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Ministério da Justiça e Segurança Pública - MJSP
Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

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NOTA TÉCNICA Nº 34/2017/CGAA4/SGA1/SG/CADE

 

Inquérito Administrativo nº08700.004314/2016-71

Representante: Ministério Público Federal junto ao CADE

Representadas: CLARO S.A., TIM Celular S.A., OI Móvel S.A e TELEFONICA BRASIL S.A

Advogados: Leonardo Maniglia Duarte, Leonardo Lins Fonseca, Caio Mário da Silva Pereira Neto, Andreia Molinari Saad Nogara e outros

 

 

 

  

EMENTA: Inquérito Administrativo para Apuração de Infrações à Ordem Econômica. Supostas práticas no sentido de limitar, falsear e prejudicar a livre concorrência e a livre iniciativa, por meio da discriminação de condições de acesso a aplicativos na Internet e fixação diferenciada de preços. Mercado de telecomunicações e Internet. Conduta não configurada. Arquivamento do processo consoante art. 135, §2º c/c art. 139 §3º do Regimento Interno do CADE c/c art. 66 §4º da Lei 12.529/2011.

 

VERSÃO PÚBLICA

 

I.  RELATÓRIO

  1. Trata-se de Inquérito Administrativo para Apuração de Infrações à Ordem Econômica originado a partir de Representação do Ministério Público Federal (SEI nº 0208803), recebida em 9.6.2016, em face de CLARO S.A. (“Claro”), TIM Celular S.A. (“Tim”), OI Móvel S.A. (“Oi”) e TELEFONICA BRASIL S.A. (“Vivo”). O Inquérito foi instaurado por meio do Despacho SG nº 803/2016, de 6.7.2016 (SEI nº 0219203), em virtude de denúncia quanto a supostas práticas anticoncorrenciais consistentes com atos que podem limitar, falsear e prejudicar a livre concorrência e a livre iniciativa, por meio da discriminação de condições de acesso a aplicativos na Internet e fixação diferenciada de preços. As condutas seriam passíveis de enquadramento nas hipóteses do art. 36, inciso I (limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa), combinados com o §3º, incisos III (limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado), VII (utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros), VIII (regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços), X (discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços) e XV (vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo), da Lei Federal nº 12.529/2011.

  2. Constam como Representadas, no presente feito, as empresas (i) Claro, com sede na Rua Florida, n 170, Brooklyn Paulista, CEP 04565-907, na cidade de São Paulo, inscrita no CNPJ/MF n. 40.432.544/0001-47; (ii) Tim, com sede na Avenida Giovanni Gronchi, n. 7.143, Vila Andrade, CEP 05724-005, na cidade de São Paulo, inscrita no CNPJ/MF n. 04.206.050/0001-80, (iii) Oi, com sede no Setor Comercial Norte, Quadra 03, Bloco A, Edifício Estação Telefônica, Térreo, Parte 2, CEP 70.713-900, em Brasília-DF, inscrita no CNPJ/MF n.° 05.423.963/0001-11, e (iv) Vivo, sociedade por ações, com sede na Av. Eng. Luís Carlos Berrini, 1376, Bairro Cidade Monções, São Paulo - SP, CEP 04571-936, inscrita no CNPJ/MF sob o n°. 02.558.157/0001-62.

  3. Em síntese, o Representante alega que as Representadas, por meio de suas políticas de preços e condições diferenciadas de prestação de serviços no mercado de Internet, estariam incorrendo em condutas com efeito anticompetitivo de falseamento ou prejuízo à livre concorrência à jusante, com suposto tratamento discriminatório entre os diversos conteúdos trafegados e aplicativos acessados por meio de suas redes.

  4. Após a instauração do presente Inquérito (em 6.7.2016), solicitou-se a manifestação acerca da denúncia formulada pelo Representante à Claro, por meio do Ofício nº 3340/2016/CADE (SEI nº 0219535); à Vivo, por meio do Ofício nº 3342/2016/CADE (SEI nº 0219562); à Oi, por meio do Ofício nº 3343/2016/CADE (SEI nº 0219578); e à Tim, por meio do Ofício nº 3344/2016/CADE (SEI nº 0219581), todos datados de 7.7.2016.

  5. As manifestações de Claro (SEI nº 0231587) e Tim (SEI nº 0231589) foram protocoladas em 12.8.2016. Por sua vez, a resposta da Vivo (SEI nº 0232231) foi protocolada em 15.8.16, assim como a manifestação da Oi (SEI nº 0231860).

  6. Em 22.8.2016, foi enviado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (“MCTIC”) o Ofício nº 4089/2016/CADE (SEI nº 0234119), solicitando a manifestação deste Ministério acerca da Representação em tela. A resposta foi protocolada em 14.10.2016 (SEI nº 0253183).

  7. Na mesma data, enviou-se para a Agência Nacional de Telecomunicações (“Anatel”) o Ofício nº 4090/2016/CADE (SEI nº 0234128), solicitando as considerações desta Agência quanto à manifestação da Representante. A resposta foi protocolada em 14.11.2016 (SEI nº 0265973).

  8. Também em 22.08.2016, foram expedidos Ofícios à Associação Brasileira de Internet (“Abranet”) – Ofício nº 4094/2016/CADE (SEI 0234169); e à Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (“Proteste”) - Ofício nº 4099/2016/CADE (SEI 0234190). A manifestação da Abranet foi protocolada em 14.10.2016 (SEI 0253148) e a resposta da Proteste em 3.03.2017 (SEI 0309038).

  9. Em 23.11.2016, houve nova manifestação da Vivo nos autos (SEI 0270666), reiterando a solicitação de arquivamento do presente feito.

  10. Em 16.3.2017, solicitou-se manifestação acerca da Representação às empresas (i) Facebook, por meio do Ofício nº 1442/2017/CADE (SEI nº 0314151); (ii) Twitter, por meio do Ofício nº 1444/2017/CADE (SEI nº 0314219); (iii) Google, por meio do Ofício nº 1445/2017/CADE (SEI nº 0314223); (iv) Linkedin, por meio do Ofício nº 1451/2017/CADE (SEI nº 0314322).

  11. As manifestações de Facebook (SEI nº 0321955) e Linkedin (SEI nº 0322875) foram protocoladas em 4.4.2017 e 7.4.2017, respectivamente. Também em 4.4.2017, foi recebida uma manifestação voluntária da empresa Mercado Livre (SEI 0321641). Por fim, em 3.5.2017, o Google apresentou sua resposta (SEI 0333260). Não houve manifestação do Twitter.

  12. É o breve relatório.

 

II. ANÁLISE

II.1. Da denúncia

II.1.1 Objeto da Representação

  1. A denúncia do MPF versa sobre supostas condutas das prestadoras de serviços de telefonia móvel que, segundo o Representante, em clara afronta à Lei de Defesa da Concorrência e ao Marco Civil da Internet, ofertam planos de dados que diferenciam as condições de acesso a aplicações na Internet.

  2. Em resumo, o MPF alega que as quatro Representadas - que controlam quase a totalidade do mercado em questão -, estariam supostamente adotando práticas comerciais discriminatórias no provimento do serviço de acesso à Internet móvel, ao ofertar a seus usuários planos de dados que diferenciam as condições de acesso a determinados serviços de Internet, por meio da cobrança de valores reduzidos ou mesmo da isenção total de cobrança. Neste último caso – modelo caracterizado como “zero rating”-, os usuários não pagariam às operadoras para acessar determinados conteúdos ou aplicações, como as de redes sociais. Em outro modelo, denominado "acesso patrocinado", o detentor da aplicação supostamente remunera a prestadora pelo tráfego de dados gerado por seus usuários.

  3. Exemplificando, o Representante menciona que a Claro teria lançado uma oferta que permitiria aos contratantes navegar na Internet, de forma gratuita e ilimitada, sem desconto no pacote ou franquia de Internet adquirida, ao acessar exclusivamente às redes sociais Facebook, Twitter e WhatsApp[1]. Assim, o pacote de dados ou franquia de Internet contratada seria consumido normalmente com outros acessos não contemplados neste plano.

  4. Da mesma forma, a TIM teria iniciado a comercialização do plano "Controle WhatsApp", por meio do qual o cliente da operadora poderia enviar mensagens de texto e voz, fotos e vídeos através do aplicativo WhatsApp, sem incorrer em consumo da franquia de Internet.

  5. Também conforme informado pelo Representante, a Oi teria ofertado o plano "Facebook e Twitter Grátis", que permitiria ao usuário acessar tais conteúdos sem custo ou consumo da franquia de Internet, por meio de um aplicativo oferecido pela própria operadora, o "Opera Mini".

  6. Conforme declara o MPF, seguindo o comportamento das demais operadoras precursoras da prática, a Vivo teria lançado recentemente os planos especiais de acesso a redes sociais por meio dos quais os clientes comprariam determinado volume de dados para utilização exclusiva do aplicativo do Facebook, cujo valor por megabyte teria valor inferior ao especificado em seus planos de acesso padrão.

  7. Dessa forma, os planos mencionados permitiram acesso mais barato a determinadas aplicações, que seriam favorecidas diante de outras. Segundo o MPF, tais práticas estariam distorcendo a competição no mercado de aplicativos, constituindo obstáculo ao crescimento de empresas concorrentes e ao ingresso de novos entrantes, desestimulando a inovação e incentivando o aumento de preços para a contratação dos serviços de conexão à Internet móvel, em detrimento do consumidor.

  8. O Representante ainda acrescenta que:

Sob a ótica dos consumidores, a prática, sob o pretexto de ofertar algo gratuitamente, distorce a concorrência, cujo grande beneficiário é o próprio consumidor, bem como afasta a autodeterminação do internauta, que está sendo enganado em relação à isonomia no acesso às aplicações, atuais e futuras. O estratagema também causa severos impactos no equilíbrio existente com relação à aquisição, pelo internauta, do plano que ele deseja, em condições justas e razoáveis, pois torna mais oneroso um acesso neutro à Internet.

  1. O MPF afirma que, ao se pactuar uma suposta gratuidade de acesso a determinados aplicativos, todos os usuários, consumidores ou proprietários de outras aplicações acabariam pagando indiretamente por ele. O Representante ainda acrescenta que, como consequência, haverá aumento dos custos dos rivais, pois as aplicações de Internet não contempladas nos planos mencionados terão seu acesso muito mais oneroso e que, se a prática persistir, em pouco tempo teremos uma Internet seletiva e economicamente inacessível de maneira aberta.

  2. Além de supostamente distorcer a concorrência no mercado de aplicativos, a prática objeto da Representação geraria incentivos perversos para que as operadoras aumentassem significativamente os preços de seus planos de dados móveis e para a compra de dados excedentes. A conduta geraria grandes preocupações com a manutenção da abertura da Internet à inovação, novos produtos, desenvolvimento tecnológico e liberdade real dos usuários de escolha dentre os melhores serviços.

  3. Em resumo, o Representante sustenta que a prática de acesso favorecido, além de estar em desacordo com o Marco Civil da Internet e com o princípio da neutralidade de rede, também traz importantes preocupações concorrenciais e impactos ao bem-estar do consumidor por motivos econômicos. O MPF ainda alude à possibilidade de ampliação do polo passivo de eventual procedimento investigatório a ser desenvolvido no âmbito do CADE, a fim de que as demais partes celebrantes de negócios com as operadoras sejam também responsabilizadas, no caso de ser constado que se trata de um acordo, amplamente falando, e não de uma conduta unilateral implementada pelas operadoras.

  4. Assim, por considerar demonstrada a existência de indícios suficientes de infração à ordem econômica e tendo em vista a competência desta SG para apreciar o assunto ora tratado, o MPF requereu que sua representação fosse analisada por esta SG, determinando-se a instauração de processo administrativo em face das Representadas, nos termos do que dispõe o art. 69 da Lei 12.529/2011.

 

II.1.2 Manifestação das Representadas

II.1.2.1 Vivo [2]

  1. A Vivo ressalta que, de acordo com os arts. 66 e seguintes da Lei nº 12.529/2011 e do art. 141 do Regimento Interno do CADE, inquéritos administrativos são instaurados para apurar a prática de infrações à ordem econômica. Nesse sentido, outras questões levantadas pelo MPF em sua representação que não são afeitas ao campo antitruste - tais como se os fatos imputados à Vivo também violam o Marco Civil da Internet - "MCI" (Lei n° 12.965/2014) ou o decreto que o regulamenta (Decreto n° 8.771/2016) - não deveriam constar do escopo deste inquérito.

  2. A empresa destaca que o Representante teria genericamente denominado todas as diferentes políticas comerciais adotadas pelas Representadas de "zero rating". Entretanto, a Vivo afirma que não pratica o zero rating: em todos os modelos que adota atualmente, a Representada recebe uma contraprestação pelo fornecimento de conexão aos sites e aplicativos objeto das políticas - seja vindo do provedor de aplicações, seja vindo do próprio usuário.

  3. A empresa acrescenta que não há contratos restritivos ou vínculos societários entre a Vivo e as empresas objeto de suas políticas comerciais, e que não há de sua parte qualquer incentivo em favorecê-las ou em restringir a concorrência nos seus respectivos mercados.

  4. Adicionalmente, a Vivo esclarece que não possui relação de exclusividade com as empresas objeto de suas políticas comerciais, e permanece aberta a negociar em termos isonômicos com qualquer outra empresa que tenha interesse em ser parte de políticas similares.

  5. Assim, segundo a Representada, suas políticas comerciais possuem justificativas legítimas e seriam uma estratégia lícita de diferenciação tanto por parte da empresa quanto por parte dos próprios sites e aplicativos, e estimulariam a concorrência. Segundo a Vivo, não houve prejuízo à concorrência ou ao consumidor, uma vez que os segmentos envolvidos são competitivos e, portanto, não vulneráveis aos danos que poderiam ser causados pela suposta conduta discriminatória da empresa.

  6. Na visão da Vivo, a Representação não traz qualquer indício de que suas políticas comerciais têm, de fato, o potencial ou o efeito de gerar prejuízos efetivos à concorrência e ao consumidor. Assim, não haveria na denúncia qualquer evidência dos supostos impactos concorrenciais que as políticas comerciais da Vivo poderiam gerar no caso concreto - fossem exemplos de como as barreiras à entrada estariam sendo aumentadas, evidências de concorrentes sendo excluídos, ou mesmo casos de aumentos efetivos de preço.

  7. Sendo assim, a Representada solicita que o presente inquérito administrativo seja arquivado, nos termos do art. 13, IV da Lei 12.529/2011.

 

II.1.2.2 TIM

  1. A manifestação da Tim destaca que a denúncia do MPF é centrada em uma crítica ao modelo de negócios denominado genericamente de “zero rating", com o objetivo de chamar o CADE à reflexão de que essa prática supostamente infringiria a neutralidade de rede e provocaria efeitos anticompetitivos. Na visão desta operadora, o Representante pretende, com sua denúncia, provocar a avaliação do CADE sobre a compatibilidade de um modelo de negócios, em tese, com a legislação concorrencial, abordando em uma mesma acusação prestadoras concorrentes, com ofertas diferenciadas, e que revelam estratégias comerciais próprias, não coordenadas.

  2. A Representada ressalta que, além de tratar de ofertas de tarifa zero apenas em tese, sem individualização das condutas, a denúncia não traria provas ou indícios que sustentasse as alegações. Segundo a Tim, a representação do MPF estaria baseada em uma argumentação viciada, constituída a partir de artigos acadêmicos que se orientam por uma única tese e algumas experiências internacionais regulatórias esparsas.

  3. Para além de defender a licitude do modelo de negócio baseado em zero rating frente ao MCI; no caso concreto, a Tim argumenta que a análise da oferta “Tim Controle WhatsApp”, citada na denúncia, evidencia não somente a inexistência de potenciais efeitos anticompetitivos, como também a existência de eficiências significativas.

  4. Dessa forma, conforme defende a Tim, em razão (i) da inexistência de poder de mercado e condições estruturais que possibilitariam abusos de posição dominante, (ii) da inexistência de potenciais impactos anticompetitivos, e (iii) da presença de significativas eficiências associadas à prática denunciada, a Representada solicita que o presente inquérito administrativo seja arquivado, nos termos do art. 13, IV da Lei 12.529/2011.

 

II.1.2.3 Claro

  1. Assim como a Vivo, a Claro alega que a representação do MPF busca fundamentar uma intervenção pelo CADE com base em supostas violações a regras do Marco Civil da Internet e outras regulamentações, o que extrapolaria os limites das competências deste Conselho, previstas na Lei n° 12.529/2011. Portanto, para esta Representada, o escopo do presente Inquérito Administrativo deveria ser limitado a avaliar se as promoções em questão seriam passíveis de ser enquadradas como infração à ordem econômica, nos termos do art. 36 da Lei n° 12.529/2011. De qualquer modo, a Claro ressalta o entendimento de que suas práticas comerciais e promoções estão em total conformidade com as regras de neutralidade de rede previstas pelo Marco Civil da Internet.

  2. Ademais, segundo a Claro, as políticas comerciais e promoções implementadas pela operadora não possuem o objeto e nem poderiam produzir qualquer efeito anticompetitivo e, dessa forma, não configuram infração à ordem econômica prevista na Lei nº 12.529/2011. Ao contrário, suas promoções de zero rating teriam o potencial de gerar uma série de efeitos benéficos e pró-competitivos no mercado, que foram desconsiderados na Representação do MPF.

  3. Desse modo, tendo em vista insubsistência de indícios de infração à ordem econômica que poderia ser atribuída à Claro, a Representada solicita o arquivamento do presente Inquérito Administrativo.

II.1.2.4 Oi

  1. De forma análoga ao apresentado pelas demais operadoras, a Oi alega que a discussão acerca de uma hipotética violação ao princípio de neutralidade de rede previsto no Marco Civil da Internet não guarda qualquer conexão com a presente análise antitruste. Todavia, a Representada esclarece as razões pelas quais, em sua visão, a prática de zero rating não violaria a previsão de neutralidade de rede do Marco Civil.

  2. No que tange à análise sob a ótica da defesa da concorrência, a Oi defende que as práticas devam ser analisadas de acordo com os parâmetros estabelecidos pela regra da razão. Assim, apenas quando a conduta unilateral for abusiva e produzir efeitos líquidos negativos ao mercado é que se poderia considerá-la ilegal. A Oi sustenta que suas ofertas são perfeitamente lícitas, uma vez que que não há produção de efeitos anticompetitivos nos mercados de telefonia móvel ou de aplicações de Internet. Para a Oi, tanto o zero rating quanto o acesso patrocinado são claramente benéficos à competição, gerando incentivos à inovação e possibilitando uma maior disputa pelo consumidor.

  3. A empresa ressalta que sua oferta promocional não afeta negativamente a competição, já que não há relação de exclusividade entre a Oi e os aplicativos parceiros e, consequentemente, não há impedimento à celebração de parcerias com quaisquer aplicativos. Ademais, na visão da Representada, a diferenciação de serviços e condições é prática legítima no setor de telecomunicações.

  4. Portanto, diante de todo o exposto, a Oi requer o arquivamento do presente Inquérito Administrativo.

 

II.1.3 Manifestação da Abranet

  1. Por sua vez, a Abranet entende que a oferta de planos que diferenciem as condições de acesso a certas aplicações constitui comportamento em clara afronta à Lei de Defesa da Concorrência e também ao Marco Civil da Internet (e ao Decreto n. 8.771/2016 que o regulamentou), e, na prática, desvirtua fortemente as condições de competição na web.

  2. Para esta associação, quando as operadoras de serviços de telecomunicações privilegiam determinados aplicativos em detrimento de outros, provocam uma distorção no mercado, prejudicando aqueles que não são abrangidos por tais planos, já que estes seriam artificialmente colocados em posição secundária, ou mesmo fora do espectro de escolha dos consumidores.

  3. Sob a perspectiva da Abranet, permitir que as operadoras direcionem o fluxo de acesso a aplicações por meio de incentivos econômico significaria o fim da neutralidade da rede em relação aos aplicativos de Internet, bem como a antítese da "concorrência no mérito" (competition on the merits) nesse mercado.

  4. Segundo interpretação da Abranet, o Decreto n. 8.771/2016 - que regulamentou o Marco Civil da Internet -, proibiu a prática do modelo denominado “zero rating” e destacou o papel do CADE na repressão aos abusos cometidos pelas operadoras de telecomunicações. De todo modo, independentemente da regulação específica do setor, para a Abranet, as práticas denunciadas pelo MPF afetam a concorrência, e caberia ao CADE, portanto, reprimi-las.

  5. Com base no exposto, requer a Abranet que seja instaurado Processo Administrativo para que, ao final, sejam declaradas como anticompetitivas as práticas adotadas pelas Representadas.

 

II.1.4 Manifestação da Proteste

  1. A manifestação da Proteste acompanha em grande parte o entendimento da Abranet. De acordo com a associação, à luz dos princípios de governança da Internet, do MCI e de seu decreto regulamentador, a prática do zero-rating associada a planos franqueados com acesso restrito a determinados conteúdos e aplicações e bloqueio aos demais conteúdos viola o princípio da neutralidade de rede. A prática supostamente resultaria em graves prejuízos para a sociedade, tanto pelo aspecto econômico quanto pelo lado social.

  2. Segundo a Proteste, o modelo gera efeitos danosos sobre o ambiente concorrencial, pois não haveria igual oportunidade a todos os agentes econômicos interessados em explorar os mercados. A entidade ainda acrescenta que o zero-rating impacta também direitos básicos do consumidor, especialmente o direito de escolha e de impedimento à venda casada.

  3.  Por outro lado, a Proteste pondera que a prática do zero-rating não é lesiva por si só, pois poderia ser utilizada para atender ao interesse público caso os governos e entidades da administração formulassem contratos com os provedores de modo a garantir que o acesso a serviços públicos não fosse descontado da franquia.

 

II.1.5 Manifestação do MCTIC[3]

  1. A Secretaria de Política de Informática (“SPI”) é quem tece as considerações do MCTIC ao presente processo. Sua análise sobre o impacto das condutas denunciadas é realizada separadamente, considerando (i) zero rating como quebra da neutralidade de rede e (ii) zero rating como prática anticoncorrencial.

  2. No que tange à neutralidade de rede, o ministério ressalta que, a despeito da posição enfática do Representante no sentido de que a oferta de planos de telefonia móvel com acesso gratuito a determinadas aplicações é uma violação ao princípio da neutralidade de rede, é preciso reconhecer que o debate sobre o zero rating é complexo e ocorre em escala global. Segundo o MCTIC, em estudo comparativo internacional, verifica-se que não há um tratamento uniforme por parte das autoridades regulatórias.

  3. No caso brasileiro, o Decreto n° 8.771, de 11 de maio 2016 - que regula especificamente o princípio da neutralidade de rede previsto no MCI - não veda expressamente o zero rating, embora dispositivos mais abertos, como o art. 10[4], o inciso I do art. 9º ou mesmo uma interpretação extensiva do inciso II do mesmo artigo[5] abram espaço para uma decisão nesse sentido por parte da Anatel. Trata-se, portanto, de uma questão que pode ser abordada em normatização específica da autoridade regulatória nacional, exatamente como estaria ocorrendo em outros países.

  4. A SPI entende que a oferta de planos com tarifa zero para aplicações selecionadas pelo provedor de acesso à Internet e outras práticas que se enquadrem na categoria mais ampla de acesso patrocinado não consistem em uma violação a priori ao princípio de neutralidade de rede e, portanto, não se justifica uma proibição ex ante por parte da Anatel.

  5. Quanto aos supostos efeitos anticompetitivos das condutas denunciadas, a SPI considera que a alegação abstrata de que há uma distorção concorrencial no mercado de aplicações em virtude de práticas de tarifa zero parece ser insuficiente para justificar qualquer apuração ou repressão por parte do CADE. Na visão da SPI, não há na representação qualquer dado concreto para corroborar a tese do MPF. Na realidade, entende o MCTIC que o mercado de aplicativos é altamente diversificado, com altíssima taxa de inovação, em que a competição ocorre em escala global.

  6. Conclui o ministério que não parece haver, na representação, elementos suficientes para justificar um procedimento de apuração de conduta anticoncorrencial.

 

II.1.6 Manifestação da Anatel

  1. O Conselho Diretor da Anatel, por meio do Acórdão n.º 406/2016-CD, de 11.11.16, decidiu, por unanimidade, pelo encaminhamento ao CADE dos autos do Processo n.º 53500.020772/2016-69, que compreende a manifestação da Anatel pela ausência de indícios de infração à ordem econômica nas ofertas dos planos contendo cláusulas de zero rating das prestadoras do Serviço Móvel Pessoal (SMP), representadas pelo Ministério Público Federal junto ao CADE.

  2. Integram o processo supracitado (i) a Análise 20/2016/SEI/AD, de 5.5.16, que apresenta a manifestação da Anatel sobre a regulamentação da neutralidade de rede prevista no  Marco Civil da Internet (ii) o Informe nº 4/2016/SEI/SCP, de 6.9.16, em que a Superintendência de Competição defendeu a inexistência de indícios de conduta contrária à ordem econômica que impacte o mercado de provimento de acesso à Internet, bem como o mercado de provimento de conteúdo e aplicativos, a ensejar a necessidade de abertura de processo administrativo por parte da Superintendência Geral do CADE; (iii) o Parecer n° 00721/2016/PFEANATEL/PGF/AGU, de 20.10.16, em que a Procuradoria Federal Especializada opinou pela inexistência de elementos nos autos que comprovem que a conduta impugnada pelo MPF possa ser caracterizada como infração à ordem econômica ou como ofensa ao princípio da neutralidade de rede; e (iv) a Análise n° 100/2016/SEI/AD, de 9.11.16, em que o eminente Conselheiro Aníbal Diniz propõe ao Conselho Diretor da Anatel encaminhar ao CADE manifestação da Agência pela ausência de indícios de infração à ordem econômica nas ofertas dos planos denunciados.

  3. Em síntese, a análise empreendida pela Agência conclui que a conduta de zero rating, atualmente materializada nos planos de serviço das prestadoras do SMP representadas, não configuraria ameaça à livre concorrência, tampouco violaria o Marco Civil da Internet. Entretanto, a Anatel ressalta que prevalece a necessidade de supervisionar continuamente outras condições contratuais e práticas comerciais envolvendo discriminação de preços, garantindo assim que tais condutas tenham caráter predominantemente competitivo e difundam ganhos de eficiência 

  4. A Agência acrescenta que, além de gerar ganhos de eficiência, a prática de preços diferenciados denunciada pelo MPF não produz efeitos limitadores da capacidade de inovação e do caráter disruptivo do mercado de provimento de conteúdo, e, por este motivo, não criaria barreiras à entrada no mesmo.

  5. Isto posto, no entendimento da Anatel, não foram demonstrados indícios suficientes de conduta contrária à ordem econômica que impacte o mercado de provimento de acesso à Internet, tampouco o mercado de provimento de conteúdo e aplicativos a ensejar a necessidade de abertura de processo administrativo por parte da Superintendência Geral do CADE, nos termos do art. 48, III, da Lei nº 12.529, de 2011.

II.2 Avaliação da Superintendência Geral do CADE

  1. Conforme exposto no relatório acima, o presente Inquérito Administrativo foi instaurado para apurar supostas práticas das operadoras de telefonia móvel que, por meio de sua política de preços e condições diferenciadas para prestação de serviços no mercado de Internet, estariam incorrendo em condutas com efeito anticompetitivo de falseamento ou prejuízo à livre concorrência à jusante, com tratamento discriminatório entre os diversos conteúdos trafegados e aplicativos acessados por meio de suas redes.

  2. Ademais, o Representante sustenta que a prática denunciada, além de suscitar importantes preocupações concorrenciais e impactos ao bem-estar do consumidor, estaria em desacordo com o Marco Civil da Internet e com o princípio da neutralidade de rede, abordado também no Decreto nº 8.771, de 11 de maio de 2016. Este Decreto regulamenta o MCI e trata das hipóteses admitidas de discriminação de pacotes de dados na Internet e de degradação de tráfego, indica procedimentos para guarda e proteção de dados por provedores de conexão e de aplicações, aponta medidas de transparência na requisição de dados cadastrais pela administração pública e estabelece parâmetros para fiscalização e apuração de infrações.

  3. Cabe aqui esclarecer que o Decreto supracitado atribuiu à Anatel a prerrogativa de atuar na regulação, na fiscalização e na apuração de infrações, nos termos da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 (Lei Geral de Telecomunicações). De acordo com o mesmo Decreto, caberia ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) a apuração de infrações à ordem econômica, nos termos da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011[6].

  4. Oportuno ressaltar que o papel institucional da Anatel no tratamento da questão é previsto na própria Lei que disciplinou a organização do setor de telecomunicações (Lei nº 9.472/97), atribuindo ao regulador as competências normativas para disciplinar os ditames relativos ao funcionamento, implantação e acesso às redes, inclusive a dinâmica da relação entre os prestadores de serviços de valor adicionado e serviços de telecomunicações, e mesmo em sede de eventuais conflitos[7].

  5. À tal competência do órgão regulador, soma-se a competência dos órgãos que compõem o SBDC, pois caso seja identificada qualquer hipótese de conduta anticoncorrencial, cabe ao SBDC atuar para corrigir eventuais efeitos negativos.

  6. Isto posto, não há dúvidas sobre a competência do CADE para analisar práticas anticoncorrenciais concretas dos agentes econômicos envolvidos no mercado de Internet, por força da Lei n° 12.529/11 e ainda da previsão expressa no Decreto n° 8.771. Todavia, depreende-se que é papel do CADE tão somente apurar se as condutas denunciadas são capazes de configurar, ou não, uma infração à ordem econômica. Ainda que a representação alegue que as práticas denunciadas violam o princípio da neutralidade de rede, o Marco Civil da Internet e o Decreto que o regulamenta, entende-se que avaliar essa suposta infração extrapola as competências do SBDC.

  7. De todo modo, considerando que a compreensão deste tema é fundamental para a adequada avaliação do potencial anticompetitivo das condutas denunciadas, serão apresentadas, no tópico seguinte, as considerações da Anatel e do MCTIC quanto à suposta violação ao princípio da neutralidade de rede por meio das práticas representadas pelo MPF. Em seção posterior, será desenvolvida a análise desta SG quanto à possível caracterização das condutas denunciadas como infração à ordem econômica.

II.2.1 Da conduta como violação à neutralidade de rede (Lei n° 12.965/2014 - MCI e Decreto n° 8.771/2016) segundo a Anatel e o MCTIC

  1. Preliminarmente à discussão das supostas condutas denunciadas, convém explorar os conceitos associados à prática denominada zero rating, bem como suas relações com o MCI e regulamentação posterior.

  2. Conforme abordado pela Anatel em sua manifestação, o zero rating é uma prática das prestadoras de serviços de telecomunicações que consiste em aplicar um preço zero para o tráfego de dados móveis associado a uma aplicação ou classe de aplicações em particular, implicando a não contagem desse tráfego para efeitos de uma franquia de dados (data cap) eventualmente aplicada ao acesso à Internet contratado.

  3. Segundo a Agência, o zero rating pode ser compreendido como uma gama de estratégias comerciais que comportariam vários tipos, assim exemplificados:

Tarifação zero por escolha da própria prestadora - a prestadora de serviço de telecomunicações elege, segundo critérios pautados em uma decisão interna, certos conteúdos ou aplicações que, quando acessados pelo usuário, não gerarão qualquer tipo de custo;

Tarifação zero para aplicações ou serviços de emergência - o acesso a aplicações ou serviços de utilidade pública específicos não são cobrados do usuário;

Dados patrocinados - nesse caso, o patrocinador arca com os custos dos dados trafegados pelo usuário final quando destinarem-se ao acesso a website específico ou utilização de determinado aplicativo;

Gerenciamento de dados - consiste no gerenciamento de tráfego direcionado a provedores de conteúdo, a fim de que estes se utilizem de períodos de menor demanda de tráfego, os quais são consequentemente mais baratos, para entrega de seu conteúdo de forma mais eficiente;

Dados como recompensa - ocorre quando uma marca, desejando engajar determinado consumidor, lhe oferece a possibilidade de acesso a dados móveis, com custo zero, como recompensa por assistir um vídeo específico, baixar certo aplicativo ou realizar determinada ação desejada;

Publicidade direcionada - nesse caso, direciona-se a publicidade de determinado produto àqueles consumidores que, segundo informações de seu acesso, efetivamente têm interesse. Nesse caso, o usuário que baixar o aplicativo ou acessar o conteúdo desejado não pagará por tê-lo feito;

Dados corporativos - permite que determinada instituição arque apenas com acesso a dados corporativos. Os dados pessoais serão custeados pelo próprio funcionário.

  1. No presente caso, depreende-se das informações dos autos que uma das modalidades adotadas pelas prestadoras de acesso à banda larga móvel consiste no tipo "tarifação zero por escolha própria da operadora". Uma vez que, conforme declarado pelas Representadas e no melhor conhecimento também da Abranet[8], inexistem contratos firmados entre as prestadoras de telecomunicações e os fornecedores de aplicativos contemplados pela estratégia comercial adotada.

  2. Outra modalidade praticada atualmente por algumas das Representadas consiste na categoria “dados patrocinados”. Nesse caso, as operadoras firmam contratos comerciais com os provedores de conteúdo, e são estes que pagam pelo acesso dos usuários a seus sites e aplicativos; isentando-os, assim, de qualquer custo ou consumo de sua franquia convencional.

  3. Feitos esses esclarecimentos quanto ao conceito e tipificação das supostas condutas, passa-se à análise das práticas denunciadas frente à legislação específica.

  4. Dispõe o MCI, em seu Art. 2º, que a disciplina do uso da Internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor.

  5. Também estabelece o MCI, especificamente na seção que trata da neutralidade de rede, que:

Art. 9º O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.

§ 1º A discriminação ou degradação do tráfego será regulamentada nos termos das atribuições privativas do Presidente da República previstas no inciso IV do art. 84 da Constituição Federal, para a fiel execução desta Lei, ouvidos o Comitê Gestor da Internet e a Agência Nacional de Telecomunicações, e somente poderá decorrer de:

I - requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações; e

II - priorização de serviços de emergência.

§ 2º Na hipótese de discriminação ou degradação do tráfego prevista no § 1o, o responsável mencionado no caput deve:

I - abster-se de causar dano aos usuários, na forma do art. 927 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil;

II - agir com proporcionalidade, transparência e isonomia;

III - informar previamente de modo transparente, claro e suficientemente descritivo aos seus usuários sobre as práticas de gerenciamento e mitigação de tráfego adotadas, inclusive as relacionadas à segurança da rede; e

IV - oferecer serviços em condições comerciais não discriminatórias e abster-se de praticar condutas anticoncorrenciais.

§ 3º Na provisão de conexão à Internet, onerosa ou gratuita, bem como na transmissão, comutação ou roteamento, é vedado bloquear, monitorar, filtrar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados, respeitado o disposto neste artigo.

  1. Observa o MCTIC, em sua manifestação, que a representação do MPF encara o componente central da neutralidade de rede - a proibição de discriminação/priorização de pacotes dados por parte dos detentores da infraestrutura de rede - de uma maneira indevidamente ampla, ao enquadrar aí possíveis vantagens econômicas que estimulem o uso de determinadas aplicações pelos usuários. Para o MCTIC, a discriminação/ priorização de que trata o princípio é claramente relacionada a questões de tráfego de rede, não a questões comerciais.

  2. De acordo com o ministério, a preocupação do legislador foi no sentido de que "o estabelecimento de condições diferenciadas de trânsito nas redes entre as diversas aplicações poderia ocasionar prejuízos à inovação e ao desenvolvimento de novas aplicações”. Esse entendimento também é expresso no documento da Anatel “Neutralidade de rede - Proposta de consulta pública à sociedade sobre a regulamentação prevista no Marco Civil da Internet”[9].

  3. Para o MCTIC, o Decreto n° 8.771 é preciso nesse sentido. Ao proibir a priorização de "pacotes de dados em razão de arranjos comerciais", tratou-se claramente de vedar as chamadas fast lanes (uma espécie de “subconexão” em que determinados pacotes trafegariam mais rapidamente na rede), o que não pode ser interpretado como uma proibição genérica de arranjos comerciais entre provedores de acesso à Internet e provedores de aplicação. Na linguagem da Open Internet Order[10]:

‘Paid Priorization’ refers to the management of a broadband provider's network to directly or indirectly favor some traffic over other traffic, including trough use of techniques such as traffic shaping, priorization, resource reservation, or other forms as preferential traffic management, either (a) in exchange for consideration (monetary or otherwise) from a third party, or (b) to benefit an affiliated entity.

  1. Sob a perspectiva do ministério, o dever de tratamento isonômico pela rede de telecomunicações, na forma da Lei, diz claramente respeito à vedação de que prestadores de serviços de telecomunicações analisem os pacotes de dados de forma a criar regras de tráfego específicas para cada um deles, privilegiando ou desprivilegiando pacotes, conforme suas características técnicas.

  2. O posicionamento da Anatel também reforça esse entendimento. Por ocasião das discussões quanto da regulamentação da neutralidade de rede prevista no MCI, a Agência analisou a questão envolvendo a comercialização de diferentes planos de negócios e ofertas disponibilizadas por prestadoras de acesso à Internet por meio de banda larga móvel em relação ao conceito de neutralidade de rede introduzido pela citada Lei. Os resultados dessa investigação são relatados na Análise nº 20/2016/SEI/AD.

  3.  De acordo com a Análise mencionada, foram submetidos à sociedade alguns questionamentos a fim de auxiliar na formulação do posicionamento da Anatel acerca da regulamentação prevista no MCI. Estas questões foram segmentadas em seis temas, dentre os quais: (i) Prestação adequada de serviços e aplicações; (ii) Relações entre os agentes envolvidos; (iii) Modelos de negócio.

  4. A discussão acerca do tema “Prestação adequada de serviços e aplicações” visava delimitar as exceções à neutralidade de rede baseadas em requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações, previstas no inciso I do artigo 9º do Marco Civil da Internet. Em resumo, o debate consistiu em quais seriam tais requisitos e, principalmente, se esta lista de exceções deveria ser exaustiva ou se deveria trazer tão somente princípios e diretrizes gerais.

  5. Ao ver da Anatel, a regulamentação do referido inciso não deveria buscar ser exaustiva e detalhada demais, sob pena de se tornar obsoleta rapidamente frente à dinâmica evolução das tecnologias de telecomunicações. Assim, os requisitos técnicos suficientes para garantir a qualidade e a prestação adequada dos serviços e aplicações deveriam ser previstos como critérios e princípios gerais, sem, contudo, serem abstratos por demais de maneira a possibilitar exceções além das previstas no Marco Civil da Internet.

  6. Nesse sentido, a premissa básica para nortear a prestação adequada dos serviços e aplicações consistiu no fato de que, ao se conectar à Internet, o usuário deve ser capaz de acessar qualquer serviço, aplicação e/ou conteúdo nela disponível, localizado em qualquer parte do mundo, com níveis de qualidade adequados e sem degradação artificial.

  7. Acerca dos temas “Relações entre os agentes envolvidos” e “Modelos de negócio”, o objetivo da Agência foi colher subsídios sobre a melhor maneira de analisar, à luz da neutralidade de rede estabelecida no MCI, os novos e dinâmicos modelos de negócio que surgem na Internet.

  8.  No entendimento da Anatel, a diversidade dos modelos de negócio permitida pela Internet possibilitou a inovação e o surgimento de novos serviços e aplicações, com novas formas de atendimento às demandas dos usuários em diversos aspectos da economia. Sendo assim, a citada regulamentação não deveria bloquear ou permitir, formalmente e de forma antecipada, quaisquer destes modelos de negócio, sob pena de inibir o surgimento de novos modelos que podem contribuir, por exemplo, para o desenvolvimento e a ampliação do acesso à Internet. Pelo contrário, os agentes atuantes no ecossistema da Internet deveriam ter flexibilidade para criar seus modelos de negócio dentro dos limites legalmente estabelecidos.

  9. Além dos potenciais modelos de negócio inovadores, ainda há que se considerar os possíveis usos do zero rating em políticas e serviços públicos, em benefício da população, como para contornar problemas de conectividade de equipamentos públicos como hospitais, escolas e estabelecimentos de assistência social.

  10. A manifestação do MCTIC elenca algumas possibilidades. Por exemplo, uma estratégia de tarifa zero para plataformas de aprendizagem selecionadas pelo poder público para viabilizar programas de tecnologia educacional estruturados no formato Bring Your Own Device (BYOD), em que os estudantes usam seus próprios dispositivos móveis - smartphones e tablets - para realizar atividades pedagógicas. No cenário atual de baixa conectividade nas escolas públicas, o zero rating poderia ser uma alternativa.

  11. Outra experiência mencionada se refere ao projeto "Banda Larga 0800", desenvolvido pelo Ministério das Comunicações em 2012, por meio de um projeto piloto na cidade de São Sebastião, no Distrito Federal. De acordo com informações prestadas pelo ministério, na ocasião, foi desenvolvida uma página na Internet com informações de utilidade pública, e cerca de oitenta habitantes receberam smartphones para que pudessem acessar tal conteúdo, objeto de acesso patrocinado (tarifação reversa). Os resultados do piloto revelaram um alto índice de adesão e de interesse da população pelo acesso a páginas de governo eletrônico, acessíveis sem ônus para o usuário final.

  12. Por fim, o MCTIC relata uma iniciativa sua em parceria com o Ministério da Saúde, que com o apoio das operadoras móveis e de alguns fabricantes, desenvolveu aplicativos de informação acerca dos vetores de propagação de doenças como zika, chikungunya e dengue, a serem disponibilizados em lojas de aplicativos, com acesso gratuito por meio de acordos de zero rating.

  13. Dessa forma, considerando o posicionamento já manifestado pelo órgão regulador por ocasião da discussão sobre a regulamentação da Lei 12.965/2014 com a sociedade, e reiterado no âmbito da instrução do presente inquérito, depreende-se que Marco Civil da Internet não estabelece conceitos e modelos de negócios que constituam, a priori, uma violação ao princípio da neutralidade de rede, pois, caso contrário, as relações comerciais seriam inibidas no seu desenvolvimento. Isso não afasta, naturalmente, a necessidade de avaliação ex post de casos concretos em que haja suspeita de quebra de neutralidade, solução esta adotada e/ou sugerida por outras autoridades internacionais, como FCC (Federal Communications Commission) e BEREC (Body of European Regulators for Electronic Communications), como se verá adiante.

  14. A respeito do debate em outros países, é oportuno notar que a discussão sobre o zero rating é complexa e ocorre em escala global. Em estudo comparativo internacional, verifica-se que não há um tratamento uniforme por parte das autoridades regulatórias[11]. Assim, na discussão sobre a neutralidade de rede, há posições que oscilam em um espectro relativamente extenso. Desde a neutralidade radical, sem espaço para qualquer espécie de restrição ou discriminação, passando por figuras mais flexíveis, admitindo algum arranjo negocial e de cobrança, até estruturas praticamente não-neutras, no qual se permitiria múltiplas alternativas de acesso e cobrança no uso da rede[12].

  15. Embora a representação destaque alguns casos de vedação da prática do zero rating em outras jurisdições, e sugira que há um quadro de crescente percepção dos países quanto aos efeitos deletérios da prática, a questão está longe de convergir para um único posicionamento. Com efeito, segundo a Anatel[13], a extensa produção acadêmica sobre o tema aponta para diferentes matizes de compreensão do problema. Há os que resumem o zero rating a uma estratégia de discriminação competitiva de preços, ou precificação diferencial eficiente, em franca oposição aos que sustentam o banimento da prática por nítida afronta ao princípio da neutralidade.

  16. A Anatel alerta que, não por acaso, as abordagens são distintas entre reguladores e autoridades da concorrência ao redor do mundo e muitas autoridades - a exemplo dos Estados Unidos e do Reino Unido -, têm adotado postura mais cautelosa ao lidar com o clamor de práticas anticoncorrenciais, dada a dinâmica competitiva e o intenso ritmo de inovações tecnológicas próprios dos mercados de tecnologia da informação. De fato, modelos de negócios, regimes e oportunidades comerciais ainda estão sendo testados no mercado, alguns chegaram sequer à maturação, sendo temeroso, portanto, enquadrá-los como infração.

  17. No entendimento da Agência, a representação não se aprofundou quanto aos efeitos observados em mercados onde as autoridades optaram pelo banimento do zero rating. Sobre esses efeitos, a investigação realizada pelas pesquisadoras Roslyn Layton e Monica Elaluf- Calderwood acerca do cenário no Chile, Holanda e Eslovênia, - citada na representação como se atestasse os efeitos deletérios da prática do zero rating -, traz algumas conclusões interessantes.

  18. Segundo as pesquisadoras, não foi possível encontrar, em nenhum dos três países, evidências quanto à afirmação de que, diante de uma oferta de zero rating, os usuários não iriam além do conteúdo de acesso gratuito. Tampouco foi possível encontrar evidências de que haveria fechamento a outros conteúdos por parte das operadoras que aplicam acesso gratuito a determinados conteúdos[14].

  19. De acordo com as autoras, os estudos de caso destacam a falta de análise, de evidência e de investigação na política de neutralidade de rede, mostrando que cada país é altamente idiossincrático na sua regulamentação. De acordo com informações prestadas pela Anatel, nas palavras das autoras supracitadas (tradução livre da Agência):

Através de uma variedade de técnicas quantitativas e qualitativas, tentamos encontrar evidências dos danos que o zero rating supostamente cria para os consumidores e à concorrência. Em suma, não podemos encontrar evidência que demonstre que o zero rating cria dano. Nós achamos que o zero rating tem um impacto pequeno, mas não negativo no mercado.

Zero rating é uma de uma série de técnicas de marketing que as operadoras móveis precisam empregar em mercados competitivos. Para alguns operadores do estudo, os resultados são o oposto do previsto pela crítica. Alguns operadores que implantaram zero rating na verdade perderam participação de mercado, e as suas aplicações zero rating foram insignificantes em termos de ranque. Nós não acreditamos que isto é resultado do zero rating, mas sim que o zero rating é o resultado da situação concorrencial do operador.

  1. A Anatel também menciona a experiência do Chile como emblemática. Conforme apontado pelo MPF em sua representação, a legislação chilena proíbe práticas de discriminação de preço, dentre elas, o zero rating. Todavia, desde que proibiu (sem maiores investigações) as ofertas de acesso zero rating a redes sociais praticadas pelas operadoras móveis, a autoridade chilena tem tido dificuldades em sustentar a consistência de sua decisão.

  2. Conforme relata a Anatel, o caso do “Wikipedia Zero” - uma iniciativa de zero rating para acesso a conteúdos educacionais - é um exemplo da contradição gerada. Ao ser questionada formalmente quanto à abrangência da proibição da prática de zero rating, a Subsecretaria de Telecomunicações do Chile sustentou que há clara distinção entre a iniciativa Wikipedia Zero e as práticas de acesso a redes sociais que foram proibidas. De acordo com a Anatel:

A experiência do Chile é, sem sombra de dúvidas, paradigmática. Ilustra bem o grau de contradição e vulnerabilidade a que estão sujeitos reguladores e/ou autoridades da concorrência que venham a assumir visões tão estritas na interpretação do conceito neutralidade de redes. Esse caminho fundamentalista é muitas vezes encorajado por certo ativismo digital, mas pode conduzir os tomadores de decisões a situações de extrema arbitrariedade no juízo, quanto à admissão ou não de uma prática, a depender da natureza do conteúdo.

  1. Já na Europa, o BEREC publicou recentemente (30.8.16) suas diretrizes para implementação e regulação da neutralidade de rede. Embora reconheça a autonomia das autoridades nacionais no tratamento da questão, o organismo europeu estabeleceu um conjunto de critérios a serem considerados nas análises dos mercados nacionais, a saber[15]:

a) Risco de esvaziamento dos objetivos gerais da regulamentação de neutralidade;

b) Posição de mercado dos provedores de acesso Internet e provedores de conteúdo e aplicações envolvidos;

c) Quaisquer efeitos sobre os direitos dos usuários finais;

d) Quaisquer efeitos sobre os direitos dos provedores de conteúdos e aplicações; e

e) A escala da prática e da disponibilidade de ofertas alternativas.

  1. No entendimento da Agência brasileira, podem-se extrair valiosos ensinamentos dessas diretrizes, tendo em vista a similaridade entre as regulações no Brasil e na Europa. Sua manifestação traz alguns trechos da orientação europeia que merecem destaque (tradução livre da Anatel):

39. Entretanto, algumas condições ou práticas comerciais, principalmente aquelas que envolvem a diferenciação de preços aplicada a categorias de aplicações, são mais propensas a influenciar o exercício de direitos dos usuários finais previstos no artigo 3(1), sem necessariamente limitá-los.

40. Há uma prática comercial específica chamada zero rating. Isto é, onde um provedor de serviço Internet aplica um preço zero ao tráfego de dados associado a um aplicativo especifico ou categoria de aplicativos (e os dados não entram na conta da franquia de dados em vigor no serviço de acesso à Internet). Existem diferentes tipos de práticas de zero rating que podem ter diferentes efeitos sobre os usuários finais e a Internet aberta e, portanto, sobre os direitos dos usuários finais protegidos pela regulamentação.

41. Uma oferta de zero rating onde todas as aplicações são bloqueadas (ou têm a velocidade reduzida) uma vez que a franquia de dados é alcançada, exceto para o(s) aplicativo(s) zero rating, isso violaria o artigo 3131, primeiro (e terceiro) subparágrafos (ver parágrafo 55 ).

42. O provedor de serviço Internet poderia aplicar ou ofertar zero rating a toda uma categoria de aplicativos (por exemplo, todos os aplicativos de streaming de vídeo ou música) ou apenas para certas aplicações dos mesmos (por exemplo, os seus próprios serviços, um aplicativo específico de mídia social, os aplicativos de vídeo ou música mais populares). Neste último caso, um usuário final não está impedido de usar outros aplicativos de música. No entanto, o preço zero aplicado ao tráfego de dados do aplicativo de música zero rating (e o fato de que o tráfego de dados do aplicativo de música zero rating não conta para a franquia de dados do acesso Internet) cria um incentivo econômico para usar esse aplicativo de música em vez de os concorrentes. Os efeitos de tal prática aplicada a um aplicativo especifico são mais propensos a "minar a essência dos direitos dos usuários finais ou levar a circunstâncias onde os "usuários finais escolha é materialmente reduzidas na prática (Considerando 7) do que quando está aplicada a toda urna categoria de aplicações.

Considerando 7

Para exercer os seus direitos de acessar e distribuir informação e conteúdo e de usar e fornecer aplicações e serviços de sua escolha, os usuários finais devem ser livres para acordar com prestadores de serviços de acesso à Internet as condições de tarifa de volumes de dados específicos e velocidades do acesso Internet. Tais acordos, bem como quaisquer práticas comerciais dos prestadores de serviços de acesso à Internet, não devem limitar o exercício desses direitos e assim contornar as disposições desta regulamentação, salvaguardando o acesso à Internet aberta. Os reguladores nacionais e outras autoridades competentes devem ter os poderes para intervir contra acordos ou práticas comerciais que, em razão da sua escala, conduzam a situações onde a escolha dos usuários finais é materialmente reduzida na prática. Para este fim, a avaliação de acordos e práticas comerciais deve, entre outros, levar em conta as respectivas posições de mercado de tais prestadores de serviços de acesso à Internet, e dos fornecedores de conteúdos, aplicações e serviços que estão envolvidos. Os reguladores nacionais e outras autoridades competentes devem ser requeridos, como parte de suas funções de monitoramento e fiscalização, a intervir quando os acordos ou práticas comerciais resultem no enfraquecimento da essência dos direitos dos usuários finais.

  1. No que tange à legislação americana, o “Open Internet Order” (editado pelo FCC), que dispõe sobre regras de neutralidade de rede, estabelece três diretrizes principais, a saber[16]:

a) Proibição de bloqueio (“no blocking”): provedores de banda larga não podem bloquear o acesso a conteúdo lícito, aplicações, serviços e dispositivos e que não causem dano;

b) Proibição de retardos intencionais (“no throtling”): provedores de banda larga não podem prejudicar ou degradar tráfego de Internet legal com base em conteúdo, aplicações, serviços ou dispositivos que não causem dano;

c) Proibição de priorização paga (“no paid priorization”): provedores de banda larga não podem favorecer algum conteúdo lícito em detrimento de outro conteúdo lícito por qualquer razão – em outras palavras, estão proibidas as vias rápidas (“no fast lanes”);

  1. Note-se que não há, também nessa jurisdição, vedação ex-ante à prática do zero rating, de forma que a Comissão poderá, no futuro, avaliar se a suposta interferência/ desfavorecimento é ou não razoável.

  2. A legislação brasileira vai nesse mesmo sentido. Como apontado pelo MCTIC e ratificado pela Anatel, o Marco Civil da Internet e o Decreto n° 8.771 não trazem vedação ex-ante expressa ao zero rating, tampouco abordam questões mais específicas como as tratadas acima. Sendo assim, cabe à Agência Reguladora analisar e se posicionar sobre os aspectos controversos da tarifa zero e do acesso patrocinado, seja em sede de regulamentação ou em decisão sobre um caso concreto.

  3. Assim, no presente caso, percebe-se que as ofertas de zero rating denunciadas pelo Representante não se propõem a otimizar as condições de tráfego de parceiros específicos (como, por exemplo, garantir maior velocidade de acesso aos usuários de determinada aplicação), mas sim a viabilizar que determinados conteúdos possam ser consumidos nas mesmas condições técnicas de outras aplicações disponibilizadas na web, porém sem consumo de dados da franquia contratada.

  4. Esse entendimento também é corroborado pela PFE junto à Anatel[17]. De acordo com essa Procuradoria, no caso ora em análise, não se vislumbra violação a nenhum dos incisos do art. 9° do Decreto n° 8.771, de 2016. Não há comprometimento do caráter público e do acesso irrestrito à Internet (inciso I), não há priorização de pacotes (inciso II), nem há privilégios para aplicações ofertadas pelo próprio responsável pela transmissão, pela comutação ou pelo roteamento ou por empresas integrantes de seu grupo econômico.

  5. Isto posto, conclui-se que as condutas denunciadas não violam o Marco Civil da Internet, tampouco o Decreto 8.771/2016 e o princípio da neutralidade de rede. Passa-se, portanto, à análise da prática como suposta conduta anticoncorrencial.

II.2.2 Da conduta como infração à ordem econômica (Lei 12.529/2011)

  1. Conforme mencionado anteriormente, o MPF alega que as operadoras representadas estariam adotando políticas comerciais discriminatórias, ao disponibilizar planos e ofertas que privilegiariam o acesso a determinados sites e aplicativos, por meio da cobrança diferenciada (ou mesmo isenção de cobrança) no acesso a esses conteúdos.

  2. Segundo o Representante, as práticas denunciadas estariam distorcendo a competição no mercado, constituindo obstáculo ao crescimento de empresas concorrentes e ao ingresso de novos entrantes no mercado de aplicativos, desestimulando a inovação e incentivando o aumento de preços para a contratação dos serviços de conexão à Internet móvel, em detrimento do consumidor. O MPF acrescenta que esse comportamento gera imensas preocupações com a manutenção da abertura da Internet, além de ferir a liberdade real dos usuários de escolha dentre os melhores serviços.

  3. Cumpre ressaltar, inicialmente, que a LGT estabelece, em seu Art. 6º, que "os serviços de telecomunicações serão organizados com base no princípio da livre, ampla e justa competição entre todas as prestadoras, devendo o Poder Público atuar para propiciá-la, bem como para corrigir os efeitos da competição imperfeita e reprimir as infrações da ordem econômica". O Art.70 da LGT dispõe ainda que "as normas gerais de proteção à ordem econômica são aplicáveis ao setor de telecomunicações, quando não conflitarem com o disposto nesta Lei".

  4. Por sua vez, a Resolução Anatel n° 600/2012 – que aprova o Plano Geral de Metas de Competição (PGMC) - também incluiu no âmbito da competência regulatória da Agência as atribuições de garantir o princípio da livre concorrência e reprimir condutas anticompetitivas nos serviços de telecomunicações[18]

  5. Esse Plano dispõe sobre o incentivo e a promoção da competição livre, ampla e justa no setor de telecomunicações prevista na LGT, nas hipóteses em que a probabilidade de exercício de poder de mercado por parte de Grupo com Poder de Mercado Significativo em determinado mercado relevante exige a adoção de medidas regulatórias assimétricas.

  6. Portanto, resta claro que também é papel da Agência Reguladora, no âmbito dos serviços de telecomunicações, zelar pela manutenção do princípio da livre concorrência, além de monitorar e reprimir condutas anticompetitivas.

  7. Como bem assinalado pela Anatel, é preciso ter em mente que os modelos de negócios aqui questionados derivam de relações comerciais e privadas entre os agentes da cadeia de valor do ecossistema da Internet. Estas relações não devem ser tolhidas previamente, mas monitoradas pela Anatel e demais órgãos do SBDC e do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, à luz das ferramentas tradicionais de tratamento de questões concorrenciais e consumeristas.

  8. Sob a perspectiva do sistema de defesa da concorrência, cumpre observar que práticas verticais, como a discriminação de preços ou de condições de contratação, não são, necessariamente, ilícitos antitrustes. Com efeito, trata-se de comportamento corriqueiro no mercado, motivado por várias razões de ordem prática e econômica, sendo, na maioria das vezes, conduta legítima[19].

  9. De acordo com as normas do SBDC, as restrições verticais são anticompetitivas quando implicam a criação de mecanismos de exclusão dos rivais, seja por aumentarem as barreiras à entrada de outras empresas, seja por elevarem os custos dos competidores; ou ainda quando produtores, ofertantes ou distribuidores - com significativo poder de mercado - impõem restrições sobre os mercados relacionados verticalmente ao longo da cadeia produtiva.

  10.  As práticas verticais pressupõem, em geral, a existência de poder de mercado na origem, bem como efeito sobre parcela substancial do mercado verticalmente relacionado - sobre o qual recai a suposta conduta -, de modo a configurar risco de prejuízo à concorrência. Assim, em casos de restrições verticais, a análise da interação entre diferentes mercados relevantes adquire particular importância.

  11. Embora tais restrições constituam, em princípio, limitações à livre concorrência, estas podem também apresentar benefícios (eficiências econômicas) que devem ser ponderados frente aos efeitos potencialmente anticompetitivos, de acordo com o princípio da razoabilidade, e caso a caso.

  12. Portanto, o CADE exerce suas atividades visando à aplicação das normas antitruste em casos concretos, declarando a compatibilidade ou não de determinada prática à luz da legislação concorrencial. Destarte, não basta apenas alegar a existência de prática prejudicial à concorrência em abstrato; para a aplicação de uma norma antitruste, é necessário delimitar o escopo onde ocorre a concorrência relacionada à prática que está sendo investigada, caracterizando-se os agentes e mercados envolvidos.

  13. Sendo assim, tem-se que o ordenamento concorrencial[20] elenca basicamente três etapas para se identificar se uma prática constitui ou não uma infração à ordem econômica. A primeira consiste em caracterizar a conduta, identificando sua natureza e definindo seu enquadramento legal. Nessa etapa, também se verifica a existência de evidências suficientes nos autos do processo investigativo. Em seguida, passa-se à análise da posição dominante, por meio da delimitação do mercado relevante, da análise das participações de mercado dos agentes e da avaliação das condições concorrenciais efetivas e potenciais (barreiras à entrada). A terceira etapa examina a conduta propriamente dita: avalia os danos e/ou benefícios trazidos pela conduta no mercado relevante e sua racionalidade econômica. Por fim, de acordo com o princípio da razoabilidade, condena-se as condutas cujos efeitos anticompetitivos não sejam suficientemente compensados por possíveis benefícios/eficiências. Assim, apenas quando a conduta unilateral é abusiva e produz efeitos líquidos negativos ao mercado é que ela pode ser considerada ilícita.

  14. É importante mencionar que o MPF, em sua representação, não tratou de forma individualizada as práticas de cada uma das operadoras, mas apenas mencionou determinados planos e ofertas como exemplos de uma conduta supostamente anticoncorrencial e genericamente denominada de zero rating.  Não cuidou o Representante, em sua análise, de delimitar os mercados relevantes afetados, tanto sob a ótica geográfica quanto sob a perspectiva do bem ou serviço ofertado. Isso prejudica a aplicabilidade das normas antitruste sobre a conduta denunciada, uma vez que a correta avaliação dos prejuízos/benefícios pressupõe a delimitação do mercado em que ocorre a concorrência. Na prática, esta análise concorrencial depende do caso concreto, e não pode ser realizada em abstrato na tentativa de buscar uma proibição ampla de qualquer prática de zero rating ou acesso patrocinado. Logo, uma análise completa destes aspectos frente à legislação concorrencial só é possível aprofundando-se nas peculiaridades de cada plano ou oferta.

  15. Nesse sentido, com o intuito de avaliar de forma mais precisa os possíveis efeitos anticompetitivos das práticas denunciadas, passa-se à análise das supostas condutas. Após a delimitação do escopo e a caracterização dos mercados de forma geral, será feita uma análise individualizada das condições estruturais, avaliando-se os possíveis danos concorrenciais eventualmente causados pela conduta de cada operadora representada, e sopesando-se os benefícios.

II.2.2.1 Mercado relevante

  1. Esclarece a Superintendência de Competição da Anatel[21] que o serviço de banda larga móvel se relaciona com os provedores de conteúdo e aplicativos seguindo a dinâmica de um mercado de múltiplos lados. Ou seja, essa relação ocorre no âmbito de uma estrutura de mercado em que uma plataforma cria valor atraindo e facilitando a interação entre dois ou mais agentes distintos, e se desenvolve economicamente distribuindo seus custos e/ou receitas.

  2. Observa-se, nesse mercado, que os provedores de acesso à Internet (mercado de banda larga móvel) atuam como plataformas que, de um lado, vendem diretamente seu serviço a usuários finais e, do outro lado, negociam com os provedores de conteúdo e aplicativos (mercado de aplicativos) a contratação de seus produtos. Assim, a utilidade da rede para os usuários finais depende do lado oposto da cadeia - os provedores de conteúdo e aplicativos, e vice-versa

  3. Nesse sentido, percebe-se que o aumento na quantidade de usuários de uma rede leva ao acréscimo de sua utilidade para os provedores de conteúdo, da mesma forma que, quanto maior a quantidade de conteúdo disponibilizado na rede, maior a sua utilidade para os usuários. Ademais, o incremento da demanda por novos conteúdos estimula as operadoras a realizarem mais investimentos na infraestrutura física da rede, o que resulta em ganhos para todos os lados.

  4. Da mesma forma que o usuário final, ao contratar determinado provedor de acesso à Internet, toma a sua decisão considerando o conteúdo transmitido e os aplicativos disponibilizados; do outro lado, os provedores de conteúdo e aplicativos, ao negociarem com o provedor de acesso à Internet, levam em consideração a base de clientes dessa rede, com vistas ampliar o alcance de seus produtos. Em outras palavras, o valor da rede para os usuários finais depende do lado oposto da cadeia - os provedores de conteúdo e aplicativos-, assim como para os detentores do conteúdo, quanto maior a quantidade de usuários, maior o valor da rede.

  5. Feitas essas considerações, passa-se à análise dos mercados afetados em cada lado dessa plataforma, a saber: mercado de prestação de Serviço Móvel Pessoal e mercado de provimento de aplicativos e conteúdos.

II.2.2.2 Mercado de SMP

  1. Quanto à delimitação do mercado geográfico, sob o ponto de vista do lado dos provedores de acesso, tem-se que a prestação do serviço de acesso à Internet por meio de banda larga móvel ocorre em âmbito nacional, com a presença de quatro grandes players em todo território brasileiro. Assim, as Representadas surgem como as empresas com maior participação de mercado em termos de número de acessos (terminais/clientes), como se depreende do gráfico abaixo:

Figura 1 – Market share por operadora, Brasil, 2008 a 2015.

Fonte: Relatório de Acompanhamento do Setor de Telecomunicações – Anatel. Disponível em http://www.anatel.gov.br/dados/relatorios-de-acompanhamento.

 

 

  1. A análise da evolução do market share propicia uma visão mais aproximada da dinâmica concorrencial, permitindo verificar qual prestadora conquista ou perde mercado. A partir do gráfico acima, percebe uma certa estabilidade das participações dos grandes players ao longo do período estudado. Embora não haja grandes oscilações, é possível notar um crescimento da participação da Tim, enquanto a Oi perde mercado desde 2009. Porém, tal perda de participação se estancou a partir do terceiro trimestre de 2011, sendo que a empresa mantém seu percentual de participação de mercado relativamente constante nesse último período. Nos dois últimos trimestres de 2014 ela teve uma ligeira perda de mercado com uma relativa recuperação no final de 2015.

  2. Um mercado praticamente controlado por apenas quatro empresas pode sugerir um cenário de concentração. De fato, o HHI do SMP está pouco abaixo dos 2500 pontos[22], se considerado o número de acessos como referência. Embora o índice obtido possa sugerir que o mercado de telefonia móvel no Brasil seja moderadamente concentrado, não se pode olvidar que se trata um segmento econômico altamente intensivo em capital, o que torna esse dado relativo. 

  3. O que se observa, de qualquer forma, é que o mercado é concentrado em 4 grandes players com participações próximas ou acima de 20%. O C4, nesse cenário, é de quase 100%, pois existem outras pequenas operadoras que praticamente não exercem pressão competitiva. Nesse contexto, condutas discriminatórias de um desses agentes poderia, em tese, prejudicar a concorrência no mercado verticalmente relacionado. Isso seria ainda mais agravado se a conduta fosse adotada por mais de 1 desses agentes ao mesmo tempo, como sinaliza a denúncia do MPF.

  4. Dessa forma, tendo em vista a concentração no setor e que as práticas seriam, segundo a denúncia e verificadas a priori, adotadas pela Vivo, Claro, TIM e Oi, não é possível se afastar que esses agentes possuem posição dominante nesse mercado. 

 

II.2.2.2 Mercado de aplicativos e conteúdo

  1. Conforme mencionado, o mercado das condutas em estudo envolve uma relação de ao menos dois lados: em uma ponta estão as operadoras que provêm o acesso do usuário final à Internet, enquanto na outra encontram-se os provedores de aplicativos e conteúdos que serão acessados pelos clientes.

  2. A realidade do mercado de aplicativos e conteúdos é bastante distinta daquela mapeada para o mercado de provimento de acesso à Internet. De fato, nesse caso, trata-se de um mercado bastante pulverizado, em que existem inúmeros aplicativos com as mais variadas funcionalidades, sendo muitos deles substitutos entre si[23].

  3. Um ponto que merece destaque é que, no caso dos aplicativos e conteúdos, pouco importa onde são produzidos, o que torna o mercado geográfico consideravelmente mais abrangente, podendo ampliar o espectro de possíveis novos entrantes.

  4. De fato, o mercado relevante em questão é bastante dinâmico, o que tem influência na possibilidade de novas entradas. Como constatou a Comissão Europeia (CE)[24] quando da análise da aquisição do WhatsApp pelo Facebook: (i) não existem patentes ou conhecimentos específicos que constituam barreiras à entrada, sendo que as tecnologias implementadas em aplicações para comunicação estão cada vez mais padronizadas; (ii) desenvolver e lançar um aplicativo de comunicações não requer tempo e investimento significativos - por exemplo, o WhatsApp desenvolveu a primeira versão de seu aplicativo ao longo de seis meses; (iii) o segmento é marcado por inovações disruptivas, com elevada dinamicidade, e (iii) trata-se de mercado com elevadíssimo potencial de crescimento – segundo apurado pela CE, em 2013, o uso de aplicativos para comunicação e redes sociais cresceu 203%.

  5. Outra característica relevante é a facilidade com que provedores de aplicativos e conteúdos podem disponibilizar seus produtos nas redes. Como assinalado pela Anatel, embora haja aplicativos com participação considerável, a entrada de novos provedores nas lojas virtuais não enfrenta grandes barreiras.

  6. Do ponto de vista do consumidor final, também não se verifica custos de troca relevantes, embora não possa ser destacado as economias de rede, mesmo para o consumidor. Outra característica importante desse mercado é o multi-homing, ou seja, o usuário pode instalar em seu smartphone diferentes aplicativos com finalidades semelhantes, sem que haja fidelização a um serviço específico.

  7. Essas particularidades também foram mapeadas pela Comissão Europeia[25]. Com efeito, a CE constatou que os consumidores têm uma ampla gama de opções quando se trata de selecionar e usar aplicativos de comunicação. Muitos clientes usam mais de um aplicativo com essa funcionalidade simultaneamente, dependendo de suas necessidades específicas (o chamado "multi-homing"). Também concluiu a CE, na mesma investigação, que não existem custos significativos que impeçam os clientes de alternarem entre diferentes aplicações para comunicação.

  8. A contestabilidade no mercado de aplicativos - notadamente para comunicação – parece ser possível, como pôde ser observado nos seguidos episódios de bloqueio judicial do Whatsapp, amplamente divulgados pela imprensa. Nessas ocasiões, houve adesão relevante de usuários a aplicações concorrentes, bem como um aumento considerável do uso de serviços tradicionais de mensagem curta (SMS). Conforme exemplificado pela Anatel, em apenas um desses incidentes, mais de um milhão de clientes migrou para o aplicativo Telegram.

  9. Contudo, embora o mercado de provimento de conteúdo seja menos concentrado e possua menores barreiras à entrada que o mercado de SMP, não é possível se afastar, de pronto, ausência de qualquer preocupação concorrencial com esse segmento. Isso ocorre porque os serviços de provimento de conteúdo podem ser segmentados em diferentes mercados que, vistos de mais de perto, podem revelar concentrações relevantes. A dificuldade aqui é estabelecer onde termina um mercado e começa o outro[26].

  10. De qualquer forma, não se faz necessário, aqui, delimitar de forma precisa o mercado de provimento de conteúdo que, como já ressaltado acima, vem apresentando significativa dinamicidade nos últimos anos. É suficiente apontar que, embora na grande maioria das aplicações, haja evidências de que as barreiras à entrada sejam baixas, em outros, as participações de mercado são elevadas e pode haver uma série de dificuldades à entrada, não podendo se concluir que em qualquer cenário do mercado de conteúdo as empresas que nele atuam não possuem, em algum grau, posição dominante.      

  11. À luz dos resultados obtidos na análise tanto do mercado de SMP quanto do mercado de aplicativos e conteúdo, passa-se à avaliação dos possíveis efeitos anticompetitivos das supostas condutas imputadas a cada operadora[27].

II.2.2.3 Da conduta imputada à Vivo

  1. Conforme relatado anteriormente, o MPF alega que, seguindo o comportamento das demais operadoras, a Vivo teria lançado planos especiais de acesso a redes sociais por meio dos quais os clientes comprariam determinado volume de dados para utilização exclusiva do aplicativo do Facebook, cujo valor por megabyte teria valor inferior ao especificado em seus planos de acesso padrão. O Representante também afirma que as prestadoras, de forma geral, estariam praticando a modalidade de “acesso patrocinado” com determinadas empresas, que arcariam com o custo do acesso dos usuários a seus conteúdos.

  2. De acordo com o regulamento das ofertas citadas pelo MPF como lesivas ao ambiente concorrencial, e tendo em vista os esclarecimentos prestados pela Vivo em sua manifestação, nota-se que a empresa não pratica, de fato, tarifação zero sobre o tráfego gerado em sua rede. Com efeito, em qualquer caso, existe uma contrapartida pelo serviço prestado, seja a partir do provedor de aplicações (acesso patrocinado) ou do próprio usuário (pacotes especiais, segundo denominação da empresa).

  3. Os pacotes especiais disponibilizados pela Vivo que estão indicados nos autos são: “Pacote Vivo Internet Redes Sociais 400 MB” e “Pacote Vivo Internet Redes Sociais 800MB”.  No caso do pacote de 400 MB, apenas usuários atuais de planos de dados na modalidade pré-pago podem adquiri-lo. O valor praticado atualmente é de R$ 4,99, com validade de uma semana. Já o pacote de 800MB pode ser adquirido tanto por clientes da modalidade pré-pago quanto controle[28], e tem duração de um mês.

  4. Note-se, portanto, que para adquirir um dos pacotes especiais o cliente já deve estar vinculado a um dos dois planos comercializados pela empresa. Esses planos convencionais já preveem em sua configuração tanto uma quantidade de minutos para ligações de voz quanto um volume de dados para acesso à Internet, sem distinção de conteúdo. As figuras a seguir ilustram as possibilidades.

 

Figura 2: possíveis configurações do Vivo Controle.

Fonte: site Vivo. http://www.vivo.com.br/.Acessado em 11.01.17

Figura 3: possíveis configurações do Vivo Pré-pago.

Fonte: site Vivo. http://www.vivoturbo.com.br/.Acessado em 11.01.17

  1. Como é possível observar, atualmente o cliente do Plano Controle possui três opções de configuração, cada qual disponibilizando um volume fixo de dados por mês, a um determinado custo também mensal. A cada mês o pacote contratado se renova[29] e, caso o cliente utilize todo o volume contratado, também é possível inserir novos créditos para continuar a navegação.  De forma complementar ao plano contratado, existem os pacotes especiais denunciados (além de outros), que o usuário pode adquirir caso considere conveniente ao seu perfil de consumo. Dessa forma, é possível reservar a franquia de dados mensal já contratada para todo e qualquer acesso, e adquirir um pacote especial que permita navegar nas redes sociais previstas na promoção.

  2. O mesmo ocorre para os clientes do Plano Pré-pago. Em quaisquer das opções atualmente comercializadas pela empresa, a recarga adquirida dá direito a um determinado volume de dados (que depende do valor do crédito escolhido). Esse pacote de dados permite ao usuário acessar todo e qualquer conteúdo e, caso assim deseje, o cliente pode complementar seu plano com um pacote específico de acesso exclusivo a redes sociais.

  3. Importante ressaltar que, conforme informado pela Vivo, o valor cobrado pelos pacotes especiais não necessariamente é menor que o valor cobrado nos pacotes convencionais da operadora. De acordo com a empresa, em alguns casos, o valor do megabyte do pacote especial é até mesmo igual ou superior ao valor cobrado em certos planos convencionais. De fato, comparando-se os pacotes de acesso exclusivo a redes sociais com outros pacotes especiais que permitem acesso a qualquer conteúdo, mas com outras peculiaridades, o valor do megabyte cobrado é o mesmo - R$ 4,99 por 400MB -, como se pode verificar a partir da figura abaixo.

Figura 5: outros pacotes especiais.

Fonte: site Vivo. http://www.vivoturbo.com.br/.Acessado em 11.01.17

 

  1. Isto posto, não é possível afirmar que as ofertas da Vivo concedam privilégio ou gratuidade de acesso a determinados conteúdos em detrimento de outros, supostamente mais onerosos. As ofertas da empresa são complementares aos pacotes tradicionais, aos quais os clientes devem necessariamente estar vinculados. Os pacotes especiais concedem um volume de dados adicional para acesso a determinados conteúdos, mediante pagamento. E é o cliente que escolhe ou não adquirir tais facilidades, com base em seu perfil de acesso. A Vivo ainda acrescenta que não impede ou dificulta o acesso de seus clientes a qualquer outro conteúdo, e não há, portanto, qualquer bloqueio ou degradação de tráfego.

  2. A empresa também esclarece que, no caso dos pacotes especiais [ACESSO RESTRITO AO CADE].

  3. Quanto à pratica da modalidade de acesso patrocinado, em que as operadoras firmam contratos comerciais com os provedores de conteúdo, e são estes que arcam com o custo do acesso dos usuários a seus sites, a Vivo informa que possui atualmente contratos com as empresas [ACESSO RESTRITO AO CADE].

  4. Com relação ao [ACESSO RESTRITO AO CADE], a Vivo informa que concede, a todos seus clientes que possuírem plano de dados convencional ativo, acesso gratuito e ilimitado aos sites desses varejistas[30]. O acesso ao site do[ACESSO RESTRITO AO CADE] ocorre nos mesmos moldes. Todos os usuários da Vivo com plano de dados convencional ativo podem acessar, gratuitamente e de forma ilimitada, os sites de [31] [ACESSO RESTRITO AO CADE]. Em todos os casos, as empresas contratantes são responsáveis por remunerar a Vivo pelo tráfego cursado em seus sites.

  5. Importante esclarecer que, possuir plano de dados ativo significa que o usuário dispõe de créditos para utilização no acesso a qualquer site da Internet, pois, caso não possua mais crédito ativo, os clientes são desconectados da rede por completo, perdendo acesso aos sites patrocinados, inclusive. Assim, enquanto for possível ao consumidor acessar qualquer conteúdo na Internet, por meio do consumo da sua franquia de dados tradicional, este também poderá acessar os sites mencionados, sem custo.

  6. Nos casos descritos acima, resta claro que o interesse comercial é da empresa contratante, uma vez que, para o detentor da infraestrutura de rede, é indiferente a origem da remuneração. O objetivo comercial dessas empresas é basicamente o mesmo: atrair mais usuários aos sites beneficiados com o acesso gratuito, seja para aumentar as vendas online [ACESSO RESTRITO AO CADE] ou incentivar o maior uso do [ACESSO RESTRITO AO CADE].

  7. A Vivo ainda acrescenta que os contratos estabelecidos [ACESSO RESOTRITO AO CADE] são de curto prazo,[ACESSO RESTRITO AO CADE]. Além disso, a operadora reforça que não há qualquer relação de exclusividade entre as empresas, de modo a Vivo estaria aberta a celebrar contratos nos mesmos moldes com quaisquer outras empresas que demonstrem interesse, sem qualquer tipo de discriminação.

  8. Em que pese a oferta de pacotes especiais de acesso a uma determinada rede social, o usuário continua podendo navegar em todo e qualquer outro conteúdo. A decisão da Vivo em ofertar esses pacotes especiais pautou-se na popularidade do Facebook no Brasil, e, por consequência, em seu potencial de atrair novos usuários à sua base. Sequer há uma relação contratual [ACESSO RESTRITO AO CADE]. Segundo a operadora, nada impede que, verificando a popularidade de qualquer outro site ou aplicativo, a empresa decida oferecer pacotes especiais similares para acesso a este site ou aplicativo uma vez que a Representada permanece livre para continuar buscando seus próprios interesses na elaboração de suas políticas comerciais, sem qualquer incentivo à discriminação ou favorecimentos de qualquer natureza.

  9. Da mesma forma, não há qualquer relação de exclusividade nas relações com as empresas que oferecem o acesso patrocinado. A Vivo reforça que não há impedimento para negociação de contratos similares com outras empresas, e afirma que, se isso ocorrer, as negociações serão estabelecidas em termos isonômicos, sem qualquer tipo de discriminação ou favorecimento.

  10. Ademais, não há nenhuma evidência de que as práticas adotadas pela empresa sejam determinantes para a escolha do usuário em acessar um ou outro conteúdo. Ao contrário, é razoável crer que tal decisão é anterior e envolve uma série de outros fatores muito mais relevantes, subjetivos e complexos.

  11. No caso do Facebook, parece ser determinante a possibilidade de se comunicar com um número significativo de contatos, além de sua interface amigável (ressalte-se que o Facebook já era o aplicativo de rede social mais acessado no Brasil muito antes do lançamento dos pacotes).

  12. No caso do [ACESSO RESTRITO AO CADE], a escolha provavelmente é pautada na reputação do banco, nas condições comercias que oferece a seus correntistas, na proximidade das agências e nos diferentes canais de acesso que ele pode oferecer, sendo um deles, [ACESSO RESTRITO AO CADE]; nada impede que os demais [ACESSO RESTRITO AO CADE] adotem iniciativas semelhantes, como um diferencial para seus clientes.

  13. No caso do [ACESSO RESTRITO AO CADE], é razoável supor que sejam determinantes para a escolha do usuário fatores como: o tipo de produto comercializado, os preços, a confiabilidade e a qualidade do serviço, além da capacidade de cumprimento de prazos de entrega. Nesse ponto, é importante registrar que o mercado varejista é bastante pulverizado.  Segundo dados apresentados pela Vivo[32], a participação da [ACESSO RESTRITO AO CADE] no segmento de varejo via sites e aplicativos representa apenas [ACESSO RESTRITO AO CADE] do mercado de varejo online do país, enquanto a [ACESSO RESTRITO AO CADE] teria participação de aproximadamente [ACESSO RESTRITO AO CADE] nesse mercado.

  14. Conclui-se, portanto, que não foi possível verificar prejuízo à concorrência ou ao consumidor. Do ponto de vista do consumidor, é possível ainda vislumbrar benefícios, uma vez que, ao utilizar um pacote exclusivo para acesso ao Facebook, a franquia de dados convencional é poupada para ser utilizada por qualquer outro tipo de acesso.

  15. Também cabe destacar que a Vivo não é verticalizada com qualquer uma das empresas na qual os seus planos ofertam os benefícios acima descritos. Assim, não haveria uma racionalidade em discriminar um agente em benefício de outro. Isso não exclui a potencialidade de um dano ao mercado, mas do ponto de vista da lógica anticompetitiva, o cenário que se observa é de uma tentativa de adoção de estratégias comerciais para aumentar sua competitividade no mercado de banda larga móvel.  

  16. Portanto, diante de todo o exposto, conclui-se que as práticas da Representada presentes nos autos não apresentam indícios relevantes de terem um potencial anticompetitivo.

II.2.2.3 Da conduta imputada à Tim

  1. No que diz respeito à Tim, o Representante menciona que a operadora estaria incorrendo em práticas anticoncorrenciais ao ofertar o plano “Controle WhatsApp”, que forneceria acesso gratuito a tal aplicativo, em detrimento de outros.

  2. Nesse sentido, esclarece a Representada que o regulamento "Controle WhatsApp" descreve uma oferta específica da Tim, com período de adesão a partir de 25.11.2014 e válida até 20.01.2016, podendo ser prorrogada automaticamente a cada 30 dias[33].

  3. De acordo com o regulamento, todos os clientes que aderirem à oferta no período estipulado terão 100MB por dia para enviar e receber mensagens de texto, áudio, vídeo e fotos por meio do aplicativo WhatsApp, sem que haja desconto da franquia de dados convencional do plano, que é de 500MB mensais. Ou seja, o cliente que aderir à oferta está sujeito a uma cobrança mensal para que tenha seus benefícios renovados mês a mês. 

  4. Esclarece o regulamento do plano que, alcançado o limite de 100MB diários para uso exclusivo com o aplicativo WhatsApp, o volume de dados excedente gerado por esse aplicativo será descontado da franquia de dados contratual, de 500 MB. Todavia, expirada a franquia mensal, apesar do cliente ter a conexão de dados bloqueada, a troca de mensagens no aplicativo WhatsApp permanecerá liberada, respeitado o limite diário.

  5. Conforme analisado na seção anterior, é razoável supor que a preferência pelo aplicativo WhatsApp é anterior à escolha do plano que proporciona gratuidade a seu acesso. A decisão envolve uma série de outros fatores muito mais relevantes, como, por exemplo, as funcionalidades que o aplicativo oferece e a quantidade de contatos que se utilizam da mesma rede. Percebe-se, portanto, que a relação de causalidade é outra: o cliente escolhe um determinado plano por ele oferecer acesso gratuito ao aplicativo de sua preferência, e não o contrário, como sugere o Representante.

  6. Aqui, novamente, não há relação de exclusividade, não há bloqueio a outros conteúdos nem degradação de tráfego. A prática não dificulta a atuação de outros aplicativos, que não estão impedidos de atuar e ofertar seus produtos aos consumidores ou de desenvolver novas soluções e novas ofertas para atrair a preferência dos clientes, que terão, portanto, maiores possibilidades de escolha.

  7. No que tange à legitimidade e à racionalidade econômica das práticas adotadas, dado o cenário de grande competitividade, faz parte da estratégia comercial das empresas lançar novos produtos que as diferenciem no mercado, buscando ofertar facilidades que atraiam o interesse do consumidor, o que é perfeitamente razoável e lícito.

  8. Também cabe destacar que a TIM não é verticalizada com o Whatsapp e não há um contrato entre as duas empresas com previsão de exclusividade ou remuneração pela presença no plano. Mais uma vez, isso não exclui a potencialidade de um dano ao mercado, mas do ponto de vista da lógica anticompetitiva, o cenário que se observa é de uma tentativa de adoção de estratégias comerciais para aumentar sua competitividade no mercado de banda larga móvel.  

  9. Portanto, diante de todo o exposto, conclui-se que as práticas da Representada presentes nos autos não apresentam indícios relevantes de terem um potencial anticompetitivo.

 

II.2.2.3 Da conduta imputada à Oi

  1. Quanto às práticas supostamente anticompetitivas adotadas pela Oi, o Representante menciona nos autos uma oferta que permitiria o acesso dos clientes aos aplicativos Facebook e Twitter de forma gratuita e ilimitada, desde que por meio de um navegador denominado “opera mini”.

  2. De acordo com o regulamento de tal oferta, poderão acessar gratuitamente o Facebook e o Twitter os clientes pré-pagos com créditos válidos, e os clientes de planos controle e pós-pagos que estiverem adimplentes, desde que a navegação seja feita por meio da plataforma “opera mini”. Disso, depreende-se que os clientes nas condições mencionadas possuem um pacote de dados convencional associado ao terminal (créditos válidos no pré-pago e adimplência nos planos controle e pós-pagos), que pode ser utilizado para acesso a todo e qualquer conteúdo. Ainda segundo o regulamento, clientes que não atenderem a estes pré-requisitos estão sujeitos à perda definitiva dos benefícios da promoção.

  3. Ademais, a adesão na promoção é facultativa. O consumidor possui liberdade para decidir quanto à conveniência de sua participação na oferta. Para isso, além de cumprir com os requisitos de adimplência e validade de créditos, ele deve voluntariamente instalar em seu telefone o navegador opera mini.

  4. Esse navegador, ao contrário do que afirma o Representante, não é um aplicativo oferecido pela própria operadora, mas uma versão simplificada do navegador mobile principal do fabricante Opera. Ele é indicado para versões mais antigas do Android, ou para quem deseja economizar a franquia de dados de Internet. Isso porque ele compacta os dados recebidos, resultando em um tempo de carregamento dos sites muito menor que o convencional[34]. Ou seja, a Oi está disposta a isentar o tráfego de dados para uma aplicação, desde que consiga minimizar o impacto desse tráfego em sua rede. Importante mencionar, também, que o navegador está disponível em diversas lojas virtuais, para clientes de qualquer operadora, e é compatível com os mais variados modelos de smartphones[35].

  5. A Oi ainda esclarece que não existe qualquer incentivo à adoção de prática discriminatória, uma vez que não há outra empresa integrante do grupo econômico da empresa atuando no mercado de aplicativos de Internet. Além do mais, a empresa ressalta que não há qualquer relação de exclusividade entre a Oi e os aplicativos parceiros e, consequentemente, não existe qualquer impedimento à celebração de parcerias com quaisquer aplicativos.

  6. Também nesse caso, não se vislumbra que a conduta da operadora seja capaz de gerar prejuízos à concorrência no mercado de aplicativos. Como visto, para além de se tratar de um mercado em expansão, não há fechamento da rede para outras aplicações. Os clientes continuam podendo acessar qualquer outro conteúdo por meio de sua franquia convencional, e faz parte de seu direito de escolha poder aderir aos mais diferentes planos e ofertas disponíveis, de acordo com seu perfil de consumo.

  7. Quanto à racionalidade econômica da prática, é comum no setor de telecomunicações a diferenciação de produtos em função do perfil de usuário, como é o caso dos serviços pré-pagos e pós-pagos (cujas tarifas diferem sensivelmente). O mesmo ocorre com os planos de dados para acesso à Internet. É natural que existam planos para usuários com diferentes perfis de consumo; assim, o cliente pode contratar a operadora e o plano que seja mais adequado a suas necessidades.

  8. É bastante plausível considerar que a oferta de gratuidade no acesso a determinadas aplicações da Internet, mediante alguns requisitos, seja uma estratégia comercial legítima de diferenciação. Destarte, é razoável supor que a racionalidade dessas ofertas esteja pautada na (i) possibilidade de atrair novos usuários que se identifiquem com as condições propostas; e (ii) no incentivo para manter a adimplência dos clientes pós-pagos e os créditos ativos dos clientes pré-pagos e, desse modo, aumentar a rentabilidade e a receita média por usuário.

  9. Com a empresa salientou ao longo da instrução, a Oi não é verticalizada com o Facebook ou com o Twitter, nem possui contratos de exclusividade ou que enseje alguma remuneração a esses agentes. 

  10. Isto posto, constata-se que as ofertas promocionais da Oi colacionadas nos autos não possuem características anticompetitivas que justifiquem o prosseguimento da investigação.

 

II.2.2.3 Da conduta imputada à Claro

  1. Com relação à Claro, o MPF cita a promoção “Acesso Facebook, Twitter e WhatsApp" como exemplo de prática que promove distorções na competição do mercado. Assim, ao oferecer acesso gratuito e ilimitado a esses aplicativos, a Claro estaria gerando impactos concorrenciais severos, ao desestimular o acesso a aplicações não abrangidas pelas mesmas condições vantajosas.

  2. De acordo com os regulamentos anexados aos autos pelo MPF, tanto clientes de planos com cobrança mensal (pós-pago e controle) quanto os clientes de planos pré-pagos podem aderir à oferta. No caso dos clientes pré-pagos, é necessário possuir créditos válidos e ativos para usufruir da gratuidade. No que tange aos clientes pós-pagos e controle, é necessário possuir franquia de Internet mensal ativa e estar adimplente com a operadora. Em qualquer caso, é preciso realizar a opção pelo pacote de benefícios promocionais mencionado.

  3. Dessa forma, nota-se que sempre haverá um pacote de dados convencional, para uso irrestrito, associado ao benefício de navegação grátis nos aplicativos eleitos pela empresa para integrar a promoção. Assim, a franquia contratual ficaria liberada para ser utilizada no acesso a qualquer outro conteúdo.

  4. É de se observar, também, que a operadora adotou medidas para evitar a sobrecarga da rede, ao excluir do acesso gratuito “A visualização ou download/upload de conteúdos externos ao Facebook, ao Twitter e ao WhatsApp, incluindo mas não se limitando a jogos, vídeos, localização, checkin, acesso a aplicativos, links, dentre outros, e ainda a realização de ligações de voz (VOIP)”.

  5. De acordo com a Representada, as promoções mencionadas são ferramentas utilizadas para diferenciar-se em um mercado rigorosamente regulado, que acaba por homogeneizar os produtos ofertados pelas operadoras. E a racionalidade para escolher quais aplicativos serão objeto da promoção baseia-se tão somente na preferência dos clientes. Inclusive a representação confirma a atratividade dos aplicativos contemplados, ao citar que Facebook e o WhatsApp foram os aplicativos mais baixados no mundo.

  6. A Claro destaca que não possui qualquer vínculo societário com as empresas proprietárias dos aplicativos atualmente incluídos na promoção e, portanto, nem potencialmente teria interesse em estimular a sua utilização ou em desestimular a utilização de outros aplicativos.

  7. Aliás, como dito ao longo deste parecer, não é racional para as operadoras inibir a inovação e restringir o acesso a determinados conteúdos, uma vez que quanto mais aplicativos forem lançados e passarem a ser acessados pelos usuários, maior será a demanda por serviços de dados e, consequentemente, maiores serão as receitas das prestadoras de serviços de telefonia móvel.

  8. Da mesma forma, é razoável admitir que o sucesso e a popularização de aplicativos e serviços estejam relacionados a suas características e ao valor que agregam à experiência do usuário, além de sua capacidade de apresentar soluções inovadoras a problemas ou demandas dos consumidores.

  9. Com efeito, pressupõe-se que a preferência do usuário é que determina quais aplicativos serão alvo de uma oferta nesses moldes, e não que a escolha do usuário seja influenciada pela gratuidade ofertada no acesso a determinados aplicativos. Não é a possibilidade de determinado aplicativo ser acessado gratuitamente que determinará seu sucesso. E, se um dos aplicativos hoje contemplados das ofertas deixar de ser do interesse do consumidor, provavelmente cairá em desuso, estando incluso ou não em uma promoção de zero rating.

  10. Por fim, é preciso reconhecer que, quando associada a uma franquia contratual regular, a oferta de acesso gratuito a determinadas aplicações (no caso, bastante populares antes mesmo das promoções) pode proporcionar maior acesso de aplicações entrantes. Isso porque, na medida em que os aplicativos contemplados deixam de consumir a franquia limitada, o volume de dados restante pode ser utilizado para a experimentação de qualquer outro aplicativo, o que pode incentivar a competição do segmento.

  11. Dito isto, percebe-se que não há elementos nos autos que indiquem que a prática sob análise da Claro possa ser considerada uma infração à ordem econômica.

 

II.3 Considerações finais

  1. Primeiramente, com relação a uma suposta violação ao Marco Civil da Internet e ao princípio da neutralidade de rede, é importante reiterar o posicionamento da Anatel e do MCTIC de que não se deve bloquear previamente ou desestimular os modelos de negócios das empresas da cadeia de Internet, que ocorrem no âmbito de relações privadas. De todo modo, isso não afasta a necessidade de monitorar tais modelos, e de tomar as medidas legais cabíveis caso seja identificada uma infração, corrigindo eventuais efeitos indesejáveis.

  2. Neste caso em concreto, a Anatel e o ministério entendem que as práticas analisadas não afrontam o disposto no MCI e no Decreto que o regulamenta. As redes das prestadoras de acesso à Internet estão abertas aos mais diversos conteúdos e aplicativos. Não há comprovação de bloqueio ou de degradação de tráfego para aplicações que não estejam contempladas nas ofertas de cada operadora. Não há indícios de que houve priorização de pacotes na comutação ou transmissão dos dados. E, por fim, não se identificou quaisquer privilégios concedidos para aplicações ofertadas pelo próprio responsável pela transmissão, pela comutação ou pelo roteamento ou por empresas integrantes de seu grupo econômico.

  3. Com relação aos aspectos concorrenciais das práticas denunciadas, tendo em vista a investigação realizada e os esclarecimentos prestados ao longo desta Nota Técnica, esta SG entende que não restaram comprovados os indícios necessários para se concluir que a conduta analisada gera efeitos anticompetitivos no mercado de provimento de acesso à Internet, tampouco no mercado de aplicativos e conteúdos.

  4. O Representante alega que o oferecimento de determinados conteúdos em condições economicamente mais favoráveis distorceria a competição e criaria obstáculos relevantes à permanência dos demais aplicativos no mercado e ao ingresso de outros em potencial. Todavia, não há qualquer evidência que sustente essa afirmação.

  5. Em realidade, é notório que os aplicativos contemplados nas ofertas aqui analisadas já eram bastante populares e muito acessados antes do lançamento das promoções.  Aliás, foi exatamente a preferência dos clientes por tais aplicativos que norteou a decisão das operadoras de incluí-lo em suas promoções, como forma de atrair novos consumidores e mantê-los em suas bases.

  6. Por serem os aplicativos mais acessados mesmo antes das promoções, é natural supor que, na ausência de tais ofertas, os usuários continuariam a utilizar grande parte da franquia de dados contratada para navegar em tais conteúdos. Por essa perspectiva, pode-se inferir que a oferta de gratuidade no acesso a esses sites teria o efeito de poupar a franquia de dados contratada, que poderia ser utilizada, portanto, para experimentação de novos aplicativos e conteúdos. Sob esse ponto e vista, as práticas analisadas poderiam fomentar o acesso a outras fontes de informação, gerando incentivos ao consumo de outros conteúdos e aplicativos.

  7. Quanto à afirmação do Representante de que as práticas distorcem o direito de escolha e a autodeterminação do internauta, não há qualquer evidência de que as promoções analisadas tenham a capacidade de direcionar quais aplicativos deverão ser acessados ou não. As ofertas disponibilizadas fazem parte de um vasto portfólio das operadoras, que buscam configurar seus planos de maneira a atender os mais variados perfis de clientes. Sendo assim, tal argumento subestima a capacidade de discernimento e o poder de escolha do consumidor, que é quem decide ou não contratar o plano, diante das várias alternativas que possui.

  8. Além disso, não se verificou qualquer relação societária entre as operadoras e os aplicativos objeto de promoção, o que afasta um favorecimento vertical de empresas do mesmo grupo. Também não se observou relações contratuais de exclusividade ou remuneração entre as operadoras e os mesmos aplicativos, o que também afasta o argumento de uso do poder financeiro por alguns agentes para inibir a concorrência em seu mercado de atuação. 

  9. No caso do acesso patrocinado, sequer há alteração na estrutura de custos, uma vez que a única diferença é a inversão do polo de cobrança. Vale apontar que outros modelos com lógica similar são totalmente admissíveis no setor de telecomunicações. Como destacado pela Representada Oi, além dos modelos de RPP (Receiving Party Pays) em que a parte que recebe a ligação assume o custo da chamada (0800, chamadas a cobrar, etc), há modelos como o da radiodifusão, aberta e gratuita, financiada exclusivamente por anunciantes (e não pelos telespectadores), e modelos de TV por assinatura, custeados por assinantes e anunciantes (e não exclusivamente por assinantes).

  10. Ademais, não se pode olvidar a função social desse modelo de cobrança, que pode viabilizar, portanto, o acesso de cidadãos a aplicativos e sites de programas governamentais, como Bolsa Família; ou o acesso a sites com conteúdo educacional, sem ônus para o usuário.

  11. Como foi possível verificar, diante de todas as obrigações previstas na ampla regulação setorial e da rivalidade do setor, os serviços de telefonia móvel tendem a convergir para uma certa padronização. Nesse sentido, é importante ter em mente que a diferenciação de planos conforme o perfil do usuário é prática legítima no setor de telecomunicações. Estes planos diferenciados são melhores para os próprios usuários, que podem escolher quais mais se adequam às suas necessidades, gerando uma maior competição entre as operadoras, e beneficiando o próprio consumidor.

  12. Com base no exposto, conclui-se, portanto, que não há indícios de que as práticas denunciadas pelo MPF, genericamente denominadas de zero rating, possam gerar prejuízos ao ambiente concorrencial, seja no mercado de SMP, seja no mercado de aplicativos.

 

III. CONCLUSÃO

  1. Diante da análise realizada, sugere-se o arquivamento do presente procedimento, nos termos do art. 175 do Regimento Interno do CADE, tendo em vista a não configuração das condutas apuradas. A diligência realizada por esta SG apontou que não há, no presente caso, indícios de que as práticas denunciadas sejam capazes de gerar efeitos anticompetitivos nos mercados em questão que justifiquem a instauração de Processo Administrativo.

  2. Note-se que o presente arquivamento não prejudica eventual investigação futura, diante da existência de novos indícios de infração à ordem econômica a ensejar a continuidade da investigação. Arquivar neste momento é a medida de melhor racionalidade administrativa, com base nos princípios de eficiência, interesse público e proporcionalidade enunciados no art. 2º da Lei nº 9.784/99, evitando com isso dispêndio desnecessário de recursos públicos na investigação de um procedimento aberto sem indícios consistentes.

 

Esta a conclusão. Encaminhe-se ao Sr. Superintendente Adjunto.

 

 


[1] Por meio das URLs "m.Facebook.com" e "m.Twitter.com", ou dos aplicativos do Facebook, Twitter e WhatsApp.

[2] Em resposta ao Ofício 3342/2016/CADE

[3] Nota Técnica N° 23793/2016/SEI-MCTIC, Processo nº 01200.704064/2016-65, em resposta ao Ofício nº 4089/2016/CADE.

[4] Art. 10. As ofertas comerciais e os modelos de cobrança de acesso à internet devem preservar uma internet única, de natureza aberta, plural e diversa, compreendida como um meio para a promoção do desenvolvimento humano, econômico, social e cultural, contribuindo para a construção de uma sociedade inclusiva e não discriminatória.

[5] Art. 9º Ficam vedadas condutas unilaterais ou acordos entre o responsável pela transmissão, pela comutação ou pelo roteamento e os provedores de aplicação que: 1 - comprometam o caráter público e irrestrito do acesso à internet e os fundamentos, os princípios e os objetivos do uso da internet no País; II - priorizem pacotes de dados em razão de arranjos comerciais; ou (...).

[6]CAPÍTULO IV - DA FISCALIZAÇÃO E DA TRANSPARÊNCIA

Art. 17. A Anatel atuará na regulação, na fiscalização e na apuração de infrações, nos termos da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997.

 Art. 18. A Secretaria Nacional do Consumidor atuará na fiscalização e na apuração de infrações, nos termos da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

 Art. 19. A apuração de infrações à ordem econômica ficará a cargo do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, nos termos da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011.

[7] Art. 145. A implantação e o funcionamento de redes de telecomunicações destinadas a dar suporte à prestação de serviços de Interesse coletivo, no regime público ou privado, observarão o disposto neste Título.

Parágrafo único. As redes de telecomunicações destinadas à prestação de serviço em regime privado poderão ser dispensadas do disposto no caput, no todo ou em parte, na forma da regulamentação expedida pela Agência.

Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de Informações.

§ 1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.

§ 2º É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações.

[8] Conforme reposta ao Ofício nº 4094/2016.

[9] Disponível em http://www.anatel.gov.br/dialogo/file/download/157.

[10] “Resolução sobre Internet Aberta”, Federal Communications Commission, 2010. Dispõe sobre regras de neutralidade de rede (transparência, proibição de bloqueio, proibição de discriminação não razoável).

[11] “Neutralidade de rede - Proposta de consulta pública à sociedade sobre a regulamentação prevista no Marco Civil da Internet” Disponível em http://www.anatel.gov.br/dialogo/file/download/157.

[12] “Os acordos de zero-rating e seus impactos concorrenciais: os limites da regulação da neutralidade de rede” RDC, Vol. 4, nº 1, maio 2016, pp. 21-56.

 Disponível em: http://revista.cade.gov.br/index.php/revistadedefesadaconcorrencia/issue/view/12.

[13] Informe nº 4/2016/SEI/SCP, em resposta ao Ofício 4090/2016.

[14] Informe nº 4/2016/SEI/SCP, em resposta ao Ofício 4090/2016.

[15] Informe nº 4/2016/SEI/SCP, tradução livre da Anatel.

[16] “Neutralidade de rede - Proposta de consulta pública à sociedade sobre a regulamentação prevista no Marco Civil da Internet” Disponível em http://www.anatel.gov.br/dialogo/file/download/157.

[17] Parecer nº. 00721/2016/PFE-ANATEL/PGF/AGU.

[18] Art. 3º A competição no setor de telecomunicações é regida pelos princípios e regras contidos na Constituição Federal, na Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, Lei Geral de Telecomunicações – LGT, na Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, e na regulamentação da Anatel, em especial pelos seguintes pressupostos:

I - função social das redes de telecomunicações;

II - livre concorrência;

III - defesa do consumidor;

IV - repressão de práticas anticompetitivas;

V - sustentabilidade econômico-financeira do setor;

VI - vedação de subsídios cruzados;

VII - acesso não discriminatório, a preços e condições justos e razoáveis, às redes de telecomunicações e às infraestruturas de suporte à prestação de serviço de telecomunicações;

VIII - diversificação na oferta dos serviços de telecomunicações;

IX - redução das barreiras à entrada;

X - uso eficiente do espectro de radiofrequências;

XI - boa-fé e transparência;

XII - a redução das desigualdades regionais e sociais.

[19] Nota técnica nº 12/2016/CGAA4/SGA1/SG/CADE, Processo Administrativo nº08012.011881/2007-4.1

[20] Vide o Anexo I à resolução Cade nº 20, de 9 de junho de 1999.

[21] Informe nº 4/2016/SEI/SCP.

[22] Vide Relatório de Acompanhamento do Setor de Telecomunicações – Anatel, 1º trimestre de 2016.

[23] De acordo com as manifestações da Anatel (Ofício 4090/2016) e do MCTIC (Ofício 4089/2016).

[24] Vide Case Nº COMP/M.7217 - Facebook/ WhatsApp. Disponível em

 http://ec.europa.eu/competition/mergers/cases/decisions/m7217_20141003_20310_3962132_EN.pdf

[25]Vide Case Nº COMP/M.7217 - Facebook/ WhatsApp. Disponível em

 http://ec.europa.eu/competition/mergers/cases/decisions/m7217_20141003_20310_3962132_EN.pdf

[26] Por exemplo, é possível que para alguns consumidores o Facebook seja substituto do Instagram, enquanto para outros essa substituição não é possível. 

[27] Novamente, ressalte-se que o MPF, em sua representação, não tratou de forma individualizada as práticas de cada uma das operadoras, mas apenas mencionou determinados planos e ofertas como exemplos de uma conduta supostamente anticoncorrencial, e genericamente denominada de zero rating.

[28] No plano pré-pago, o usuário insere créditos previamente à utilização dos serviços de telecomunicações (seja dados ou voz). Não há uma conta fixa mensal a ser paga. Já no plano Controle, há uma conta, com valores a serem pagos obrigatoriamente todos os meses, mas o valor a ser pago nunca ultrapassa os limites acertados no momento da contratação. Porém, assim como o sistema pré-pago, o plano controle permite inserir mais créditos sempre que limite de utilização for atingido.

[29] Desde que o cliente esteja adimplente com a empresa.

[30] A saber: [ACESSO RESTRITO AO CADE]

[31]  [ACESSO RESTRITO AO CADE]

[32] Em resposta ao Ofício nº 3342/2016/CADE. Vide:[ACESSO RESTRITO AO CADE]

[33] Segundo informações no site da empresa, o plano não está ativo no momento.

[34] http://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutoriais/noticia/2015/01/conheca-o-opera-mini-e-aprenda-usar-ferramentas-do-navegador.html

[35] Vide: http://www.opera.com/pt-br/mobile.


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Documento assinado eletronicamente por Kenys Menezes Machado, Superintendente Geral Adjunto(a), em 31/08/2017, às 11:49, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Documento assinado eletronicamente por Cristiane Landerdahl de Albuquerque, Coordenador(a)-Geral, em 31/08/2017, às 11:52, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Documento assinado eletronicamente por ULLIANA CERVIGNI MARTINELLI, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, em 31/08/2017, às 11:54, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Referência: Processo nº 08700.004314/2016-71 SEI nº 0380317