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Ministério da Justiça e Segurança Pública- MJSP

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Requerimento nº 08700.002715/2019-30 (apartado de acesso restrito nº 08700.002716/2019-84), relacionado ao Inquérito Administrativo nº 08700.006955/2018-22

Requerente: Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras

Advogados: Alex Messeder e outros

 

VOTO-vogal

VERSÃO única

 

Nós temos aqui uma investigação iniciada há cerca de seis meses, a partir de um pedido da presidência, devidamente homologado pelo plenário do Tribunal do CADE em 5 de dezembro do ano passado. Tratava-se de um pedido para que a SG avaliasse se a política de preços adotada pela Petrobrás, a partir de 2016, também conhecida como Nova Política de Preços, de alguma forma feria a legislação de defesa da concorrência.

A proposta de acordo ora em apreciação encerra essa investigação, por conta de uma decisão do Governo Federal e, consequentemente, da própria direção da Petrobrás, de privatizar cerca de 50% de seu parque de refino, na forma da venda integral de oito unidades produtivas, conforme anunciado em fato relevante, portanto, público.

Eu entendo que essa decisão da empresa não tem relação direta com o processo investigativo em curso no CADE que, vale ressaltar, se encontra em estágio bastante inicial, na fase de Inquérito Preliminar, não tendo sequer sido convertido em um Processo Administrativo. Ou seja, não é exatamente uma proposta de remédio em função da investigação em curso; entendo ser uma decisão unilateral da empresa que vem, então, perguntar ao CADE se essa decisão é capaz de neutralizar eventuais riscos concorrenciais. 

Como o processo ainda é embrionário, pouco se avançou na investigação sobre se houve de fato uma conduta e se essa conduta seria considerada uma infração concorrencial, posto que a jurisprudência do CADE (bem como o que entendemos ser as melhores práticas de defesa da concorrência) exige que se analise o caso pela regra da razão e se demonstre que eventuais efeitos concorrenciais, se existentes, não seriam superados por eficiências alocativas.

Nada disso chegou a ser examinado pela SG até o presente momento. 

Relembro que, no dia 25/03, há pouco mais de dois meses, nós tivemos, aqui, neste mesmo plenário, uma cerimônia de divulgação do resultado do processo de Peer Review conduzido por equipe técnica da OCDE, que fundamentou a adesão do CADE como membro permanente ao comitê de defesa da concorrência do grupo de países. Foi um evento bastante celebrado, inclusive com a presença do Ministro da Justiça e da Segurança Pública.

Embora esse processo de Peer Review tenha concluído que as práticas de defesa da concorrência adotadas pelo Brasil sejam, em geral, compatíveis com as dos demais países da OCDE, a equipe técnica fez algumas recomendações de aprimoramento, dentre elas, por exemplo, a necessidade de se aprovar um guia de dosimetria com regras claras para a apenação de empresas infratoras e, mais importante para o caso ora em análise, a necessidade de se concluir processos investigativos de condutas unilaterais, de modo a sinalizar claramente para o mercado quais práticas são admissíveis pela legislação da concorrência e quais não são. Alertava-se que a conclusão precoce de investigações de condutas unilaterais por meio de TCCs, sem o reconhecimento de uma infração pelas partes, não gerava uma jurisprudência que desse segurança jurídica às empresas.

Entendo que a discussão sobre o encerramento do presente caso, na forma como proposto, se enquadra nesse contexto maior, de aprimoramento da política de defesa da concorrência do Brasil. Como o presidente falou hoje cedo, na abertura da sessão, somos reconhecidos como uma das melhores autoridades da concorrência do mundo, e devemos aspirar manter essa reputação.

Por essa razão, entendo que não seria oportuno encerrar a presente investigação da forma como proposta pela SG. Não há nos autos, ainda, sequer uma definição de mercado relevante pela área técnica da SG, primeiro passo em toda análise antitruste. Isso é importante porque, pela jurisprudência vigente do CADE até o momento, esse seria um mercado de dimensão geográfica internacional, não havendo sequer a possibilidade de conduta predatória pela Petrobrás, motivo pela qual se arquivou investigação pretérita, conforme consubstanciado nos autos do processo nº 08012.007897/2005-98.

Para se ter uma ideia das repercussões da decisão e desse processo como um todo, Sr. Presidente, lembro que temos no Brasil outros mercados que, a depender da definição de suas dimensões geográficas, poderiam se caracterizar como sendo um quase monopólio. É o caso, por exemplo, do setor de extração de alguns bens minerais, dada a predominância da empresa Vale. Poderia o CADE, então, abrir um processo investigativo contra a empresa e, sem sequer definir o mercado relevante, demandar a adoção de uma série de desinvestimentos para introduzir concorrência no setor?

Outro ponto relevante que não é enfrentado quando o processo é encerrado da forma proposta: a política de praticar um preço abaixo do custo de oportunidade (como alegado por terceiros interessados, mas acima dos custos de produção) pode ser considerada uma prática predatória, uma conduta que fere a legislação concorrencial?  Novamente, uma empresa como a Vale poderia ser condenada por tal prática, ou dela exigida um acordo para que se encerrasse uma investigação pelo CADE? Essas perguntas não são respondidas.

Há ainda outras repercussões: as partes que eventualmente tenham se sentido de alguma forma lesadas, sejam elas concorrentes, denunciantes ou terceiros interessados (como Manguinhos, Plural, Abicom ou Raízen), não terão a oportunidade de ver concluída a análise do CADE quanto à existência da conduta e seus potenciais efeitos.  Isso desestimula agentes potencialmente prejudicados por condutas anticompetitivas, se de fato elas existiram, de trazerem a denúncia ao CADE. 

Por fim, Sr. Presidente, sem a análise aprofundada do problema levantado, é muito difícil fazer cumprir os compromissos assumidos no TCC. Ou seja, temos um problema de enforcement. Sem a identificação de mercado relevante e da capacidade da Petrobrás de abusar de eventual poder de mercado, sem entender os incentivos e sem a caracterização da conduta e de seus efeitos, fica impossível avaliar se um eventual descumprimento parcial (por exemplo, a não venda de um dos ativos propostos pela própria Petrobrás), reestabeleceria as condições de dominância e potencial abuso. E se o governo mudar de ideia? Se entender, por exemplo, que a venda da refinaria de Manaus geraria um monopólio privado e que isso não seria conveniente, o TCC vai obrigar a Petrobrás a vender? Se sim, não seria uma ingerência sobre uma decisão de política pública? Se não, o TCC não seria apenas uma formalização acessória para revestir a decisão de desinvestimento de um aval da autoridade concorrencial? Essas questões me incomodam.

Concluo ressaltando, novamente, que entendo que a proposta da Petrobras, independentemente de ser capaz ou não de neutralizar eventuais problemas concorrenciais (o que os autos, acredito, não nos permitem concluir), não guarda relação com o processo de investigação ora em análise, não carecendo a Petrobrás, a ANP ou o Governo Federal de qualquer autorização do CADE para proceder com a privatização pretendida. Um governo legitimamente eleito tem plena capacidade de tomar essa decisão, como outros já o fizeram no passado.

Assim, senhor presidente, peço vênia para votar pela não homologação, por entender que não é conveniente ou oportuno encerrar a investigação da forma proposta pela SG.

 

É o voto.

 

Brasília, 11 de junho de 2019.

 

[assinatura eletrônica]

João Paulo de Resende

Conselheiro

 


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Documento assinado eletronicamente por João Paulo de Resende, Presidente substituto, em 17/06/2019, às 12:06, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Referência: Processo nº 08700.002715/2019-30 SEI nº 0627604