveis de enquadramento no art. 20, incisos I, II e IV c/c 21, inciso II; IX; X; XXIII, ambos da Lei nº 8.884/1994 (correspondentes ao art. 36, I, II e IV c/c §3º, II; VII; VIII; XVIII da Lei nº 12.529/11):

 

Lei nº 12.529/2011

 

Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

 

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;

(...)

IV - exercer de forma abusiva posição dominante.

 

 

§ 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:

(...)

II - promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;

VII - utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros;

VIII - regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição;

XVIII - subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem; (...)

 

II.3.     Da Análise de Casos de Influência de Conduta Comercial Consubstanciadas em Tabelas de Preços e/ou Outros Instrumentos Assemelhados

II.3.1. Da Atuação dos Sindicatos e Associações em Conformidade com a Lei de Defesa da Concorrência

Os sindicatos e as associações de classe desempenham papel fundamental em nossa sociedade, pois são filiações que reúnem indivíduos e empresas que comungam interesses semelhantes com o objetivo de representá-los comercial, política ou socialmente. O papel de tais associações na economia moderna é amplamente reconhecido, à medida que suas atividades podem beneficiar seus membros e também contribuir para o aumento da eficiência do mercado não obstante, a despeito dos seus muitos aspectos benéficos e mesmo pró-competitivos, os Sindicatos, por sua própria natureza, são expostos a risco não desprezível de serem responsabilizados por práticas anticoncorrenciais[5].

A este respeito, explica estudo conjunto do Banco Mundial e da OCDE (2003)[6]:

 

“As associações comerciais desempenham muitas funções legítimas e positivas, como a educação dos membros sobre avanços tecnológicos e outros avanços na indústria, na identificação dos problemas potenciais com os produtos, facilitação de treinamento em assuntos legais ou administrativos, e agindo como patrono de interesses ou lobby ante os órgãos governamentais. Mas as reuniões das associações comerciais podem também servir como um fórum para as ações dos cartéis, e as próprias associações podem ocasionalmente se envolver em atividades anticompetitivas. O compartilhamento de informações relevantes à concorrência pode estimular ou apoiar uma colusão tácita ou explícita, e as associações comerciais estão geralmente situadas de forma ideal para facilitar esses intercâmbios anticompetitivos” (grifos nossos)

 

Algumas das atividades dessas associações são protegidas por direitos fundamentais, quais sejam, o direito à livre associação e à liberdade de expressão (Constituição Federal, art. 5º, incisos IX e XVII). Todavia, o exercício de tais direitos fundamentais não pode desconsiderar outros princípios constitucionalmente protegidos, notadamente o da proteção ao consumidor (CF, art. 170, inciso V), o da livre iniciativa (CF, art. 1, inciso V e art. 170, caput) e o da livre concorrência (CF, art. 170, inciso IV).

Nesse sentido, as palavras do Conselheiro-Relator Thompson Andrade, no Processo Administrativo nº 08000.007201/97-09[7]:

 

Realmente, não paira dúvida sobre essas garantias e não se contesta a existência da AMB como entidade representativa da classe médica. Mesmo assim, não há qualquer incompatibilidade entre essas duas garantias fundamentais [livre associação e liberdade de expressão] e a Lei nº 8.884/94. Em princípio, a atuação de qualquer associação é aceita, como forma de preservar a democracia. Todavia, deve-se recordar que em um Estado Democrático de Direito o limite a atuação dos entes privados encontra-se na preservação do interesse público. (...)

Assim é que o artigo 170 da Carta Magna determina que a ordem econômica deve sempre observar a livre concorrência e a defesa do consumidor. Tão importante quanto zelar pela liberdade de associação é cuidar para que estes dois princípios não sejam atacados. Isso não significa escolha de uma garantia constitucional em detrimento de outra, mas sim harmonização entre todas, a fim de se garantir a supremacia do interesse público”.

 

Com efeito, ao mesmo tempo em que é instrumento necessário para a defesa dos interesses de determinada classe produtiva, a participação ativa de empresas e profissionais em associações e Sindicatos pode oferecer a oportunidade para acordos e práticas anticoncorrenciais, visto que permite encontros regulares entre concorrentes e a discussão de questões comerciais de interesse comum. Deve-se esclarecer, entretanto, que a mera participação em associação ou sindicato, por si só, não pode ser vista como uma violação às regras concorrenciais ou como indício capaz de provar uma conspiração anticoncorrencial.

Embora haja um consenso quanto ao fato de que associações comerciais e Sindicatos devam se submeter às regras concorrenciais, para impedir que seus membros escapem à aplicação da lei antitruste agindo por meio dessas entidades, o papel destas em infrações à ordem econômica pode variar de maneira significativa, bem como a sua responsabilização pela conduta anticompetitiva. Nesse sentido, associações e sindicatos seriam responsabilizados juntamente com os seus afiliados se sugerindo, orquestrando ou executando condutas ilegais. Por outro lado, não deveriam ser responsabilizados se a infração foi cometida pelos seus membros sem a ciência e participação das entidades representativas. Ainda, pode haver práticas anticoncorrenciais cuja autoria é do próprio Sindicato ou Associação, sem que seja possível divisar claramente a participação de seus associados. Nesse sentido, a Lei 12.529/2011 deixa explícita a possibilidade de se imputar a associações de classe a prática de condutas anticoncorrenciais:

 

“Art. 31. Esta Lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal.” (grifamos)

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica, por meio do voto do Conselheiro Arthur Barrionuevo no Processo Administrativo nº 08012.007515/2000-31[8] que investigou o Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado de Minas Gerais, afirmou:

 

“Os Sindicatos são órgãos de classe destinados a defender os interesses de seus afiliados, com nobre papel outorgado pela Constituição, que em seu artigo 8º, inciso III, preceitua: "Ao Sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais e administrativas." Entretanto, não se pode tolerar que estas tão nobres instituições venham a abusar da prerrogativa a elas conferida, distorcendo o papel a elas reservado, e passem a ser pivôs ou cúmplices de infrações puníveis pelo ordenamento jurídico pátrio. Infelizmente, muitas delas vêm coordenando atitudes colusivas, com escopo de se uniformizar condutas comerciais, seja através de tabelas de preços ou de simples imposição, aproveitando-se de sua vantajosa posição de representante da classe.

É bem verdade que até bem pouco tempo nossa economia sofria intervenções maciças por parte do Governo, com vários setores sendo tabelados e, por consequência, sem a possibilidade de formar e exercer preços livremente. Neste cenário, os Sindicatos tiveram importância ímpar, negociando com os órgãos públicos os interesses de seus afiliados, ajudando-os a formar o melhor preço para o setor. Com a abertura da economia e a desindexação dos preços, os Sindicatos passaram a conviver com uma nova realidade, qual seja, a livre concorrência e formação dos preços. Todavia, encontramos ainda hoje instituições que se sentem à vontade para impor aos seus associados a conduta a ser seguida, além do preço a ser por eles praticado, criando situações marginais à ordem econômico-jurídica vigente.

(...) Não obstante, inconcebível a ideia de os Sindicatos se prestarem ao papel de coordenar, ou mesmo mediar atitudes anticoncorrenciais entre seus associados, devendo eles, ao contrário, auxiliar e orientar seus afiliados no sentido inverso, adequando-os à nova realidade pátria.”

 

O Conselheiro Thompson Andrade, por ocasião do julgamento do Processo Administrativo n.º 08012.0004036/2001-24[9], tendo como um de seus representados o Sindispetro/SC, manifestou-se no mesmo sentido:

 

"Evidente que a atividade dos Sindicatos é fundamental na defesa dos direitos de seus associados e em sua representação. No entanto, não pode ser admitido qualquer tipo de comportamento que, por trás do falso argumento de “orientação” dos membros, vise implementar ações concertadas ou condutas paralelas na tentativa de amenizar a concorrência e garantir lucros indevidos, em prejuízo do consumidor”.

 

Consoante o explicitado, a ação de entidades de classe ao divulgar informações comercialmente sensíveis, tais como preços atuais e futuros, custos e níveis de produção, bem como a de coordenar a atuação de agentes no mercado, contraria diretamente os ditames da Lei nº 12.529/11, na medida em que gera ou tem potencial para gerar efeitos anticoncorrenciais.

Consoante o expresso pelo art. 36 da Lei nº 12.529/2011:

 

Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III - aumentar arbitrariamente os lucros; e

IV - exercer de forma abusiva posição dominante.

 

Consoante se verifica do dispositivo legal, constitui-se infração da ordem econômica, os atos que tenham por objeto produzir efeitos deletérios à livre concorrência e/ou, tenham potencial de produzir efeitos que prejudiquem a competição no mercado.

 

II.3.2. Da Jurisprudência Internacional Sobre o Tema

Conforme visto, a adoção de tabela de preços ou honorários deve ser considerada como um acordo de preços puro, para o qual a única razão de existir é a mera e simples eliminação da concorrência.

Esse tem sido o entendimento tanto da jurisprudência brasileira quanto da internacional. Quanto a esse ponto, aliás, ressalte-se que, contrariamente ao afirmado pelo Representado em sua defesa, a decisão da Suprema Corte Americana relativa ao caso Goldfarb vs. Virginia State Bar considerou a tabela de honorários então em análise como um acordo de preços puro, suscetível, portanto, à proibição per se.

A esse respeito, cabe trazer o ensinamento de Thomas Morgan[10], segundo quem:

“quanto à fixação de preços, o Justice Berger relatou que um acordo de preços puro foi claramente demonstrado pela tabela de honorários mínimos”[11] (tradução livre). Ainda segundo Morgan, “o objeto de Goldfarb – acordo de preços entre concorrentes – permanece plenamente sujeito à proibição per se (...)”[12] (tradução livre)

 

De fato, assim sentenciou a Suprema Corte Americana, em 1975:

 

“Não se trata meramente de um caso de conluio que pode ser inferido da troca de informações sobre preço, pois um acordo puro foi claramente demonstrado e o efeito sobre os preços é claro.”[13]

 

No âmbito da União Europeia também prevalece o entendimento de que tabelas de honorários devam ser consideradas como ilícitos per se. Tal posicionamento pode ser confirmado na decisão sobre o caso Associação Belga de Arquitetos, de 2004, no qual foi afirmado o seguinte:

 

“De acordo com jurisprudência consolidada da Corte, para o propósito da aplicação do art. 81(1) não há necessidade de se levar em consideração os efeitos concretos do acordo ou da decisão, já que parece que esses têm o objeto de prevenir, restringir ou distorcer a concorrência. Em uma decisão em que se aplique o artigo 81 a Comissão tem a obrigação de definir o mercado quando for impossível, sem essa definição, determinar se a decisão de uma entidade associativa tem o condão de afetar o comércio entre Estados Membro e tem o como seu objeto ou efeito a prevenção, restrição ou distorção da concorrência no Seio do mercado comum. Consequentemente, se a Comissão consegue provar que a Associação cometeu uma infração cujo objeto foi a restrição da concorrência dentro do mercado comum e que foi, pela sua natureza, propícia a afetar o comércio entre Estados Membros, não é necessário se definir o mercado relevante.

Não obstante, para o propósito da aplicação do Artigo 81 (1), não é preciso levar em consideração os efeitos concretos do acordo ou decisão, já que parece que esses têm por objeto a prevenção, restrição ou distorção da concorrência e a investigação demonstrou que a tabela foi de fato implementada, ao menos em uma certa medida. Isso não foi negado pela Associação.”[14]

 

Mesmo que não se considere o caráter claramente anticoncorrencial da conduta em apreço e a sua consequente ilicitude per se, considera-se que, ainda assim, restaria patente a ilegalidade da prática, uma vez que os prejuízos que trazem aos consumidores superam largamente seus benefícios.

Traz-se à apreciação nesse sentido as conclusões de estudo realizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), intitulado “Competitive Restrictions in Legal Professions”.

Inicialmente, considera-se no estudo mencionado que a regulação profissional pode ser justificada na medida em que busca corrigir falhas de mercado. Entre as falhas relacionadas à conduta em análise neste Processo Administrativo foram apontadas as seguintes i) assimetria de informação e ii) custos de transação associados principalmente a custos de busca.

Assimetria de informação ocorre quando o consumidor e fornecedor de um determinado produto/serviço dispõe de níveis diferentes de informação sobre a sua qualidade, resultando na impossibilidade do consumidor em avaliar se a qualidade proclamada pelo fornecedor de fato existe. Diante dessa situação, o consumidor não estará disposto a pagar valores mais elevados para serviços de maior qualidade, selecionando adversamente os produtos/serviços, com a consequente deterioração da qualidade dos bens ofertados. Para determinados tipos de bens, como os chamados bens de crença, as assimetrias de informação podem ser consideradas insuperáveis, impedindo, dessa forma, a capacidade de autotutela dos consumidores. Por essa razão, admite-se como boa política regulatória a imposição de determinados parâmetros para se garantir a qualidade mínima dos serviços prestados[15].

Quanto à assimetria de informação, objeta-se, no entanto, que a regulação de preço objeto das tabelas de honorários não é um instrumento adequado para regulação de qualidade. Para tanto, existem à disposição de entidades de classe e órgãos reguladores em geral outras ferramentas mais apropriadas, como exclusividade de exercício profissional para peritos, exames de admissão e requisitos educacionais, etc.

Transcreve-se abaixo, excerto do estudo realizado pela OCDE que trata da desproporcionalidade da regulação de preços como forma de controle de qualidade:

 

“(…) Restrições tarifárias deveriam ser examinadas pela perspectiva da proporcionalidade. Mesmo que restrições tarifárias possam as vezes ser justificadas na teoria, elas permanecem uma intervenção regulatória exagerada. A qualidade pode ser garantida por meios menos restritivos e, por essa razão, regulação de preços podem ser desproporcionais.” [16]

 

Também a Comissão Europeia, no julgamento da conduta adotada pela Associação Belga de Arquitetos, manifestou-se sobre a razoabilidade do controle de qualidade via restrição de preços:

 

“A Associação ainda alega que a tabela é útil porque taxas muito baixas podem ser um indicativo de práticas que são manifestamente ilegais. A Comissão aponta, no entanto que a Associação não é automaticamente informada das taxas cobradas pelos arquitetos, que taxas extremamente baixas não são em si provas suficientes de práticas ilegais, devendo outros elementos ter que ser considerados, o que implica que a Associação pode continuar a exercer suas funções de supervisão sem a tabela de taxas. Adicionalmente, a tabela não impede arquitetos inescrupulosos de oferecerem serviços de baixa qualidade, podendo inclusive protegê-los com a garantia de taxas mínimas. Além disso, a tabela pode desencorajar arquitetos a trabalharem de forma eficiente, reduzindo preços, melhorando a qualidade ou inovando. Por essa razão, a decisão estabelecendo a tabela não pode ser excluída da aplicação do Artigo 81 (1)”.[17]

 

Sobre o potencial benefício da informação de preços médios aos consumidores, na forma de tabelas, a Comissão Europeia manifestou-se da seguinte forma:

 

“De qualquer forma, a Comissão considera que o estabelecimento de uma tabela de preços (recomendados) mínimos não podem ser considerada como necessária para garantir o exercício adequado da profissão de arquiteto. A Associação argumenta que a tabela pode ser útil na medida em que ela pode servir como uma diretriz nas consultas formuladas por potenciais clientes ou por um Tribunal. A Comissão considera que a informação sobre preços pode ser provida de outras formas. Por exemplo, a publicação de informações coletadas por terceiros independentes (como organizações de consumidores) sobre os preços cobrados em geral, ou informação baseada em pesquisas, podem ser uma comparação mais confiável para consumidores e levar a menores distorções à concorrência.”[18].

 

Entende-se, que as tabelas seriam meios desproporcionais e inadequados para o atingimento de benefícios aos consumidores.

Por essa razão, conclui-se que, mesmo após a investigação dos efeitos líquidos da adoção de tabelas de honorários mínimos, caso seja admitida, por hipótese, a sua não configuração como ilícito per se - conforme autorizam a jurisprudência dominante brasileira e internacional - ainda assim não se identificam benefícios associados às tabelas de honorários que possam superar sua lesividade à concorrência, sejam elas consideradas como impositivas ou meramente informativas.

Neste diapasão, ainda que se aventando a possibilidade de adotar um critério mais permissivo na apreciação, em tese, da conduta, considerando a função informativa para os consumidores dos valores mínimos previstos nas tabelas de honorários, a prática efetivamente adotada não se aplicaria a esses critérios de julgamento, uma vez que, mesmo considerando as tabelas como sugestivas, elas não tratam de preços históricos médios cobrados no mercado, mas sim de pretensões de valores de honorários fixados pela entidade de classe, no caso, os sindicatos, segundo parâmetros próprios.

 

II.4.     Da Manifestação do Sated nos Presentes Autos

Em resposta ao Ofício nº 2551/2015/Cade, de 12 de maio de 2015 (SEI nº 0059245, reiterado por meio do Ofício nº 3090/2015/Cade (SEI nº 0070135), de 09 de junho de 2015, o Sated apresentou manifestações, protocoladas sob o SEI nº 0071213 e 0072326.

Em breve síntese o Sated informou que sua base territorial abrangeria todo o Estado de São Paulo e no ano de 2015, possuía 11.553 (onze mil quinhentos cinquenta e três) associados, sendo que somente 80 (oitenta) dessas pessoas atuavam na atividade de dublagem à época de apresentação das informações ao Cade.

Especificamente, sobre os fatos denunciados e ocorridos no ano de 2010, informou que realizou negociações diretamente com os estúdios de dublagem, visto que o Siaesp se recusaria a negociar e tampouco teria assinado o dissídio coletivo de trabalho.

Consoante o Sated, desde o final da década de 1970, existiria a prática de negociar acordos coletivos de trabalho e apresentou os documentos referentes aos anos 1995/1996 e 1996/1997, quando a denominação do Siaesp seria "Sindicato da Indústria Cinematográfica do Estado de São Paulo".

Informou o Representado que os acordos coletivos de trabalho conteriam cláusulas econômicas que estabeleceriam valores a serem pagos pelos estúdios de dublagem, cuja correção ocorreria de acordo com a inflação do período anterior.

O Representado apresentou o “acordo coletivo de trabalho” do período 2010/2012 com o estúdio de dublagem Luminus Dublagens e Produções Ltda. (CNPJ Nº 00.538.413/0001-07 e, afirmou que os demais 16 (dezesseis) acordos coletivos com demais estúdios seriam idênticos e por isso não foram apresentados (SEI nº 0072326, fls. 2).

De igual maneira, apresentou o “acordo coletivo de trabalho” firmado para o período de 2008/2009 com o estúdio de dublagem DPN Santos Serviços de Divulgações e Promoções, relativo ao período compreendido entre 2008/2009 e relatou que as cláusulas desse acordo seriam idênticas dos demais 23 (vinte três) estúdios de dublagem, motivo pelo qual, os documentos não haviam sido apresentados ao Cade (SEI nº 0072326, fls. 3).

Informou que, com relação aos períodos de 2013/2014 e 2014/2015, ajuizou Dissídio Coletivo em face do Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (SIAESP). Segundo o Representado, o pleito ainda tramita perante o Tribunal Regional do Trabalho 22ª. Região (Processo TRT/SP SDC n° 1001645-13.2013.5.02.000 e Processo TRT/SP SDC n° 1001592-95.2014.5.02.00).

Juntamente com sua manifestação, o Sated apresentou os seguintes documentos:

 

Quadro 1 – Documentos que Acompanharam a Manifestação do Sated (SEI nº 0071213 e 0072326)

 

Documento

Data

1.

E-mails de negociação com os estúdios de dublagem

21.10.2010, 22.10.2010, 25.10.2010 e 04.11.2010

2.

Acordo coletivo de trabalho do período 2010/2012 com o estúdio de dublagem LUMINUS DUBLAGENS E PRODUÇÕES LTDA. (CNPJ Nº 00.538.413/0001-07).

Período 2010/2012

3.

Acordo Coletivo de Trabalho firmado para o período de 2008/2009 com o estúdio de dublagem DPN SANTOS SERVIÇOS DE DIVULGAÇÕES E PROMOÇÕES.

Período de 2008/2009

Fonte: Elaboração própria, a partir de elementos contidos nos autos (SEI nº 0072326).

 

Aos 05 de fevereiro de 2020, foi enviado o Ofício nº 849/2020/Cade (SEI nº 0715510) ao Sated, solicitando outras informações para a instrução do feito. A resposta foi apresentada em 20 de março de 2020, por meio do documento SEI nº 0734914.

Em brevíssima síntese, o Sated alegou a desnecessidade de abertura de procedimento no Cade para a investigação da prática de cartel ou conduta assemelhada. O Sindicato apresentou esclarecimentos sobre a profissão de atores e atrizes, responsáveis por dublar filmes, séries, etc. Informou que não haveria nenhum processo disciplinar em virtude de descumprimento do item 2.1 de seu Código de Ética.

Com relação à remuneração dos dubladores, afirmou que, verbis:

 

A remuneração dos profissionais representados pelo SATED, quando empregados, devem seguir as Convenções Coletivas de Trabalho e os Acordos Coletivos de Trabalho firmados entre o sindicato patronal SIAESP e as empresas tomadoras de serviços, estúdios, no caso da dublagem especificamente. (grifo nosso)

 

Com relação aos trabalhadores sem vínculo empregatício, esclareceu que estes poderiam usar como parâmetro os valores contidos nas Convenções e Acordos.

O Sated apresentou os acordos ou pisos salariais das atividades, segundo descrição dos cargos e suas respectivas funções, em suas modalidades referentes aos anos de 2009; 2010, 2011 e 2019.

Ao que se refere aos Diretores de Dublagem, informou que a distinção de artista e técnico não estaria relacionado ao fato de tais profissionais estarem à frente ou atrás das câmeras, mas que a definição teria por consideração a intelectualidade criativa do trabalho executado.

Segundo o Representado, o artista seria aquele que, conforme a própria Lei diz, cria, interpreta ou executa obra de caráter cultural.

Por sua vez, defendeu que o Diretor de Dublagem seria o responsável por sugerir a escalação de elenco, esquematizar a produção, orientar a interpretação e o sincronismo, dentre outras coisas, conforme o Quadro Anexo do Decreto 82.385/78.

Segundo o entendimento do Sated, o trabalho artístico diz respeito à elaboração intelectual dramaturgica dos trabalhos que desenvolve, assim em sua visão, os diretores de dublagem também seriam considerados artistas. Já ao que se refere ao trabalho técnico, alegou o Representado que estes são desempenhados por profissionais que executam a apresentação de um trabalho que já teria sido criado e desenvolvido por um artista.

Como exemplos, citou o Sated que profissionais como cenógrafos, diretores de arte, iluminadores, seriam todos artistas, conforme previsão do Quadro Anexo do Decreto nº 82.385/1978 e, em seu entendimento, suas atividades seriam artísticas.

 

II.5.     Dos Elementos Contidos nos Autos

II.5.1.  Inexistência de Vínculo Empregatício entre Estúdios de Dublagem e Dubladores (2009)

Inicialmente, faz-se mister esclarecer a inexistência de vínculo empregatício entre dubladores e empresas de dublagem.

Para elucidar o tema, cumpre registrar o entendimento própria Justiça do Trabalho, que assim se manifestou: “(...) por tratar-se de prestação de serviços autônomos, deve o conflito ser dirimido no âmbito de cada contrato de trabalho” (Processo TRT/SP nº 20166.2009.000.02.00-8; SEI nº 0007787, fls. 101).

O mesmo entendimento é registrado na ementa da decisão:

Poder Judiciário da 2a. Região

Processo TRT/SP nº 20166.2009.000.02.00-8

Suscitante: Sindicado da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo

Suscitado: Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado de São Paulo

Dissídio Coletivo de Greve. Interesse processual. Não se tratando de uma relação de empregados e empregadores, bem como, diante da falta de comprovação da ocorrência de greve, presume-se a fata de interesse por parte do suscitante e a ilegitimidade de parte ao suscitado. Extinto sem resolução de mérito. (SEI nº 0007787, fls. 99)

 

No Termo de Audiência nº 139/09, no Processo TRT/SP nº 10266200900002008, no Dissídio Coletivo de Greve, do Suscitante Siaesp e Suscitado Sated/SP (SEI nº 0007787, fls.73), se manifestou o Representante do Ministério Público, verbis:

 

"Defende o Suscitado inexistir o movimento grevista. Temos assistir razão à Entidade Sindical Profissional. Com certeza, houve a paralisação das atividades e da prestação de serviços dos trabalhadores dubladores. Não obstante, tal movimento não se confunde com a greve, qualificada como direito de estatura constitucional no âmbito do contrato de trabalho. No caso, temos a suspensão da prestação de serviços de trabalhadores autônomos, devendo as obrigações, ônus e repercussões relativas à paralisação serem resolvidos no âmbito dos contratos de prestação de serviços. Eventual uso de medidas de contenção dos trabalhadores que pretendem trabalhar, como piquetes, devem ser objeto de medida judicial competente perante os Órgãos Jurisdicionais com competência material e funcional para apreciação da matéria. A concessão de liminar para retorno ao serviço implicaria, no caso, ofensa ao direito de liberdade ao trabalho, agasalhado constitucionalmente. Assim, falece interesse de agir ao Suscitante quanto à instauração da instância, sem prejuízo de que as partes estabeleçam a negociação coletiva, que é compatível com o estabelecimento de convênios coletivos de caráter social que venham a solucionar o presente conflito coletivo. Em conclusão, opina o Ministério Público pela extinção do feito sem julgamento de mérito por falta de interesse de agir do Suscitante. É o parecer." (SEI nº 0007787, fls. 78 e 79)

 

Insta colacionar o entendimento apresentado pelo próprio Sated nos Embargos de Declaração do Processo n° 20.166.2009.000.02.00.8, in verbis:

 

Ocorre, que não se trata de lide entre empregados e empregadores, a isenção excepcional do artigo 791 da Consolidação das Leis do Trabalho é inaplicável, como também não goza o sindicato embargado de gratuidade processual (artigo 790, parágrafo terceiro, Consolidação das Leis do Trabalho). Devem-se, pois, os honorários de sucumbência, serem fixados em 20% do valor da causa, na forma da legislação processual comum, incidente subsidiariamente ao processo do trabalho (artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho). TRT 2a. Região. PROCESSO N° 20.166.2009.000.02.00.8. Embargos de Declaração apresentado pelo Sated. (SEI nº 0007801, fls. 12) (grifo nosso)

 

Portanto, no presente caso, entende-se que relação de trabalho existente entre dubladores e estúdios de dublagem deve ser analisada individualmente, conforme cada contrato de trabalho, na seara trabalhista, com vistas a verificar se presentes os elementos caracterizadores da relação de emprego, dispostos no art. 3º da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), verbis:

 

Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

 

Consoante o informado pelo Siaesp e corroborado por informações apresentadas pela Abdub, alguns dubladores constituem pessoa jurídica (PJ), para que possam expedir notas fiscais e receber os pagamentos por cada contrato de trabalho. Tal fato serve a reforçar que a definição de empregado estabelecida em lei não se aplica aos artistas dubladores.

Desta maneira, conclui-se que inexiste relação de trabalho entre profissionais de dublagem e estúdios de dublagem, sendo tal relação contratada individualmente. Assim, prossegue-se com a análise do presente caso, em desfavor do Sated, sob a luz do art. 31 da Lei nº 12.529/2011, que estabelece:

 

Lei nº 12.529/2011

Art. 31. Esta Lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal.

 

II.5.2. Da Suposta Ausência de Legitimidade Representativa do Sated

Consoante o verificado no subtópico acima, o entendimento da própria Justiça do Trabalho é a de que não há relação de emprego entre as empresas de dublagem e artistas de dublagem (SEI nº 0007787, fls. 101). Deste modo, resta evidenciado que o Sated, por representar trabalhadores autônomos, não poderia – em nenhuma hipótese – condicionar empresas de dublagem a aderirem aos seus termos ou firmarem “Acordos Coletivos de Trabalho” e, tampouco obrigar o Siaesp a firmar “Convenções Coletivas de Trabalho”, por ausência de legitimidade.

Feitas essas considerações, prossegue-se com a análise dos supostos acordos e tabelamento de preços.

 

II.5.3.  Da Suposta Elaboração de Tabela de Honorários

Sob o ponto de vista concorrencial, verificou-se que o Sated elabora e disponibiliza publicamente na internet, em seu sítio eletrônico[19], diversos documentos, denominados “acordos coletivos” (SEI nº 0804820 e 0804822). Dentre esses documentos, foi constatada a existência de tabelas de “salário/hora ou cachê/hora” a serem cobrados pelos dubladores por seus serviços (SEI nº 0804822) aos estúdios de dublagem.

Não obstante, em sua resposta ao Cade (SEI nº 0072326), o próprio Sated afirmou que desde o final da década de 1970, existiria a prática de negociar acordos coletivos de trabalho. O Representado apresentou documentos referentes aos anos 1995/1996 e 1996/1997, quando a denominação do Siaesp seria "Sindicato da Indústria Cinematográfica do Estado de São Paulo".

O Sated ainda afirmou que os acordos coletivos de trabalho preveriam cláusulas econômicas, nas quais constariam valores expressos a serem pagos pelos estúdios de dublagem e frisou que todos os acordos coletivos com as empresas de dublagem seriam idênticos, ou seja, conteriam as mesmas cláusulas.

Logo, verifica-se proceder a afirmação da denúncia ao relatar que os valores supostamente impostos pelo Sated seriam uniformes, não sendo considerados elementos como capacidade financeira dos estúdios ou grau de experiência dos artistas; tampouco existindo possibilidade de negociação entre estúdios e dubladores.

 

II.5.4.  Do Mercado de Diretores de Dublagem e do Atestado de Capacitação Profissional (conhecido por DRT)

Segundo a denúncia (SEI nº 0818593, fls. 25) o Sated estaria fornecendo atestados de capacitação técnica para diretores de dublagem e, com tal documento, os citados profissionais conseguiriam obter o registro perante o Ministério do Trabalho para desenvolverem a atividade de diretor de dublagem.

Desta maneira, os diretores vinculados ao Sated também estariam praticando atos de coação relacionados às atividades de seleção dos artistas e formação do casting para a gravação de trabalhos, visto que são estes os responsáveis por selecionar os dubladores. Em razão disso, os próprios artistas dubladores estariam se recusando a trabalhar com diretores que não fossem ligados ao Sated (SEI nº 0818593, fls. 11).

Verificou-se as profissões de artista e técnico em espetáculos de diversão são regulamentadas pela Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978 e as funções que ela regulamenta constam no quadro anexo ao Decreto nº 82.385, de 05 de outubro de 1978.

A Lei nº 6.533/1978, bem como o Decreto nº 82.385/1978 e seus anexos, exigem para o exercício do trabalho o registro profissional, conhecido por DRT, devidamente atestado pelo sindicato da categoria ou pela federação respectiva (artigo 6 e 7 da Lei nº 6.533/1978). No caso em apreço, os diretores de dublagem são representados pelo Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica (Sindcine).

 

LEI Nº 6.533, DE 24 DE MAIO DE 1978.

Art . 2º - Para os efeitos desta lei, é considerado:

I - Artista, o profissional que cria, interpreta ou executa obra de caráter cultural de qualquer natureza, para efeito de exibição ou divulgação pública, através de meios de comunicação de massa ou em locais onde se realizam espetáculos de diversão pública;

II - Técnico em Espetáculos de Diversões, o profissional que, mesmo em caráter auxiliar, participa, individualmente ou em grupo, de atividade profissional ligada diretamente à elaboração, registro, apresentação ou conservação de programas, espetáculos e produções.

Parágrafo único - As denominações e descrições das funções em que se desdobram as atividades de Artista e de Técnico em Espetáculos de Diversões constarão do regulamento desta lei. (...)

***

Art . 6º - O exercício das profissões de Artista e de Técnico em Espetáculos de Diversões requer prévio registro na Delegacia Regional do Trabalho do Ministério do Trabalho, o qual terá validade em todo o território nacional.

***

Art 7º - Para registro do Artista ou do Técnico em Espetáculos de Diversões, é necessário a apresentação de:

I - diploma de curso superior de Diretor de Teatro, Coreógrafo, Professor de Arte Dramática, ou outros cursos semelhantes, reconhecidos na forma da Lei; ou

II - diploma ou certificado correspondentes às habilitações profissionais de 2º Grau de Ator, Contra-regra, Cenotécnico, Sonoplasta, ou outras semelhantes, reconhecidas na forma da Lei; ou 

III - atestado de capacitação profissional fornecido pelo Sindicato representativo das categorias  profissionais e, subsidiariamente, pela Federação respectiva. (grifo nosso)

§ 1º - A entidade sindical deverá conceder ou negar o atestado mencionado no item III, no prazo de 3 (três) dias úteis, podendo ser concedido o registro, ainda que provisório, se faltar manifestação da entidade sindical, nesse prazo.

§ 2º - Da decisão da entidade sindical que negar a concessão do atestado mencionado no item III deste artigo, caberá recurso para o Ministério do Trabalho, até 30 (trinta) dias, a contar da ciência.

 

Passando à análise do Decreto nº 82.385/1978[20], verifica-se que o texto acompanha o que rege o artigo 2º da Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978 ao definir o que são os “Técnicos e Espetáculos de Diversões” e, no Parágrafo Único do artigo 2º acrescenta que as denominações e descrições das funções em que se desdobram as atividades de Artistas e de Técnico em espetáculos de Diversões constam do Quadro anexo ao regulamento, verbis:

 

Art. 2º Para os efeitos da Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978, é considerado:

I - Artista, o profissional que cria, interpreta ou executa obra de caráter cultural de qualquer natureza para efeito de exibição ou divulgação pública, através de meios de comunicação de massa ou em locais onde se realizam espetáculos de diversões públicas;

II - Técnico em Espetáculos de Diversões, o profissional que, mesmo em caráter auxiliar, participa, individualmente ou em grupo, de atividade profissional ligada diretamente à elaboração, registro, apresentação ou conservação de programas, espetáculos e produções.

Parágrafo único. As denominações e descrições das funções em que se desdobram as atividades de Artistas e de Técnico em espetáculos de Diversões constam do Quadro anexo a este regulamento. (grifo nosso)

 

Assim, para que possam realizar espetáculos, programas, produções ou mensagens, as pessoas físicas ou jurídicas, que tiverem a seu serviço estes profissionais, devem ser previamente inscritas no Ministério do Trabalho, consoante o art. 3º, parágrafo único do Decreto nº 82.385/1978:

 

Art. 3º Aplicam-se as disposições da Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978, às pessoas físicas ou jurídicas que tiverem a seu serviço os profissionais definidos no artigo anterior, para realização de espetáculos, programas, produções ou mensagens publicitárias. Parágrafo único. As Pessoas físicas ou jurídicas de que trata este artigo deverão ser previamente inscritas no Ministério do Trabalho.

 

Já ao que se refere ao exercício da profissão de Técnico em Espetáculos de Diversões, estabelece o Decreto que é necessário o prévio registro na Delegacia Regional do Trabalho do Ministério do Trabalho.

 

Art. 7º O exercício das profissões de Artista e de Técnico em Espetáculos de Diversões requer prévio registro na Delegacia Regional do Trabalho do Ministério do Trabalho, o qual terá validade em todo o território nacional.

 

Assim, considerando o que estabelece o parágrafo único do artigo 2º do Decreto nº 82.385/1978 e, passando à análise do “Anexo II – Cinema” do Decreto, observa-se que o regulamento traz expressamente a descrição da profissão de Diretor de Dublagem:

 

Figura 1 - “Quadro II – Cinema” anexo ao Decreto nº 82.385, de 05 de outubro de 1978. Títulos e descrições das funções em que se desdobram as atividades de artistas e técnicos em espetáculos de diversões

Fonte: Anexo II – CINEMA - do Decreto nº 82.385/1978.

 

Portanto, tendo em vista a legislação específica sobre o tema, especialmente o Decreto nº 82.385/78, Anexo II, verifica-se que os Diretores de Dublagem devem ser registrados na Delegacia Regional do Trabalho do Ministério do Trabalho e esse registro profissional, conhecido por DRT, será válido em todo o território nacional.

Segundo o Siaesp, o Sated poderia oferecer tão somente atestado de capacitação profissional para os artistas, ou seja, o Sated estaria extrapolando o objeto de sua carta sindical, visto que caberia a ele apenas a representação dos atores teatrais, cenógrafos e cenotécnicos do Estado de São Paulo.  Porém, o Representado estaria expedindo, também, atestado de capacitação para os diretores, em usurpação de competência do Sindcine (SEI nº 0818593).

Corroborando ao informado pelo Siaesp, a Abdub em resposta ao Ofício do Cade (SEI nº 0910126) esclareceu, verbis:

 

Hoje o SINDCINE é o Sindicato que intermedia o reconhecimento legal junto ao Ministério do Trabalho para reconhecer um profissional de direção de dublagem, uma vez que sua carta sindical permite este gerenciamento da função, porém, o SATED, mesmo não tendo em sua carta sindical o respaldo legal para representar esta função, vem investindo incansavelmente em emissões de uma DRT de modo que possam impedir aos outros diretores que possam dirigir, a menos que tenham o DRT de diretor de dublagem do SATED. (SEI nº 0910126) (grifo nosso)

 

Consta nos autos a carta aberta do Sindicine, de 23 de maio de 2019, no qual se manifesta afirmando ser a entidade legítima a representar as funções elencadas no Anexo lI do Decreto 82.385/78, que trata especificamente das atividades relacionadas ao “Cinema”, dentre as quais consta expressamente a profissão de Diretores de Dublagem. Assim, consoante a publicação, o Sindcine afirmou que os diretores de dublagem deveriam ser registrados e ter seu processo para o Atestado Profissional gerado no Sindcine ou em faculdades de audiovisual (SEI nº 0818596, Documento 2, fls. 113).

Portanto, o que se verifica das denúncias apresentadas pelo Siaesp e pela Abdub é que o Sated estaria conferindo atestados de capacitação profissionais aos diretores de dublagem, fato que usurparia as funções do Sindcine.

Além disso, o Sated também estaria exigindo, como um dos requisitos à obtenção do atestado de capacitação técnica, que os candidatos a diretores de dublagem fossem também atores com comprovada experiência em dublagem. Tais requisitos serão analisados nesta subseção.

Em que pese pairem dúvidas sobre a legitimidade do Sated/SP ao conferir atestados de capacitação técnica aos diretores de dublagem, cumpre registrar que havendo disputa representativa entre duas entidades sindicais, esta deve ser dirimida no âmbito da Justiça do Trabalho, nos termos do artigo 114, inciso III, da Constituição Federal/88[21]. A partir de consulta pública na internet, verificou-se que a celeuma relacionada à representatividade sindical é discutida entre o Sindcine e os Sated de outros estados, tais como o Paraná[22], não cabendo ao Cade a análise de tal questão.

Ao que se refere à aplicação da Lei nº 12.529/2011, tanto o Siaesp quanto a Abdub afirmam que o Sated estaria adotando estratégias para que somente diretores de dublagem portadores do DRT do Sated pudessem exercer suas atividades. Sobre tal fato, cumpre destacar que o artigo 7º, incisos I e II da Lei nº 6.533/1978 estabelece que podem obter o registro profissional na Delegacia Regional do Trabalho, os profissionais mencionados no citado dispositivo que apresentem diploma ou certificados fornecidos por entidades reconhecidas na forma da Lei, não sendo o atestado de capacitação profissional fornecido pelo Sindicato representativo das categorias profissionais (artigo 7º, inciso III da Lei nº 6.533/1978) a única maneira de se obter o registro de Artista ou Técnico em Espetáculos de Diversões.

Ademais, em consulta ao site do Sated na internet, verificou-se que para outorga de atestado de capacitação específica para diretores de dublagem, o Sated exige, por meio do documento intitulado “Critérios para Outorga de Atestado de Capacitação Direção de Dublagem” [23], dentre os requisitos, a seguir elencados, a idade mínima de 21 anos e a avaliação de uma Comissão designada para tal finalidade:

 

Estar regularmente inscrito na DRT na função de ator/atriz;

Comprovar ter realizado, na condição de profissional inscrito na DRT, trabalhos na qualidade de ator/atriz em dublagem por, no mínimo, 2.000 (duas mil) horas de trabalhos, o que poderá ser comprovado por meio de dubcards, contratos, créditos nos filmes dublados ou outros meios ou materiais;

Comprovar conhecimentos de: História do cinema (Linguagens, estilos e estética do cinema e do audiovisual); Literatura, Dramaturgia ou Roteiro; Língua Portuguesa; História da Dublagem; Legislação (Leis ns. 6.533/1978 e 9.610/1998), Código de Ética, Acordos/Convenções da categoria vigentes na ocasião do requerimento, junto ao SATED, do Atestado de Capacitação.

A critério da SATED poderá ser aplicada prova teórica para verificação de os candidatos possuírem conhecimentos nas matérias acima mencionadas.

Estágio de Direção de Dublagem (acompanhar como observador(a) o processo de dublagem de pelo menos três (03) obras/programações completas. (Desde a recepção do cliente à entrega do serviço encomendado).

Realização de Entrevista junto os Integrantes da Comissão constituída para esse fim. (grifos nossos)

 

Segundo o disposto no próprio documento supracitado a exigência de tais requisitos encontraria lastro no artigo 7º, III, da Lei n. 6.533/78, e dos artigos 8º, III, 9º, 10, 11 e 12 do Decreto n. 82.385/78.

 

Lei n. 6.533/78

Art 7º - Para registro do Artista ou do Técnico em Espetáculos de Diversões, é necessário a apresentação de:

III - atestado de capacitação profissional fornecido pelo Sindicato representativo das categorias profissionais e, subsidiariamente, pela Federação respectiva.

***

Decreto n. 82.385/78

Art. 8º Para registro do Artista ou do Técnico em Espetáculos de Diversões, no Ministério do Trabalho, é necessário a apresentação de: 

III - atestado de capacitação profissional fornecido pelo Sindicato representativo das categorias profissionais e subsidiariamente, pela federação respectiva.

 

Art. 9º O atestado mencionado no item III do artigo anterior deverá ser requerido pelo interessado, mediante preenchimento de formulário próprio, fornecido pela entidade sindical, e instruído com documentos ou indicações que comprovem sua capacitação profissional.

 

Art. 10. O sindicato representativo da categoria profissional constituíra Comissões, integradas por profissionais de reconhecidos méritos, às quais caberá emitir parecer sobre os pedidos de atestado de capacitação profissional.

 

Art. 11. Os Sindicatos e Federações de empregados, objetivando adotar critérios uniformes para o fornecimento do atestado de capacitação profissional, poderão estabelecer acordos ou convênios entre entidade sindicais, bem como Associações de Artistas e Técnico em Espetáculos de Diversões.

 

Art. 12. As entidades sindicais encarregadas de fornecimento do atestado de capacitação profissional, deverão elaborar instruções contendo requisitos, tais como documentos e provas de aferição de capacidade profissional, necessárias para obtenção, pelos interessados, do referido atestado. Parágrafo único. As entidades sindicais enviarão cópia das instruções mencionadas neste artigo, ao Ministério do Trabalho.

 

O que se verifica a partir da análise de tais dispositivos é que a Lei nº 6.533/1978 não elenca como requisito à obtenção do atestado de capacitação à obtenção do registro profissional de artista (DRT) e, tampouco à experiência mínima de 2.000 horas na qualidade de dublador profissional (requisitos “A” e “B”). Entretanto, a partir da leitura do artigo 12 do Decreto nº 82.385/1978, verifica-se que o dispositivo permite que as entidades sindicais criem requisitos à obtenção do atestado de capacitação profissional.

Do ponto de vista concorrencial, em que pese a criação de tais requisitos possam constituir-se em barreiras à entrada de novos diretores de dublagem, não se verifica, neste fato em específico, o caráter lesivo à concorrência. Os pontos que chamam a atenção são: a) a exigência de que o candidato seja conhecedor dos “Acordos/Convenções da categoria vigentes na ocasião do requerimento, junto ao SATED” (requisito “C”); b) verticalização da relação entre diretores e dubladores. Passa-se, portanto, à análise dos demais elementos contidos nos autos.

 

II.5.4.1.           Dos Indícios Constantes nos Autos, relacionados ao Mercado de Diretor de Dublagem no Estado de São Paulo

Consoante se verifica da Figura 2, abaixo, na qual a representante do Sated, Alessandra Araújo, de 09 de setembro de 2010, envia a mensagem com o assunto “Convocação Geral”, no qual consta dentre os temas para discussão e votação a “definição dos Diretores com os quais iremos trabalhar”.

Tal menção indicaria que haveria no setor distinção entre Diretores de Dublagem que obtiveram o atestado de capacitação fornecido pelo Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica (Sindcine) e os profissionais que obtiveram o atestado fornecido pelo Sated.

 

Figura 2 - Mensagens de 09 de setembro de 2010 e de 25 de outubro de 2010

Fonte: SEI nº 0007790, fls. 84

 

No caso, Milú Miller (Siaesp) estranha a menção feita no e-mail de 09 de setembro de 2010, no qual a representante do Sated (Alessandra Araújo), inclui nos temas a serem tratados na assembleia a “Definição dos Diretores com os quais iremos trabalhar”.

Aos 16 de outubro de 2020, por meio da petição SEI nº 0818593, o Siaesp apresentou vários documentos, totalizando 77 (setenta e sete) arquivos, que foram juntados aos autos sob o SEI nº 0818596. Dentre tais arquivos consta o Documento 1, no qual se relata que os diretores de dublagem que tiraram o seu DRT pelo Sindcine estariam sendo perseguidos pelo Sated, obrigando os dubladores a rejeitarem trabalho nos estúdios onde os diretores não tenham o DRT do Sated.

Tal fato poderia ser comprovado por diversas capturas de conversas entre atores de dublagem e estúdios (vide documento 1 SEI nº 0818596), consoante se exemplifica da Figura 3 a seguir:

 

Figura 3 - DRT do Sated

Fonte: SEI nº 0910127

 

Na Figura 3 a representante do estúdio de dublagem Atma envia mensagem via Whatsapp ao dublador Silvio Girardi indagando se este poderia ser agendada sua escala remota para gravação de um projeto. O ator pergunta à representante quem será o diretor. Assim que é informado a respeito do nome do diretor de dublagem, o ator recusa o trabalho afirmando:

 

Então desculpe

Como eu não o conheço, me informei no Sated e disseram Quem ele não tem DRT de lá. Se tiver alguém com DRT do sated eu faço numa boa. (sic)

 

Ademais, segundo o documento, desde o início do ano de 2020, mais precisamente em 07 de fevereiro de 2020, o Sated estaria publicando por sua página no Facebook uma lista com o nome dos diretores aprovados por sua comissão, os quais seriam os permitidos a trabalhar, excluindo os diretores de dublagem que possuíssem apenas o atestado de capacitação profissional emitido pelo Sindcine (DRT).

Em consulta "ex offício" à página do Sated no Facebook essa SG/Cade encontrou a publicação de 07 de fevereiro de 2020, mencionada no documento 1 do SEI nº 0818596, fls. 24, na qual é possível observar a existência de uma lista de diretores de dublagem que haviam recebido o Atestado de Capacitação pelo Sated (DRT), outra lista de pessoas que haviam requerido o atestado e uma terceira lista de “amigos” do Sated que haviam iniciado a atividade anteriormente à nova normativa, consoante se verifica:

 

Figura 4 - Mensagem 1 - Sated 07/02/2020

Fonte: SEI nº 0921820

 

Figura 5 - Mensagem 2 - Sated 07/02/2020

Fonte: SEI nº 0921820

 

Figura 6 - Mensagem 3 - Sated 07/02/2020

 

Fonte: SEI nº 0921820

 

Figura 7 - Mensagem 4 - Sated 07/02/2020

 

 

Fonte: SEI nº 0921820

 

Figura 8 - Mensagem 5 - Sated 07/02/2020

 

Fonte: SEI nº 0921820

 

Faz-se necessário destacar que a mesma publicação foi encontrada na página do Sated na internet[24], consoante se verifica dos documentos acostados sob o SEI nº 0921820. Na elaboração da presente Nota Técnica, foram mencionadas as imagens, pois é possível ver a data na qual a publicação foi feita. Ao longo da instrução, verificou-se que não constavam a logomarca do Sated nestes documentos publicados em sua página[25] e tampouco a data, consoante se exemplifica pelo SEI nº 0921820, ou da figura a seguir:

 

Figura 9 - Diretores e Diretoras de Dublagem

Fonte: SEI nº 0921820.

 

Consoante consta da Figura 9 supra:

 

Atendendo a pedidos da categoria de dublagem e decisão tomada em Assembleia, o Sated- SP divulga a lista dos diretores de dublagem que no último ano regularizaram sua função. Todos passaram por uma rigorosa avaliação apresentando documentos comprobatórios e avaliados por 5 membros da dublagem com mais de 10 anos de carreira, e respondem aos critérios estabelecidos na Normativa para diretor dublagem, portanto, receberam do sindicato de sua categoria suas cartas de capacitação para retirar seu DRT.

 

A “Normativa” mencionada, diz respeito à Instrução Normativa e Critérios para Exame de Capacitação Profissional nas Funções Regulamentadas, datada de 22/02/2019, e assinada por Dorberto Carvalho, consoante consta no Documento SEI nº 0921820, tendo sido encontrada pelo Cade em instrução “ex officio” na página do Sated na internet[26].

 O documento 02, constante no SEI nº 0818596, diz respeito ao Dossiê Atma Entretenimento 2018-2020 (SEI nº 0818596) e se refere ao relato da Atma Entretenimento Ltda., empresa de dublagem, criada em 2017. Consoante o documento, dentro do Sated haveria sido criado um grupo, composto por dubladores e diretores de dublagem que estão no mercado há muitos anos e, atualmente se denominaria Comissão ou Setorial de Dublagem. Tais pessoas trabalhariam nas principais casas de dublagem e estariam impactando negativamente os jovens dubladores profissionais (supostamente denominados pela comissão de “novatos”), por meio de declarações supostamente caluniosas, difamatórias e opressoras.

Informou que o cachê da dublagem seria fixado e estabelecido por meio de um "acordo coletivo de trabalho", fato que acarretaria a uniformização dos valores a serem pagos aos dubladores. Esclareceu que neste sistema, um novato que teria iniciado a carreira há poucos meses ganharia exatamente o mesmo cachê que um profissional que atua no mercado há mais de trinta anos.

Sobre o atestado de capacitação (DRT), consta no Documento 2 a seguinte denúncia, in verbis:

 

• Os diretores de dublagem que são aceitos pelo SATED, são os únicos permitidos pela categoria a trabalharem, porém ele não é o sindicato responsável pela emissão do DRT de diretor de dublagem. Por lei, cabe ao SINDICINE a autorização e deliberação para a direção de dublagem.

• Casas que assinam os acordos ilegais são consideradas corretas, e as que não concordam, são perseguidas. Os estúdios que não assinam os acordos com o SATED não recebem "autorização" do sindicato para trabalhar, então os dubladores são orientados a recusarem trabalhar nessas casas.

• A prática é sempre a mesma: "Listas Negras" que proíbem casas e diretores de atuarem por não terem assinado os acordos ilegais.

• Alguns empresários compactuam com todas essas práticas, portanto são cúmplices. (SEI nº 0818596, Documento 2, fls. 5)

 

Às fls. 6 a 111 do documento constam capturas de mensagens trocadas entre a empresa Atma e dubladores no Whatsapp; bem como mensagens de grupos de Whatsapp e Facebook, no qual tais profissionais estariam se recusando a trabalhar com diretores não habilitados pelo Sated, consoante apontam os indícios constantes nas figuras a seguir:

 

Figura 10 - Mensagem 23 de novembro de 2018

Fonte: SEI nº 0818596, Documento 02, fls. 75.

 

Consoante se verifica da Figura 10, em mensagem a dubladora indaga “Deixa eu te perguntar... quem vai dirigir?” e, em seguida afirma “Desde a última greve estou sofrendo retaliações da categoria e essa semana fiquei sabendo sobre o diretor da casa... q não estaria “apto” para dirigir..."

 

Figura 11 - Mensagem 12 de janeiro de 2019

Fonte: SEI nº 0818596, Documento 02, fls. 77.

 

Por meio da Figura 11, verifica-se que o dublador afirma que não gostaria de ser escalado com um diretor de dublagem, se este não houver regularizado sua situação com o Sated, consoante se verifica:

 

É com dificuldade que eu gostaria de pedir para não ser mais escalado com o Gilberto enquanto a situação dele com o Sated não estiver regularizada. Sei que a direção dele não é ilegal (e competência pra tarefa ele demonstrou ter de sobra), mas como associado do sindicato e frequentador das assembleias, eu me sinto no dever de seguir o que a maioria decidir, independente de concordar ou não. (SEI nº 0818596, Documento 02, fls. 77.)

 

Figura 12 - Mensagem 15 de abril de 2019

Fonte: SEI nº 0818596, Documento 02, fls. 81.

 

A partir da Figura 12, verifica-se que o dublador se recusa a trabalhar com um diretor, se este não for dublador ou ator:

 

Olha, conversamos na sexta-feira e acertamos de gravar hj das 16:00 às 18:00..... Quando vc me falou do Diretor eu entendi Roberto e Não Gilberto.... Roberto leite eu conheço é dublador e diretor..... Hj já me ligaram para saber se vou gravar aí e me informaram que se for com o Gilberto não poderemos trabalhar devido a ele não ser Dublador, Ator e etc..... nada contra ele mas sim diante do fato acima. Se for com um diretor de dublagem ou Dublador competente para a função eu terei o maior prazer em gravar com vcs.....

Desculpe a confusão!!!

 

A partir do conjunto de elementos carreados aos autos, verifica-se que existem indícios suficientes a ensejar o aprofundamento das investigações relacionadas ao mercado de diretores de dublagem, no Estado de São Paulo. Se comprovada, tais condutas teriam o condão de criar barreiras à entrada ainda maiores ao exercício profissional de dubladores e diretores de dublagem, especialmente ao que se refere ao mercado de São Paulo.

A limitação à livre concorrência está prevista na Lei nº 12.529/2011, no art. 36, incisos II e IV c/c. § 3º incisos II, III e VIII, ensejando a atuação da autoridade antitruste, motivo pelo qual prossegue-se com a análise:

 

Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

(...)

IV - exercer de forma abusiva posição dominante.

§ 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica

II - promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;

III - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;

VIII - regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição;

 

II.5.5.  Dos Indícios da Existência de Conduta Deletéria ao Ambiente Concorrencial

II.5.5.1.           Da Elaboração de Tabela de Honorários

Consoante informação apresentada pelo Representado, a remuneração dos profissionais representados pelo Sated, quando empregados, deveriam seguir as Convenções Coletivas de Trabalho e os Acordos Coletivos de Trabalho firmados entre o sindicato patronal Siaesp e as empresas tomadoras de serviços, estúdios, no caso da dublagem especificamente.

Foram juntados aos autos Acordos Coletivos de diversos anos, estando acostados nos presentes autos sob as seguintes páginas ou SEI:

 

Quadro 2 - Acordos Coletivos e Dissídios Constantes Nos Autos

Nº de Ordem

Documento

Nº SEI ou Fls.

  1.  

Acordo de Dublagem 2008/2009

SEI nº 0804822

  1.  

Acordo Coletivo 2009/2011

SEI nº 0007787, fls. 80 - 87

  1.  

Acordo Dublagem 2010/2012

SEI nº 0007787, fls. 107 - 115

  1.  

Convenção Coletiva 2013/2014

SEI nº 0804822

  1.  

Pauta Reivindicatória Dublagem 2014/2015

SEI nº 0804822

  1.  

Acordo Coletivo 2016/2017

SEI nº 0804822

  1.  

Convenção Coletiva 2017/2019

SEI nº 0804822

  1.  

Reajuste Setor de Dublagem - Outubro 2020

SEI º 0826217, documento 1.1. Reajuste do Setor de Dublagem - Outubro 2020.pdf.

  1.  

Reajuste Do Setor Da Dublagem - 2021

SEI nº 0910127, documento 2_Nota - Ajuste salarial - Dubladores_carta do Sated_25-05-21.pdf

 

 

II.5.5.2.      Da Relação entre o Sated e Estúdios de Dublagem (2008)

À época da denúncia, o Siaesp e as empresas de dublagem não reconheciam a legitimidade do Sated e, tampouco a relação de trabalho entre casas de dublagem e dubladores, visto que consideravam que a maioria destes profissionais fossem autônomos, consoante se verifica da Figura a seguir:

 

Figura 13 - E-mail de 15 de outubro de 2010 (SEI nº 0007787, fls. 121)

Fonte: SEI nº 0007787, Fls. 121

 

A partir da Figura acima, verifica-se que a representante do estúdio de dublagem se surpreende com a mensagem intitulada “COMUNICADO AOS DUBLADORES”, enviada por Ricardo Vasconcelos, representante do Sated, verbis:

 

"UAI...

a ligia não declarou no processo que o Sated não representa os dubladores?

que eles são autônomos?

o que é isso agora?

Acordo coletivo de um sindicato com uma empresa?" (SEI nº 0007787, fls. 121)

 

Ainda que declarada inexistente a legitimidade do Sated pela Justiça do Trabalho, verifica-se que o Representado impunha ao Siaesp e empresas de dublagem os termos propostos nas convenções coletivas, sem que houvesse prévia negociação.

 

Figura 14 - Comunicado do Sated aos Empresários de Dublagem do Estado de São Paulo, referente ao período 23/09/2010 e 04/10/2010

Fonte: SEI nº 0007787, fls. 103.

 

Conforme se lê da Figura 14:

Por decisão unânime da categoria de artistas de dublagem de São Paulo, reunidos dias 23/09/2010 e 04/10/2010, estamos disponibilizando os ACORDOS COLETIVOS DE TRABALHO entre o SATED/SP, representante dos artistas e as empresas de dublagem do mercado de São Paulo.

(...)

Respeitaram-se os prazos e durante um longo período não houve por parte do Siaesp seus representados nenhuma manifestação formal sobre essa questão.

Após todos os prazos legais e inclusive a data base de 1º de Outubro, as ações administrativas foram devidamente encaminhadas para os órgãos competentes, porém a categoria ainda usando sua costumeira e tradicional boa-fé, encaminhou esta solicitação de envio para as empresas de dublagem, do ACORDO COLETIVO DE TRABALHO PARA O PRÓXIMO período.

O SATED/SP informa ainda que por decisão da categoria aguarda um retorno sobre estes acordos até o dia 18/10/2010, data da próxima assembleia de artistas em dublagem.

Atenciosamente,

Diretoria SATED/SP (SEI nº 0007787, fls. 103)

 

A própria Justiça do Trabalho entendeu pela ausência de comprovação de negociação prévia entre as partes e a falta de interesse de agir do suscitante (Sated), consoante se verifica:

 

PROCESSO TRT/SP SDC N° 20233.2008.000.02.00-3

Dissídio Coletivo de Natureza Econômica

 

Suscitante: Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado de São Paulo SATED/SP

Suscitado: Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo/SIAESP

 

AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE TENTATIVA DE NEGOCIAÇÃO PRÉVIA – INTERESSE PROCESSUAL NÃO CARACTERIZADO. Deixando o Sindicato Suscitante de carrear aos autos comprovação de tentativa de negociação prévia com o Sindicato Suscitado, considerando-se que a intervenção do Poder Judiciário deve ser necessária, haja vista que sem ela o autor da ação não teria como satisfazer a sua pretensão, de se concluir pela falta de interesse processual do Suscitante. Cabendo salientar que o interesse de agir encontra-se fundamentado no binômio necessidade-adequação da tutela jurisdicional do Estado, o que não se vê no caso em tela. Assim, com fulcro no art. 267, VI, do CPC, deve a presente ação ser extinta sem a resolução do mérito. Dissídio Coletivo que se extingue sem a resolução meritória.

(SEI nº 0007790, fls. 179)

 

Sobre este prisma, cumpre esclarecer que, não havendo relação trabalhista entre estúdios de dublagem e dubladores, a própria legitimidade de representação do Sated resta prejudicada. Assim, à luz da Lei nº 12.529/2011, a elaboração de tais acordos para combinação de valores de honorários seria ilegal, tendo em vista não se tratar de “Acordo Coletivo de Trabalho”, mas sim de uniformização dos valores dos serviços prestados pelos dubladores.

 

II.5.5.3.       Suposta Coação ou Incitação do Sated à Paralisação dos Serviços (2004, 2009, 15/10/2010)

Consoante consta da denúncia, em 15/10/2010 foi encaminhado e-mail pelo Sated às empresas de dublagem, indicando a eminência de greve dos profissionais prestadores do serviço de dublagem para todas aquelas empresas que não assinassem de forma incondicional o mencionado "Acordo Coletivo de Trabalho”. Consoante o Siaesp, a postura que teria sido adotada foi a seguinte: "ou assina ou paramos".

Ainda que a denúncia tenha se referido a atos praticados em 2010, foram apresentados pelo Siaesp indícios de que as ameaças de paralização seria uma medida que já vinha sendo adotada pelo Sated nos anos anteriores, consoante se verifica do comunicado de 2004:

 

Figura 15 - Comunicado Sated 2004

Fonte: SEI nº 0818596, arquivo nº 11.

 

A partir de Figura 15, verifica-se a seguinte mensagem:

 

Continua terminantemente proibida a entrada dos profissionais de dublagem nas casas em que ainda não foram regularizados todos os pagamentos. (...)

Os profissionais serão liberados para as escalas nas casas citadas (BKS, MasterSound e Parisi Videos) somente após confirmação do pagamento de todas as pendências... (SEI nº 0818596, arquivo nº 11)

 

O comunicado lista expressamente os estúdios que não haviam regularizado os pagamentos, proibindo os profissionais de trabalhar em tais locais até a decisão que seria tomada na assembleia da categoria realizada em 24 de janeiro de 2004.

A partir de sua leitura, ao constar “Continua terminantemente proibida a entrada dos profissionais de dublagem nas casas em que ainda não foram regularizados todos os pagamentos”, verifica-se que o comunicado se destina a duas categorias distintas: a) dubladores; b) estúdios de dublagem.

Impende registrar que é o próprio Sated a entidade responsável por conceder o atestado de capacitação profissional dos dubladores (DRT), consoante a Lei nº 6.533/1978, artigo 7º, inc. III, que dentre os requisitos elenca, in verbis:

 

Lei nº 6.533/1978

Art. 7º - Para registro do Artista ou Técnico em Espetáculos de Diversões, é necessário a apresentação de:

I - diploma de curso superior de Diretor de Teatro, Coreógrafo, Professor de arte Dramática, ou outros, cursos semelhantes, reconhecidos na forma da Lei; ou

II - diploma ou certificado correspondentes às habilitações profissionais de 2º Grau de Ator, Contra - Regra, Cenotécnico, Sonoplasta, ou outras semelhantes, reconhecidas na forma da Lei; ou

III - atestado de capacitação profissional fornecido pelo Sindicato representativo das categorias profissionais e, subsidiariamente, pela Federação respectiva. (grifo nosso)

 

Ainda que em sua manifestação o Sated tenha informado não ter instaurado procedimentos disciplinares por descumprimento do Código de Ética, denota-se que o Sated possuía condições de “proibir” que os profissionais de dublagem não se apresentassem para trabalhar nas empresas que não haviam firmado o acordo até aquela data, consoante se verifica de seu Código de Ética (SEI nº 0921820):

 

2 - Quanto à remuneração

(...)

2.2 - Não deve aceitar remuneração inferior à estipulada pelos órgãos de classe.

(...)

IV - Sanções Aplicáveis

Contra as faltas cometidas no exercício profissional e descritas no Capítulo III poderão ser aplicadas, pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado de São Paulo, com Ministério do Trabalho para aplicação de suspensão do exercício profissional, variáveis de um mês a um ano, assegurando-se seu pleno direito de defesa. Das sanções caberá recurso ao Conselho de Ética e Disciplina que expedirá normas processuais cabíveis.[27] Código de Ética Sated/SP (SEI nº 0921820)

 

Também cumpre registrar que o Estatuto Social do Sated/SP (SEI nº 0007799, fls. 48 a 68) prevê em seu artigo 12 (SEI nº 0007799, fls. 53) a exclusão do associado que exerça atividade que contrarie as decisões da Assembleia, sendo um dever de todo associado acatar e fazer cumprir o que fora determinado nas assembleias (art. 8º do Estatuto Social).

Ademais, foi verificado que nos anos 2008 e 2009 houve a ocorrência de paralisação dos serviços pelos dubladores motivada pelo Sated, consoante se verifica da mensagem de 02 de junho de 2009 enviada a 27 estúdios de dublagem:

 

Figura 16 - Ocorrência de Paralisação dos Dubladores em 02 de junho de 2009

Fonte: E-mail Alessandra - 02 06 2009 Paralisação - SEI nº 0007799, fls. 38

 

Consoante se verifica da Figura 16, consta na mensagem enviada por Alessandra, representante do Sated o seguinte comunicado:

 

Prezados Senhores,

Informamos que os dubladores de São Paulo decidiram paralisar suas atividades, em assembleia realizada ontem, 1º de junho, a partir desta data.

Os trabalhos serão retomados tão logo a Convenção Coletiva 2008/2009 seja assinada, contemplando reajuste de 9% retroativo a maio/2009.

Atenciosamente,

Comissão de dubladores para negociação 2008/2009

 

A partir da mensagem enviada pelo Representado às empresas de dublagem, nota-se o poder coercitivo e impositivo do Sated ao afirmar “Os trabalhos serão retomados tão logo a Convenção Coletiva 2008/2009 seja assinada”.

Não obstante, é possível notar que o grande objetivo das mencionadas “convenções” se voltava aos reajustes dos valores previstos em tais documentos.

Constata-se que nos destinatários do e-mail havia 27 (vinte e sete) estúdios de dublagem. Considerando as informações apresentadas pelo Sated, referente ao período 2008/2009, foram firmados 24 (vinte e quatro) acordos com estúdios de dublagem, ou seja, (vinte três + DPN=24). Portanto, os indícios apontam que, neste cenário, as empresas que se negavam ou não podiam seguir os valores fixados pelo Sated seriam excluídas do mercado ou teriam seu funcionamento prejudicado, porque caso não firmassem o “acordo”, não conseguiriam exercer suas atividades.

 

Quadro 3 – Destinatários da Mensagem de E-mail Enviada pelo Sated em 02 de junho de 2009

Nº de Ordem

Empresa de Dublagem

  1.  

WoodVideo

  1.  

Windstar

  1.  

Voxmundi

  1.  

Visual Produções

  1.  

Video In

  1.  

Time Code

  1.  

Tempo Filmes

  1.  

SP Telefilm

  1.  

Sigma;

  1.  

RTVC

  1.  

RCS

  1.  

Pop Noise

  1.  

MT2 Estúdio de Cinema

  1.  

Marshmallow

  1.  

Lesound

  1.  

Helicon

  1.  

ETC

  1.  

Echos

  1.  

Dubrasil

  1.  

Dublavideo

  1.  

DPN

  1.  

Clone

  1.  

Centauro

  1.  

CBS

  1.  

BKS

  1.  

Álamo

  1.  

Action

 

Fonte: Elaboração própria, a partir de informações constantes no SEI nº 0007799, fls. 38.

 

Ao que se refere ao ano de 2010 e que motivou a denúncia feita pelo Siaesp ao Cade, constam indícios de outra paralisação das atividades pelos dubladores, como forma de pressionar os estúdios de dublagem a aderirem aos termos decididos pelo Sated na assembleia, conforme se verifica:

 

Imagem 17 - Mensagem de e-mail 22 de outubro de 2010

Fonte: SEI nº 0007787, fls. 215.

 

Consoante a mensagem acima, de 22 de outubro de 2010, a representante do estúdio de dublagem Dubrasil informa ao advogado do Siaesp que os dubladores decidiram paralisar a prestação de seus serviços.

Ao que se refere à paralisação de 2010, consta nos autos o documento SEI nº 0007787, fls. 156 a 159, denominado “relatório do dia da greve” no qual descreve o piquete realizado em frente ao estúdio da BKS, bem como apresenta fotos de um veículo supostamente usado por dubladores para coagir outros artistas a não trabalharem aquele dia. Relata o documento que, na ocasião, outras pessoas e funcionários que não realizam serviços de dublagem, também foram abordados, inclusive tendo sido hostilizados pelos artistas associados ao Sated.

Tais informações demonstram que, em razão das próprias características do próprio mercado de dublagem, consistentes na existência poucos players (empresas de dublagem) e atores (dubladores), o Sated supostamente têm condições de exercer forte influência na dinâmica concorrencial desses agentes.

É importante ressaltar que há indícios que reforçam que os preços eram impostos aos estúdios independentemente de sua capacidade financeira. Assim, grandes empresas pagariam a mesma remuneração aos seus dubladores que os pequenos estúdios ou possíveis entrantes do mercado.

Em face da dinâmica das supostas práticas adotadas pelo Representado, verifica-se também a criação de uma segunda situação deletéria à concorrência, visto que, do ponto de vista dos dubladores, todos recebiam a mesma remuneração, não sendo consideradas suas experiências profissionais ou outros elementos que pudessem diferenciar seus trabalhos para o pagamento de maiores ou menores valores pelas horas trabalhadas.

Tal fato desencadearia uma terceira situação prejudicial ao ambiente concorrencial, visto que as empresas de dublagem de maior porte, ao cederem às exigências do Sated, pagariam aos seus atores os mesmos valores de remuneração pagos pelas empresas menores e, conseguiriam que as empresas menores também seguissem os termos dos “acordos”, ou ainda, excluísse do mercado outros concorrentes que se recusassem a aceitar ou não pudessem arcar com os valores impostos pelo Sated.

 

II.5.5.4.           Indícios da Suposta Coação Direta Sobre as Empresas que Não Assinaram o Acordo

Considerando o pequeno número de estúdios de dublagem no Estado de São Paulo, constam nos autos indícios de que o Sated procurava as empresas individualmente para que estas assinassem o acordo.

No SEI nº 0007787 constam várias mensagens de e-mail enviadas pelo Sated aos estúdios de dublagem, contendo cópia do “Acordo Coletivo de Trabalho”, para o período 1º de outubro de 2010 a 30 de setembro de 2012 para que estes enviassem a versão física do documento assinado ao Sated/SP, consoante pode ser, exemplificativamente, observado por meio da Figura 18:

 

Figura 18 – E-mail 15/10/2010

Fonte: SEI nº 0007787, fls. 106

 

Na figura acima, consta a mensagem do Sated enviada ao estúdio de dublagem Álamo em 15/10/2010:

 

Conforme decisão de Assembleia Permanente dos Profissionais de Dublagem do Estado de São Paulo, estamos encaminhando o Acordo Coletivo de Trabalho entre o Sated/SP e as empresas de dublagem do Estado de São Paulo, para o período de 1º de Outubro de 2010 a 30 de Setembro de 2012.

Os mesmos deverão ser assinados pelo representante legal da empresa de dublagem e, após a assinatura, solicitamos o envio do Acordo Coletivo de Trabalho à sede do Sated/SP à Av. São João 1086, 4º andar - São Paulo - SP.

Atenciosamente

 

Departamento Jurídico Sated/SP

Adriana Caracciollo

Depto. Contratos- rml204

Sated/SP

 

O representante do estúdio então encaminha a mensagem ao Siaesp afirmando que o acordo "(...)"Coletivo", porém é "individual", pois propõe que o Sated e a Álamo celebrem o mesmo”. Segundo a denúncia apresentada pelo Siaesp, em um primeiro momento, não haveria negociação entre o Sated e empresas de dublagem, sendo os “acordos” impostos.

Consoante se observa a partir da Figura 19, ante a suposta pressão do Representado, algumas empresas de dublagem acabariam cedendo para não ter suas atividades paralisadas:

 

Figura 19 – E-mail 25/10/2010

Fonte: SEI nº 0007790, fls. 79 e 80.

 

A Figura 19 também indicaria que cada empresa que acatasse os termos do acordo era listada como sendo autorizada para trabalhar. Tal fato acabava pressionando ainda mais os demais estúdios de dublagem para que cedessem às reivindicações do Sated/SP:

 

AVISO AOS DUBLADORES DO ESTADO DE SÃO PAULO

Em reunião realizada hoje, 22/10/2010, na sede do Sated/SP entre os empresários de dublagem, profissionais de dublagem e Sated/SP, as partes chegaram a um entendimento para a assinatura dos acordos coletivos de trabalho, para o período de 2010 a 2012, apenas ressaltando dois itens que serão discutidos pela categoria em assembleia no dia 25/10/2010 às 19H00hr para consolidação efetiva do acordo.

As empresas presentes a reunião, e outras que enviaram através de portadores, já assinaram o acordo acima mencionado, portanto abaixo limitamos as empresas que concordam e assinaram nossa pauta reivindicatória.

Alamo

Art Sound

BS

Clone

Dublavídeo

Luminus (Chiquinho)

Marshmallow

RCS (Renato Soares)

Sigma

SP Telefilm

Studio Gabia

Wood Video

Tv Group Digital (Acrisound)

Uniarthe

 

Reiteramos que as empresas acima listadas foram aquelas que chegaram ao entendimento da nossa pauta reivindicatória.

 

SATED/SP

 

Posteriormente, aos 05 de novembro de 2010, o Siaesp envia mensagem aos seus associados orientando-os a não assinarem nenhum documento a título de acordo, visto que haveria negociação da pauta entre os sindicatos.

 

Figura 20 - Mensagem Siaesp 05 de novembro de 2010, às 11h02 minutos.

Fonte: SEI nº 0007787, fls. 148.

 

Figura 21 - Mensagem Centauro

 

Fonte: SEI nº 0007787

 

Na mesma data, às 19h01min, o representante do estúdio de dublagem Centauro envia mensagem ao Siaesp informando que a negociação bilateral entre os sindicatos aparentemente havia sido ignorada pelo Sated/SP, uma vez que este continuaria cobrando, por meio de telefonemas e e-mails, o "acordo coletivo" original assinado.

Além disso, relata que na quinta-feira 04/11/2010, por volta das 16h30, o Sr. Ricardo Vasconcelos (Comissão de Ética do Sated/SP) teria ligado à sua empresa e exigido a entrega do acordo assinado na sede do Sated no mesmo dia, pois caso não o fizesse, iria publicar que a empresa Centauro não teria assinado nenhum contrato, consoante se observa:

 

Na quinta-feira dia 4/11/2010, por volta das 16h30 a Centauro recebeu uma ligação do Sr. Ricardo Vasconcelos, exigindo a entrega do acordo assinado até as 17h00 do mesmo dia na sede do Sated/SP, do contrário iria publicar que a empresa não assinou nem um contrato e os dubladores que entrassem em contato com ele seriam avisados dessa não assinatura e poderiam não cumprir mais os compromissos que tem com a Centauro.

 

A partir da Figura 22, verifica-se que as demais empresas que não haviam firmado o “acordo” se sentiam coagidas a fazê-lo, indagando inclusive se haveria alguma investigação no Ministério Público do Estado de São Paulo.

 

Figura 22 – E-mail 08/11/2010

Fonte: E-mail Zodja - 08 11 2010 SEI nº 0007787, fls. 205.

 

A partir da mensagem contida na Figura 22, a representante do estúdio de dublagem, em conversa com o Advogado do Siaesp, afirma, verbis:

 

Bom dia, Marcelo,

Na verdade, somos dois os estúdios que ainda não assinaram. Sinto-me agredida ao ter que ceder a esse tipo de coação. Quero saber, se o Siaesp entrar com uma investigação no MP, é possível reverter esse processo?

 

 

II.6.     Considerações Finais

Resumidamente, há indícios de que as pessoas físicas e jurídicas anteriormente elencadas teriam criado uma tabela de preços para os serviços de dubladores profissionais e diretores de dublagem; criaram dificuldades ao funcionamento de concorrentes; impediram a entrada de novos players no mercado; ameaçaram com boicotes as empresas que não cumpriam a tabela de preços; há indícios de que tais agentes além de dominarem o mercado, estariam impondo valores de honorários a serem pagos pelos estúdios de dublagem, mediante coação e ameaças de paralisação, não levando em consideração a capacidade financeira de cada uma dessas entidades.

A possível efetivação das condutas teria sido lastreada no poder econômico da referida entidade representativa, ainda que, do ponto de vista do Direito do Trabalho, não exista legitimidade para sua atuação. Neste caso, recomenda-se a inclusão de seus dirigentes no polo passivo do feito, em razão do disposto no art. 16 da Lei nº 8.884/94 vigente à época dos fatos e, posteriormente, no art. 32 da Lei 12.529/11 (em vigor).

 

Art. 16. As diversas formas de infração da ordem econômica implicam a responsabilidade da empresa e a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores, solidariamente.

 

Constatam-se, assim, fortes indícios de participação das pessoas físicas e jurídicas acima mencionadas em infrações à ordem econômica. condutas essas passíveis de enquadramento nos art. 20, incisos I, II e IV c/c art. 21, inciso II; IX; X; XXIII, ambos da Lei nº 8.884/1994 (correspondentes ao art. 36, I, II e IV c/c §3º, II; VII; VIII; XVIII da Lei nº 12.529/2011.

 

II.6.1.  Individualização Das Condutas

Em vista de todo o exposto, entende-se estar demonstrada, portanto, a existência de indícios robustos de infrações à ordem econômica em face das pessoas a seguir elencadas, motivo pelo qual enseja a instauração de Processo Administrativo em seu desfavor, nos termos dos arts. 13, V, e 69 e seguintes, da Lei nº 12.529/11 c.c. art. 146 e seguintes do Regimento Interno do Cade.

Quadro 5 - Representados

 

Pessoa Física ou Jurídica

  1.  

Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo (Sated/SP)

  1.  

Ligia de Paula Souza (Falecida em 2018) (Presidência Sated)

  1.  

Dorberto Rocha Carvalho (Presidência Sated)

  1.  

Ricardo Aparecido de Vasconcelos (Diretor do Conselho de Ética e Fiscalização do Sated/SP)

  1.  

Alessandra Marcia Silva Araújo (Contratos Sated)

Fonte: Elaboração própria.

 

Cumpre consignar que o rol de indícios constantes na presente Nota Técnica não é taxativo, sendo apenas o quantum suficiente à instauração do Processo Administrativo, nos termos do artigo 67 da Lei nº 12.529/2011, havendo nos autos vasta quantidade de elementos que indicam a prática de condutas anticompetitivas pelos Representados, tal como pode ser observado por meio dos documentos SEI nº 0007787; 0804822; 0818593; 0826217; 0910127; 0921820.

 

II.6.1.1.           Individualização da Conduta do Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo (Sated/SP) - Indícios

Conforme visto, em que pese o Sated/SP alegue que os acordos e convenções coletivas de trabalho sejam dirigidas apenas aos dubladores e diretores de dublagem que possuam vínculo de emprego com as empresas de dublagem, verificou-se que seus termos eram aplicados a todos os profissionais, independentemente se empregados ou profissionais liberais contratados como prestadores de serviços, tal como pode ser observado a partir dos seguintes documentos:Convenção Coletiva de Trabalho 2010 – 2011, firmado entre Sated/SP e Sindicato da indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (SICESP), antiga denominação do Siaesp/SP (SEI nº 0007787, fls. 57 a 66);

Acordo Coletivo de Trabalho 2010 – 2012, firmado entre o Sated/SP e Álamo Laboratório de Cinematografia e Som Ltda.  (SEI nº 0007787, fls. 42 a 51);

Acordo Coletivo de Trabalho 2010 – 2011, firmado entre Sated/SP e Estúdio Álamo (SEI nº 0007787, fls. 107 a 116);

SEI nº 0072326, fls. 13. Resposta ao Ofício do Cade apresentada pelo Sated contendo nos anexos o Acordo Coletivo de Trabalho 2010/2012 firmado entre o Sated/SP e a empresa Luminus Dublagens e Produções Ltda. no qual consta os valores de remuneração para atores contratados e atores contratados sob nota contratual ou autônomos; bem como diretores contratados e diretores contratados sob nota contratual ou autônomos.

Consta expressamente na Cláusula 7ª do “acordo coletivo” (SEI nº 0072326, fls. 16):

A Convenção estabelece normas e condições de trabalho, critérios de contratação e remuneração mínima para os profissionais em dublagem, Atores em Dublagem e Diretores, cujos serviços profissionais sejam contratados por quaisquer empresas de dublagem e/ou empresas da indústria cinematográfica para dublagem de todo tipo de produção nacional e/ou estrangeira, em qualquer suporte para qualquer tipo de veiculação.

 

Assim, não sendo caracterizada a relação de emprego, consoante o entendimento do próprio TRT 2ª Região, entende-se que tais acordos, na verdade, consistiriam em tabelas de honorários profissionais, os quais uniformizam o valor da remuneração de dubladores e diretores de dublagem profissionais.

Ademais, verificou-se que a existência de tais acordos estaria limitando também o exercício da profissão de diretor de dublagem. Consoante os indícios constantes nos autos, os atores de dublagem, com receio de serem impedidos de participar de novos projetos, somente aceitariam trabalhar com diretores que fossem autorizados pelo Sated/SP, consoante o tratado no Subtópico II.5.4.1. da presente Nota.

Tais condutas, se comprovadas, possuem enquadramento na Lei nº art. 20, incisos I, II e IV c/c 21, inciso II; IX; X; XXIII, ambos da Lei nº 8.884/1994 (correspondentes ao art. 36, I, II e IV c/c §3º, II; VII; VIII; XVIII da Lei nº 12.529/11).

 

II.6.1.2.           Individualização da Conduta da Sra. Ligia de Paula Souza, ou Ligia de Paula (Presidência Sated) - Indícios

Constam nos autos indícios de que a Sra. Ligia de Paula Souza, ex-Presidente do Sated, teria praticado a conduta de promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes, caracterizada na Lei de Defesa da Concorrência como infração à ordem econômica. Tais condutas, se comprovadas, seriam passíveis de enquadramento no art. 20, incisos I, c/c 21, inciso II; IX; X; ambos da Lei nº 8.884/1994 (correspondentes ao art. 36, I c/c §3º, II; VII; VIII da Lei nº 12.529/11). Seguem os indícios:

Convenção Coletiva de Trabalho 2010 – 2011, firmado entre Sated/SP e Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (SICESP), antiga denominação do Siaesp/SP (SEI nº 0007787, fls. 57 a 66);

Acordo Coletivo de Trabalho 2010 – 2012, firmado entre o Sated/SP e Álamo Laboratório de Cinematografia e Som Ltda.  (SEI nº 0007787, fls. 42 a 51);

Acordo Coletivo de Trabalho 2010 – 2011, firmado entre Sated/SP e Estúdio Álamo (SEI nº 0007787, fls. 107 a 116)

 

Em pesquisa ex-officio realizada pelo Cade se obteve a informação de que a Representada teria falecido em 28 de maio de 2018. Entretanto, não consta nos autos nenhum documento que comprove seu falecimento[28].

 

II.6.1.3.           Individualização da Conduta do Sr. Dorberto Rocha Carvalho (Presidência Sated) – Indícios

Constam nos autos indícios de que o Sr. Dorberto Rocha Carvalho, Presidente do Sated/SP, teria praticado a conduta de promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes, caracterizada na Lei de Defesa da Concorrência como infração à ordem econômica, mediante a suposta imposição de tabela de preços no mercado de serviços de dubladores e diretores de dublagem profissionais. Tais condutas, se comprovadas, seriam passíveis de enquadramento no art. 20, incisos I, c/c 21, inciso II; IX; X; ambos da Lei nº 8.884/1994 (correspondentes ao art. 36, I c/c §3º, II; VII; VIII da Lei nº 12.529/11). Seguem os indícios:

 

SEI nº 0734914, fls. 8 a 10 e 10 a 12, na qual consta a tabela de remuneração 2009/2010 e 2010/2012, estipulando valores a serem cobrados, uniformemente, por serviços de atores de dublagem e diretores de dublagem, contratados e contratados sob nota contratual. Assim, em que pese o Sated/SP, por meio de seu representante e, em resposta ao Ofício 849/2020 do Cade, tenha afirmado que somente os atores “empregados” deveriam seguir os “Acordos Coletivos de Trabalho”, verificou-se que tais tabelas de remuneração seriam aplicadas a todos os prestadores de serviços, independentemente, de serem profissionais liberais (autônomos) ou empregados (CLT);

 SEI nº 0804822 - Convenção Coletiva de Dublagem do Estado de São Paulo - 2017/2019, 1º de outubro de 2017 a 30 de setembro de 2019, contendo tabela de remuneração para empregados (CLT) e contatados (autônomos).

SEI nº 0858999, fls. 14: Trata-se do documento Sated/SP, por meio do seu então presidente Dorberto Rocha Carvalho) intitulado "Comunicado - Edital Assembleia Permanente", de 12 de janeiro de 2021, no qual o Representado convoca todos os artistas do setor de dublagem à comparecerem à Assembleia Geral Permanente para deliberarem sobre:

1. Trabalho em Home Studio e profissionais de outras praças;

2. A importância da fiscalização pelo Diretor de Dublagem;

3. Pagamentos e Reajustes;

4. Acordo especial para Home Studio. (grifo nosso)

 

SEI nº 0826217, documento “1.1.Reajuste do Setor de Dublagem - Outubro 2020.pdf”. datado de 16 de outubro de 2020, no qual consta o reajuste do setor da dublagem - outubro de 2020, contendo tabela de pagamento/remuneração (2020/2021) para o setor de dublagem. Verificam-se que está previsto o índice de reajuste de 6,06% para atores/diretores empregados (CLT) e também para atores/diretores contratados (autônomos).

SEI nº 0910127, documento "2_Nota - Ajuste salarial - Dubladores_carta do Sated_25-05-21.pdf", no qual consta a tabela contendo os valores de remuneração acrescidos do índice de reajuste a partir do mês de outubro de 2020, para que vigorem no ano de 2021. Observa-se às fls. 2 do documento que constam os valores de pagamentos/remuneração para atores/diretores empregados (CLT) e contratados (autônomos).

 

 

II.6.1.4.           Individualização da Conduta do Sr. Ricardo Aparecido de Vasconcelos, ou Ricardo Vasconcelos (Diretor do Conselho de Ética e Fiscalização do Sated/SP) - Indícios

Constam nos autos indícios de que o Sr. Ricardo Aparecido de Vasconcelos, Diretor do Conselho de Ética e Fiscalização do Sated/SP, teria praticado a conduta de promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes, caracterizada na Lei de Defesa da Concorrência como infração à ordem econômica, mediante a suposta imposição de tabela de preços no mercado de serviços de dubladores e diretores de dublagem profissionais. Tais condutas, se comprovadas, seriam passíveis de enquadramento no art. 20, incisos I, c/c 21, inciso II; IX; X; ambos da Lei nº 8.884/1994 (correspondentes ao art. 36, I c/c §3º, II; VII; VIII da Lei nº 12.529/11). 

 

a) SEI nº 0007787, fls. 118, mensagem de e-mail de 15 de outubro de 2010 enviada por Ricardo Vasconcelos ao Siaesp e aos estúdios de dublagem contendo acordo já encaminhado aos empresários:

Neste caso, para que não paire nenhuma dúvida no ar, estamos enviando anexo cópia do acordo já encaminhado aos empresários

 

b) SEI nº 0007787, fls. 119, mensagem de e-mail de 08 de outubro de 2010 enviada por Ricardo Vasconcelos aos estúdios de dublagem com o assunto "Comunicado":

 

Por decisão unânime da categoria de artistas em dublagem de São Paulo, reunidos dias 23/09/2020 e 04/10/2010, estamos disponibilizando ACORDOS COLEIVOS DE TRABALHO entre o SATED/SP, representantes dos artistas e as empresas de dublagem do mercado de São Paulo.

 

c) SEI nº 0007787, fls. 168 e 169, mensagem de e-mail de 26 de novembro de 2010 enviada por Ricardo Vasconcelos aos estúdios de dublagem com o assunto "Assembleia Extraordinária Dubladores":

Convocamos os Artistas em Dublagem do Estado de São Paulo, para Assembleia Extraordinária a ser realizada na sede do Sated/SP, para discussão da Seguinte Pauta:

Empresas de dublagem que estão descumprindo acordo coletivo de trabalho assinado em 22/10/2010, para o período de 2010/2012.

 

II.6.1.5.           Individualização da Conduta da Sra. Alessandra Marcia Silva Araújo, ou Alessandra Araújo (vide SEI nº 0910127, arquivo "Pedido de Explicações", fls. 41) (Contratos Sated/SP) - Indícios

A comprovação de que o endereço de e-mail <alessa_araujo@terra.com.br> pertence à Representada Alessandra Araújo consta nos presentes autos acostado ao SEI nº 0910127, arquivo "Pedido de Explicações, fls. 55.

Constam nos autos indícios de que a Sra. Alessandra Marcia Silva Araújo, Contratos Sated/SP, teria praticado a conduta de promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes, caracterizada na Lei de Defesa da Concorrência como infração da ordem econômica, mediante a suposta imposição de tabela de preços no mercado de serviços de dubladores e diretores de dublagem profissionais. Tais condutas, se comprovadas, seriam passíveis de enquadramento no art. 20, incisos I, c/c 21, inciso II; IX; X; ambos da Lei nº 8.884/1994 (correspondentes ao art. 36, I c/c §3º, II; VII; VIII da Lei nº 12.529/11). Seguem os indícios:

 

a) SEI nº 0007787, fls. 88, mensagem de e-mail de 02 de junho de 2009 enviada por Alessandra Araújo dubladores com o assunto "Últimas Notícias Sobre a Paralisação e Assembleia Amanhã, dia 3/6, no Sated":

Olá, pessoal

Neste primeiro dia de paralisação vários colegas estiveram em frente às casas de dublagem. (...) O fato é que, efetivamente, ninguém trabalhou, conforme decisão na assembleia de ontem, dia 1º de junho.

Bem ou mal tratados, não podemos deixar de lado esse "cuidado" nas portas das empresas. Por isso, pedimos aos que foram hoje, para voltarem amanhã a seus postos e àqueles que não foram hoje e puderem ir pra ajudar amanhã, para entrar em contato.

A empresa WOOD VIDEO já assinou o acordo e está liberada para trabalhar a partir de amanhã, dia 3/6.

Além dessa empresa, outras três nos procuraram e passaram seus dados para confeccção do acordo por parte do adogado do Sated, o que deve ocorrer amanhã pela manhã. Os trabalhadores nessas casas estarão liberados a partir de quinta-feira, 4/6. Mas isso ainda será confirmado na assembleia de amanhã, dia 3/6 no Sated, a partir das 19h.

Relembrando a decisão da última assembleia:

Não se trabalha em casa de dublagem até que o acordo ou convenção esteja realmente assinado.

Não se trabalha nem mesmo com narração!

O acordo é o mesmo que vem sendo praticado desde 2005, apenas com reajuste de 9% (nove por cento) retroativo a maio/2009. (...)

 

b) SEI nº 0007787, fls. 137, mensagem de e-mail de 09 de setembro de 2020 enviada por Alessandra Araújo dubladores com o assunto "Convocação Geral":

 

Encaminhando a pedidos dos colegas presentes na reunião de ontem) Convocação de reunião dos atores em dublagem, segunda-feira, dia 13 de setembro de 2010, às 19h30, no SATED, para discussão e votação dos seguintes assuntos:

- Ações para o cumprimento do Acordo Coletivo, na íntegra;

- Índice de reajuste;

- Definição dos Diretores com os quais iremos trabalhar;

- Sanções.

Compareçam!

 

c) SEI nº 0910127, arquivo "Pedido de Explicações", fls. 38.

Os dubladores, atores de origem, são profissionais liberais e prestam serviços de acordo com a capacidade de seu trabalho. Desta forma, os diretores e estúdios da Capital escolhem os profissionais consoante o perfil desejado, como a própria Autora faz.

Portanto, a Autora tem conhecimento do "Acordo de Trabalho" firmado entre o Sated, ora co-réu, e todos os estúdios e empresas profissionais de dublagem, que devem seguir as normas estabelecidas. (Doc. 01)

 

A partir dos trechos supracitados, verifica-se que a Representada tinha plena ciência de que os dubladores são profissionais liberais, sem vínculo de emprego, e prestam serviços consoante sua capacidade de trabalho. De modo contraditório, no parágrafo seguinte, afirma que a autora, no caso o estúdio de dublagem ArtWay, deveria ter conhecimento do “Acordo de Trabalho” firmado entre o Sated e todos os estúdios e empresas profissionais de dublagem e que estas deveriam seguir as normas estabelecidas.

Insta salientar que o documento 01 mencionado, diz respeito ao Acordo Coletivo de Trabalho - Dublagem - 2012/2014, SEI nº 0910127, arquivo "Pedido de Explicações, fls. 42 a 52.

 

II.6.2.  Notificação dos Representados

Para que seja possível realizar o processo de notificação dos Representados, previsto no art. 70 da Lei nº 12.529/2011, seguem seus respectivos endereços:

 

Quadro 4 - Adoção ou Influência de Conduta Concorrencial Uniforme

 

Pessoa Física ou Jurídica

CPF/MF ou CNPJ

Endereço

  1.  

Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo (Sated/SP)

62.494.174/0001-05

Av. São João, 1086, 4° andar. Bairro: Centro. São Paulo – SP. CEP: 01036-100

Telefones: (11) 94236-5103; (11)95421-1217

  1.  

Ligia de Paula Souza (Falecida em 2018) (Presidência Sated)

84577908891

Rua Manuel Ruiz 330 - Vila Barão – Sorocaba/SP. CEP nº 18061210

  1.  

Dorberto Rocha Carvalho

02141738873

Rua Avanhandava 260 Apto 102 - Bela Vista - São Paulo/SP, CEP nº 01306000

  1.  

Ricardo Aparecido de Vasconcelos (Diretor do Conselho de Ética do Sated/SP)

 

00791728811

Rua Martim Francisco 484 Apto 03 – Vila Buarque - São Paulo/SP - CEP nº 01226002

  1.  

Alessandra Marcia Silva Araújo (Contratos Sated)

037.805.288-86

Rua Joao Librina 40 - Limão - São Paulo/SP - CEP nº 02726120

Fonte: Elaboração própria SG/CADE

 

II.7.     Adoção de Medida Preventiva

Aos 25 de fevereiro de 2021, o Cade, por meio do Despacho nº 275/2021 (SEI nº 0871361), pelos motivos apontados na Nota Técnica nº 20/2021/CGAA6/SGA2/SG/CADE (SEI nº 0871339), conheceu do pedido de Medida de Preventiva feito pelo Siaesp e, no mérito, o indeferiu por não haver sido demonstrada a presença dos requisitos indispensáveis para a obtenção de providência de natureza cautelar, referentes ao fumus boni iuris e ao periculum in mora, na petição SEI nº 0858999, de 21 de janeiro de 2021, apresentada pelo Representante.

Ocorre que por meio da resposta ao Ofício nº 3190/2021/Cade (SEI nº 0910126 e anexos SEI nº 0910127), apresentada em 26 de maio de 2021, a Abdub informou que as assembleias gerais realizadas pelos sindicatos patronais costumam ocorrer em setembro de todos os anos e relatou que o Sated continuaria enviando ofícios, acordos e tabelas como balizadores dos preços a serem praticados no mercado de dublagem e, no caso de descumprimento, a empresa ou o dublador teriam seu direito de trabalhar "retirado".

Ademais, com relação ao ano de 2021, relatou a Abdub que no mês de maio/2021 teria recebido uma mensagem de e-mail do Sated contendo a atualização dos valores contidos na tabela e que já estaria havendo pressão por parte de alguns dubladores que exigiriam dos estúdios que os valores dos pagamentos fossem reajustados conforme as orientações do Sated (SEI nº 0910126, fls. 07).

Com o fito de comprovar o alegado, foram apresentados os documentos acostados sob o SEI nº 0910127, dentre os quais encontra-se a tabela contendo reajustes ao setor para o corrente ano:

 

Figura 23 - Reajuste do Setor da Dublagem - 2021

Fonte: SEI nº 0910127, “2_Nota - Ajuste salarial - Dubladores_carta do Sated_25-05-21.pdf”

 

Segundo o documento datado de 04 de maio de 2021 (SEI nº 0910127), referente à Figura 23 acima, o Sated já estaria colocando em prática os valores de remuneração, reajustados para o ano de 2021.

Em que pese esteja ciente do Inquérito Administrativo em trâmite no Cade, nota-se que o Representado insiste na prática da conduta, fato que enseja a atuação imediata desta Autarquia, nos termos da Lei nº 12.529/2011.

 

II.7.1.  Do Fumus Boni Iuris e do Periculum in Mora

A concessão de medida preventiva pela Superintendência Geral está prevista expressamente no art. 84 da Lei 12.529/2011, verbis:

 

Art. 84. Em qualquer fase do inquérito administrativo para apuração de infrações ou do processo administrativo para imposição de sanções por infrações à ordem econômica, poderá o Conselheiro-Relator ou o Superintendente-Geral, por iniciativa própria ou mediante provocação do Procurador-Chefe do Cade, adotar medida preventiva, quando houver indício ou fundado receio de que o representado, direta ou indiretamente, cause ou possa causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne ineficaz o resultado final do processo.

 

Trata-se, portanto, de típica medida de urgência, que visa a assegurar a efetividade do procedimento administrativo. A concessão da medida cautelar demanda a verificação simultânea dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris.

Consoante lecciona o professor João Grandino Rodas[29], Presidente do Cade entre os anos 2000 a 2004:

 

O fumus boni iuris seria juízo de probabilidade quanto à existência de direito à punição, o que justificaria, mesmo hipoteticamente, a sua proteção, não significando antecipação de julgamento. Para que se pudesse adotar medida preventiva, seria necessário que, além de ser prática subsumível às condutas descritas no artigo 21 da Lei 8.884/1994, configurasse ela um dos efeitos constantes do artigo 20 da mesma lei.

Verifica-se o periculum in mora se, por falta de ação imediata, a coletividade puder sofrer dano irreparável ao direito concorrencial, se se confirmasse a infração, de maneira efetiva, ou o resultado do processo corresse o risco de resultar ineficaz.

 

Isto é, havendo verossimilhança das alegações feitas na denúncia, lastreada em prova, e existência de risco de lesão irreparável ou de difícil reparação quanto à concretização/continuação da conduta denunciada, pode a Superintendência-Geral deste Egrégio Conselho Administrativo de Defesa Econômica determinar ao Representado, praticante de suposta infração à ordem concorrencial, o cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer, bem como de pagar, que visem o restabelecimento da competitividade do mercado em questão.

Tendo em consideração os elementos analisados e constantes na presente Nota Técnica, verifica-se que está presente o requisito do fumus boni iuris, ou fumaça do bom direito. Ademais, verificam-se presentes os elementos caracterizadores do periculum in mora e que autorizam a medida, em razão dos documentos recentemente juntados aos autos (SEI nº 0910126).

Por todo o exposto, consoante o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região no processo protocolado sob n° 20233.2008.000.02.00-3, resta claro que dubladores e diretores de dublagem são trabalhadores autônomos, inexistindo vínculo empregatício entre esses profissionais e empresas de dublagem.

Desta maneira, entende-se incabível a celebração de acordos coletivos ou dissídios de trabalho, porquanto estes institutos se aplicam quando há relação de emprego dos representados pela entidade sindical. Registra-se que, consoante o próprio entendimento da Justiça do Trabalho (SEI nº 0007787, fls. 101), o Sated é parte ilegítima em tal representação.

Feitos esses esclarecimentos, recomenda-se a adoção de Medida Preventiva, a ser aplicada aos dubladores autônomos e estúdios de dublagem, para que o Representado Sated tome as seguintes medidas:

 

Que se abstenha de elaborar, de forma ilegal, tabelas, “acordos coletivos” ou “dissídios coletivos” com imposição de valores de remuneração ou pagamento aos trabalhadores autônomos, especificamente os dubladores e diretores de dublagem;

Que deixe de exigir, dar publicidade ou divulgar valores de remuneração para os serviços de dublagem, direção de dublagem ou outros constantes nos “acordos coletivos de trabalho” firmados com estúdios de dublagem ou “dissídios coletivos”;

O cumprimento da Medida Preventiva não será exigido nos casos específicos nos quais seja comprovado, de forma inequívoca, a existência da vínculo empregatício entre dubladores e seus empregadores (estúdios de dublagem). Para tais casos, deve ser apresentado ao Cade pelo SATED a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) ou documento análogo (acompanhado de holerite) que comprove a existência da relação de emprego e recolhimento dos respectivos impostos.

 

II.8.     Da Secretaria de Acompanhamento Econômico

A partir da análise empreendida na presente Nota Técnica, verificou-se que a Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978, bem como pelo Decreto nº 82.385, de 05 de outubro de 1978 e seus anexos disciplinam o exercício da profissão de artista e de técnico de espetáculos.

Tais atividades encontram-se dispostas no item “138 Atividades artísticas, criativas e de espetáculos”, da Lista de Ramos Empresariais[30] para fins de aplicação do artigo 37 da Lei nº 12.529, de 2011.

Consoante o informado pelo Sated/SP (SEI nº 0734914), o registro profissional da classe regulamentada pela Lei 6.533/78 e pelo Decreto 82.385/78 se dá pela Superintendência Regional do Trabalho do então Ministério do Trabalho, hoje no Ministério da Economia.

Segundo o Representado, a atividade de diretores de dublagem seria artística, e não técnica.

Ocorre que tal interpretação gera dúvidas e incertezas concorrenciais, pois caso a atividade dos diretores de dublagem sejam consideradas artísticas, o Sated/SP poderia exercer a representação de tais profissionais, ocasionando a verticalização entre Sated, diretores de dublagem e dubladores, já que, neste caso, o Sindicato seria o responsável por conferir “autorização” para trabalhar e fiscalizar as duas categorias, já os diretores seriam os responsáveis por escalar os artistas dubladores.

Entretanto, caso tal profissão seja considerada técnica, a entidade responsável por emitir os atestados de capacitação técnica e validar os registros profissionais seria o Sindcine.

Portanto, ao longo de toda a análise verificou-se que a legislação em referência, datada de 1978, possui lacunas e divergências interpretativas sobre o que se trata as atividades técnicas e artísticas. Tais fatos contribuem à ocorrência de condutas oportunistas e nocivas à concorrência, especialmente ao que se refere ao mercado de diretores de dublagem, afetando não apenas o Estado de São Paulo, mas também outros entes da Federação.

Assim, sugere-se o encaminhamento desta Nota Técnica, bem como de cópia integral dos autos, à SEAE do Ministério da Economia, nos termos do art. 19 da Lei nº 12.529/2011 e seus incisos.

Art. 19. Compete à Secretaria de Acompanhamento Econômico promover a concorrência em órgãos de governo e perante a sociedade cabendo-lhe, especialmente, o seguinte:

VI - propor a revisão de leis, regulamentos e outros atos normativos da administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal que afetem ou possam afetar a concorrência nos diversos setores econômicos do País;

 

III.              CONCLUSÃO

Diante do exposto e, ante a existência de indícios robustos de condutas passíveis de enquadramento no artigos 20, incisos I, II e IV c/c 21, inciso II; IX; X; XXIII, ambos da Lei nº 8.884/1994 (correspondentes ao art. 36, incisos I, II e IV c/c §3º, II; VII; VIII; XVIII da Lei nº 12.529/11) recomenda-se: (a) a instauração de Processo Administrativo, nos termos dos arts. 13, V, e 69 e seguintes, da Lei nº 12.529/2011 c/c. art. 146 e seguintes do Regimento Interno do Cade, em face das seguintes pessoas físicas e jurídicas a seguir elencadas: (i) Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo (Sated/SP); (ii) Dorberto Rocha de Carvalho; (iii) Ricardo Aparecido de Vasconcelos; (iv) Alessandra Marcia Silva Araújo; (b) pelas razões constantes na presente Nota Técnica, que seja adotada a Medida Preventiva, com fundamento no art. 84 da Lei 12.529/2011.

 

 


[1] Aviso de Recebimento - AR ref. ao Ofício n° 2551/2015 (SEI nº 0066650), juntado aos autos em 28/05/2015.

[2] Aviso de Recebimento - AR ref. Ofício nº 3090/2015 (SEI nº 0073997), juntado aos autos em 19/05/2015.

[3] SATED/RJ. O que é DRT. Disponível em: https://www.satedrj.org.br/o-que-e-drt/. Consulta em 19/06/2021.

[4] BRASIL. Ministério da Economia. Registro profissional de artistas e profissões correlatas passa a ser totalmente digital. Publicado em: 06/04/2020. Disponível em: <https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2020/abril/registro-profissional-de-artistas-e-profissoes-correlatas-passa-a-ser-totalmente-digital>. Consulta em 21/06/2021.

[5] OCDE, Executive Summary of the Roundtable on Potential Pro-Competitive and Anti-Competitive Aspects of Trade/Business Associations (DAF/COMP/WP3/M(2007)3/ANN4), 2007, p. 3.

[6] Banco Mundial & OCDE. Diretrizes para Elaboração e Implementação de Política de Defesa da Concorrência. Ed. Singular: São Paulo, 2003, p. 94.

[7] Processo Administrativo n. 08000.007201/97-09; Representante: CIEFAS - Comitê de Integração de Entidades Fechadas de Assistência à Saúde e Representada: AMB - Associação Médica Brasileira; acórdão publicado no dia 21/12/2001.

[8] Processo Administrativo nº 08012.007515/2000-31 da Representante Secretaria de Direito Econômico e dos Representados Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado de Minas Gerais e seu presidente. Conselheiro-Relator Miguel Tebar Barrionuevo. Decisão publicada no Diário Oficial da União, seção 1, página 27, de 15 de setembro de 2003.

[9] Processo Administrativo nº 08012.0004036/2001-24, do Representante Ministério Público de Santa Catarina - Promotoeia de Defesa do Consumidor da Comarca de Lages e dos Representados Osmar Dematé, Fernando Picinini, Álvaro Mondadore Júnior, Valmor Medeiros Júnior, José Antônio Granzotto Neves, Guido José Moretto, Pedro Fernandes Júnior, Jorge Córdova, Sadi Montemezzo, A Roleta Auto Posto Ltda., Posto Central, Posto de Combustíveis Dematé, Posto Marechal, Auto Posto Raid, Postos Grazziotin, Posto Lageano, Posto Rex Ltda., Posto D. Pedro, Auto Posto Ouro Preto Ltda. e Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo - SINDIPETRO/SC. Conselheiro Relator Diogo Thompson Andrade, Fls. 1746 dos autos físicos do processo.

[10] Ver Thomas D. Morgan, The impact of Antitrust Law on the Legal Profession, 67 Fordham L. Rev. 415, f(1998). Disponível em: http://ir.lawnet.fordham.edu/flr/vol67/iss2/7.

[11] “On the question of price fixing, Chief Justice Berger wrote for the Court that in the miminum fee schedule, “a naked agreement was clearly shown”.

[12] “The subject of Goldfarb – price fixing among competitors – remains largely subject to per se prohibition (…)”

[13] Tradução livre para: “This is not merely a case of an agreement that may be inferred from an exchange of price information, for here a naked agreement was clearly shown, and the effect on prices is plain.”

[14] Tradução livre para: “According to the settled case law of Court, for the purpose of applying Article 81(1) there is no need to take account of the concrete effects of an agreement or decision once it appears that it has as its object the prevention, restriction or distortion of competition.

In a decision applying Article 81 there is an obligation on the Commission to define the market where it is impossible, without such a definition, to determine whether a decision by an association of undertakings is liable to affect trade between Member States and has as its object or effect the prevention, restriction or distortion of competition within the common market. Consequently, if the Commission can prove that the Association committed an infringement whose object was to restrict competition within the common market and which was by its nature liable to affect trade between Member States, it is not required to define the market.

Even though, for the purpose of applying Article 81(1), there is no need to take account of the concrete effects of an agreement or decision once it appears that it has as its object the prevention, restriction or distortion of competition, the investigation has shown that the scale was in fact applied, at least to a certain extent. This has not been denied by the Association”.

[15] Sobre a assimetria de informação, diz o estudo da OCDE: Fee regulations are claimed to be a useful tool to prevent the problem of “adverse selection”. Consumers, who cannot judge the quality of legal services, will base their purchase decisions mainly on prices and will not be willing to pay higher prices for higher quality. As a consequence high-quality providers will be driven out of the market. It is argued that fixed fees or minimum fees may overcome this problem and maintain the quality of services offered.

[16] Tradução livre para: “Fee restrictions should be examined from the perspective of proportionality. Even though fee restrictions may, at times, be justified in theory, they remain a very far-reaching regulatory intervention.

Quality may be guaranteed by less restrictive means and, from this perspective, regulation of fees may be disproportionate.”

[17] Tradução livre para: The Association further claims that the scale is useful because extremely low fees may be an indication of practices that are manifestly illegal. The Commission would point out that the Association is not automatically informed of the fees demanded by architects, that extremely low fees are not in themselves sufficient proof of illegal practices, and that other elements have to be taken into account, which means that the Association can continue to perform its supervisory function without a fee scale. In addition, the scale does not prevent unscrupulous architects from offering poor-quality services, and it may even protect them by guaranteeing them a minimum fee. Furthermore, the scale may discourage architects from working in a cost-efficient manner, reducing prices, improving quality or innovating. For this reason, therefore, the decision establishing the scale cannot be excluded from the scope of the prohibition in Article 81(1).”

 

[18] Tradução livre para: “In any event, the Commission takes the view that the establishment of a (recommended) minimum fee scale cannot be considered as necessary in order to ensure the proper practice of the architect's profession. The Association asserts that the scale may be useful in that it can act as a guideline for replies to questions from parties to the contract or from a court of law. The Commission considers that information on prices can be provided in other ways. For example, the publication of information collected by independent parties (such as consumer organisations) concerning prices generally applied, or information based on a survey, can constitute a more reliable yardstick for consumers and lead to fewer distortions of competition.”

[19] SATED/SP. Disponível em: < https://www.satedsp.org.br/>. Consulta em 15/09/2020.

[20] BRASIL. Decreto nº 82.385, de 5 de outubro de 1978. Regulamenta a Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978, que dispõe sobre as profissões de Artista e de Técnico em Espetáculos de Diversões, e dá outras providências.

[21] BRASIL. Constituição Federal de 1998. Art. 114, inciso III:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:      (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

(...)

III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; (...)         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

[22] TST. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento em Recurso de Revista - AIRR: 172098.2014.5.09.0013, Relator: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 23/11/2016, 6a. Turma, data de publicação: DEJT 25/11/2016. Disponível em: < https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/867936735/agravo-de-instrumento-em-recurso-de-revista-airr-17209820145090013/inteiro-teor-867936755>. Consulta em: 16/06/2021.

[23] SATED. Critérios para Outorga de Atestado de Capacitação Direção de Dublagem. Disponível em: https://www.satedsp.org.br/wp-content/uploads/2018/10/SATEDcriteriosAtestadoCapacitacaoDiretorDublagem.pdf. Consulta em 16/06/2021.

[24] SATED/SP. Lista de Diretores e Diretoras de Dublagem. Disponível em: < https://www.satedsp.org.br/2020/02/13/lista-de-diretores-e-diretoras-de-dublagem/>. Consulta em 20/06/2021.

[25] SATED. Diretores de Dublagem. Disponível: < https://www.satedsp.org.br/wp-content/uploads/2020/02/Diretores-de-Dublagem.pdf>. Consulta em 20/06/2021.

[26] SATED. Instrução Normativa e Critérios para Exame de Capacitação Profissional nas Funções Regulamentadas. Data: 22/02/2019. Disponível em: https://www.satedsp.org.br/wp-content/uploads/2019/02/Nova-INSTRU%C3%87%C3%83O-NORMATIVA.pdf. Consulta em: 20/.06/2021.

[27] SATED. Código de Ética. Aprovado no V - CETATED (Congresso Estadual de Trabalhadores Artistas em Espetáculos de Diversões no Estado de São Paulo) em 16 dezembro de 1999. Aprovado no X CETATED em 21 dezembro de 2007. Disponível em: < https://www.satedsp.org.br/wp-content/uploads/2018/08/CodigoDeEtica_2007.pdf>. Consulta em 22/06/2021.

[28] SATED/RJ. Faleceu Lígia de Paula Souza, ex-presidente do SATED/SP. Publicado em 28/05/2018. Disponível em: <https://www.satedrj.org.br/faleceu-atriz-ligia-de-paula-souza-ex-presidente-do-sated-sp/>. Consulta em 24/06/2021.

[29] RODAS. João Grandino. Medidas preventivas são úteis para a proteção da concorrência (03 de março de 2016). Disponível em:  <https://www.conjur.com.br/2016-mar-03/olhar-economico-medidas-preventivas-sao-uteis-protecao-concorrencia>. Consulta em 20/06/20201.

[30] BRASIL. CADE. RESOLUÇÃO Nº 3, DE 29 DE MAIO DE 2012. Publicada no Diário Oficial da União de 31 de maio de 2012, nº105, sessão1, páginas 91 e 92.


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Documento assinado eletronicamente por Vanessa Moribe Takabatake, Assistente Técnico, em 16/12/2021, às 18:02, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Documento assinado eletronicamente por Raquel Mazzuco Sant'ana, Coordenadora-Geral, em 16/12/2021, às 18:02, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Documento assinado eletronicamente por Patricia Alessandra Morita Sakowski, Superintendente-Geral substituta, em 16/12/2021, às 18:07, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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