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Ministério da Justiça e Segurança Pública- MJSP

Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

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Requerimento nº (ref. Apartado Restrito nº 08700.002716/2019-84), relacionado ao Inquérito Administrativo nº 08700.006955/2018-22

Requerente: Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras

Advogados: Alex Messeder e outros

 

VOTO-VOGAL

No presente caso, o Inquérito Administrativo (“IA”) foi instaurado para investigar “eventual abuso de posição dominante por parte da Petrobrás no mercado de refino de petróleo no Brasil”. Isto porque, embora não tenha sido vislumbrada uma prática ilícita evidente[1], foi constatado, dentre outros fatores, que “não há dúvidas de que essa estrutura é bastante propícia ao abuso de posição dominante, com os consequentes efeitos deletérios para a sociedade”, conforme análise realizada na Nota Técnica nº 37/2018/DEE/CADE (SEI 055988), acatada pelo Despacho Presidência 275/2018 (SEI 0556928) e, posteriormente, pelo Despacho SG nº 05/2019 (SEI 0566035).

Após a instauração do presente Inquérito Administrativo, por entender que haveria matérias coincidentes, a Superintendência-Geral do CADE (“SG”) determinou que fosse apensado aos presentes autos a Representação nº 08700.006892/2018-12 (SEI 0568356), cujo objeto consiste em “Despacho do Senhor Procurador-Chefe do CADE, Despacho n. 69/2018/Pfe-Cade-Cade/Pgf/Agu (SEI 0555984), por meio do qual é reportada a esta Superintendência-Geral, denúncia de que diversas normas editadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP estariam, de alguma forma, mitigando a concorrência do setor de combustíveis no mercado nacional[2].

Posteriormente, foi determinado o apensamento do Procedimento Preparatório nº 08700.001275/2018-12 (SEI 0619016), instaurado “a partir de representação apresentada pela Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (“Abicom”) em desfavor da Petróleo Brasileiro S.A. ("Petrobras"). Segundo a Representante, a Petrobras estaria abusando de sua posição dominante e praticando preços predatórios no mercado nacional de comercialização de gasolina e óleo diesel com o intuito de eliminar seus únicos concorrentes nesse mercado, os importadores de combustível” (SEI 0619016).

Portanto, dos dois procedimentos apensados aos autos do presente IA, um é mero despacho com informações e sequer é uma investigação sobre eventual infração à ordem econômica. Já o segundo consiste em um Procedimento Preparatório que, de acordo com o § 2º do art. 66 da Lei n. 12.529/2011, é o procedimento utilizado para apurar se uma conduta sob análise trata de matéria de competência do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.

Deste modo, no presente momento, não há nos autos do presente processo qualquer conduta – entendida aqui no sentido de comportamento ou ação – imputada à Petrobrás que seria passível de tipificação como uma infração à ordem econômica.

De todo modo, em 24 de maio de 2019, a Petrobrás requereu formalmente abertura do processo de negociação de Termo de Compromisso de Cessação (“TCC”), nos termos do art. 219 do RICADE (SEI 0619150), e, em 03 de junho de 2019, após a SG ter determinado a abertura do período de negociação (SEI 0619172), a Representada formalizou proposta de referido termo (SEI 0622194).

De acordo com a proposta apresentada pela Representada, a Petrobrás se compromete a alienar integralmente os ativos listados na cláusula 2.1 e no Anexo I. Já na cláusula 2.1.1, dispõe que o “desinvestimento será executado por meio do Projeto de Desinvestimento na Área de Refino, nos termos da Sistemática de Desinvestimentos da PETROBRAS, que segue o regramento disposto no Decreto 9.188/17 ou legislação que lhe sobrevenha”.

A cláusula primeira, por sua vez, delimita o objeto do TCC proposto, qual seja, o de “propiciar condições concorrenciais, incentivando a entrada de novos agentes econômicos no mercado de refino, bem como suspender e, caso cumpridas integralmente as obrigações nele previstas, arquivar em relação à PETROBRAS o Inquérito Administrativo[3].

Ainda, a referida proposta de TCC afirma expressamente em seus “considerandos” que o “Inquérito Administrativo não imputou uma conduta ilícita por parte da PETROBRAS” e que o “presente Termo de Compromisso consubstancia os esforços de cooperação entre CADE e PETROBRAS para execução do relevante e voluntário desinvestimento na área de refino que a PETROBRAS pretende realizar no Brasil[4] (grifo nosso). 

A ausência, portanto, de uma conduta imputada à Representada – seja nos autos do Inquérito Administrativo, seja por determinação expressa do TCC – gera dois vícios que, a meu ver, impossibilitam a homologação do presente TCC: o primeiro de competência e o segundo de finalidade.

O vício de competência decorre dos contornos da defesa da concorrência no Brasil que possuem origem tanto no art. 170 quanto no §4º do art. 173 da Constituição Federal que assim dispõe: “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.

O princípio geral esposado no §4º do art. 173 da Constituição Federal é de que o poder econômico, por si só, não está sujeito à repressão legal, mas apenas o seu abuso. Nesse sentido, a intervenção da autoridade antitruste deve se restringir apenas quando houver indícios claros de abuso de poder econômico, sob pena de se exceder as competências impostas pela Carta Magna.

Em particular, no campo do controle repressivo (i.e., por meio do controle de condutas), alçada onde se encontra o presente processo, o §4º do art. 173 da Constituição Federal é claro ao limitar os poderes de repressão do estado às hipóteses de abuso do poder econômico que visem à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Em outras palavras, requer-se uma ação do administrado que possa ser tida como abusiva pela atuação repressiva do Estado.

Como leciona José Afonso da Silva:

“[c]ondenado é o abuso, não o poder me si, que é de fato. O abuso caracteriza-se pela dominação dos mercados, eliminação da concorrência e aumento arbitrário dos lucros. (...) No fundo, o que se busca preservar é esse princípio da concorrência (art. 170, IV), porque sua eliminação é o meio pelo qual o poder econômico domina o mercado”[5] (Apartou-se).

Tal entendimento está em consonância com a legislação infraconstitucional, em especial os artigos 1º e 36 da Lei n. 12.529/2011 que assim dispõem:

Art. 1º Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.

Por sua vez, o art. 36, caput, define como “infrações da ordem econômica” os atos que:

Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

 

É evidente, portanto, que a legislação concorrencial brasileira não permite a condenação ou até mesmo o exercício do seu papel repressivo ausente um ato manifestado pelo Administrado que poderia vir a ser tipificado como uma infração à ordem econômica. Seria inconcebível, dentro do nosso ordenamento jurídico, que a mera existência da empresa, seu porte ou a estrutura do mercado, fosse suficiente para ensejar a função repressiva do Estado.

Interpretação diversa consistiria em deturpar um sistema econômico fundamentado nos princípios constitucionais da livre-iniciativa e livre-concorrência, no qual os agentes econômicos possuem a liberdade e anseiam conquistá-la. Não podem, assim, serem penalizados pela simples conquista. Nesse sentido, reitero o meu entendimento de que o CADE tem competência precípua para agir no sentido de reprimir o abuso do poder econômico, mas não o poder econômico por si só.   

Portanto, diante do exposto, entendo que a ausência de uma conduta no presente caso consubstancia um vício de competência.

Não obstante, ainda que se entenda pela existência de competência do CADE para agir na repressão do poder econômico, quando ausente um ato do administrado, entendo que a ausência de uma conduta consubstancia, também, um vício de finalidade.

A Lei nº 12.529/2011 determina expressamente em seu art. 85 que o CADE poderá celebrar compromisso de cessação da prática sob investigação ou dos seus efeitos lesivos com o representado, sempre que, em juízo de conveniência e oportunidade, entender que tal compromisso atende aos interesses protegidos por lei. Além disso, de acordo com o §1º do mesmo dispositivo, a lei estabelece determinados requisitos mínimos que devem constar do referido termo[6]

Ocorre que, no presente caso, conforme demonstrado acima, não há “prática” imputada, apenas “poder econômico” ou “estrutura de mercado” sob investigação. Ainda, conforme mencionado anteriormente, o TCC proposto não tem por objeto a cessação de qualquer prática ou seus efeitos lesivos.

Rememoremos, o TCC considera que o presente IA não imputa à Representada uma conduta ilícita. O TCC materializa um esforço de cooperação para a execução do desinvestimento voluntário pela Petrobras e tem por objeto propiciar condições concorrenciais, incentivando a entrada de novos agentes econômicos no mercado de refino. Em momento algum é proposta a cessação da prática sob investigação ou dos seus efeitos lesivos.

Inclusive, a Nota Técnica nº 25/2019/CGAA4/SGA1/SG/CADE (SEI 0622227), que acata a proposta de TCC, a faz por entender que a Petrobrás se comprometerá a alienar integralmente oito das suas treze refinarias, além de se portar com “honestidade, lealdade e boa-fé até a conclusão total dos desinvestimentos propostos no TCC”, e não por que o TCC irá cessar uma prática anticompetitiva.

Dessa forma, entendo que homologar o TCC nos termos propostos consistiria em distorcê-lo de sua finalidade estabelecida no art. 85 da Lei nº 12.529/2011, qual seja, a de cessar a prática sob investigação ou os efeitos lesivos decorrentes de tal prática. Ausente uma conduta e, logo, a sua cessação, ausente, no meu entender, o fundamento legal para a homologação do TCC.

Ressalto, no entanto, que não estou afirmando que o desinvestimento da Petrobras não seja relevante ou desejável no contexto econômico atual em que se insere o Brasil, também não estou emitindo qualquer juízo de valor sobre a venda, per se, dos ativos. Analisando a presente decisão sob a ótica consequencialista, e nos termos do art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro[7], é certo que a rejeição do presente TCC não gera qualquer impedimento para que a Petrobrás opte por implementar esse exato pacote de desinvestimento amanhã independentemente do compromisso firmado com o CADE. O desinvestimento dos ativos[8] aqui almejado poderia ocorrer ao largo do presente procedimento (i) sem qualquer ônus à Petrobrás, seus acionistas ou à concorrência, especialmente por se tratarem de ativos e não de empresas independentes ou de subsidiárias; e (ii) seguindo o rito para a alienação contido no Decreto 9.188/17, independentemente da atuação do CADE[9].

Da mesma forma, não estou defendendo que um eventual remédio estrutural não possa ser aplicável no âmbito de controle de condutas quando houver a efetiva ocorrência de uma infração da ordem econômica e justificativas plausíveis para a sua aplicação. Entendo, todavia, que o CADE possui um dever normativo de apontar, mesmo quando houver indícios mínimos que justificam a instauração de investigação, uma conduta alegadamente infrativa. Como no presente caso tal conduta ainda há de ser apontada, e ao firmar o TCC, o CADE irá admitir expressamente que inexiste conduta imputada, entendo que os fundamentos legais que alicerçam a celebração de TCC não se encontram presentes.

Nesse sentido, se a mera existência do poder de mercado ensejar a atenção e a possibilidade de repressão por parte da autoridade antitruste, estaríamos diante de uma teoria de “no-fault monopolization[10] – visto que todo monopólio tem a capacidade de aumentar preços e gerar peso morto.

Levado ao extremo e tendo esse caso como precedente, seria possível abrir inquérito administrativos contra outros monopolistas ou agentes com posição dominante e exigir sua divisão em razão dos efeitos lesivos que a própria existência do poder de mercado poderia ter sobre o mercado ou o bem-estar do consumidor? No entanto, é preciso retomar a pergunta que como autoridade antitruste temos o dever de responder diariamente: qual é o bem tutelado pelo direito da concorrência? Entendo que é a livre concorrência e não a “higidez do mercado”, o direito de concorrentes de entrar no mercado ou até mesmo uma redução de preços por meio do processo competitivo. A redução de preços é uma das consequências de um mercado competitivo e pode perfeitamente ser um objetivo da política pública do Governo Federal, mas não é o bem tutelado pelo direito da concorrência.

Por fim, é preciso se atentar, tal como recomendou a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) em recente Revisão por Pares sobre legislação e política de concorrência do Brasil, lançada no presente Plenário há dois meses - em abril de 2019 -, para a legitimidade de uma autoridade antitruste de reestruturar mercados no âmbito do controle de condutas, vez que a estrutura de mercado pode ser considerada legítima sem a conduta[11]. Da mesma forma, é preciso também verificar o contexto e os efeitos posteriores de tal intervenção, dado que, conforme demonstra a experiência internacional, o resultado nem sempre é positivo à sociedade. 

Por tudo quanto exposto e tendo em vista a natureza binária do presente procedimento, em que é permitido ao Conselheiro apenas duas opções[12]: homologar ou não o TCC proposto pela Representada, peço vênia para divergir e, respeitosamente não homologar o Termo proposto.

É o voto.

PAULA FARANI DE AZEVEDO SILVEIRA

Conselheira

 

[1]No caso, não vislumbro uma prática ilícita evidente, de forma que certamente não haveria motivação para a instauração de um processo administrativo. Contudo, está claro que a estrutura do mercado torna extremamente propicio eventual abuso de posição dominante, podendo configurar infrações contra a ordem econômica, havendo diversos indícios nesse sentido”. Despacho Presidência 275/2018 (SEI 0556928).

[2] SEI 0568356.

[3] Cf. Cláusula Primeira - Do objeto e da abrangência. SEI 0622194.

[4] Cf. Considerandos. SEI 0622194.

[5] SILVA, José de Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 5. Ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 720.

[6] Art. 85. Nos procedimentos administrativos mencionados nos incisos I, II e III do art. 48 desta Lei, o Cade poderá tomar do representado compromisso de cessação da prática sob investigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo de conveniência e oportunidade, devidamente fundamentado, entender que atende aos interesses protegidos por lei. § 1º Do termo de compromisso deverão constar os seguintes elementos: I - a especificação das obrigações do representado no sentido de não praticar a conduta investigada ou seus efeitos lesivos, bem como obrigações que julgar cabíveis; II - a fixação do valor da multa para o caso de descumprimento, total ou parcial, das obrigações compromissadas; III - a fixação do valor da contribuição pecuniária ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos quando cabível.

[7] Art. 20 . Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.

[8] As refinarias objeto do presente procedimento são meros ativos da Petrobrás S.A. e não constituem empresas independentes ou subsidiárias. Vide Relatório Anual 2018 Petrobrás S.A. e Fato Relevante “Petrobras aprova novas diretrizes para a gestão do seu portfólio”. Ambos disponíveis em www.petrobras.com.br/ri. Acesso em 11.06.2019.

[9] Conforme explicação fornecida pela diretora executiva da Refino e Gás Natural da companhia, Sra. Anelise Quintão Lara, as refinarias hoje são ativos da Petrobrás S.A. e somente serão separadas do parque de refino em etapa posterior do processo de desinvestimento. Disponível em: https://br.reuters.com/article/businessNews/idBRKCN1SJ1GO-OBRBS. Acesso em 11.06.2019.

[10] Vide artigo HANDLER. M. e STEUER. R. "Attempts to Monopolize and No-Fault Monopolization". Disponível em: https://scholarship.law.upenn.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=4768&context=penn_law_review . Acesso em: 10 jun. 2019 

[11] OCDE (2019), Revisão por Pares da OCDE sobre Legislação e Política de Concorrência: Brasil, p. 197. Disponível em: www.oecd.org/daf/competition/oecd-peer-reviews-of-competition-law-and-policy-brazil-2019.htm.

[12] Art. 231, §2º, RICADE.


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Documento assinado eletronicamente por Paula Farani de Azevedo Silveira, Conselheira, em 14/06/2019, às 20:10, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Referência: Processo nº 08700.002715/2019-30 SEI nº 0627196