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Ministério da Justiça e Segurança Pública- MJSP

Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

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Processo Administrativo nº 08012.010483/2011-94

Representante: E-Commerce Media Group Informação e Tecnologia Ltda

Representados: Google Inc. e Google Brasil Internet Ltda.

Advogados: Mauro Grinberg, Leonor Augusta Giovine Cordovil, Ricardo Casanova Motta, Tercio Sampaio Ferraz Junior, Juliano Souza de Albuquerque Maranhão, Carla Osmo, Thiago Francisco da Silva Brito, Rodrigo Zingales Oller do Nascimento e outros.

Voto vista: Conselheiro João Paulo de Resende

 

 

VOTO

VERSÃO PÚBLICA

 

 

 

Sumário

I.     Introdução

II.    Mercado

III.      Poder de mercado

IV.      Incentivos

V.    Conduta

VI.      Efeitos

VII.     Possibilidades de Remédios

VIII. Conclusão

 

 

I.Introdução

Este é um voto-vista decorrente de debate que se iniciou com o voto divergente do Conselheiro Paulo Burnier na última sessão ordinária de julgamento, quando o caso foi trazido para apreciação do Conselho pelo Conselheiro-Relator Maurício Bandeira Maia. O voto-relator propôs o arquivamento do processo administrativo contra o Google, por entender, na esteira do DEE e da SG, que, embora o Google tivesse capacidade e incentivo para dificultar o funcionamento de rivais por meio da alavancagem de seu serviço de comparação de preços a partir de seu serviço de busca geral, não teriam sido identificados efeitos concretos da conduta. A Conselheira Polyanna Vilanova acompanhou o voto relator pelo arquivamento. O Conselheiro Paulo Burnier votou pela condenação por entender que, em se tratando de uma conduta em andamento, há efeitos potenciais possíveis e que isso justificaria uma decisão que impedisse a continuidade da conduta.

Por economia processual, refreio-me aqui de rediscutir as características dos mercados ora em análise e os fatos narrados ao longo de oito anos de instrução, tendo em vista o tanto quanto já discutido na Nota Técnica do DEE, no Parecer da SG e no voto Relator. Apoio-me nesses documentos e nas terminologias por eles utilizadas para dar continuidade à discussão. Inicio meu raciocínio a partir da definição de mercado relevante.

 

II.Mercado

Inicialmente, com relação à definição do mercado relevante, embora eu reconheça e respeite o argumento da Representada, acolhido pelo DEE e pela SG, de que é difícil definir mercado relevante em ambiente tão dinâmico e com fronteiras tão tênues entre os diferentes serviços prestados ao consumidor, entendo ser essa etapa da análise imprescindível para formar minha convicção. Isso porque, se promovêssemos uma análise puramente por efeitos e, por exemplo, identificássemos que um agente perdeu mercado para outro, a falta de uma delimitação desse mercado, bem como dos mercados a ele adjacentes, impediria a distinção entre uma conquista de mercado lícita e uma conquista de mercado ilícita.

Explico. No presente caso estamos lidando precisamente com uma acusação de que o Google teria feito uso de sua posição dominante em um mercado para se alavancar no outro. Ora, se não consigo diferenciar um mercado de outro, nunca conseguirei decidir pela existência ou não da conduta. Para dizer se de fato houve a alegada alavancagem é preciso não apenas delimitar o que compõe o mercado no qual o Google tem posição dominante, como também o mercado no qual ele pretendeu se lançar. Sem essas definições, não podemos, por exemplo, mensurar os efeitos no mercado afetado, uma vez que sequer saberíamos quem são os concorrentes que nele atuam.

Isso posto, sigo a definição de mercado adotada pela União Europeia e, também, de certa forma, pela SG e pelo DEE, de separar os mercados relevantes para a análise da presente conduta em três: (i) mercado de busca orgânica (ou horizontal); (ii) mercado de busca temática (ou vertical); e (iii) mercado de compras online

O mercado de busca orgânica é aquele em que o prestador do serviço realiza um matching, na Internet, entre quem procura e quem quer ser achado. Um serviço de qualidade prestado neste mercado é um serviço que permite que o matching ocorra da forma mais direta possível. Esse, a meu ver, é o negócio original do Google: levar o consumidor ao que ele quer na Internet, apresentar a melhor resposta o mais rapidamente possível. É entregar um resultado de busca puro, por assim dizer, ou orgânico, como se convencionou chamar no mercado os resultados não-patrocinados.

Há três características importantes sobre esse mercado que ajudam a entender o problema em análise. A primeira delas é que se trata de um mercado de dois lados, mais especificamente de usuários que querem encontrar algo e de sítios eletrônicos que querem ser encontrados.  A segunda, diretamente relacionada à primeira, é que se trata de um mercado com externalidade de rede, isto é, um mercado no qual quanto mais agentes em uma das pontas, maior será a demanda para estar na outra ponta, e vice-versa. Isso tende, muitas vezes, a levar o mercado para um equilíbrio em condição de monopólio natural.

A terceira característica é que a qualidade do serviço prestado nesse mercado depende necessariamente de uma neutralidade financeira da busca. O matching mais eficiente é aquele que conecta o usuário e o que ele procura, e não o usuário com aquele que pagou mais para aparecer na plataforma. Este é o sentido de busca neutra, pura ou orgânica.

Claramente, o prestador desse serviço precisa ser remunerado de alguma forma. Essa forma poderia ser por meio de uma cobrança fixa do consumidor para ter acesso a sua ferramenta de busca (como fazem, por exemplo, alguns sites de namoro); ou por meio de anúncio desvinculados do processo de busca orgânica, ou pelo menos fortemente identificados como sendo anúncios, como talvez seja o Adwords. Em outras palavras, existem outras formas de cobrança pelo serviço que não a contaminação da busca que o usuário entende ser neutra por uma ação patrocinada via financiamento.

Um segundo serviço, distinto do de busca orgânica, é o que se chamou de busca vertical, ou busca temática. Este serviço também tem, por um lado, o objetivo de ajudar o usuário/consumidor a encontrar o que procura, mas com algumas importantes distinções em relação ao mercado de busca orgânica: i) aqui a busca é focada em um tema; ii) por ser focada em um tema, é possível cobrar dos agentes que querem ser encontrados um valor para pertencer ao universo objeto da busca; iii) também por ser uma busca mais focada, é possível aplicar ferramentas de filtragem, comparação e rankeamento de resultados. Ou seja, o fato de o universo em que ocorrerá a busca ser significativamente reduzido permite um outro tipo de relação comercial entre o provedor do serviço de busca e o agente econômico que quer ser encontrado naquele universo. Também pressupõe um outro tipo de relação entre o usuário e o prestador de serviço de busca: idealmente, o usuário deveria saber que os produtos que ali aparecem não são resultado de uma busca universal da internet, mas de um site específico que tem parcerias com alguns vendedores específicos.

As buscas temáticas são específicas, por definição, a cada tema. Como exemplo temos buscas temáticas de viagens aéreas, de hotéis, de varejistas offline, de produtos financeiros, de notícias etc. A busca temática que nos interessa no presente caso é a de produtos que podem ser entregues em domicílio, ou, mais comumente, compras na Internet. Por permitir que o consumidor compare preços, os sites que oferecem esse serviço (de busca temática por produto) também são chamados, no presente voto e ao longo da discussão no CADE, de sites de comparação de preços (embora permitam comparar diversas outras características dos produtos pesquisados, como marca, qualidade, prazo de entrega etc.) e referidos, por vezes, como PCS[1].

Buscas gerais ou orgânicas são diferentes de buscas temáticas ou verticais, principalmente, porque o viés que existe na primeira não é (ou não deveria ser) comercial, no sentido de que não são exibidos como resultado links que pagaram para constar naquele espaço. Esse é o sentido da neutralidade, pois de fato, como argumentam vários autores, não existe neutralidade absoluta. Mesmo que o serviço do Google seja discriminar, não é qualquer discriminação; não deveria se admitir uma discriminação financeira. O consumidor acredita estar obtendo como resultado a melhor resposta para o que procura, não uma resposta (quiçá boa o bastante) que pagou para estar ali. Em outras palavras, um é um serviço de biblioteca, o outro um serviço de propaganda[2].

Um outro aspecto que reforça a compreensão de que se tratam de mercados distintos é que os comparadores de preços contratam com o Google. Pagam o Google para constar nos seus resultados de busca. Isso raramente é observado quando agentes são concorrentes no mesmo mercado. E quando concorrentes contratam entre si, normalmente a contratação é bilateral, o que não é o caso aqui, uma vez que o Google não paga pelos serviços de comparadores de preços. O fato de haver apena uma direção da contratação do serviço de um por outro nos permite estabelecer uma relação de hierarquia entre os serviços, com o Google acima dos demais agentes.

Por fim, temos um terceiro mercado relevante para a análise da conduta, o mercado de compras online. Esses serviços consistem em uma loja virtual em que os consumidores podem adquirir o produto desejado. É importante notar que permitir que o consumidor adquira o produto não significa apenas ter um botão de compra, mas viabilizar o pagamento por meio de um agente financeiro e, mais importante, liquidar a compra, ou seja, garantir que as partes da transação receberão os produtos/valores acordados. É a interface entre o produtor e o consumidor. Semelhante ao que faz uma bolsa de valores (que notem, aliás, se monopolizou no Brasil).

No Brasil, esses sites surgiram a partir de grandes lojas físicas de departamento ou de eletrônicos, que foram aos poucos se expandindo para incorporar produtos distintos de seu mercado original, e se tornarem grandes supermercados ou “lojas de departamento” online. Além de ampliarem e diversificarem seu estoque de produtos, esses sites também passaram a intermediar a transação entre o consumidor e varejistas online avulsos, que possuem seu próprio site de vendas, mas que veem vantagem em aparecer como alternativa para o consumidor que iniciou sua pesquisa por produto na página do supermercado. Dessa forma, passaram a exercer, também, uma espécie de busca temática, comparando e ranqueando resultados.

Uma denominação comumente usada para esse tipo de plataforma ao longo da discussão foi o de market place, que, apesar do anglicismo, uso daqui em diante para facilitar o diálogo com os demais votos e pareceres.

Abaixo trago uma figura ilustrando a relação entre varejistas, market places e comparadores de preço:

Figura 1. Varejistas, market places e comparadores de preço

A principal distinção dentre PCS e MP reside no raio de visão do processo de busca e nos incentivos para mostrar resultados. Os PCS (usualmente) não permitem que a compra seja realizada diretamente no site, e, portanto, não cumprem o papel de intermediador da transação. Por outro lado, eles permitem que o consumidor compare vários MP, o que não é possível a partir de um MP, pois não é incentivo para este levar o consumidor para outra plataforma de compra. Assim, um site da Americanas nunca oferecerá ao consumidor um resultado de busca temática ou comparação de preços melhor, porém abrigado no domínio das Casas Bahia, e vice-versa. Em outras palavras, não permite comparar qualidade e preço na prestação do serviço de intermediação da compra.

Tenho para mim, portanto, clareza de que estamos tratando de três mercados distintos, que oferecem serviços e funções distintas para o consumidor. De fato, como bem colocado pelo DEE e, principalmente, pela SG, esses mercados exercem alguma pressão competitiva entre si, a depender de qual exatamente é a intenção do usuário e de quão informado ele está sobre suas escolhas, mas não chegam a se confundir com um único mercado de busca na Internet. A figura abaixo ilustra os três mercados e sua leve sobreposição.

Figura 2. Mercados relevantes e suas sobreposições

 

III.Poder de mercado

Muito já se falou do poder de mercado do Google no mercado de busca genérica. Por exemplo, o DEE trouxe alguns dados que indicam que o Google processa mais de 95% das buscas orgânicas no Brasil. Não vou explorar mais este ponto por entender que, se a definição de mercado acima estiver correta (no sentido de ser a mais apropriada para a análise), não restarão dúvidas quanto à dominância do Google nesse mercado. Mas chamo atenção para um outro aspecto dessa dominância, relevante para o caso e que entendo ter sido pouco explorado até aqui.

Para muito além de um mecanismo de busca orgânica (e talvez justamente por se apresentar como um mecanismo de busca orgânica) o Google tem se tornado a porta de entrada para o acesso aos diversos domínios da Internet. Ele está presente na primeira tela de celulares da Samsung, marca de dispositivos mais usados no Brasil e operados pelo sistema Android, do próprio Google. Além disso, o espaço para inserção de endereços IP de três dos quatro principais navegadores usados pelos internautas brasileiros (Chrome (do próprio Google), Firefox e Safari) é uma caixa de busca do Google. Essa é uma posição ímpar que lhe confere um poder extraordinário, pois mesmo as pessoas que acessam a internet já com um website em mente (por exemplo, o das Casas Bahia) têm o hábito de digitar o endereço/nome na caixa de pesquisa do Google e, antes de chegar em seu site desejado, passar pelo site do Google, tendo, inclusive, a oportunidade de verem exibidas propagandas e, vejam bem, a própria opção de comparador de preços do Google.

Esse fenômeno é tão patente, que chega a ser ilustrado em uma passagem do filme Detonando Ralph II (ou Wreck it Ralph II). Os personagens, Ralph e Vannelope, ao entrarem pela primeira vez no mundo da Internet, se dirigem primeiro ao Tudo Sabe buscador universal (Google) para saber onde podem encontrar o produto que procuram.

Figura 3. Ilustração filme "Wreck it Ralph II"

Ou seja, o Google já é visto, e se posiciona comercialmente, como um guia geral de navegação no confuso universo em que se tornou a internet. Como será visto mais à frente, o poder decorrente dessa posição é atestado, inclusive, pela capacidade do Google de catapultar seu próprio comparador de preços, o Google Shopping, em um curto espaço de tempo, como o principal comparador de preços do Brasil. Seu acesso supera, inclusive, a maioria dos Market Places.

Figura 4. Mercados relevantes e suas sobreposições - Google

 

IV.Incentivos

Nesta seção, trato da análise dos incentivos que o Google tem para tentar tomar o mercado de comparadores de preços.

Trata-se de uma discussão que remete ao antigo argumento da Escola de Chicago (trazido pelo parecer do professor e ex-conselheiro Paulo Furquim) de que, na ausência de custos de transação, um monopólio não precisa se verticalizar para extrair toda a renda do elo seguinte da cadeia, de modo que não haveria incentivos para cometer uma infração concorrencial. Em outras palavras, alguém com o poder de mercado de um monopolista (como o Google) poderia, simplesmente, extrair todas as margens dos mercados à jusante por meio de contratos bem desenhados, sem carecer de uma conduta unilateral ou de um ato de concentração.  Assim, não haveria nexo entre os efeitos e a possibilidade de ação da autoridade da concorrência.

A própria literatura oferece explicações do porquê haveria racionalidade para monopolistas assim agirem, como a existência de custos de transação, especialmente no desenho de contratos, que impeçam a absorção total das margens pelo monopolista nos diferentes elos da cadeia, ou a tentativa de evitar que um agente suficientemente forte no mercado à jusante viesse a representar uma ameaça de entrada no mercado à montante, e vice-versa. Creio que, no presente caso, o primeiro desses pontos é mais relevante, havendo espaço para ganhos financeiros pelo Google eliminando o intermediário (middle man), mas que, de fato, não acredito que a conduta tenha tido como objetivo principal evitar que comparadores de preços brasileiros viessem a ameaçar o mercado de busca orgânica do Google, dada a distância que o Google se encontra de qualquer outro buscador, em especial em função de suas posições privilegiadas para acesso à internet.

Mas há um terceiro aspecto (ou uma terceira forma de racionalidade para a conduta) não previsto pela escola de Chicago (até porque, quando essas ideias foram escritas, o fenômeno não existia) e, salvo engano, pouco discutido nos autos até aqui. Trata-se do fato de que, além de potenciais lucros financeiros, um dos principais ativos para o mercado original do Google, o de busca orgânica, é capturar informações dos usuários. Quanto mais informações o Google consegue extrair de usuários da internet, mais ele consegue aprimorar o mecanismo de busca, é verdade, mas também mais ele se distancia de qualquer concorrente e mais ele robustece seu poder de mercado. Assim, me parece muito claro o incentivo do Google para agir de modo a garantir que a maior parte das atividades realizadas por internautas ocorra dentro de seus próprios subdomínios, para conhece-lo cada vez mais e para impedir que outros o conheçam. Os dados são a nova moeda, a nova fonte de poder. Ao direcionar o usuário para um site próprio de compra e não para um comparador (e, creio, no futuro, mesmo para um MP), o Google é capaz de observar o que o consumidor faz, colher suas informações e mapear seu comportamento.

Portanto, concluo por haver incentivos para a conduta.

 

V.Conduta  

Ao longo do processo, e a partir da denúncia, foi imputada ao Google a conduta de fazer uso de sua página de busca orgânica, que lhe confere posição dominante, para promover ou alavancar sua página de PCS[3].  Diversas formas foram apontadas, ao longo do processo, para a implementação dessa estratégia. Especifico-as da forma como as entendi, discriminando-as em três modalidades:

Produzir resultados de busca orgânica enviesados, permitindo ao PCS do Google aparecer primeiro na SRP;

Exibir em posição privilegiada na SRP imagens e links de texto que levam ao PCS do Google, recurso este que não está disponível para PCS concorrentes; e

Usar as informações de anunciantes dos PLA, produto bastante demandado pelo mercado, para alimentar seu site próprio de comparação de preços, o que a Representante sugeriu se tratar de uma espécie de “venda casada”.

Em relação à primeira conduta, entendo que os testes realizados pelo Google, a pedido do DEE, indicaram que não teria havido discriminação nos resultados apresentados nas páginas de resultado da busca orgânica, tanto na forma de maior frequência de aparições, como na forma de maior visibilidade, ou seja, aparições em posições privilegiadas.

Destaco que esse foi um teste realizado pelo Google com os dados do próprio Google, e que, embora eu não tenha motivos, a princípio, para desconfiar de sua fidedignidade, tampouco me sinto confortável em aceitar o fato de que a única forma que temos de testar uma conduta do Google seria perguntando para o próprio Google. Fato é, a meu ver, que nunca saberemos, de uma forma sistemática, o que foi o resultado das buscas orgânicas durante o período analisado nos autos, a não ser que tivéssemos desenvolvido um robô e testado esses resultados antes da instauração do PA, em fase de procedimento preparatório, e sem o conhecimento do Google (se é que isso é possível).

Entendo a dificuldade de o CADE conseguir fazer isso em 2011, e torço para que um dia nossa capacidade de investigar infrações concorrenciais no mercado digital evolua na velocidade com que evoluem esses mercados. Mas, por enquanto, os dados do Google é o que temos e com ele devemos trabalhar. Assim, frente ao que consta nos autos, não consigo identificar essa prática, motivo pelo qual julgo que não cabe condenação por essa conduta.

A segunda conduta consistiu, na realidade, em uma série de alterações do Google que foram fazendo com que links para seu PCS assumissem posição cada vez mais privilegiada na SRP.

Inicialmente, em outubro de 2011, é introduzido no Brasil o comparador de preços do Google (Product Search) e, concomitantemente, a caixa azul de resultados no meio da busca orgânica, com imagens, conhecida como Universal Box. Posteriormente, em abril de 2012, é introduzido o PLA, anúncios com fotos individuais, decorrentes do resultado de busca, expostos no topo da página. Por fim, no primeiro semestre de 2013, o Google introduz a Unidade Comercial, uma “caixa” que contém diversos PLAs e na qual há pelo menos dois links que levam o usuário para o Google Shopping, além do link no topo da página (no chamado toolbelt), logo acima da unidade comercial, sendo o primeiro na forma de cabeçalho com a palavra chave da busca e o segundo no formato de uma seta ou texto de “ver mais” (a depender da modalidade de acesso – celular, computador etc.), conforme destacado na figura abaixo.

Figura 5. Links para o Google Shopping na página de resultados da busca orgânica

Durante essa evolução, o Google nega a outros comparadores de preços o direito de exibir propaganda de seu serviço nesses espaços. Em outras palavras, outros comparadores de preço não podiam anunciar nos PLAs, assim como não podiam adquirir os links que levavam invariavelmente apenas ao comparador do próprio Google (Google Shopping), os quais estariam sempre presentes e visíveis aos consumidores, mesmo em ocasiões em que o algoritmo do Google não identificava que o consumidor queria realizar uma compra, como na imagem abaixo:

Figura 6. Link para o Google Shopping mesmo na ausência de identificação da intenção de compra na página de resultados da busca orgânica

 

Entendo que tais alterações do layout da SRP têm o potencial de gerar danos concorrenciais, posto que a exibição privilegiada na página de resultados de busca confere uma enorme possibilidade de alavancar o serviço de comparação de preços do próprio Google em detrimento dos demais existentes no mercado até então.

Segundo o DEE, as fotos da Universal Box tinham essa característica e a vinculação ocorreu, durante um período, em cerca de [ACESSO RESTRITO AO CADE E AO GOOGLE]. Inclusive, esse link era feito sem a identificação, para o consumidor, de que ele seria direcionado para uma página de comparação de preços. Isso é inegável, posto que na Universal Box, a foto do produto ou seu cabeçalho não eram vinculadas a nenhum varejista/anunciante específico. Portanto, só poderiam remeter ao PCS do Google. Entendo que essa frequência, de 40%, é uma boa proxy para a frequência com que o usuário clica em links situados ao redor dos de varejistas que pagaram para ali aparecer. Ou seja, a atenção do usuário é levada para o resultado com foto, e a partir dali parte dessa atenção é capturada para o site de comparação de preços.

Tratarei dos possíveis efeitos dessa conduta no item seguinte do voto.

Antes disso, faz-se necessário ainda refletir sobre a terceira conduta apresentada acima, a suposta prática de venda casada.

A alegação da Representante sobre esse ponto, em especial sobre a configuração de alguma conduta do Google como venda casada, é menos nítida. Em alguns momentos se indica que a venda casada consistiria na exigência de que, para anunciar nos PLA da SRP, do anunciante, em particular da própria Representante, seria exigido informações para alimentar o Google Shopping. Em outros momentos, alega-se que a venda casada consistiria na utilização de informações de varejistas repassadas como condição para se comprar espaço de anúncio na Unidade Comercial como um insumo para alimentar o subdomínio de comparação de preços.  

Com relação a essas alegações, a Representada não nega que exige tais informações de varejistas para constar no PLA e que, de fato, utiliza as informações para alimentar o Google Shopping, pois o processo de contratação com os anunciantes é unificado e realizado por meio do Merchant Center, de modo que a mesma informação que alimenta o PLA também alimenta o Google Shopping. Contudo, alega que o recolhimento dessas informações é fundamental à própria provisão do serviço.

Quanto à prática de exigir determinadas informações para constar no PLA, aceito o argumento da Representada de que são necessárias para a prestação do serviço, não se tratando de uma obrigação acessória sem relação com o contrato ou negociação original[4]. Isso porque, para alimentar seu algoritmo e fornecer ou aprimorar o serviço prestado aos anunciantes (lembrando que se trata de um mercado de dois lados), a Representada precisa conhecer uma série de informações que tornem mais precisos os resultados de busca, ampliando as chances de que o usuário consumidor venha a clicar no anúncio do varejista. Entendo que o mesmo tipo de informação é solicitado por outras plataformas de PCS e de MP, e que isso não decorre, portanto, da posição dominante no mercado de busca orgânica.  

Com relação ao fato de a Representada usar tais dados para alimentar tanto a busca orgânica que gera o PLA quanto seu site de comparação de preços Google Shopping, reconheço que a prática confere uma vantagem competitiva considerável para a Representada no mercado de comparadores de preço, mas o fato de as informações serem um bem não-rival[5] impede que seja possível cobrar duas vezes por esses dados, no sentido de que “pagamento” do anunciante (ou o ônus para participar da transação) por meio da entrega de informações não poderia ser diferente se os produtos fossem vendidos separadamente.  Ou seja, se o Google fosse forçado a separar a venda dos PLA da venda do Google Shopping, o conjunto de informações a ser repassado pelo anunciante como obrigação da operação seria fundamentalmente o mesmo, portanto não é possível configurar essa prática como uma venda casada. Seria até possível exigir duas vezes a mesma informação, mas sem nenhum sentido econômico, o que significaria apenas introduzir uma ineficiência no processo. Portanto, descarto a possibilidade dessa prática ter qualquer potencial anticompetitivo, não cabendo avaliar seus efeitos separadamente dos efeitos das outras condutas elencadas acima.

Em suma, reconheço como a conduta praticada pela Representada com possíveis efeitos anticompetitivos apenas a segunda conduta descrita acima, passando agora à análise dos efeitos.

 

VI.Efeitos

A análise de efeitos nesse caso foi quase que integralmente realizada pelo DEE, a quem parabenizo pelo esforço. Em que pese concordar com vários pontos metodológicos e grande parte das conclusões exaradas na Nota Técnica, acredito que uma revelação importante, constante no Gráfico 14, reproduzido abaixo, passou despercebida:

 

Figura 7. Gráfico DEE – Tráfego de busca orgânica

[ACESSO RESTRITO AO CADE E AO GOOGLE]

 

 

Esse gráfico foi reproduzido no Parecer da SG e no voto do Relator, sem que, no entanto, tenha causado espanto a ninguém. O que se infere desse gráfico é que, a partir de março de 2013, com a introdução da Unidade Comercial, o tráfego proveniente do Google para os comparadores de preço (com forte peso do Buscapé) fica estável, para os varejistas/market places cresce [ACESSO RESTRITO AO CADE E AO GOOGLE] e, para o Google Shopping, cresce [ACESSO RESTRITO AO CADE E AO GOOGLE]![6]

Recorrendo aos dados originais apresentados pelo Google, construí um gráfico analisando apenas os comparadores de preços[7], ou seja, sem os market places, conforme definição de mercado relevante adotado neste voto e em toda a instrução, o qual reproduzo a seguir:

Figura 8. Gráfico Gabinete 1– Tráfego do Google para os principais PCS

[ACESSO RESTRITO AO CADE E AO GOOGLE]

 

O tráfego usado nesse gráfico, assim como no do DEE, é o tráfego total proveniente da SRP para cada comparador. Isso quer dizer que o tráfego para o Google Shopping no gráfico acima provém dos cliques nos links da Unidade Comercial, e o tráfego para os demais comparadores da soma do tráfego orgânico com o tráfego decorrente de anúncio no Google Ads.  

Se olharmos para essa trajetória em termos relativos, ou seja, comparando as participações de mercado de cada empresa, o resultado é o seguinte:

Figura 9. Gráfico Gabinete 1– Evolução de market share dos PCS

[ACESSO RESTRITO AO CADE E AO GOOGLE]

 

 

O que os gráficos acima demonstram é que, a partir de maio de 2013, o serviço do Google assume uma trajetória monotônica e fortemente ascendente, tomando a liderança do mercado após apenas dois anos, e tendo mais de 50% do mercado após menos de três anos. Não há dúvidas, para mim, de que o PCS do Google tomou por completo esse mercado em poucos anos. Mesmo o Zoom, que muito se alegou ter crescido em termos absolutos ao longo do período analisado, apenas mantém participação relativa constante, mostrando sinais de declínio nos anos finais. Isso tudo apesar de ter um grupo forte por trás, a Globo, que detém o quarto ou quinto domínio mais acessado na internet brasileira (globo.com) e que também tem capacidade (embora muito aquém da do Google) de alavancar seus serviços acessórios, como o comparador de preços.

É possível notar, ainda, que a entrada dos dois primeiros produtos (Product Search e Universal Box) praticamente não afetou o fluxo de tráfego do Google para o Google Shopping, que permaneceu com participação de mercado próxima de zero durante mais de um ano. Assim como também não surtiu efeito a introdução dos PLA isolados, fora da Unidade Comercial, em abril de 2012 (conforme Nota Técnica DEE p.6). É apenas com a introdução da Unidade Comercial que a situação muda.

Esse fato indica duas coisas. Em primeiro lugar, se o Google Shopping fosse um comparador de preços de melhor qualidade para usuários e anunciantes, teríamos observado algum crescimento de seu tráfego durante esses 18 meses anteriores à entrada da Unidade Comercial. Pelo contrário, a exibição de um resultado de busca com foto e a sua vinculação ao comparador de preços do Google à época (Product Search) não gerou efeitos no sentido de permitir que o Google alavancasse sua posição nesse novo mercado (para o Google)[8].

Logo, e em segundo lugar, os dados indicam que o efeito de captação massiva de tráfego não decorre exatamente da introdução de fotos associadas a produtos, mas do posicionamento privilegiado de links para o Google Shopping no topo da página, mesmo quando o resultado da busca não indica que o consumidor queira comprar um produto.

Em outras palavras, o que alavanca o Google Shopping é a introdução do toolbelt (aba direcionando ao Google Shopping no topo da página), do header (link também direcionando ao Google Shopping acima dos PLA) e da seta “ver tudo”. Ao fazer isso, o Google está distribuindo pelas melhores posições da página de busca links para seu próprio comparador de preços, sendo que links de concorrentes são relegados a posições menos visíveis, longe das imagens e abaixo na posição da página.

Em reunião em meu gabinete, quando confrontada com esse ponto, a Representada contra-argumentou indicando que os números estariam poluídos pelo fato de a maior parte do fluxo identificado para o PCS do Google terem origem no link conhecido como Toolbelt, e que a maior parte desse tráfego, por sua vez, viria de ocasiões em que a Unidade Comercial não teria sido exposta como resultado do Google Search. Ou seja, o fluxo não teria a ver com a pesquisa pelo produto.

Entendo o ponto trazido, mas não vejo como ele nega o fato de que o posicionamento privilegiado de links do Google Shopping na SRP teria alavancado sua participação no mercado de comparadores. Pelo contrário, acredito que reforça o tanto quanto exposto, uma vez que, mesmo quando o buscador não identifica a intenção de compra (que já existe quando o usuário digita as palavras chave), ao não exibir o PLA, mas manter o shopping no toolbelt, ele direciona o usuário ao seu comparador e, portanto, desvia-o de outros comparadores. Nesse sentido, o argumento apresentado não exonera o Google da conduta imputada e de seus efeitos, mas ajuda no desenho de um remédio, como discutirei mais à frente.

Talvez esses gráficos não tenham sido apresentados pela Representada nem construídos pelo DEE ou pela SG porque todos entenderam que não caberia uma comparação apenas entre sites comparadores de preços, pois eles estariam inseridos em um mercado maior, que incluiria os sites de compra (market places). Embora discorde dessa leitura, e entenda que a forma mais clara de proceder à análise antitruste no caso é segmentar esses dois mercados, destaco que, mesmo considerando um mercado bem maior, que incluiria PCS market places/ principais varejistas, ainda assim é possível detectar aumento significativo de participação do Google Shopping, sem dúvida alguma alavancado pela posição dominante do Google enquanto buscador orgânico.

Em menos de quatro anos, o PCS do Google já é o segundo maior agente deste mercado ampliado no Brasil, perdendo apenas para o Mercado Livre. Pela tendência das trajetórias, é bem provável que a diferença entre esses dois agentes já tenha se reduzido significativamente desde 2016, não sendo improvável que o Google tenha assumido a liderança no mercado[9].

Figura 10. Gráfico Gabinete 1– Evolução do tráfego de PCS, MP e varejistas

[ACESSO RESTRITO AO CADE E AO GOOGLE]

 

 

Esses gráficos ajudam a explicar alguns resultados dos testes feitos pelo Google a pedido do DEE. Pelo que aqui se vê, pouca relevância teria a frequência com que outros comparadores de preços aparecessem na busca orgânica do Google, nem se eles aparecessem em posição de maior destaque que o Google Shopping. Independentemente dos resultados da busca orgânica ou mesmo do processo que gera a exposição dos Adwords, o fundamental é aparecer no topo da página e (possivelmente) próximo a imagens que chamam a atenção do usuário na própria página. A partir do momento em que a Unidade Comercial é introduzida, toda busca por produto na plataforma de busca genérica do Google mostrará, em três lugares distintos e privilegiados, links com acesso para o comparador de preços do Google.

Ainda quanto a efeitos, há outra sugestão de como a alavancagem do PCS do Google pode ter afetado concorrentes: um aumento dos custos dos rivais do Google Shopping, que teriam que gastar mais recursos, comprando do próprio Google posições mais vantajosas na SRP, ainda que inferiores às do PCS do Google. Ou ainda, que investissem mais pesadamente em outras formas de propaganda fora do Google (off line ou em outros domínios, como redes sociais ou sites de notícias).

Os resultados de investigações do DEE sobre a trajetória dos custos de rivais com anúncios no Google após a entrada do Google Shopping não foram interpretados como evidências de aumento desses custos. Segundo o DEE, o custo por clique (CPC) para os anúncios pagos por Buscapé e Bondfaro no Adwords aumentou após o lançamento do Product Universal e se manteve neste patamar até começar a cair em julho de 2007 (gráfico 23, reproduzido abaixo).

Figura 11. Gráfico 23 do parecer do DEE

[ACESSO RESTRITO AO GOOGLE E AO CADE]

 

 

Além disso, o custo médio do tráfego proveniente do Google (pago e não pago), embora tenha apresentado alguns picos, variou entre [ACESSO RESTRITO AO CADE E AO GOOGLE] por clique durante todo o período investigado.

Figura 12. Gráfico 27 do parecer do DEE

[ACESSO RESTRITO AO CADE E AO GOOGLE]

 

 

Embora não haja motivos para desconfiar dos dados (de fato, para o CPC, as duas fontes de dados são praticamente idênticas), a conclusão de que os movimentos identificados não representam um aumento do custo de rival é menos óbvia. Em primeiro lugar, porque um CPC que praticamente dobra em 18 meses, e permanece nesse patamar por mais 18 meses, não é algo insignificante. Em segundo lugar, porque esses gráficos não revelam que, enquanto os gastos por clique cresciam (ou mesmo se mantinham estáveis), a participação de mercado do Buscapé só declinava. E isso importa porque qualquer gasto com publicidade tem impacto relativo: o gasto é tão útil quanto melhor desviar demanda de um rival para si. Ocorre que, conforme já visto neste voto, enquanto a demanda do Google Shopping explodia, a demanda do Buscapé/Bondfaro se mantinha, na melhor das hipóteses, estável, fazendo com que perdesse mercado. 

Em outras palavras, se a demanda cresce fortemente, mas o número de ofertantes se mantém constante (ou mesmo diminui), é esperado que o mesmo gasto com publicidade seja capaz de captar uma demanda maior, no mínimo mantendo-se a participação relativa. A não ser, é claro, que o gasto com publicidade de um agente tenha sido mais eficiente que o de outro. Mas este é justamente o ponto alegado na denúncia e comprovado pelos dados apresentados pelo próprio Google: não importa quanto se gaste em publicidade no Adwords, o produto do Google sempre estará em posição privilegiada.

Demonstrados os efeitos no mercado, ou seja, na concorrência, faço aqui uma reflexão sobre potenciais efeitos para os consumidores finais. Essa é uma régua (um nível de padrão probatório) proposta pela SG como necessária para eventual condenação. Embora eu não necessariamente concorde com a imposição de tão elevado padrão probatório para uma conduta unilateral, acho que, no presente caso, é possível argumentar com relativa facilidade que monopolização que se aproxima, pelo Google, do mercado de PCS, tem o potencial de gerar efeitos para o consumidor final, tanto na forma de maior tempo gasto com o processo de procura e comparação de produtos, como pelo aumento de preço generalizado dos produtos.

Sem outro serviço que permita a comparação entre lojas virtuais (market places), o consumidor, se quiser realizar essa comparação, terá duas opções: (i) usar o serviço do Google; ou (ii) visitar uma dezena de lojas virtuais que podem ou não ter os mesmos produtos e anunciantes. Caso escolha essa segunda opção, gastará grande tempo e esforço comparando preços, condições de entrega e formas de pagamento entre market places. Caso opte por usar o Google, estará diante de produtos mais caros, pois, ao monopolizar o serviço de comparação de atributos de produtos, o Google poderá cobrar, na outra ponta do mercado, preços mais elevados para que o anunciante faça parte deste universo, não apenas o anunciante que pretenda aparecer em uma posição privilegiada, mas qualquer um que queira aparecer como uma opção para o consumidor que compara atributos. Se hoje o Google ainda não é uma infraestrutura essencial na internet (essential facitily), com a monopolização do serviço de PCS ele certamente se tornará uma.

Assim, entendo que já há efeitos concretos e observáveis da conduta da Representada no mercado de comparação de preços, e acredito que esses efeitos serão sentidos pelos consumidores do serviço de comparação de atributos quando (e não se) a monopolização pelo Google ocorrer. Nesse sentido, há efeitos concretos aos concorrentes e potenciais aos consumidores na conduta examinada. Passo à análise da possibilidade de remediação dessa situação.

 

VII. Possibilidades de Remédios

A conduta identificada como danosa à concorrência é a prática de alavancar o comparador de preços do Google por meio da página de resultados de busca do Google. Mais especificamente, a prática de exibir em locais privilegiados da SRP vínculos (links na forma de texto, de imagens, ou em qualquer outro formato) para o PCS do Google, atualmente conhecido como Google Shopping.  Essa exibição ocorre mesmo em situações em que o algoritmo de busca genérica do Google não identifica que o usuário quer realizar uma compra e, portanto, não exibe a Unidade Comercial. Praticamente qualquer resultado oferece ao usuário a oportunidade de acessar o Google Shopping, por meio do toolbelt.

Haveria, a meu ver, duas intervenções possíveis para solucionar essa enorme vantagem competitiva que o Google se dá: (i) impedir a exibição de qualquer link que leve diretamente para a página do Google Shopping; (ii) exigir que qualquer link que leve diretamente para a página do Google Shopping ofereça também, em condições suficientemente análogas, a opção de o usuário ser direcionado para outro site de comparação de preços.

Antes de discutir cada uma das duas opções, explico porque acredito que o remédio proposto pela Representante não merece ser acatado. Relembro que a E-commerce sugeriu como remédio que lhe seja garantido acesso a anúncios nos atuais PLA. Segundo o meu entendimento do problema concorrencial observado, a exposição de imagens na página de resultados de busca (na forma do Universal Box ou dos atuais PLA) com links que levam o usuário para o site de um vendedor do produto procurado pelo usuário não é a pratica que produz os efeitos identificados na investigação e, portanto, não constitui uma infração concorrencial. Isso porque, pela definição de mercado relevante adotada neste voto (e em todos os demais) o resultado da busca orgânica não é (o que chamamos aqui de) um comparador de preços. Os produtos ali listados raramente são os mesmos (exceto se muito bem especificados pelo usuário), e apresentam preços com elevada variância. A SRP não permite ordenar nem comparar diversos outros atributos dos produtos. O PLA é, a meu ver, não um comparador de preços, mas uma espécie de cartaz onde o Google insere os produtos dos anunciantes que lhe pagaram para isso. É um espaço de propaganda da SRP, como o Adwords ou o antigo Universal Box, ainda que, muitas vezes, uma propagando não muito bem identificada pelo Google. Se a analogia permitir, é como a prática de merchandising em programa de televisão, em que o canal insere um produto na programação sem anunciar claramente que o está fazendo.

Reconheço que esse entendimento é distinto do que foi aquele da União Europeia, que considera ter havido uma inserção do Google Shopping diretamente na SRP. Não compartilho desta leitura, e considero problemática apenas a associação dos resultados de busca com o subdomínio de comparação de preços do Google, sem oferecer alternativas ao usuário. Portanto, entendo que seria desproporcional e ineficiente exigir que o Google reservasse parte ou todo esse espaço para anúncios de sites de comparação de preços, ou mesmo que permita que esses serviços sejam anunciados nos PLA.

Voltando, portanto, às alternativas de intervenção que guardam nexo de causalidade com a conduta identificada, adianto que impedir que o Google remeta o usuário do serviço de busca genérica para a página do Google Shopping seria uma solução, a princípio, eficaz (no sentido de atingir o objetivo e acabar com a prática de alavancagem), mas, em um primeiro momento, pelo menos, ineficiente. Ineficiente porque existe pelo menos uma alternativa que, a meu ver, garante um grau maior de “igualdade de armas” entre os concorrentes no mercado de comparação de preços e que significa uma intervenção mais leve. A ideia é exigir que os links que o Google atualmente exibe na página de resultados de busca para seu próprio comparador de preços não levem diretamente para o Google Shopping, mas sejam precedidos da exibição de alternativas ao usuário. Algo dessa natureza já vem sendo adotado na Europa para o link contido na seta “ver mais”, que aparece ao lado dos PLA. Lá, em vez de uma seta, o Google exibe para o usuário um leque de alternativas, como se vê na figura abaixo:

Figura 13. Remédio adotado pela CE

 

Como se vê, são oferecidas opções de comparação em vários sites, como Blue Shopping, gangster.de e Brainlabs, além do próprio Google. O mesmo pode ser feito, acredito, para os outros dois links que atualmente remetem para a página do Google Shopping, o cabeçalho e a aba do toolbelt. Possivelmente na forma de um dropbox, ou seja, ao arrastar o mouse ou clicar nesses links, cairia uma caixa com uma lista de sites que permitam que o consumidor compare atributos de produtos, inclusive entre diferentes market places. Sites como Zoom, Buscapé, Uol Shopping etc.

Uma alternativa, talvez menos confortável para o usuário, mas também viável operacionalmente, seria a remissão, por esses links, para uma página com resultados de buscas que exibissem, de maneira equivalente, além de um link para o Google Shopping, links para outros PCS. Algo semelhante ao modelo de resultado de busca anterior à introdução do Product Search no Brasil, em 2011.

 

VIII.Conclusão

A pergunta que se coloca neste momento do voto é: essa proposta de remediação seria uma regulação do mercado? A resposta é sim. Não há como fugir do fato de que, sobre a Representada, pesará uma regra definida pelo Estado sobre como se comportar em seu próprio mercado. Mas não podemos nos esquecer que qualquer remédio comportamental (e até mesmo estrutural), seja em sede de AC, seja em sede de PA, é uma regulação. Quando determinamos que um terminal portuário não pode cobrar um tipo de serviço dos recintos retro alfandegados, quando impedimos a AMBEV de vender cerveja em garrafas 630 ml (exemplo levantado algumas vezes nessa discussão), quando decidimos que Sem Parar e Connectcar devem dar acesso isonômico a seus contratos de compartilhamento de infraestrutura, ou quando impedimos que determinados agentes adotem cláusulas de exclusividades, estamos regulando mercados, queiramos nós dar esse nome ou não.

Reconheço que o ideal seria que uma agência reguladora, e não o CADE, lidasse com mercados digitais, que cada vez mais se assemelham a monopólios naturais. Um órgão perene, com capacidade técnica e maiores poderes para fiscalizar. Acredito, inclusive, que isso acontecerá um dia. Já criamos, a exemplo da União Europeia, uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).  Vários autores e autoridades discutem, ao redor do mundo, o caminho para enfrentar essa nova fronteira regulatória. Mas, até lá, não temos alternativa a não ser nos contentar com as ferramentas de que dispomos atualmente, e espero que a proposta de intervenção aqui apresentada contribua para esse processo.

Eu normalmente sou crítico em relação a esse tipo de remediação. Meu voto hoje cedo, no caso Itaú-Ticket, elencou várias dificuldades com o monitoramento de compromissos assinados em ACCs. Mas, no presente caso, acredito que o monitoramento seria um pouco mais fácil que o usual, pelo fato de que o serviço que o Google presta ao exibir uma página de resultado de buscas é público, visível ao CADE, a consumidores e a eventuais interessados. Checar se o Google está cumprindo o compromisso seria relativamente mais fácil: saberíamos se o link está remetendo diretamente para o site do Google Shopping ou exibindo, antes, alternativas para o usuário, porque, além de autoridades da concorrência, somos usuários diuturnos desse serviço.

Entendo que essa medida pode gerar alguma perda de bem-estar para alguns consumidores no curto prazo, na forma de terem que passar por uma etapa a mais na busca e comparação de produtos. Mas, assim como em caso de preço predatório, acredito que a intervenção tem o potencial de sacrificar minimamente o bem-estar presente para alterar a trajetória, para mim clara, de monopolização desse mercado pelo Google, beneficiando consumidores dinamicamente, ou seja, no futuro. E nem todos os consumidores serão afetados: aqueles que, como argumentou a Representada, compram por impulso e finalizaram a transação na primeira foto que clicarem, continuarão tendo essa opção. Aqueles, por outro lado, que dedicam mais tempo para pesquisar, comparar e comprar de forma menos inconsciente, não serão tão induzidos a crer que não possuem alternativas. 

Endereçando pertinente provocação trazida ao plenário na tribuna pela patrona do Google, não acho que os engenheiros da empresa acordaram um dia e pensaram “como vamos fazer para quebrar todos os nossos concorrentes?”. Mas acho plausível que um dia a direção da empresa solicitou aos engenheiros que pensassem formas de fazer com que o site do Google capturasse cada vez mais receita proveniente de anúncios na Internet, que mantivesse o internauta o maior tempo possível dentro do sistema Google, e que evitasse que alguém fizesse com o Google o que o Google fez com o Yahho. O Froogle foi uma primeira tentativa que não funcionou. Mudaram então o nome do produto para Product Search e criaram um resultado de busca, o Product Universal, que era apresentado na foram de uma caixa em destaque, com foto, no meio da busca orgânica, chamado Universal Box. Quando isso não se mostrou suficiente, criaram o PLA e os introduziram no alto da página. E, quando essa inovação tampouco se mostrou boa o bastante, criaram a Unidade Comercial, com fotos de anunciantes e links para o Google Shopping. Essa foi a história que eu entendi a partir dos autos.

Também foi trazido, ao longo das diversas discussões sobre o caso, que o fortalecimento do Google deveria ser enxergado não como a extinção de pequenos rivais num mercado insignificante, mas, num raio de visão maior e mais profundo, como o início de uma disputa com a Amazon para determinar quem se tornará o único site em que tudo é comercializado na Internet (e, possivelmente, na vida real). Quanto a esse ponto, pondero, primeiramente, que essa tendência não me parece algo saudável para consumidores, produtores e para o funcionamento de uma economia de mercado. Sinto caminharmos para uma situação em que apenas uma empresa realizaria toda a logística física, informacional e financeira de transação entre agentes econômicos. Isso me parece, na realidade, bastante assustador, e entendo que as autoridades da concorrência, demais reguladores, e poderes públicos soberanos devem ficar atentos e, caso o mercado de fato convirja para essa direção, tenham a firmeza e a coragem de intervir. Um único agente de mercado privado não pode ter tanto poder assim, e se a Amazon for a próxima que precise de um alerta nesse sentido, que assim o seja. Em segundo lugar, todos os que se manifestaram ao longo dos autos pelo arquivamento do presente processo (Representada, SG, DEE, voto relator) disseram que devemos analisar a conduta do Google exclusivamente no mercado brasileiro, e não levar em conta o que aconteceu em outros países. Pois bem, que nos mantenhamos, então, coerentes a esse princípio e não nos esqueçamos que, durante os oito anos de conduta investigada, a Amazon praticamente não existiu no Brasil. É verdade que sua recente entrada tem o potencial de fornecer rivalidade ao Google Shopping, mas apenas, ainda, de forma embrionária e hipotética. 

Por fim, vale mencionar que fui sensibilizado pelo argumento do professor e ex-conselheiro Paulo Furquim sobre o risco de erro Tipo I neste caso (ou seja, de um falso positivo) tendo em vista a dinamicidade deste mercado. Uma decisão que tente regular algum aspecto deste mercado, por mais tímida que seja (como creio ser esta) tem o potencial de inibir inovações. Por outro lado, pondero também a lição aprendida em conversar com o amigo Victor Cravo, que me lembrou o tanto quanto dito por Karl Polany, pensador húngaro, sobre um dos papéis da regulação ser exatamente o de refrear mudanças tecnológicas muito abruptas e rápidas, que rompem estruturalmente a forma como as pessoas se relacionam, para que elas, as pessoa, possam se adaptar ao avanço tecnológico e encontrar novas formas pacíficas de convívio social. Nessa batalha de grandes ideias, pendi para o maior conservadorismo, acreditando que a intervenção gera menos risco.  Já pedindo perdão pelo spoiler do final do premiado seriado Chernobyl, inovações nesse mercado são como processos de reação nuclear: a fissão de átomos tem um grande potencial para gerar energia e bem estar, mas carece de uma estrutura bem montada de cilindros de boro que, como verdadeiros reguladores, impedem que a reação fuja ao controle e provoque danos irreversíveis e inestimáveis.

 

IX.Dispositivo

Condeno a Representada:

Ao pagamento de multa no valor de 1% do faturamento do Google no Brasil no ano de 2010, conforme cálculo do voto do Conselheiro Paulo Burnier;

Ao cumprimento das obrigações impostas no Anexo I deste voto a partir de 180 dias.

O descumprimento das obrigações impostas no Anexo I deste voto deverá ser punido com o pagamento de multa diária correspondente a R$ 1.000.000,00 por dia.

 

 

 

 

ANEXO I

  1. Fica o Google impedido de exibir em sua Página de Resultados de Buscas quaisquer vínculos (links) que levem diretamente para seu próprio Metabuscador de Compras Online (equivalente ao que hoje é denominado Google Shopping) sem que sejam exibidos, em posições e formatos equivalentes, pelo menos duas alternativas de Metabuscador de Compras Online que não tenham relação societária com o Google

Para fins do exposto no caput, entende-se por Metabuscador de Compras Online sítios eletrônicos que que permitam a comparação, pelo usuário, de produtos oferecidos por diferentes lojas virtuais de compras, incluindo varejistas e Market Places.

Dentre os vínculos (links) mencionados no caput, incluem-se os atualmente exibidos na Página de Resultados de Buscas (como toolbelt, header, seta “ver mais”, fotos do PLA) ou outros que vierem a substituí-los.

A escolha dos Metabuscadores de Compras Online que serão exibidos nos termos desta cláusula deverá seguir o mesmo método utilizado para seleção dos anunciantes exibidos no Product Ad Listing ou no veículo que vier a substituí-lo.

A exibição de Metabucadores de Compras Online poderá ser feita por qualquer meio, a critério do Google, desde que mantida a equivalência de posição e formato com o Google Shopping, incluindo, mas não limitado a, drop boxes, pop ups ou páginas intermediárias.

  1. Fica o Google obrigado a informar o usuário de seu serviço de Metabuscador de Compras Online que este se trata de um serviço patrocinado, e não de uma busca orgânica.

  2. As obrigações listadas acima permanecem válidas caso o Google venha a alterar seu modelo de negócios de modo a permitir que compras online sejam realizadas diretamente em sítio eletrônico de seu domínio.

 

 

 

Brasília, 26 de junho de 2019

 

 

[assinatura eletrônica]

Conselheiro João Paulo de Resende

 

 


[1] Do inglês Price Comparison Site. Manterei essa nomenclatura para que meu voto dialogue mais facilmente com os demais votos e pareceres neste caso

[2] Isso vale, obviamente, para todo serviço de busca temática que pode, em princípio, ter o resultado afetado pela aquisição do direito de aparecer (ou de aparecer primeiro) como resultado de busca não identificada como patrocinada. 

[3] É bem verdade que essa conduta pode estar acontecendo já em outros mercados de busca temática, como hotéis, voos, etc. Mas essas condutas extrapolam a presente investigação e não serão consideradas no voto.

[4] Conforme estabelecido no Tratado de Roma sobre a prática abusiva de exigir obrigações acessórias por agente em posição dominante.

[5] Ainda que, a meu ver, em contraposição ao entendimento exarado pelo DEE, serem exclusivas, no sentido de que é possível impedir que quem não pagou pelas informações tenha acesso a elas.

[6] Não é possível inferir esse valor pelo gráfico do DEE porque existe um pequeno erro de planilha que, ao calcular o tráfego do Google, soma também o tráfego de outros comparadores e market places. Ou seja, olhando para o gráfico, o crescimento teria sido ainda maior. Esse erro foi corrigido pelo meu gabinete.

[7] Os seis principais em janeiro de 2012 e o Google Shopping.

[8] Para fins do tanto debatido neste voto, estou supondo o tempo todo que os dados fornecidos pelo Google estejam completos, e neles me baseio. No entanto, é possível que a ascensão do PCS do Google tenha se iniciado, de fato, antes, quando da introdução do Universal Box. Conforme já citado, segundo NT DEE, entre 2012 e 2013 cerca de [ACESSO RESTRITO AO CADE E AO GOOGLE] das imagens do Product Universal levavam para o Google Shopping. Resultado semelhante é encontrado na análise feita pela Comunidade Europeia. Ou seja, é muito provável que o Product Search, precursor do Google Shopping, estivesse recebendo tráfego massivo antes da sua remodelagem como Google Shopping na Unidade Comercial, mas como o DEE pediu dados do Google Shopping, o Google respondeu apenas com os dados desse novo produto.

[9] Sem fazer uso de qualquer propaganda offline ou mesmo de qualquer propagando fora do próprio Google, diga-se de passagem.


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Documento assinado eletronicamente por João Paulo de Resende, Conselheiro, em 01/07/2019, às 18:08, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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A autenticidade deste documento pode ser conferida no site sei.cade.gov.br/autentica, informando o código verificador 0632473 e o código CRC 3CB9E4A4.




Referência: Processo nº 08012.010483/2011-94 SEI nº 0632473