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NOTA TÉCNICA Nº 39/2018/CGAA2/SGA1/SG/CADE

 

Processo nº 08700.003599/2018-95

Representante: Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain

Advogados: Emília Malgueiro Campos e Alan Gonçalves de Oliveira.

Representados: Banco do Brasil S.A., Banco Bradesco S.A., Banco Itaú Unibanco S.A., Banco Santander S.A., Banco Inter S.A. e Banco Sicredi

Advogados: Gilmar Geraldo Barbosa Carneiro, Vinícius Marques de Carvalho, Flavio Augusto Ferreira do Nascimento, Paola Regina Petrozzielo Pugliese, Ana Luiza Vieira Franco e outros

 

 

 

  

EMENTA: Procedimento Preparatório. Recusa de contratar. Discriminação. Instauração de Inquérito Administrativo para Apuração de Infrações à Ordem Econômica, nos termos dos artigos 13, III, e 66 da Lei 12.529/11 c/c artigo 181 do Regimento Interno do CADE.

 

VERSÃO PÚBLICA

I. RELATÓRIO

I.1 Do objeto

  1. Trata-se de Procedimento Preparatório instaurado em 7 de junho de 2018 por esta Superintendência-Geral (“SG”) do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“Cade”) com o objetivo de apurar denúncia feita pela Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain – ABCB contra Banco do Brasil S.A., Banco Bradesco S.A., Banco Itaú Unibanco S.A., Banco Santander S.A., Banco Inter S.A. e Banco Sicredi - em conjunto os “Bancos representados” - por supostas infrações à ordem econômica ao dificultar o acesso de corretoras de criptomoedas ao sistema bancário. (documento SEI nº 0483963).

  2. Em síntese, a denúncia apresentada alega que o Banco do Brasil encerrou, sem nenhuma justificativa, a conta corrente da empresa Atlas Proj Tecnologia Ltda, uma corretora de criptomoedas e sócia mantenedora da ABCB, que se dedica, dentre outras atividades, à aquisição e intermediação de criptomoedas, mais especificamente de bitcoins[1].

  3. Segundo o representante, a Atlas era correntista do BB, assim como muitos de seus clientes e a conta corrente no banco era utilizada para receber depósitos e transferências de clientes que desejavam comprar bitcoins. O representante alega que a manutenção da conta no BB é essencial e indispensável à atividade empresarial da Atlas uma vez que, sem uma conta bancária, a empresa não conseguiria prestar serviços financeiros a seus clientes.

  4. De acordo com a ABCB, uma vez que não há qualquer alternativa viável para a realização de negócios e para a transferência de valores, senão por meio dos canais do sistema financeiro tradicional, o acesso a uma conta corrente é essencial para qualquer empresa, especialmente uma que se dedica a operações financeiras e a compra e venda de moedas e ativos.

  5. Assim, a ABCB pediu a condenação do Banco do Brasil pela prática de condutas anticompetitivas, conforme incisos I, II e IV do art. 36 da Lei nº 12.529/2011. Também pediu a adoção imediata de medida preventiva para determinar aos bancos e demais instituições financeiras que:

a) Se abstenham de encerrar/fechar contas-correntes ou qualquer outro tipo de conta que possibilite o acesso ao sistema financeiro às operadoras de criptomoedas (corretoras, Exchange, fintechs, etc)

b) Reabram todas as contas encerradas dessas operadoras; e

c) Não imponham qualquer dificuldade à abertura de novas contas-correntes a empresas do segmento da economia digital e criptográfica.  

 

I.2 Da Representação

I.2.1 Introdução

  1. Segundo a denúncia, a Atlas foi informada, em 21 de maio de 2018, da rescisão do Contrato de Conta-Corrente com o Banco do Brasil, por meio de carta datada de 7 de maio de 2018. A carta não ofereceu nenhuma justificativa comercialmente aceitável, apenas afirmou que o encerramento da conta corrente decorria de uma “decisão administrativa do Banco do Brasil.”

  2. Para a Atlas, o acesso ao sistema financeiro tradicional é condição indispensável para que ela possa atuar no mercado e esse acesso só pode ser feito por meio de bancos comerciais.

  3. O representante alegou ainda que há vários outros casos de grandes bancos brasileiros que estão encerrando contas de fintechs[2] e corretoras de criptomoeda, como será apresentado a seguir. Segundo a ABCB, essas empresas, além de serem clientes dos bancos, são também seus concorrentes, uma vez que ofertam produtos e serviços financeiros, além de meios de pagamentos alternativos.

  4. Dessa forma, a ABCB alega que, “a negativa de fornecer/contratar se torna ainda mais grave, pois é percebida como uma reação de empresa dominante em relação à concorrência oferecida pelas corretoras, exchanges e fintechs.” (documento SEI nº 0483963, pág.7). A recusa em fornecer acesso a uma conta corrente, portanto, seria uma reação dos bancos a uma nova economia digital e criptográfica, que, com custos mais baixos e serviços mais dinâmicos, poderá oferecer forte concorrência ao sistema financeiro tradicional.

I.2.2 Demais corretoras afetadas

  1. Além da decisão do Banco do Brasil de encerrar a conta da Atlas, o representante aprestou documentação que demonstra que outras corretoras foram afetadas por condutas semelhantes adotadas também por outros bancos, conforme verifica-se abaixo.

  1. Conforme documentação apresentada pelo representante, a empresa Coinbr Serviços Digitais Ltda. teve conhecimento do encerramento de sua conta de depósito no Banco Bradesco por meio de carta datada de 4 de agosto de 2016. No referido documento, o banco apenas comunica o encerramento da conta corrente da empresa, a ser efetuado a partir do dia 5 de setembro de 2016.

  2. Em 18 de setembro de 2017, a Coinbr recebeu correspondência do Banco Cooperativo Sicredi S.A. comunicando a necessidade de apresentação de comprovantes de rendimento ou faturamento para atualização cadastral da conta corrente da empresa no prazo de cinco dias.

  3. O representante juntou aos autos email enviado por um funcionário da Coinbr a um funcionário do Sicredi, datado de 26 de setembro de 2017, informado que toda a documentação solicitada pelo banco já havia sido enviada, mas a empresa ainda não tinha resposta de quando teria acesso a conta via internet. Segundo informações constantes no email, a suspensão do acesso ocorreu no dia 14/09 e resultou em prejuízo financeiro para a empresa.

  1. A Foxbit Serviços Digitais Ltda., conforme correspondência juntada aos autos, recebeu uma carta datada de 24 de abril de 2017 na qual o Banco Bradesco informava ter interesse na rescisão do Contrato de Conta de Depósito – Pessoa Jurídica firmado com a empresa e demais contratos vinculados a conta.

  1. O representante junto nos autos correspondência datada de 8 de junho de 2015 em que o Banco Itaú Unibanco informa à empresa Mercado Bitcoin que, por desinteresse comercial, o banco iria iniciar o processo de encerramento da conta da empresa.

  2. Em 2 de agosto de 2017, a Mercado Bitcoin recebeu correspondência semelhante do Banco Santander, informando o desejo do banco em encerrar a conta da empresa.

  3. Por fim, em março de 2018, o Banco do Brasil comunicou à empresa Mercado Bitcoin Serviços Digitais Ltda. a intenção do banco de rescindir o contrato de conta-corrente e demais contratos associados, firmado com a empresa.

  1. Por fim, o representante juntou aos autos uma ata notarial de 20 de outubro de 2017 em que o sócio da empresa Walltime Serviços Digitais Ltda. registrou em cartório o fato dele não conseguir acessar o site de sua conta corrente no Banco Itaú Unibanco.

  2. Por fim, a ABCB juntou aos autos lista de ações judiciais propostas por seis empresas do setor de criptomoedas (CoinBR, Mercado Bitcoin, Foxbit, Baziliex, Bitcoin Trade, Walltime) contra os bancos Banco Bradesco, Sicredi S.A., Banco do Brasil S.A., Itaú Unibanco S.A., Santander S.A., e Banco Inter.

I.2.3 Medida Preventiva

  1. O representante solicitou a adoção de medida preventiva conforme previsto no art. 84 da Lei nº 12.529/2011 para que o Banco do Brasil, e qualquer outra instituição financeira, se abstenha de encerrar conta ou se negar a abrir conta de qualquer empresa ou pessoa física que cumpra com as exigências legais para tanto, seja ela do segmento de criptomoedas ou não.

  2. O representante alega que estão presentes os pressupostos para a aplicação da medida preventiva. Em primeiro lugar, é clara a lesão irreparável ao mercado e à concorrência, em razão das atitudes e ações do Banco do Brasil e, em segundo lugar, há o perigo da demora do processo. Segundo a ABCB, “decorrido todo o trâmite perante o CADE, já será tarde para que se possa cogitar de alguma possibilidade de reparação dos danos causados à concorrência e à livre iniciativa, tornando ineficaz o resultado do processo.”

I.3 – Da instrução

  1. Em 11 de junho de 2018, esta SG oficiou os seguintes bancos: Banco do Brasil[3], Santander[4], Bradesco[5], Itaú Unibanco[6], Inter[7] e Sicredi[8] para que se manifestassem a respeito da denúncia apresentada pela ABCB.

  2. Os ofícios foram respondidos tempestivamente. Segue abaixo síntese da argumentação apresentada pelos bancos.

  1. O Sicredi (documento SEI nº 0491995) afirma que possui como clientes três corretoras que transacionam com criptomoedas, mas que, como não há código específico para esta atividade na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), não é possível saber se há mais clientes que desempenham essa atividade. O banco afirmou ainda que encerrou a conta corrente de uma quarta corretora em função da incompatibilidade entre a movimentação financeira na conta, o faturamento da empresa e o seu ramo de atividades.

  2. O encerramento da conta é o procedimento previsto no contrato firmado com todos os clientes para o caso de violação às normas de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, previsto na Circular nº 3461 do Banco Central do Brasil (BACEN) de 24 de julho de 2009. O banco citou ainda a Carta Circular nº 3.542 do BACEN que afirma que a movimentação de recursos em conta corrente que represente incompatibilidade com a capacidade econômico-financeira do correntista pode configurar indícios de crimes previstos na Lei nº 9.613/98, que dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores.

  3. Segundo o Sicredi, portanto, o encerramento da conta da corretora de critpomoedas teve por objetivo unicamente cumprir a lei federal e as normas do Bacen referentes à lavagem de dinheiro.

  4. Quanto ao processo de abertura de contas, o banco afirmou não ter conhecimento de alguma cooperativa integrante do sistema Sicredi ter recusado a abrir uma conta para corretoras de critpomoedas. Como não há código CNAE específico para essa atividade, não é fácil saber se as empresas trabalham nesse ramo. O que costuma ocorrer é o controle de movimentação das contas, após a abertura, para verificar a legitimidade da renda, patrimônio e movimentação.

  5. Por fim, o banco afirmou que, no presente momento, não há registo no banco de nenhuma conta bloqueada com saldo indisponível de empresas de criptomoedas.

  1. O Banco do Brasil (BB) (documento SEI nº 0494120), também alegou, em resposta ao oficio nº 2484/2018/CADE, que a ausência de um código CNAE específico para a atividade de corretagem de criptomoedas, por se tratar de atividade não regulamentada, impossibilita a identificação dessas empresas na lista de clientes do banco.

  2. Em relação ao encerramento de contas, o banco afirmou que o fechamento pode ocorrer quando há algum risco de prática de ilícitos pelos clientes, o que é detectado quando as informações declaradas ao banco são incompatíveis com a movimentação financeira das empresas. A título de exemplo, o banco informou que, em 2018, já foram encerradas cerca de mil contas de pessoas físicas e jurídicas.

  3. Quanto a uma possível recusa, por parte do banco, em abrir contas para empresas de criptomoedas, o banco alegou que, uma vez que não há como saber o ramo exato de atividade dessas empresas, é impossível que o banco se recuse a abrir uma conta por esse motivo.

  4. Por fim, o banco alegou que não há qualquer tipo de discriminação quanto a atividade econômica do cliente. Todos os clientes que apresentam, de forma habitual e sem justificativa, uma movimentação incompatível com a renda/faturamento, ramo de atividade e/ou perfil financeiro estão sujeitos a terem suas contas encerradas.

  1. O Banco Santander (petição pública documento SEI nº 0495239) afirmou que, até o início de 2018 possuía (Acesso restrito)

  2. O banco informou que, (Acesso restrito)

  3. O Santander ressaltou que leva em consideração as políticas de aceitabilidade de clientes (know your clients) adotada pelas corretoras de criptomoeda. O banco analisa em que medida são verificadas as informações cadastrais dos clientes dessas corretoras, se há limites operacionais, se há checagem contra bases da Receita Federal e demais medidas de controle. 

  4. Os bancos são obrigados a conhecer seus clientes e devem se relacionar comercialmente apenas com aqueles que preencham constantemente os requisitos de compatibilidade com a legislação e regulamentação bancária e as políticas e procedimentos desenvolvidos e implementados com vistas à prevenção e à gestão de riscos. A legislação existente obriga os bancos a evitar contratos e operações que possam comprometer a integridade do Sistema Financeiro Nacional, e a informar esses casos aos órgãos de controle.

  5. (Acesso restrito)

  6.  (Acesso restrito)

  7. Os seguintes fatores são analisados pelo banco:

  1. O Santander explicou que, de acordo com a Lei nº 3.613/1998 (“Lei de Lavagem de Capitais”) e Circular nº 3461/2009 do Bacen, o banco está legalmente proibido de informar ao cliente os detalhes da motivação que o levou a determinar o encerramento da conta. Por esse motivo, as cartas enviadas apenas informam seus clientes do encerramento da conta, sem apresentar o motivo que levou o banco a tomar aquela decisão.

  2. Por fim, (Acesso restrito)

  1. O banco informou (petição pública documento SEI nº 0495677) que, em função da ausência de regulamentação e da falta de um CNAE específico, não há formalmente no Brasil “corretoras de criptomoedas”. Contudo, o banco identificou em sua base de clientes, (Acesso restrito) que supostamente atuam nesse mercado e tiveram suas contas encerradas pelo banco. Segundo o banco, as contas foram encerradas por falta de demonstração dos clientes da licitude das movimentações por eles realizadas. Os casos de encerramento não tiveram qualquer relação com o tipo de transação efetuada pelas empresas. (Acesso restrito)

  2. O Banco também informou (Acesso restrito)

  3. Segundo o Bradesco, nos últimos 18 meses, o banco encerrou (Acesso restrito) por observar irregularidades, conforme legislação do Bacen (Resolução nº 2505 de 1993 e Resolução nº 2747 de 2001) que determina que uma instituição financeira deve encerrar conta de depósitos quando observar irregularidades nas informações prestadas.

  4. O banco afirmou também não ter recusado abertura de conta para nenhuma empresa de criptomoeda. Alegou ainda que trabalha para evitar que terceiros usem o banco para dar credibilidade e/ou suportar atividades suspeitas ou que possam trazer riscos de ilegalidades, especialmente atendendo à Lei de Lavagem de Dinheiro.

  1. O Banco Inter (documento SEI nº 0495682) possui quatro clientes que atuam como corretores de criptomoedas (Acesso restrito)

  2. O Banco Inter informou ainda que, de acordo com a legislação vigente, deve monitorar as atividades de seus clientes para fins de prevenção à lavagem de dinheiro e encerrar o relacionamento com o cliente quando houver incompatibilidade entre a movimentação de recursos na conta corrente e a atividade econômica e a capacidade financeira do cliente.(Acesso restrito)

  3. Por fim, o banco afirmou que não possui qualquer interesse, seja econômico ou de negócios, em vedar a abertura de contas para clientes de qualquer segmento específico. O banco apenas adota procedimentos visando a segurança do sistema financeiro, conforme regulamentação do Banco Central.

  1. O Itaú Unibanco (petição pública documento SEI nº0496076) informou que não abre contas para corretoras de critpomoedas, uma vez que, segundo o banco, essas empresas não comprovam a origem e o destino dos recursos detectados em movimentação suspeitas, o que é fundamental para identificar e monitorar operações e situações que podem configurar indícios de crimes de lavagem de dinheiro. Até 20/06/2018, o banco recusou a abertura de (Acesso restrito) contas correntes para empresas e pessoas físicas que atuavam com corretagem de criptomoedas.

  2. Contudo, uma vez que as corretoras de criptomoedas geralmente não declaram sua atividade principal ao banco[9] no processo de abertura de conta corrente, muitas contas acabam sendo abertas. Nesses casos, assim que o Itaú percebe uma incompatibilidade entre a movimentação dos recursos da empresa, sua atividade econômica e sua capacidade financeira, o banco inicia uma investigação para saber se há indícios de prática de crimes financeiros.

  3. O Itaú ressaltou que esse monitoramento acontece para todos os clientes do banco, e não apenas para as corretoras de criptomoedas. Quando percebe que a atividade exercida pela empresa difere daquela mencionada na abertura da conta, o banco, normalmente, encerra o contrato com o cliente.

  4. Segundo o banco, apesar de não ser regulada, a corretagem de criptomoedas não é ilícita. Contudo, essas empresas, na maioria das vezes, não conseguem comprovar a origem ou o destino dos recursos, e o processo de identificação e aceitação do cliente baseado em políticas de know you customer, o que gera riscos para o banco. Como a atividade não é regulada, não há comprovação e rastreabilidade da criptomoeda, ou seja, de onde são geradas e para que são utilizadas. De acordo com o Itaú, “não raro as criptomoedas estão diretamente envolvidas com polêmicas, dentre as quais seu uso em produtos oferecidos na deep web, onde podem livremente ser utilizadas para financiar grupos terroristas, propiciar pagamento de sequestros, instrumentalizar pagamento de corrupção. ”

  5.  O banco informou ainda que encerrou (Acesso restrito) contas de corretoras de criptomoedas sendo que, atualmente, (Acesso restrito) ainda estão abertas por determinação judicial. (Acesso restrito)

  6.  Por fim, o banco alegou que não considera a corretagem de criptomoedas como concorrente dos produtos de investimentos ofertados pelo Itaú. Dessa forma, não há que se falar em discriminação de concorrentes por parte do banco.

  7. Em 14 de agosto de 2018, a ABCB se manifestou em relação as respostas das empresas oficiadas (documento SEI nº 0513256).

  8. Em suma, a Associação alegou que:

  1. É o relatório.

II. ANÁLISE

II.1 Da instauração de Inquérito Administrativo

  1. Conforme artigo 66 da Lei n° 12.529/2011, “o inquérito administrativo, procedimento investigatório de natureza inquisitorial, será instaurado pela Superintendência-Geral para apuração de infrações à ordem econômica".

  2. Dessa forma, cumpre analisar, portanto, se os fatos trazidos ao conhecimento da Superintendência-Geral constituem indícios de práticas anticoncorrenciais, nos termos da Lei nº 12.529/2011. Em outras palavras, há de se averiguar se os fatos suscitados nos autos, independentemente de culpa, têm por objeto ou são aptos a produzir quaisquer efeitos previstos como anticoncorrenciais, quais sejam: “(i) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; (ii) dominar mercado relevante de bens ou serviços; (iii) aumentar arbitrariamente os lucros e/ou (iv) exercer de forma abusiva posição dominante.”[10]

  3. No presente caso, o representante alega, em síntese, que os bancos representados usam seu poder de mercado na prestação de serviços bancários para impedir o acesso das corretoras de criptomoedas ao mercado de serviços financeiros, que é essencial para o serviço de corretagem. Cabe a SG analisar, portanto, se há indícios de que esse impedimento pode configurar infração à ordem econômica.

II.2 Dos indícios de prática anticoncorrencial

  1. O representante alegou, em síntese, que os bancos representados restringiram o acesso da Atlas e demais corretoras de criptomoedas a infra-estrutura essencial, no caso, a uma conta corrente e demais serviços financeiros

  2. Como explicado pelo representante:

 (...) a manutenção de sua conta bancária é essencial e indispensável à atividade empresarial da Atlas, sendo, de outro modo, impossível a realização de seu objeto social, ou seja, a prestação de serviços financeiros. Até mesmo para efetuar o pagamento de tributos é necessário possuir uma conta bancária. (documento SEI nº 0483963 pág. 3).

  1. De fato, se para o bom desempenho de, praticamente, qualquer atividade comercial é fundamental o acesso ao sistema financeiro, no caso da corretagem de moedas virtuais, o acesso é indispensável. Para que seus clientes comprem e vendam moedas, as corretoras precisam ter acesso a, no mínimo, uma conta corrente em algum banco. De preferência em um banco com grande capilaridade, no qual grande parte de seus clientes tenham conta ou possam ter acesso, sem grandes custos para os clientes e corretoras (taxas de TED, DOC, etc).

  2. Como ressaltado pelo representante, “Não há qualquer alternativa viável para a realização de negócios e para a transferência de valores, senão por meio dos canais do sistema financeiro tradicional”. (documento SEI nº 0483963 pág. 3). Na verdade, até pela necessidade de rastreamento da origem e destino dos recursos destinados às corretoras de criptomoedas para fins de prevenção a crimes e fraudes, como lavagem de dinheiro, como inclusive é repetidamente alegado pelas instituições representadas, é imprescindível o acesso ao sistema financeiro para que esse controle seja feito a contento.

  3. Essa SG entende que as informações trazidas aos autos parecem demonstrar que, de fato, os principais bancos estão impondo restrições ou mesmo proibindo (no caso do Itaú Unibanco), o acesso de corretoras de criptomoedas ao sistema financeiro, o que, de fato, pode trazer prejuízos a essas corretoras.

  4. Cabe, contudo, analisar, brevemente, as principais alegações dos bancos oficiados para entender se há justificativa razoável para a recusa em contratar com corretoras de criptomoedas.

II.3 Das justificativas apresentadas dos bancos

  1. Como demonstrado acima, os bancos alegaram, em síntese, que, na maioria dos casos, encerram as contas de corretoras por entender que essas não estão seguindo precauções necessárias para evitar atividades ilícitas (como lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo, esquemas de pirâmide, etc) que podem comprometer a integridade do Sistema Financeiro Nacional.

  2. De fato, atividades ilícitas, como as citadas, devem ser evitadas e esta SG entende que os bancos devem tomar medidas restritivas quando há indícios de prática de crimes por parte de seus correntistas. Contudo, não parece razoável que os bancos apliquem  medidas restritivas a priori, de forma linear a todas as empresas de criptomoedas, sem analisar o nível de compliance e as medidas anti-fraude adotadas por cada corretora, individualmente, conferindo um tratamento de ilegalidade per se à atividade de corretagem de criptomoedas.

  3. Esta SG entende, portanto, que é importante entender se o encerramento em massa de contas de corretoras de criptomoedas por parte dos bancos se justifica ou não, ou se há meios alternativos para que as preocupações sejam endereçadas sem a adoção de medidas tão drásticas que podem, inclusive, impedir o desenvolvimento de um mercado nascente. Nesse sentido, cabe analisar se as corretoras de criptomoeda estão tomando as precauções necessárias para evitar qualquer risco de crime financeiro por parte de seus clientes. Caso estejam, não parece razoável que os bancos impeçam essas empresas de ter acesso aos serviços financeiros, que são imprescindíveis para o bom funcionamento das corretoras.

  4. Outro ponto trazido aos autos pelos bancos como justificativa para encerramento de conta de criptomoedas é a ausência de regulação do setor e de uma Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) para a atividade.
  5. Segundo alegado pela maioria dos representados, a falta de um CNAE específico dificulta a identificação das corretoras e impede que os bancos tenham garantia de que sua movimentação financeira decorre da negociação de moedas virtuais. A falta de regulamentação do setor também aumentaria o risco para as instituições financeiras. Conforme argumentado pelo Itaú:

“a ausência de regulação quanto à comprovação e rastreabilidade da criptomoeda, ou seja, de onde elas são geradas e para que elas são utilizadas (...) representa um risco não só para a Instituição Financeira contratada, mas para todo o Sistema Financeiro Nacional. ” (Documento SEI nº 0496076 pág. 9)

  1. De fato, a falta de rastreabilidade da moeda pode ser um problema, uma vez que, não havendo controle sobre origem e destino, o meio de pagamento pode ser utilizado para ocultar eventuais atividades ilícitas de empresas e ou indivíduos.
  2. Mais uma vez, contudo, não resta claro se, de fato, as corretoras de criptomoedas adotam mecanismos de prevenção suficientes ou não; entretanto, como ressaltado pela Representante, todas as transações de depósito ou retirada de recursos nas corretoras pelos seus clientes se dá via transferência bancária, de modo que, a princípio, tal argumento não se sustenta. Não obstante, esse ponto deve ser explorado mais a fundo por meio de instrução complementar com o objetivo de averiguar como as diversas corretoras do mercado estão atuando.
  3. Quanto a ausência de CNAE, esta SG entende que a falta de uma classificação própria e de regulamentação de um setor não o torna ilícito. O mercado de corretagem de criptomoedas é um mercado novo e é natural que decorra um lapso temporal entre o surgimento de novos mercados e sua regulamentação. É até lógico que o mercado se antecipe ao Estado, e não o contrário, e que, portanto, inovações, pela simples razão de trazerem consigo um caráter de ineditismo recebam presunção de licitude, decorrência natural do princípio da legalidade, previsto no artigo 5º, II, da Constituição Federal[11]. Ademais, a ausência de regulamentação em hipótese alguma deve servir de argumento para tolher a livre iniciativa, algo expressamente previsto na Constituição Federal de 1988 logo em seu 1º artigo e, em seguida, no 170:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

 II - a cidadania;

 III - a dignidade da pessoa humana;

 IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

(...)

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...) Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.” (grifo nosso)

  1.  O texto constitucional não poderia ser mais claro, dispensando comentários adicionais. Aliás, os mercados em nível mundial vêm percebendo um incremento significativo no nível de inovação, resultando em novos produtos e serviços e também novas formas na apresentação dos mesmos. Tecnologias disruptivas que, de uma hora para outra, contestam setores inteiros, provocando reações diversas, seja dos agentes econômicos, seja do próprio estado. Enquanto os consumidores, em geral, beneficiam-se da maior oferta, incumbentes e agentes tradicionais muitas vezes agem no sentido de barrar tais iniciativas, por enxerga-las como ameaças reais às suas atividades, algo inclusive discutido há pouco tempo no âmbito da Organização de Cooperação e desenvolvimento Econômico – OCDE[12]:

“Disruptive innovations are forms of innovation created outside the value network, which usually target low-end consumers in a first phase and reach mainstream consumers in a second phase. Incumbents may engage in unilateral conduct to block disruptive innovations, either by foreclosing access to the lowend consumer or by limiting the interface between the old value network and the new value network.

(…) Many interventions during the discussion emphasized the view that competition policy should protect the process of disruptive innovation and that antitrust enforcement is sometimes necessary to allow disruptive business models to succeed against strong opposition from incumbents.”

  1. Resta claro que a autoridade antitruste, nesse cenário, tem um papel protagonista, como guardião do princípio constitucional da livre iniciativa, no sentido de estar atento a movimentos que visem a obstrução da inovação, o retardamento do processo de surgimento de novos competidores, novas tecnologias que, em geral, elevam o nível de bem-estar de uma sociedade. Especificamente em se tratando do mercado financeiro, esse alerta é ainda mais válido, considerando o fenômeno das fintechs, empresas de tecnologia com foco na prestação de serviços financeiros que, aos poucos, estão se inserindo no dia a dia da população, prestando serviços acessórios ao sistema financeiro ou mesmo competindo diretamente com os agentes tradicionais[13]. Em um país com um dos maiores spreads bancários do mundo, a relevância dessas iniciativas é ainda mais premente.
  2. Por fim, cabe ressaltar que alguns representados alegaram que não consideram as corretoras de criptomoedas como concorrentes e, portanto, não seria possível falar em restrição de acesso a concorrente. Essa alegação deve ser objeto de investigação, pois, pelas informações disponíveis nos autos e pela própria observação da dinâmica atual do mercado, as corretoras de criptomoeda poderiam ser consideradas, ainda que de maneira incipiente, concorrentes dos bancos na oferta de alguns produtos e serviços financeiros, como investimentos de alto risco ou mesmo para serviços de remessas de recursos. Além disso, deve-se considerar também a concorrência potencial que esse mercado poderá oferecer ao mercado financeiro tradicional em um futuro próximo, como serviços de pagamentos.
  3. Por ora, esta SG entende que a instrução realizada confirmou possibilidade levantada pela representante de que os bancos representados podem estar utilizando de seu poder de mercado para, em conjunto, limitar ou prejudicar a atuação das corretoras de criptomoeda, vedando o acesso desses agentes ao mercado bancário. Fatos revelados neste procedimento preparatório podem, em tese, constituir indícios de infração à ordem econômica, matéria de competência desta autarquia antitruste. Sendo assim, tem-se condições suficientes para a abertura de Inquérito Administrativo para a continuidade da investigação a respeito das práticas relatadas na denúncia e ao longo da instrução.
  4.  Assim, sugere-se a continuidade da investigação em relação ao Banco do Brasil, Bradesco, Santander, Itaú Unibanco, Sicredi e Inter para o aprofundamento das questões apresentadas ao longo da breve instrução realizada, sem prejuízo de que outras instituições sejam investigadas se estiverem incorrendo em práticas semelhantes.

II.4 Da medida preventiva

  1. Como já mencionado acima, o representante solicitou a adoção de medida preventiva conforme previsto no art. 84 da Lei nº 12.529/2011, para que o Banco do Brasil, e qualquer outra instituição financeira, se abstenha de encerrar ou de se negar a abrir conta de qualquer empresa ou pessoa física que cumpra com as exigências legais para tanto, seja ela do segmento de criptomoedas ou não.
  2. Contudo, a SG entende que, até o momento, os indícios das práticas, embora existentes, são insuficientes para que se conclua pelo dano iminente e irreversível ao representante que justificasse uma intervenção tempestiva. Ademais, considerando informações trazidas pelas instituições representadas em relação à sensibilidade dos riscos envolvidos relacionados à fraude e lavagem de dinheiro, a SG entende que não é possível, neste momento, determinar uma medida de abstenção de encerramento ou de obrigação de abertura de contas correntes. A adoção de tal medida poderia elevar o risco de atuação das instituições financeiras ao limitar o combate a práticas de fraude e lavagem de dinheiro, dano esse não possível de mensuração nesse momento, mas que poderia prejudicar o regular funcionamento do sistema financeiro.   
  3. Nesse sentido, recomenda-se a denegação do pedido de adoção de medida preventiva, ressaltando que, se fatos novos identificados ao longo da instrução forem suficientes para atender os requisitos de periculum in mora e fumus boni iuris, a medida poderá ser adotada.

III. CONCLUSÃO

  1. Diante do exposto, sugere-se a instauração de Inquérito Administrativo, nos termos dos artigos 13, III, e 66 e seguintes, da Lei nº 12.529/2011 c/c os artigos 181 e seguintes do Ricade.

Estas as conclusões. Encaminhe-se ao Sr. Superintendente Geral.  

 


[1] Segundo definição constante no site do Banco Central do Brasil, as “moedas virtuais” ou “moedas criptográficas” são representações digitais de valor que não são emitidas por Banco Central ou outra autoridade monetária. O seu valor decorre da confiança depositada nas suas regras de funcionamento e na cadeia de participantes. A moeda virtual não possui vinculação a uma moeda oficial ou lastro regulatório.

[2] Fintech (do inglês finance and technology) são empresas que usam tecnologia de forma intensiva para oferecer produtos na área de serviços financeiros de uma forma inovadora. (https://canaltech.com.br/startup/o-que-sao-as-fintechs-e-por-que-elas-estao-ganhando-tanto-espaco-65169/)

[3] Ofício nº 2484/2018/CADE

[4] Ofício nº 2486/2018/CADE

[5] Ofício nº 2487/2018/CADE

[6] Oficio nº 2488/2018/CADE

[7] Ofício nº 2489/2018/CADE

[8] Ofício nº 2490/2018/CADE

[9] O banco destacou que isso nem sempre ocorre por má-fé das corretoras O problema é que como a atividade de critpomoedas não é regulamentada e não possui CNAE próprio, muitas vezes a empresa declara atividade similar no momento de abertura de conta corrente.

[10] Artigo 36, caput, da Lei nº 12.529/2011.

[11] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

[12] “THE IMPACT OF DISRUPTIVE INNOVATIONS ON COMPETITION LAW ENFORCEMENT”. DIRECTORATE FOR FINANCIAL AND ENTERPRISE AFFAIRS COMPETITION COMMITTEE. Setembro de 2017. Disponível em: <https://one.oecd.org/document/DAF/COMP/GF(2015)15/FINAL/en/pdf>.

[13] Podemos destacar os marketplaces de produtos de investimentos, as iniciativas de crédito P2P, em que tomadores e ofertantes de crédito transacionam diretamente via plataformas digitais, o Open Banking, dentre outros.


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Documento assinado eletronicamente por Marcelo Nunes de Oliveira, Coordenador(a)-Geral, em 18/09/2018, às 16:13, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Documento assinado eletronicamente por Letícia Ribeiro Versiani, Coordenador(a), em 18/09/2018, às 16:34, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Referência: Processo nº 08700.003599/2018-95 SEI nº 0526889