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Ato de Concentração nº 08700.006373/2020-61

Requerentes: Serasa S.A. e Claro S.A.

Advogados: Mariana Tavares de Araujo, Alexandre Ditzel Faraco, Barbara Rosenberg e outros.

 

VOTO VOGAL - CONSELHEIRO LUIZ AUGUSTO AZEVEDO DE ALMEIDA HOFFMANN

VERSÃO Pública

 

 

voto

Apesar das preocupações externadas pela Conselheira Lenisa Prado, a quem cumprimento, peço vênias para divergir do seu Despacho Decisório no 11/2021 (SEI 0907701) (“Despacho Decisório”), pelas razões que passo a expor.

Conforme já me manifestei em outras oportunidades, entendo que o instituto da avocação é um instrumento legalmente previsto e legítimo para justificar o aprofundamento da análise de procedimento administrativo por parte do Tribunal do CADE (que, caso contrário, não estaria objeto ao seu escrutínio e crivo direto).

Todavia, para que a necessidade de avocação reste demonstrada, ao meu ver, é necessário que a análise realizada pelo CADE até o momento (na figura de sua Superintendência-Geral – “SG”) não tenha afastado, com a profundidade necessária, todas as preocupações concorrenciais atinentes ao caso concreto. Isto ocorreria, por exemplo, caso não tenham sido avaliados todos os argumentos trazidos por terceiros, ou por outro lado, caso não tenha sido investigadas, com o nível de detalhamento necessário para a devida tomada de decisão, as possíveis teorias de danos e as implicações à concorrência daquele ato de concentração ou procedimento de controle de condutas ou, ainda, caso houvesse possível entendimento diverso do Tribunal sobre as conclusões feitas pela SG.

Como se extrai dos autos, o Ato de Concentração em epígrafe diz respeito a uma parceria entre as requerentes Serasa S.A. (“Serasa”) e Claro S.A. (“Claro”, por meio da qual a Claro fornecerá, com exclusividade, dados de seus clientes à Serasa, para que esta utilize tais dados para desenvolver produtos exclusivos à Claro.

O Despacho Decisório justifica a necessidade de avocação, em síntese, tecendo considerações sobre a conceituação entre contratos associativos e joint ventures e respectiva classificação do Ato de Concentração, bem como devido à necessidade de aprofundamento da análise feita pela SG no que tange à possibilidade de fechamento dos mercados afetados.

Examinando os autos, contudo, bem como o Despacho Decisório, não vislumbro ter a SG carecido de analisar as possíveis teorias de dano atinentes ao Ato de Concentração ora em comento. Na realidade, entendo que a SG realizou escrutínio detalhado no caso concreto, tendo oficiado diversos agentes de mercado, de modo a afastar as possíveis preocupações concorrenciais dele decorrentes, à luz dos elementos constantes dos autos.

No tocante à distinção entre contratos associativos e joint ventures, ao meu ver, tal discussão tornar-se-ia de suma importância caso a operação não fosse conhecida pela SG (e.g., sob a premissa de não cumprimento dos requisitos para a caracterização como contrato associativo). No entanto, isso não ocorreu no caso concreto, uma vez que a SG, de forma salutar e conservadora, conheceu a operação e adentrou a análise de mérito, examinando os possíveis impactos do acordo entre as Requerentes à concorrência.

Conforme apontado nos autos, a operação não enseja sobreposição horizontal relevante, havendo que se considerar, portanto, se haveria integração vertical ou efeitos conglomerados entre as atividades da Claro e da Serasa aptos a suscitar preocupações concorrenciais.

Conforme indicado pelo Despacho Decisório, a análise acerca do fornecimento de dados da Claro à Serasa comportaria aprofundamento, uma vez que poderia gerar danos à livre concorrência por prejudicar a atuação dos birôs de crédito rivais da Serasa (que não teriam acesso aos dados da Claro).

Todavia, a instrução realizada pela SG apurou que os dados a serem fornecidos pela Claro não são estratégicos a ponto de serem necessários para atuação dos birôs, tendo em vista que: (i) representam parcela não substancial do mercado, de modo que dados de diversas outras empresas estariam disponíveis aos concorrentes da Serasa; (ii) os produtos desenvolvidos pela Serasa serão destinados tão somente à Claro (e não concorrentes desta empresa); e (iii) os dados até mesmo poderiam ser obtidos de outras formas:

45. Nas palavras das Requerentes, a operação não alterará nenhuma das características dos mercados de serviços de informações de crédito, tendo em vista que se trata de parceria pontual entre as Requerentes e que a Claro não pode ser considerada uma concorrente direta e efetiva da Serasa Experian, uma vez que está ainda em fase inicial de sua oferta de serviços de proteção de crédito, com uma quantidade bastante limitada de clientes empresariais. Ainda que a sobreposição horizontal decorrente da presente operação não resulte em alterações significativas neste mercado em virtude da participação pouco relevante da Claro, se faz importante a verificação da existência de possíveis limitações decorrentes da celebração do contrato associativo ora em análise que possam ocasionar um eventual fechamento de mercado para bureaux concorrentes (que já estejam em atuação no mercado ou potenciais entrantes) das Requerentes. Tal fechamento se daria, supostamente, após a aprovação do contrato associativo, em razão da cláusula de exclusividade prevista na prestação das informações da Claro para a Serasa.
(...) 50. Na prática, entretanto, o contrato associativo ora em análise não tem a possibilidade de concretizar os danos hipotéticos mencionados acima. Sobre esse aspecto em específico, as Requerentes entendem que não há que se falar em riscos de fechamento de mercado, pois: (i) informações semelhantes às que a Claro irá passar para a Serasa podem ser obtidas de diversos outros players do mercado; (ii) o contrato mantém a independência das Requerentes na oferta de produtos e serviços em seus respectivos mercados; e (iii) o contrato viabiliza a oferta ao mercado de novos produtos e serviços, que terão sua qualidade aprimorada como resultado da operação.

51. Sobre a exclusividade prevista no contrato, destaca-se parte da manifestação da concorrente QUOD em resposta ao ofício nº 9014/2020 (documento SEI nº 0857690): “A Quod não possui detalhes sobre as informações que serão enviadas pela Claro à Serasa, contudo, presume que a operação não envolve o compartilhamento de dados disciplinados na Lei do Cadastro Positivo e no art. 4° do Decreto n° 9.936/2019 que a regulamenta, uma vez que as fontes (no caso, a Claro S.A.) devem fornecer tais dados a todos os bureaux sem exclusividade ou discriminação, nos termos da regulamentação aplicável”. Percebe-se com isso que a QUOD não relata preocupação específica quanto ao fornecimento de dados da Claro para a Serasa, uma vez que todos os agentes do mercado devem seguir ao regulamento referenciado. Ainda sobre a resposta da QUOD, vale ressaltar mais um trecho, onde a empresa diz “Nesse sentido, a QUOD não vislumbra impactos negativos à concorrência como consequência da operação, desde que observadas as normas aplicáveis (e.g., Lei do Cadastro Positivo e Lei Geral de Proteção de Dados). A QUOD entende que a busca por novas bases de dados para melhora do poder preditivo de seus produtos e desenvolvimento de novas soluções é uma forma legítima de competir no mercado”.

Como forma de mitigar preocupações no tocante à categoria das informações concedidas sob exclusividade no contrato sob avaliação, destaca-se o que a Boa Vista colocou em sua resposta ao ofício nº 9012/2020 (documento SEI nº 0858678): [ACESSO RESTRITO AO CADE].

53. Percebe-se que a preocupação levantada pela Boa Vista, embora compreensível, por não ter acesso aos termos de acesso restrito do contrato firmado entre as Requerentes, não está contemplada nos exemplos dados pelas Requerentes e comentados acima na seção III, parágrafo nº 9. Pelo contrário, a Claro poderá continuar ofertando aos concorrentes da Serasa os dados atualmente disponibilizados. A exclusividade aqui pactuada refere-se exclusivamente aos dados que hoje não são comercializados com nenhum outro player e que serão utilizados para o desenvolvimento de uma nova solução pela Serasa. Dessa forma, não é possível cogitar a possibilidade de fechamento de mercado por parte da Serasa utilizando dados que hoje não são insumo para a oferta de produtos de proteção ao crédito de seus concorrentes. Trata-se, aqui, como bem afirmado pela QUOD, de busca, por sua concorrente Serasa, por novas bases de dados para melhora do poder preditivo de seus produtos e desenvolvimento de novas soluções, sendo esta uma forma legítima de competir no mercado.

54. Ainda, as Requerentes alegam que os dados objeto da parceria não podem ser vistos como essenciais à atuação de concorrentes, pois a Claro não os fornece atualmente a nenhum player do mercado, isto é, hoje não existem contratos vigentes firmados a partir do uso de tais informações. Trata-se de dados comuns de usuários, disponibilizados e/ou obtidos por quaisquer outras empresas do ramo de telecomunicações (ou outros), com as quais esses clientes possuam relacionamento comercial, e por isso podem ser vistas como informações não-rivais, que não excluem o uso de diferentes agentes de mercado simultaneamente (lembrando que somente a empresa Claro é abrangida pela exclusividade no contrato aqui avaliado).

55. Reforçando o ponto trazido logo acima, a concorrente SPC Brasil, em resposta ao ofício nº 9015/2020 (documento SEI nº 0855381), informou que poderia utilizar outras bases de dados de inadimplências semelhantes e substitutas às bases da Claro S.A., além de relatar que “Atualmente, as inadimplências da empresa Claro S/A correspondem [ACESSO RESTRITO AO CADE] da base de dados de inadimplências utilizada pelo SPC Brasil”.

56. Apesar disso, ressalte-se a preocupação trazida pela Boa Vista em sua resposta ao Cade, onde defende em síntese que “as bases de dados utilizadas para a prestação de serviços de informação de crédito são únicas e insubstituíveis, uma vez que cada uma delas possui informações e qualidades próprias e distintas. Nesse sentido, os dados passíveis de fornecimento pela Claro não são substituíveis nem por aqueles possivelmente fornecidos por outras empresas de telecomunicações concorrentes da Claro, e nem por outras empresas de outros ramos”. Todavia, a Boa Vista não trouxe elementos capazes de comprovar tal ausência de substituibilidade entre bases de dados e, vale lembrar, as informações que serão enviadas à Serasa pela Claro hoje não são endereçadas a nenhuma empresa nesse formato, de forma que nenhuma relação contratual atualmente vigente da Claro com qualquer outro bureau será afetada ou inviabilizada pela operação, o que afasta a possibilidade de fechamento de mercado trazida pela Boa Vista em suas manifestações.

57. A SG entende que a conclusão realizada pela Boa Vista e destacada logo acima pode ser decorrente da mesma não possuir acesso ao escopo de informações compartilhadas entre Claro e Serasa, as quais estão sob sigilo no presente processo porque, segundo as Requerentes:“...divulgar exatamente quais dados de usuários da Claro seriam úteis à Serasa para a oferta ao mercado do produto em desenvolvimento daria a concorrentes informações sobre as características e o funcionamento do produto do concorrente, uma vez que abrangem critérios que informam decisões de avaliação de crédito da Serasa” (documento SEI nº 0852175).

58. Por fim, reitera-se que as Requerentes informaram [ACESSO RESTRITO ÀS REQUERENTES].

Ademais, ainda que a empresa Boa Vista não tenha sido formalmente admitida como terceira interessada neste processo, observa-se que a SG tratou de analisar e afastar as preocupações ventiladas pela empresa, sobretudo, à luz do caráter não essencial dos dados objeto da parceria para a atuação dos players do mercado, como apontado por outros agentes oficiados, tal como a empresa SPC.

A despeito da negativa ao pedido de habilitação da Boa Vista, há que se frisar que tal indeferimento não se confunde com a decisão deste Conselho de avocar o Ato de Concentração ora debatida, devendo ser examinado neste instante se os elementos (ou a falta de elementos) nos autos justificam a avocação, o que reputo não ocorrer.

Do mesmo modo, também merece observar inexistir elementos apontando que as rivais da Claro estariam prejudicadas por uma hipotética dificuldade de acesso aos serviços ofertados pela Serasa, uma vez que não haveria incentivos para que a Serasa deixasse de contratar com tais rivais, além do fato de existirem concorrentes da Serasa disponíveis no mercado.

No mais, acerca das cláusulas de exclusividade no caso concreto, ressalto que são coerentes com o racional de proteger o investimento feito pelas Requerentes, bem como estão em linha com a jurisprudência deste Conselho, como bem apontado pela SG.

Nesse sentido, a respeito do uso de dados, não se descarta que podem vir a causar danos à livre concorrência de forma a ensejar a intervenção por parte deste Conselho, a teor de suas competências legais, sobretudo em mercados caracterizados por efeitos de rede e mais propensos ao market tipping (“winner takes all”), como explicam Fillipo Lancieri e Luigi Zingales[1]. Todavia, tem-se no caso em tela uma operação que não envolve dados de concorrentes a nível horizontal, tampouco de rivais que atuam em mercados verticalmente relacionados, cujos dados que têm por objeto sequer são essenciais e estratégicos para a atuação nos mercados afetados.

Forçoso concluir que a análise conduzida pela SG foi bastante detalhada e não superficial, sendo adequada e suficiente a sustentar a conclusão pela aprovação sem restrições da operação, não tendo o Despacho Decisório, ao meu ver, trazido teorias de dano que não tenham sido analisados, tampouco novos elementos que justifiquem a continuidade da instrução e o aprofundamento da análise por parte deste Tribunal acerca do Ato de Concentração.

Ante o exposto, voto pela não homologação do Despacho Decisório.

É o voto.

 

LUIZ AUGUSTO AZEVEDO DE ALMEIDA HOFFMANN

Conselheiro

(assinado eletronicamente)

 

 

____________________________

[1] Lancieri, Filippo; Zingales, Luigi. Stigler Committee on Digital Platforms: Policy Brief. Chicago Booth Stigler Center for the Study of the Economy and the State, 2019.

 

 

 


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Documento assinado eletronicamente por Luiz Augusto Azevedo de Almeida Hoffmann, Conselheiro, em 27/05/2021, às 13:10, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Referência: Processo nº 08700.006373/2020-61 SEI nº 0909982