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Processo Administrativo n.º 08012.001518/2006-37

Representante:

Marimex Despachos Transportes e Serviços Ltda.

Representado:

Rodrimar S/A Transportes, Equipamentos Industriais e Armazéns Gerais.

Advogados:

Francisco Ribeiro Todorov, Celso Fernandes Campilongo e outros

Relator:

Conselheiro Paulo Burnier da Silveira

 

VOTO

VERSÃO PÚBLICA

 

 

Ementa: Processo Administrativo. Cobrança de Terminal Handling Charge 2 (THC2) com posição dominante na área de influência do Porto de Santos no Estado de São Paulo. Art. 20, incisos I, II e IV, e Art. 21, incisos IV, V, XII e XIV, da Lei n.º 8.884/94 correspondentes ao artigo 37, incisos I, II, IV e §3°, incisos III, IV, X e XII da Lei n.º 12.529/2011. Conduta unilateral. Operador portuário. Mercados de movimentação e armazenagem de contêiners no Porto de Santos no Estado de São Paulo. Pareceres da Superintendência-Geral, da Procuradoria Federal Especializada e do Ministério Público Federal pela condenação parcial da conduta. Voto pela condenação total da conduta. Aplicação de multa. Envio de cópia do voto à Antaq.

 

Palavras-chave: Processo administrativo; operador portuário; abuso de posição dominante; cobrança de THC2; recinto alfandegado; Porto de Santos; condenação.

 

 

Sumário

1. Relatório

1.1. Representação

1.2. Instauração do Processo Administrativo

1.3. Razões de defesa da Representada

1.4. Recurso da Marimex

1.5. Manifestação da Localfrio S/A Armazéns Gerais Frigoríficos

1.6. Instrução processual

2. Preliminares

3. Mérito

3.1. Considerações sobre o setor portuário

3.1.1. Breve histórico

3.1.2. Principais agentes econômicos e relações obrigacionais

3.1.3. Fluxograma do processo de importação

3.2. Complementaridade entre regulação e concorrência

3.2.1. Considerações gerais

3.2.2. Doutrinas da State Action e da Pervasive Power

3.2.3. Pressupostos para isenção antitruste

3.3. Conduta investigada: cobrança de THC2 no Porto de Santos

3.3.1. Precedentes do CADE

3.3.2. Ilicitude da prática à luz do direito concorrencial durante todo o período da conduta

3.3.2.1. Do início da conduta até a publicação do Acórdão n.º 13/2010 da Antaq

3.3.2.2. Do Acórdão n.º 13/2010 até a publicação da Resolução nº 2.389/12 da Antaq

3.3.2.3. Da publicação da Resolução n.º 2.389/12 da Antaq até o momento atual

3.3.2.3.1. Ausência de uma norma impositiva (vs. autorizativa)

3.3.2.3.2. Ausência de outros mecanismos efetivos para coibir abusos

3.3.2.3.3. Ausência de clara política pública setorial de isenção antitruste

3.4. Posição do TCU e perspectivas futuras

4. Dosimetria

5. Dispositivo

 

1. Relatório

1.1. Representação

  1. Trata-se de representação proposta pela Marimex – Despachos, Transportes e Serviços Ltda. (Marimex) em desfavor da Rodrimar S/A Transportes, Equipamentos Industriais e Armazéns Gerais (Rodrimar) com fundamento na cobrança de valor a título de ressarcimento das despesas administrativas e operacionais na segregação de cargas destinadas aos recintos alfandegados localizados na área de influência do Porto de Santos, no Estado de São Paulo, sob pena de retenção de contêineres.

  2. Segundo a Representante, tal cobrança configura infração à ordem econômica, pois nada mais é do que a denominada Terminal Handling Charge 2 (“THC2”), a qual já foi analisada no Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-17 (CADE) e considerada lesiva à ordem econômica pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC).

  3. A Marimex alega que a presente situação fática é idêntica àquela analisada no âmbito do referido Processo Administrativo. Diante disso, argumentou que não haveria dúvidas de que a cobrança de valores a título de liberação de contêineres para recintos alfandegados viola a ordem econômica. Além disso, destacou a dependência dos recintos alfandegados em relação aos operadores portuários, o poder de mercado destes em relação àqueles, bem como a inexistência de qualquer processo de negociação com os recintos alfandegados no que se refere à legitimidade da cobrança da THC2.

  4. Ao final, a Marimex requereu a concessão de medida preventiva visando a “suspensão pela Rodrimar da cobrança feita a título de ressarcimento de despesas administrativas e operacionais na segregação de cargas, bem como de qualquer outra cobrança referente à entrega de contêineres a recintos alfandegados” (fl. 10) e pediu a condenação da Representada nas penas previstas no artigo 23 da Lei n.º 8.884/94.

  5. Em resposta a ofício da extinta Secretaria de Direito Econômico (SDE), a Rodrimar afirmou que a Marimex deixou de informar fatos importantes para a correta compreensão do caso, quais sejam (i) a existência de regulação específica exarada pela Autoridade Portuária (Companhia Docas do Estado de São Paulo – Codesp); (ii) a posição do Ministro dos Transportes no sentido da legalidade da cobrança; e (iii) a ausência de identidade do caso concreto com o Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-17 do CADE.

  6. Aduziu que a Diretoria-Executiva da Codesp – Autoridade Portuária do Porto de Santos – deliberou por meio da Decisão Direxe n.º 371/2005, de 07.07.2005, o valor máximo que “poderá ser cobrado pelos Terminais Marítimos (Santos Brasil – Tecon/ Rodrimar/ Tecondi / Libra Terminal 35 e Libra Terminal 37) de Contêineres para transferência de contêiner cheio para os recintos alfandegados localizados na Baixada Santista” (fl. 276). 

  7. Consignou que a Decisão Direxe n.º 50/2006 determinou que “a partir desta data (31.01.06) o valor máximo de R$ 123,03 (cento e vinte e três reais e três centavos) por contêiner, que poderá ser cobrado pelos Terminais Marítimos de Contêineres para transferência de carga conteinerizada “não perigosa” para recintos alfandegados localizados na Baixada Santista, valor esse que corresponde à atualização pelo IGP-M acumulado no período de 01.09.95 a 31.05.05, da “Taxa 13 da Tabela M” cobrado pela Codesp e vigente no período de 01.09.95 a 31.08.96, podendo apenas ser somado a este valor, o cálculo dos tributos inerentes à cobrança” (fl. 276).

  8. A Rodrimar alega que tal regulação autorizaria a cobrança da THC2, além de determinar os seus valores máximos. Assim, a cobrança não poderia ser questionada concorrencialmente em razão da suposta isenção antitruste em face de preceito regulatório anterior exarado pela Autoridade Portuária, Codesp. Para a Representada, este fato seria suficiente para diferenciar o caso concreto daquele do Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-17 do CADE.

  9. Ademais, a Rodrimar alegou que o Ministro dos Transportes reconheceu a legitimidade da cobrança da THC2 ao acolher, em sede de recurso hierárquico em processo administrativo diverso, os fundamentos do Parecer Conjur/MT n.º 244/2005, de 21.06.2005. Segundo este parecer, “os serviços de segregação e entrega de contêineres pelos operadores aos recintos alfandegados geram custos adicionais não cobertos pela THC do armador, sendo sua cobrança pela recorrente legítima (...)” (fl. 280).

  10. A Rodrimar afirmou que passou a cobrar pela THC2 somente a partir de março de 2006, em estrita obediência à regulamentação da Codesp e à decisão do Ministério dos Transportes. Pontuou que “está cobrando R$ 127,50 (cento e vinte e sete reais e cinquenta centavos), incluído o ISS, pelos SSE [THC2]” (fl. 297). Ou seja, valor abaixo do estabelecido na Decisão Direxe n.º 50/2006.

  11. Com fundamento na doutrina do State Action, defendeu que “há imunidade antitruste quando do cumprimento estrito às normas de regulação. Por isso, a cobrança dos SSE [THC2] pela Rodrimar, nos termos estipulados pelas Autoridades Portuárias, não caracteriza infração à ordem econômica” (fl. 288).

  12. Indicou ainda que, em 17.02.2005, a Antaq reconheceu a legalidade da cobrança de THC2 pelos operadores portuários santistas no julgamento do Processo Administrativo n.º 50300.000159/2002 da Antaq, nos seguintes termos: “vistos, relatados e discutidos os presentes autos, na conformidade dos votos e das notas eletrônicas, acordam os Diretores da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq, por maioria, vencido o Diretor-Geral, a) considerar que os serviços de segregação e entrega de contêineres pelos operadores portuários aos recintos alfandegados existem, geram custos adicionais não cobertos pela THC do armador e, em consequência, sua cobrança afigura-se justificada, b) não há na conduta descrita nos autos indícios de infração à ordem econômica, nos termos das Leis n.º 8.884/1994 e 10.233/2001, e c) determinar o arquivamento do Processo Administrativo, dando-se ciência ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE” (fls. 302 - 303).

  13. Por fim, defendeu o não cabimento da medida preventiva pleiteada na inicial da representação.

  14. A Codesp apresentou manifestação na qual informou que, por meio da Decisão Direxe n.º 371/2005, estabeleceu valor máximo a ser cobrado pelos terminais marítimos para prestação de serviços de transferência de contêineres cheios para recintos alfandegados localizados na Baixada Santista bem como nomeou Grupo de Trabalho para elaboração do regramento de aprovação dos referidos valores e analisar a necessidade de aditamento dos contratos” (fl. 626). Ademais, afirmou que a Diretoria Executiva da Codesp se manifestou favoravelmente ao Relatório Conclusivo elaborado pelo Grupo de Trabalho (Decisão Direxe n.º 164/2006).

  15. Juntou parecer do Superintendente Jurídico que apontou ser a Codesp competente para regular a cobrança da THC2 pelos operadores portuários com fundamento no art. 4º, §4º, inciso VI da Lei n.º 8.630/1993, art. 44, inciso X, da Resolução Antaq n.º 55/2002, com redação dada pela Resolução Antaq n.º 126/2003. Ponderou também sobre a necessidade de regulação dos valores máximos da THC2, arrecadada pela própria Codesp quando operadora portuária – antes da privatização do Porto de Santos – sob a rubrica de taxa n.º 13 da tabela M da Tarifa do Porto.[1]

  16. Consta dos autos o Ofício n.º 317/2005 da Antaq em que recomenda a Codesp que se abstenha de regular a cobrança de THC2 (fl. 778). De acordo com a Antaq, a regulação da matéria é competência da Agência, conforme o disposto no artigo n.º 27, inciso IV da Lei n.º 10.233/01.[2] Tal comunicação foi reiterada pela Antaq à Codesp por meio do Ofício n.º 367/2005.

 

1.2. Instauração do Processo Administrativo       

 

  1. Em 05.09.2006, a SDE decidiu pelo indeferimento do pedido de medida preventiva e pela instauração de processo administrativo para apurar conduta passível de enquadramento no artigo 20, incisos I, II e IV c/c artigo 21, incisos IV, V, IX e XXI, ambos da Lei n.º 8.884/94 (fls. 827 a 861).

 

1.3. Razões de defesa da Representada

 

  1. Em sede preliminar, a Rodrimar defendeu (i) o descabimento da instauração do processo administrativo em razão da suposta isenção antitruste decorrente da regulação da conduta da Representada; (ii) a instauração de averiguação preliminar caso o CADE entenda haver indícios de infração à ordem econômica; e (iii) a imputação equivocada de conduta infracional, pelo que requereu a exclusão da imputação referente ao inciso XXI do artigo 21 da Lei n.º 8.884/1994.

  2. No mérito, a Rodrimar asseverou que o exame da presente Representação deve considerar os seguintes pressupostos: (i) o reconhecimento da existência da THC2 pelo CADE, diante da recomendação de regulação do serviço na decisão do Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-11 do CADE e no Processo Administrativo n.º 50300.000159/2002 da Antaq; (ii) a inexistência de conflito entre Codesp e Antaq para regular a matéria e a incompetência do SBDC para resolvê-lo, se for o caso; e (iii) a regulação específica pela Autoridade Portuária competente, consoante indicações do CADE no Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-11 para afastar efeitos anticoncorrenciais e a incompetência do SBDC para revisar a regulação editada pela Codesp.

  3. Consignou que a regulamentação exarada pela Codesp criou um marco legal regulatório diverso do vigente anteriormente. Afirmou que a Codesp nada mais fez do que manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato por meio da regulação.

  4. Sobre a regulação pela Codesp, ainda argumentou que (i) não há conflito de competência entre a Codesp e a Antaq referente à regulação da THC2, uma vez que a Codesp teria justificativa legal para regulamentar tais serviços; (ii) a Antaq já reconheceu, em juízo, que a competência para gerir os contratos entre o Poder Concedente e os operadores portuários é da Autoridade Portuária local; (iii) a Antaq já reconheceu a legalidade da cobrança de THC2; (iv) se houvesse conflito de competência entre Codesp e Antaq, não caberia ao SBDC arbitrá-lo; e (v) no julgamento do  Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-11 do CADE, teria havido o reconhecimento, por parte do CADE, de que a Codesp é a autoridade reguladora na esfera local.

  5. Asseverou inexistirem indícios de infração à ordem econômica e que a noção de essential facility é inaplicável ao caso concreto. Aduziu ainda que, ao contrário do sugerido pela SDE, inexistem problemas de hold-up ou mesmo a imposição de custos aos rivais, e que a Rodrimar cobra THC2 tanto na armazenagem de contêineres de importação na área do seu terminal, como de quem armazena nos recintos alfandegados.

  6. Ao final, a Rodrimar pediu o arquivamento do processo administrativo ou, alternativamente, a conversão do presente processo em averiguação preliminar. Ademais, requereu a realização de inspeção em suas instalações, bem como a produção de provas.

 

1.4. Recurso da Marimex

               

  1. Diante do indeferimento da medida preventiva pela SDE, a Marimex interpôs recurso administrativo em que aduziu a existência dos requisitos para concessão da referida tutela de urgência. Defendeu a incompetência da Codesp para regular a cobrança da THC2, pois não caberia à Codesp, na condição de sociedade de economia mista, decidir sobre a legitimidade da cobrança.

  2. O recurso administrativo da Marimex foi conhecido pelo Conselheiro-Relator Luis Fernando Schuartz como novo pedido de medida preventiva e autuado sob o n.º 08700.002928/2006-47. Diante da dúvida quanto à competência da Codesp para regular a matéria atinente à cobrança da THC2 e dos demais elementos consignados nos autos, o Conselheiro-Relator concedeu a medida preventiva determinando que a Representada cessasse “a cobrança dos valores objeto do presente Processo Administrativo (...), para prestação dos alegados serviços de transferência de carga conteinerizada para recintos alfandegados localizados na Baixada Santista”. Fixou ainda multa diária no valor de 20.000 (vinte mil) UFIRs em caso de descumprimento (fl. 1.326 a 1339).

  3. O recurso administrativo interposto pela Rodrimar em face dessa decisão não foi conhecido por esse Tribunal.

 

1.5. Manifestação da Localfrio S/A Armazéns Gerais Frigoríficos

 

  1. Em seguida, a Localfrio S/A Armazéns Gerais Frigoríficos (Localfrio) apresentou manifestação em que informou a esse Tribunal que a Rodrimar continuou a cobrança da THC2 mesmo após a adoção da medida preventiva sob a alegação de que seus efeitos se aplicariam apenas à Marimex.

  2. A Localfrio defendeu que tal cobrança enseja o descumprimento da medida preventiva pela Rodrimar. Ademais, requereu a extensão dos efeitos da medida preventiva anteriormente concedida em face da Marimex, determinando-se que a Rodrimar cesse a cobrança dos valores referidos nas Decisões Direxe n.º 371/2005 e Direxe n.º 50/2006 da Codesp.

  3. Diante disso, a SDE manifestou-se no sentido de que “a decisão do CADE já seria aplicável aos recintos alfandegados na Baixada Santista, estando proibida qualquer cobrança por parte da RODRIMAR de valores referidos nas Decisões Direxe n.º 371/2005 e Direxe n.º 50/2006, ambas da Diretoria Executiva da Codesp” (fl. 1.368). A SDE entendeu que não se trata de extensão dos efeitos da medida preventiva, mas de descumprimento da decisão proferida pelo CADE. Assim, determinou-se o encaminhamento de cópia do pedido da Localfrio para adoção das medidas cabíveis pelo CADE.

  4. Em 27.06.2007, a Conselheira Presidente Elizabeth Farina determinou a imposição de multa em desfavor da Rodrimar pelo descumprimento da medida preventiva.

 

1.6. Instrução processual

 

  1. Em resposta ao Oficio n.º 6.351/2008, de 19.09.2008 (fls. 1.453 a 1.454), da SDE, a Codesp informou não haver alteração quanto aos termos da Decisão Direxe n.º 371/2005 que tratou da cobrança da THC2 no Porto de Santos. Comunicou que apesar de ação judicial proposta contra a cobrança da THC2, empresas operadoras obtiveram mandados liminares autorizando o seu prosseguimento.

  2. Consignou que o valor cobrado por Tecondi, Santos Brasil e Rodrimar, por força da liminar exarada pela 7ª Vara Federal de São Paulo (no Processo n.º 2005/030.006111-2) seria de R$ 127,79 (R$ 112,13 de THC2 e R$ 15,56 referentes a PIS, COFINS e ISS).

  3. Em resposta ao Oficio n.º 340/2010, de 12.01.2010 (fls. 1.491 a 1.494), da SDE, a Antaq informou a existência de processos administrativos no âmbito daquela agência que tratam da matéria relativa à cobrança da THC2, além da existência de diversos processos judiciais em que a Antaq atua na condição de amicus curiae.

  4. Especificamente quanto ao Porto de Santos, informou a existência do Processo Administrativo n.º 50300.000159/2002, em que a decisão da Diretoria da Antaq, exarada em 17.02.2005, foi favorável à cobrança da THC2. Mencionou ainda que havia recurso pendente interposto pela Marimex.

  5. Além disso, afirmou que não há dúvidas sobre a competência da Antaq para regular a cobrança da THC2, nos termos do art. 27, inciso IV, da Lei nº. 10.233/2001. Mencionou que a Antaq está prestes a editar norma que regulamentará a matéria no âmbito portuário nacional.

  6. Por fim, ponderou que “vale frisar que dentre as funções exercidas pela autoridade portuária, na condição de administradora do porto, no que diz respeito ao assunto em foco, está a de fiscalizar, gerenciar e zelar pelo fiel cumprimento dos contratos por ela celebrados para o arrendamento de áreas e instalações portuárias, bem assim as atribuições a ela conferidas pelo artigo n.º 33, §1º, inciso IV da Lei n. 8.630/93, notadamente a de fixar valores e arrecadar tarifas portuárias” (fl. 1499).

  7. Em 21.05.2010, por meio do Ofício n.º 168/2010, a Antaq encaminhou comunicado sobre a publicação do Acórdão n.º 13/2010 que julgou o recurso administrativo da Marimex no âmbito do Processo Administrativo n.º 50.300.000159/2002. O referido acórdão manteve a decisão da Diretoria da Antaq que acordou, por maioria, vencido o Diretor-Geral, que: “a) a considerar que o serviço de segregação e entrega dos contêineres existe, gera custos adicionais que não estão cobertos pela chamada THC do armador, e, em consequência, sua cobrança por parte dos terminais afigura-se justificada; b) não há na conduta descrita nos autos indícios de infração à ordem econômica, nos termos das Leis n.º 8.884/1994 e 10.233/2001; e c) determinar o arquivamento do processo administrativo (...)” (fl. 2.087).

  8. Em seguida, a Representante apresentou nova manifestação. Com relação ao entendimento da Antaq no Processo Administrativo n.º 50.300.000159/2002, referente ao Porto de Santos, consignou que as decisões da Agência não constituem regulação sobre THC2 e, portanto, não seriam suficientes para afastar o entendimento do CADE sobre a irregularidade da cobrança da referida taxa.

  9. Sobre a posição da Codesp, pontuou que (i) a Codesp teria adotado um posicionamento parcial e de afronta à Autoridade Antitruste; (ii) a Codesp não possuiria competência regulatória para fixar uma tabela de preços para THC2; e (iii) a decisão de 2010 da Antaq seria nula, porque a tabela de preços da Codesp não teria sido discutida naqueles autos.

  10. Além disso, a Marimex criticou a Resolução n.º 1.967/2011 da Antaq – a norma regulamenta a prestação de serviços de armazenagem de contêineres –, consignando que “a norma colocada em consulta pública pela Diretoria da Antaq não resolve problemas concorrenciais relativos à THC2: apenas legitima uma prática que já foi considerada anticompetitiva pelo CADE” (fl. 1.677).

  11. Foram juntados aos autos diversos documentos que refletem o entendimento de vários órgãos públicos e especialistas no setor portuário no tocante à cobrança da THC2, inclusive a manifestação do CADE no tocante à Resolução n.º 1.967/2011 da Antaq (fl. 1.736 - 1.743).

  12. Também foi juntada cópia da Resolução n.º 2.389/2012 da Antaq, de 13.02.2012, que “aprova a norma que estabelece parâmetros regulatórios a serem observados na prestação dos serviços de movimentação e armazenagem de contêineres e volumes, em instalações de uso público, nos portos organizados” (fls. 2.232 a 2.236). A norma entrou em vigor em 22.02.2012, data de sua publicação no Diário Oficial da União (DOU). 

  13. Em 06.06.2013, por meio do Despacho n.º 563, o Superintendente-Geral Substituto convolou o presente Processo Administrativo em Processo Administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica (fl. 2.444).

  14. Em 16.09.2014, a Rodrimar apresentou suas alegações finais (fls. 2.508 a 2.543). Em resumo, a Representada alegou (i) o reconhecimento da existência do serviço de segregação e entrega de contêineres pelo CADE, pela Antaq e pela Codesp; (ii) a regulação específica exarada pela Codesp para cobrança de THC2; (iii) a inexistência de conflito entre a regulação da Antaq e da Codesp; (iv) a incompetência do CADE para revisar a regulação setorial; (v) que os terminais de Santos não são essential facilities; (vi) a inexistência de problemas de hold-up; (vii) a inexistência de imposição de custos aos rivais; (viii) a ausência de discriminação de preços; (ix) a existência de decisão judicial de procedência da ação ajuizada pela Rodrimar para permitir a cobrança de valores relativos aos serviços de segregação, desde 2008 (Processo n.º 2007.34.00.03.5023-1 da 17ª VFDF); e (x) a inexistência de infração à ordem econômica.

  15. Em 07.10.2014, a Superintendência-Geral (SG) apresentou a Nota Técnica n.º 310 (fls. 2.545 a 2.607). Entendeu que o cenário do processo julgado anteriormente pelo CADE no Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-17 é diferente daquele dos presentes autos por não haver, no processo anterior, nenhuma previsão normativa que regulasse os serviços de segregação de cargas prestados pelos operadores portuários no Porto de Santos. Consignou, entretanto, que a regulação geral que definiu a extensão dos serviços de movimentação e armazenagem portuária foi estabelecida apenas em fevereiro de 2012 pela Antaq.

  16. Ao analisar a conduta específica, a SG definiu que o mercado relevante de origem é o de movimentação de contêineres no Porto de Santos e o mercado relevante alvo é o de armazenagem alfandegada na área de influência do Porto de Santos. Reconheceu que os operadores portuários têm plenas condições de impor condutas anticompetitivas aos recintos alfandegados em razão de sua relação de dependência. Além disso, afirmou existirem incentivos para discriminação e o falseamento da concorrência pelos operadores portuários.

  17. Quanto aos efeitos, afirmou que a imposição da THC2 aumenta os custos dos recintos alfandegados, criando dificuldades e barreiras à entrada. Pontuou que o operador portuário “quando cobra a THC2 (ou a SSE) – que remunera a operação interna e inerente à própria atividade do terminal portuário e não um serviço – do recinto alfandegado independente, está, na verdade, discriminando os importadores que escolhem armazenar nesses recintos alfandegados e não no operador portuário” (fl. 2.586).

  18. A SG dividiu as principais ocorrências em três períodos: “(i) do período entre o início da conduta até a publicação do Acórdão n.º 13/2010 da Antaq, que supostamente legitimou a regulamentação da cobrança de THC2 pela Codesp; (ii) deste ponto até a publicação da Resolução Antaq n.º 2.389/2012, também legitimando a cobrança de THC2; e (iii) deste ponto até o presente momento” (fls. 2.590 e 2.591).

  19. Quanto ao primeiro período, a SG manifestou-se pela ilicitude da cobrança da THC2, em linha com os fundamentos expostos no Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-17 do CADE, uma vez que entendeu que a instituição e regulação da THC2 pela Codesp “era ilegal e nula, dada a sua incompetência para fazê-lo” (fl. 2.594).

  20. No segundo período, a SG concluiu que a decisão da Antaq no sentido da existência de custos adicionais para segregação e entrega de contêineres aos Recintos Alfandegados não produz efeitos para a Rodrimar, eis que não era parte do processo. Logo, permaneceriam válidas as conclusões do Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-17 do CADE pela condenação. Ademais, as decisões da Codesp – que regulamentaram a cobrança da THC2 – não poderiam permanecer após a publicação do Acórdão n.º 13/2010 da Antaq, pois o acórdão estabeleceu que a cobrança deveria se dar por meio de preço fixo.

  21. Após a publicação da Resolução n.º 2.389/2012, afirmou-se que o quadro de análise se alterou. A SG se pronunciou pelo afastamento da competência desta Autoridade Antitruste, com fundamento na doutrina denominada Pervasive Power, uma vez que a questão foi regulada pela Antaq. Logo, sugeriu o arquivamento do processo em relação a este período específico da conduta.

  22. Em suma, a SG concluiu que a Representada, no período de 02.03.2006 a 22.02.2012 incorreu nas violações descritas no art. 20, incisos I e IV c/c art. 21, incisos IV, V, IX e XXI, ambos da antiga Lei n.º 8.884/94.

  23. Em 16.09.2015, o presente Processo Administrativo foi redistribuído ao meu gabinete em razão do término do mandato da Conselheira Ana Frazão, conforme sorteio realizado na 88ª Sessão Ordinária de Distribuição (SEI n.º 0109306).

  24. Em 17.07.2015, a Procuradoria Federal Especializada junto ao CADE (ProCade) já havia opinado pela regularidade jurídico-formal do presente Processo Administrativo. No mérito, manifestou-se pelo acatamento, em parte, das conclusões da SG, com sugestão de condenação pelas práticas incursas nos artigos 20, incisos I, II e IV e 21, incisos IV, V, XII e XIV, ambos da Lei n.º 8.884/94 (SEI n.º 0016608).

  25. Em 10.11.2015, o Ministério Público Federal (MPF) exarou parecer em que reconheceu que a conduta praticada pela Rodrimar constituiria infração à ordem econômica, com fundamento no artigo 20, incisos I, II e IV, c/c artigo 21, incisos IV, V, IX e XXI, ambos da Lei n.º 8.884/94 (SEI n.º 0087412).

 

2. Preliminares

 

  1. Não havia qualquer alegação de preliminar, por parte da Representada, até o momento da inclusão deste Processo Administrativo na pauta da presente 88ª Sessão Ordinária de Julgamento, como se verifica pelas manifestações da ProCade e do MPF, bem como no restante dos autos do processo.

  2. No entanto, no dia 16.06.2016, há apenas poucos dias, a Representada protocolou uma petição sustentando a tese da existência de prescrição intercorrente. Alega-se a ausência de atos inequívocos de apuração de fato entre o protocolo de defesa da Representada (em 13.10.2006) e o despacho para especificação de provas (em 17.04.2012). A Representada sustenta que os atos administrativos ocorridos durante este período processual não constituem atos de apuração dos fatos, mas apenas atos instrutórios sobre a regulação pertinente a ser aplicada ao setor, o que seria incapaz de interromper a prescrição intercorrente.

  3. Em que pese o caráter público do instituto da prescrição, como bem destacado pela Representada, que implica, inclusive, na possibilidade de reconhecimento ex officio por parte dos julgadores, a referida alegação não merece prosperar pelas razões que seguem.

  4. A prescrição intercorrente é prevista no inciso II, do art. 2º da Lei n.º 9.873/1999, que disciplina o instituto de modo geral, bem como nos §§1º e 3º do art. 46 da Lei n.º 12.529/2011:

Lei nº 9.873/1999

Art. 2º. Interrompe-se a prescrição da ação punitiva:  

I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;

II - por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;

III - pela decisão condenatória recorrível.

IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal. 

 

Lei n.º 12.529/2011

Art. 46.  Prescrevem em 5 (cinco) anos as ações punitivas da administração pública federal, direta e indireta, objetivando apurar infrações da ordem econômica, contados da data da prática do ilícito ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessada a prática do ilícito. 

§ 1º. Interrompe a prescrição qualquer ato administrativo ou judicial que tenha por objeto a apuração da infração contra a ordem econômica mencionada no caput deste artigo, bem como a notificação ou a intimação da investigada. 

(...)

§3º. Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de 3 (três) anos, pendente de julgmento ou despacho, cujos atos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

 

  1. Enquanto a Lei n.º 9.873/1999 prevê que a prescrição da ação punitiva se interrompe por qualquer “ato inequívoco, que importe apuração do fato”, a Lei n.º 12.529/2011 estabelece que a prescrição é interrompida por “qualquer ato administrativo ou judicial que tenha por objeto a apuração da infração contra a ordem econômica”.

  2. Em resumo, a tabela abaixo traz o conjunto dos atos praticados pela Administração Pública no período em que a Representada alega ter ocorrido a prescrição intercorrente: 

 

Processo Administrativo n.º 08012.001518/2006-37

Data

Descrição do ato

Local

folha / n.º SEI

13/09/2006

Notificação n.º 303 da DPDE à Rodrimar notificando da instauração do presente PA

Público

fl. 865

02/10/2006

Juntada do AR referente à Notificação n.º 303

Público

fl. 1268

18/01/2007

Ofício n.º 411 da DPDE encaminhando à Presidência cópia de documentos

Público

fl. 1369

Despacho da SDE acolhendo Nota Técnica (relatório de fls. 1367/1368) e encaminhando ao Cade cópia do pedido da Localfrio e docs de fls. 1316/1366

Público

fl. 1370

10/01/2008

Ofício n.º 125 da DPDE requerendo da Presidência cópia de docs e parecer no PA n.º 08700.002928/2006-47

Público

fl. 1376

27/02/2008

Ofício n.º 521 da Presidência respondendo ao ofício n.º 125 da CGA

Público

fl. 1383

06/03/2008

Despacho da Secretária e da Secretária Substituta declarando-se impedidas para oficiar no presente processo

Público

fl. 1380

07/03/2008

Despacho do Chefe de Gabinete remetendo os autos ao Ministro da Justiça

Público

fl. 1381

10/03/2008

Despacho do Ministro nomeando Diego Faleck como substituto da Secretária no presente processo

Público

fl. 1382

19/09/2008

Ofício n.º 6351 da DPDE à CODESP requerendo informação sobre razão social, endereço, telefone e fax dos operadores portuários e Recintos alfndegados localizados no Porto de Santos; perguntando se a cobrança de TCH2 ainda estava em vigor; se a Decisão DIREXE 371/2005 foi posteriormente alterada ou seus valores máximos de cobrança alterados; sobre os Terminais que passaram a cobrar THC2 aos recintos alfandegados

Público

fls. 1453/1454

22/09/2008

Ofício n.º 6370 da CGA à Antaq pedindo informações sobre (i) andamento ou conclusão acerca da controvérsia no tocante à autoridade competente para regular a matéria relativa à cobrança de THC2; (ii) se a Decisão DIREXE n.º 371/2005, posteriormente alterada pela Decisão DIREXE n.° 50/2006, constitui regulação específica referente à cobrança de tais valores no Porto de Santos; (iii) Segundo informado pela ANTAQ (Of. n.° 317/2005 - DG, de 12.08.2005 e Oficio n.° 367/2005-DG, de 15/09/2005), essa Agência estava em vias de colocar em audiência pública norma específica regulamentando a abrangência e a cobrança dos serviços denominados de THC. Nesse sentido, informar o andamento dessa discussão, indicando se essa norma já foi submetida à consulta pública e/ou publicada; (iv) se foi constituída a Câmara de Conciliação e Arbitramento ad hoc acima mencionada. Em caso positivo, apresentar eventuais documentos/pareceres emitidos por essa Câmara. (v) A questão da cobrança de valores a título de prestação de serviços aos recintos alfandegados vem sendo discutida em processos em trâmite na ANTAQ? Em caso positivo, informar: número, partes, objeto, andamento desses processos, bem como cópias de eventuais conclusões.

Público

fls. 1456/1458

10/10/2008

Ofício n.º 7668 da DPDE à CODESP deferindo prazo adicional de 15 dias para responder o Ofício n.º 6351

Público

fl. 1461

14/10/2008

Juntada do AR referente ao Ofício n.º 6370 (fl. 1456)

Público

fl. 1463

22/12/2008

Ofício n.º 8252 da CGA à Antaq reiterando o pedido de informações do Ofício n.º 6370

Público

fl. 1479

30/04/2009

Ofício n.º 3011/2009 da DPDE à Antaq requerendo informações sobre (a) No tocante aos processos em trâmite ou que tramitaram na ANTAQ que tratem da questão da cobrança de valores a título de liberação de contêineres aos recintos alfandegados, informar número, partes, objeto e andamento, bem como apresentar cópias de eventuais conclusões. Informar, ainda, os processos judiciais (ou perante outros órgãos administrativos) em trâmite ou que tramitaram sobre esse assunto, indicando ainda o andamento de tais feitos; (b) Se, nos termos do informado no Oficio n.° 297/2007-DG, essa Agência empreendeu estudos ou deliberou acerca da matéria referente à cobrança de valores a título de liberação de contêineres aos recintos alfandegados. Em caso positivo, apresentar cópias de tais estudos ou conclusões. Exclusivamente quando ao presente PA (a) Informar o andamento ou conclusão acerca da suposta controvérsia no tocante à autoridade competente para regular a matéria relativa à cobrança de valores a título de serviços de segregação e entrega de contêineres (também denominada THC2); (b) Informar se a Decisão DIREXE n.° 371/2005, de 07/07/2005, em que a CODESP estabeleceu valor máximo a ser cobrado pelos terminais portuários a título de segregação e entrega de cargas aos recintos alfandegados, posteriormente alterada pela Decisão DIREXE n.° 50/2006, de 31/01/2006, constitui regulação específica referente à cobrança de tais valores no Porto de Santos; (c) Informar se foi constituída a Câmara de Conciliação e Arbitramento ad hoc acima mencionada. Em caso positivo, apresentar eventuais documentos/pareceres emitidos por essa Câmara

Público

fls. 1485/1488

12/01/2010

Ofício n.º 340/2010 da DPDE reiterando o pedido do Ofício n.º 3011 da CGA à Antaq

Público

fls. 1491/1494

14/10/2010

Ofício n.º 2626/2010 da Presidência respondendo ao Ofício nº 655/2010 da CGA e enviando Nota Informativa n.º 066/2003 da Antaq

Público

fl. 1571

24/05/2011

Ofício n.º 1088/2011 da Presidência encaminhando à DPDE ofícios e docs encaminhados ao CADE pela Antaq

Público

fl. 1606

Ofício n.º 1087/2011 da Presidência encaminhando ao Diretor Geral manifestação dos servidores do CADE designada especialmente para o fim de contribuir com a discussão acerca da proposta de resolução n.º 1.967 da Antaq

Público

fl. 1736

17/04/2012

Despacho n.º 043 da CGA intimando a Representada para especificar provas

Público

fl. 2188

 

  1. De início, verifica-se que o número de atos praticados é bem maior do que o número de atos praticados reconhecido pela Representada em petição juntada esta semana. Percebe-se, igual e facilmente, que os atos enumerados não são, como pretende fazer crer a Representada, meros atos procrastinatórios tendentes a ocultar uma “inatividade culposa”[3] do titular do poder sancionador para, com isso, preservar sua pretensão punitiva.

  2. Em realidade, dentre os atos instrutórios, destacam-se os ofícios enviados à Codesp e à Antaq. Ao contrário do que alegado pela Representada, estes atos não se restringem ao objetivo de “obter informações genéricas sobre o setor portuário e sobre a vigência de normas jurídicas sobre o tema” (SEI n.º 0212703). No Ofício n.º 3011/2009/DPDE/CGAJ, por exemplo, a extinta SDE requer à Antaq as seguintes informações:

 

“a) Informar o andamento ou conclusão acerca da suposta controvérsia no tocante à autoridade competente para regular a matéria relativa à cobrança de valores a título de serviços de segregação e entrega de contêineres (também denominada THC2);

b) Informar se a Decisão DIREXE n.° 371/2005, de 07/07/2005, em que a CODESP estabeleceu valor máximo a ser cobrado pelos Terminais Portuários a título de segregação e entrega de cargas aos Recintos Alfandegados, posteriormente alterada pela Decisão DIREXE n° 50/2006, de 31/01/2006, constitui regulação específica referente à cobrança de tais valores no Porto de Santos;

c) Informar se foi constituída a Câmara de Conciliação e Arbitramento ad hoc acima mencionada. Em caso positivo, apresentar eventuais documentos/pareceres emitidos por essa Câmara”. [4]

 

  1. Ou seja, estes atos visam compreender a problemática central do caso, cujo exame de legalidade encontra sustento, justamente, na existência (ou não) de uma isenção antitruste, derivada da aplicação de teorias como a State Action doctrine, ao caso concreto.

  2. Nesse sentido, o voto do Conselheiro Luis Fernando Schuartz, quando do deferimento da medida preventiva pleiteada pela Marimex, corrobora a pertinência do envio dos supramencionados ofícios, com a finalidade de apuração da infração. Lembre-se que a medida foi concedida em razão de “dúvida razoável quanto à maneira como as competências entre essas duas entidades (Codesp e Antaq) foram juridicamente alocadas, bem como de elementos que justificam o temor de que a conduta investigada venha a afetar, negativa e irreparavelmente, a concorrência entre os agentes econômicos que participam do mercado de armazenagem de cargas no Porto de Santos”[5].

  3. Em outras palavras, a apuração da infração, no caso concreto, requer a análise, por um lado, (i) da existência da conduta (que é incontroversa, como bem destacado pela Representada) e, por outro lado, (ii) da aplicação de uma eventual hipótese de isenção antitruste. Ora, esta é justamente a importância de se examinar os diplomas legais aplicáveis à matéria, a competência das autoridades que os emanaram, bem como o alcance destas normas, de modo a verificar se teriam (ou não) o condão de afastar a competência do CADE para analisar infrações à ordem econômica.

  4. Ressalte-se que a SG recomenda o arquivamento do processo em relação ao período da conduta a partir da edição da Resolução n.º 2.389/2012. Ora, a formação de convencimento da SG sobre a legalidade da conduta neste período (de 2012 em diante) foi permeada, justamente, na instrução feita durante o período em que a Representada alegava ter ocorrido prescrição intercorrente (2006 a 2012), o que inclui os atos normativos acima descriminados. Lembre-se que a referida Resolução data de 13.02.2012, tendo sido antecedida de longas discussões, incluindo uma versão da Resolução colocada em consulta pública.

  5. A despeito de todas as razões acima, verifica-se igualmente que os Pareceres da ProCade e do MPF foram bastante diligentes, no sentido de endereçar este ponto específico da prescrição intercorrente, ainda que ausente de qualquer alegação por parte da Representada à época, para concluírem ambos no sentido da inexistência de qualquer irregularidade processual.

  6. Por essa razão, afasto a alegação de prescrição intercorrente e adoto as demais considerações sobre a regularidade processual emanadas no Parecer da ProCade, pelo que passo a analisar as questões de mérito.

 

3. Mérito

3.1. Considerações sobre o setor portuário

 

  1. Antes de passar à análise propriamente dita da conduta investigada, convém tecer breves esclarecimentos sobre a regulação do setor portuário e dos terminais de uso público, em especial no Porto de Santos, bem como sobre o funcionamento do mercado de movimentação e armazenagem no setor portuário, especialmente quanto aos agentes envolvidos no mercado sob análise e as relações existentes entre eles.

 

3.1.1. Breve histórico

 

  1. O setor portuário brasileiro passou por importantes mudanças regulatórias que, segundo a Representada, impactam a análise da prática investigada. Por esta razão, um breve panorama legislativo do setor será elaborado.

  2. A primeira grande mudança observada no setor se deu com a promulgação da Lei n.º 8.630/93 (Lei de modernização dos portos) que instituiu os parâmetros para a descentralização do setor por meio de concessões e contratos de arrendamento. No modelo anterior à promulgação desta lei, o setor era marcado por forte intervenção estatal, sendo a administração, a coordenação e a operação dos portos exercida pela Empresa de Portos do Brasil S.A. (Portobras). Posteriormente, com a extinção da Portobras, pela Lei n.º 8.029/1990, a exploração dos portos ficou a cargo das companhias de docas.

  3. Com a promulgação da Lei n.º 8.630/93, as companhias de docas passaram a atuar como Autoridade portuária, ficando responsável pela administração dos portos e delegando a operação dos mesmos para o setor privado, através de processos licitatórios para celebração de contratos de arrendamento de terminais portuários. Foi também criado por esta lei o Conselho de Autoridade Portuária (CAP) com caráter deliberativo e competência para regulamentar a exploração do porto a nível local.

  4. Pode-se dizer que a atividade normativa, sob a égide da referida lei, era descentralizada. Do ponto de vista concorrencial, o quadro regulatório criado pela Lei n.º 8.630/93 centralizou a concorrência no mercado de movimentação e armazenagem de cargas dentro de um mesmo Porto Organizado ou em sua área de influência.[6]

  5. Em 2001, o setor sofreu nova mudança regulatória com a criação da Antaq pela Lei n.º 10.233/2001. Diante disto, a regulação, supervisão e fiscalização dos serviços de transporte aquaviário passou a ser competência da Antaq. Esta passou então a ser a autoridade responsável pela implementação de políticas públicas capazes de garantir a movimentação de pessoas e bens com eficiência, segurança, regularidade, modicidade, e em harmonia com o interesse dos usuários e operadores, com vistas à preservação do interesse público e da ordem econômica.

  6. Em 2007, foi criada a Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP/PR), responsável pela promoção de políticas portuárias.

  7. Em 2012, ocorreu a reforma do marco regulatório do setor com a promulgação da Medida Provisória n.º 595/2012 convertida na Lei n.º 12.815/13. Esta promoveu uma vasta centralização normativa do setor em favor da Administração Pública Federal pelo fortalecimento tanto da SEP/PR quanto da Antaq. Nesse sentido, o novo marco regulatório extinguiu o caráter deliberativo dos Conselhos de Autoridade Portuária, passando estes a ter caráter meramente consultivo. Também foram extintas algumas competências da Autoridade Portuária, como a fixação de valores e arrecadação de tarifas portuárias, e a normatização e fiscalização da exploração das áreas e instalações portuárias de áreas públicas dos portos organizados.[7]

 

3.1.2. Principais agentes econômicos e relações obrigacionais

 

  1. Relatado um breve histórico da regulação no setor portuário brasileiro, passa-se a um panorama do funcionamento do mercado de movimentação e armazenagem de cargas no setor portuário, com especial destaque a seus principais agentes econômicos. Em realidade, além dos diversos agentes públicos atuantes no setor de portos, o setor conta igualmente com a atuação de vários agentes privados em diferentes pontos da cadeia de importação e de exportação. São eles: importadores, armadores, operadores portuários e recintos alfandegados.

  2. Os importadores são os destinatários finais da mercadoria transportada e se utilizam do complexo portuário para importar cargas de outros países. Os armadores operam os navios que fazem o transporte marítimo de cargas. Os operadores portuários são arrendatários ou autorizatários de terminais portuários públicos ou privados. Tais agentes são encarregados da operação portuária que engloba a movimentação e, possivelmente, a armazenagem de cargas. Os recintos alfandegados, são os locais de movimentação, armazenagem e despacho aduaneiro, que se localizam dentro ou fora da área dos terminais portuários.[8]

  3. Em geral, o fluxo de importação de mercadorias ocorre da seguinte forma: o importador ou exportador contrata o transporte da mercadoria com o armador, pagando, para tanto, o frete do transporte e a taxa de movimentação dos contêineres (terminal handling charge - THC).[9] A referida taxa destina-se a remunerar os serviços de movimentação horizontal da carga no porto de destino.

  4. O cumprimento deste contrato de transporte ocorre quando da entrega da carga ao seu proprietário, momento em que termina a responsabilidade do armador pela carga.[10] Dessa forma, a THC é antecipada pelo importador ao armador, para que este possa fazer o repasse do valor da THC ao operador portuário e garantir a entrega da carga ao seu dono.

  5. O armador, por sua vez, contrata os serviços de atracação, estiva e movimentação horizontal de cargas no porto com o operador portuário. Esses serviços integram a denominada “box rate” a qual inclui o valor da THC, repassado aos importadores pelos armadores e paga pelo armador ao operador portuário.

  6. Em seguida, o importador, proprietário da carga, escolhe se prefere retirar a carga imediatamente (pessoalmente ou por consignatário) ou armazená-la, firmando contrato de armazenagem com o operador portuário ou com o recinto alfandegado.

 

3.1.3. Fluxograma do processo de importação

 

  1. As operações descritas são ilustradas pela imagem abaixo, que sintetiza o processo de importação: 

 

Fonte: elaboração própria

 

  1. Como visto, no caso concreto, a Marimex, um recinto alfandegado, reclama da cobrança da taxa de serviço de segregação de contêineres (THC2) pela Rodrimar, na condição de operadora de terminal portuário público localizado no Porto de Santos.

  2. Por um lado, a Marimex alega que tal cobrança seria anticoncorrencial, conforme anteriormente reconhecido pelo CADE no âmbito do Processo Administrativo n.º 08012.007443/99-17, pois a THC2 só seria cobrada quando a carga é retirada pelo recinto alfandegado enquanto consignatário do importador. Quando o importador retira a carga imediatamente ou quando armazena a carga com o operador portuário, a THC2 não seria cobrada.

  3. Por outro lado, a Rodrimar contesta essa informação, alegando inexistir infração à ordem econômica, em razão da ausência de qualquer tratamento discriminatório: “A Rodrimar cobra os SSE, de igual modo, tanto de quem armazena contêineres de exportação com ela, quanto de quem armazena nos TRAs. (...). Os SSE são cobrados de todas as cargas importadas descarregadas na Rodrimar, independentemente de seu destino de armazenagem (TRA ou Rodrimar), isto é, não existe discriminação na cobrança” (fls 1309-1310).

 

3.2. Complementaridade entre regulação e concorrência

 

  1. O caso em questão envolve a análise de suposta conduta anticoncorrencial em um setor regulado – o setor portuário. Diante deste contexto, parece oportuno tecer algumas considerações sobre a relação entre a defesa da concorrência e a regulação, para sanar eventual dúvida sobre a incidência da lei de defesa da concorrência e da competência do CADE no caso concreto. Em seguida, será analisada a hipótese – excepcional – de afastamento da competência das autoridades da concorrência, quando preenchidos determinados requisitos presentes no Brasil e no exterior.

 

3.2.1. Considerações gerais

 

  1. De modo geral, a defesa da concorrência e a regulação perseguem objetivos diferentes, através de ferramentas distintas, razão pela qual afetam diferentes aspectos da atividade econômica.[11] Ao CADE cabe a defesa da livre concorrência, através da prevenção e repressão às infrações contra à ordem econômica, conforme disposto na Lei n.º 12.529/2011 – e, em momento anterior, na Lei n.º 8.884/1994. À Antaq cabe regular, supervisionar e fiscalizar as atividades de prestação de serviços de transporte aquaviário e de exploração da infraestrutura portuária e aquaviária, nos termos da Lei n.º 12.815/2013, e, em momento anterior, da Lei n.º 10.233/2001.

  2. Ambas as Leis encontram seu fundamento na Constituição. Enquanto a primeira tem por base o artigo 173, §4º da CF, a segunda encontra amparo no artigo 174 da CF, conforme se verifica a seguir:

 

Art. 173. §4º. A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinando para o setor público e indicativo para o setor privado.

 

  1. Não se verifica no texto constitucional qualquer incompatibilidade ou prevalência entre as competências regulatória e concorrencial. Pelo contrário, ambas são consagradas no capítulo dos princípios gerais da atividade econômica, o que corrobora sua complementariedade. Ademais, não há hipótese de imunidade concorrencial prevista na Constituição, conforme farta doutrina majoritária sobre o assunto.[12]

  2. Também não há qualquer incompatibilidade ou prevalência entre as competências do CADE e da Antaq na legislação infraconstitucional. De um a lado, a Lei n.º 12.529/2011 não afasta a aplicação das regras de defesa da concorrência em face da existência de regulação setorial. De outro, a Lei n.º 12.815/2013 prevê expressamente a complementariedade das agências reguladoras com a atividade judicante do CADE, como se depreende da leitura do artigo 3, inciso V:

 

Art 3. A exploração dos portos organizados e instalações portuárias, com o objetivo de aumentar a competitividade e o desenvolvimento do País, deve seguir as seguintes diretrizes:

V – estímulo à concorrência, incentivando a participação do setor privado e assegurando o amplo acesso aos portos organizados, instalações e atividades portuárias.

 

  1. Verifica-se, assim, que não existe em princípio qualquer conflito de competência entre as duas Autarquias no exercício de suas atribuições. O que existe é uma relação de complementaridade em que cada uma das instituições atua nos limites de suas atribuições legislativas. No caso concreto, a complementariedade entre as prerrogativas do CADE e da Antaq é corroborada pela própria lei de modernização dos portos, que teve por principal objetivo aumentar a eficiência por meio da concorrência. Outro fator que aponta para a complementariedade das duas Autoridades in concreto é a forma pela qual é feita a cobrança dos serviços no setor.[13]

  2. Ademais, as características específicas do setor indicam uma probabilidade de abuso de poder de mercado dos operadores portuários, razão pela qual as práticas realizadas neste setor devem ser acompanhadas com especial atenção pelo CADE. Dito isto, fica claro que o fato de um setor ser regulado não exclui automaticamente a competência do CADE para exercer o controle de condutas ou de estruturas.

  3. Neste sentido, convém citar os esclarecimentos do Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva, ao analisar o Processo Administrativo n.º 08012.007443/99-17:

 

“É evidente que a atividade judicante do CADE – que decorre de expressa determinação constitucional, quando determina que a lei reprimirá o abuso de poder econômico (artigo 173, §4º da CR/88) não pode ficar condicionada à existência ou não de regulação específica para determinada matéria.  Certo é que ao CADE não é dado o poder de revisão dos dispositivos emanados pelo poder regulador, mormente quando tais dispositivos dizem respeito à regulação técnica e econômica de determinado setor. Não é o CADE um “revisor” de políticas públicas, porque, em agindo assim, estaria atentando contra os postulados básicos da legalidade e de toda a doutrina que informa a atividade dos órgãos reguladores. Entretanto, deparando-se com situações que possam configurar infração à ordem econômica, é dever da autoridade antitruste investigar e julgar tais condutas, nos estritos termos da Lei n.º 8.884/94, de resto em perfeita harmonia com o arcabouço jurídico-institucional vigente. Assim, é irrelevante para o aplicador do direito antitruste, perquirir se tal ou qual edital de licitação ou se tal ou qual contrato preveem, expressa ou implicitamente, certa conduta ou atividade, as quais deverão ser analisadas, neste Conselho, sob o prisma da lei da concorrência”.

 

  1. Apesar da evidente complementariedade funcional das Autarquias, elas podem editar regras conflitantes, acarretando a impossibilidade de observância simultânea das duas regras pelo administrado. Neste contexto, destaca-se a recente manifestação do Conselheiro João Paulo Resende sobre esta relação entre regulação e defesa da concorrência:

 

“É necessário avaliar, caso a caso, se a regulação confere ou não imunidade à aplicação do direito antitruste e, ainda, qual o alcance desta imunidade. Com efeito, a regulação pode, em diferentes graus de intensidade, mitigar a concorrência setorial”[14].

 

  1. É o que se verá no próximo item do voto através da abordagem das doutrinas da state action e da pervasive power, bem como os pressupostos que devem ser verificados para sua aplicação em um caso concreto.

 

3.2.2. Doutrinas da State Action e da Pervasive Power

 

  1. Para caracterizar a isenção antitruste em razão da atuação de agência regulatória, a doutrina desenvolve diversas teorias, dentre as quais se destaca a State Action doctrine e a Pervasive Power doctrine, aplicadas geralmente para situações envolvendo questões de regulação na esfera estadual ou de agências reguladoras federais.[15] As teorias sobre isenção (ou imunidade)[16] antitruste foram desenvolvidas, sobretudo, pelo direito antitruste norte-americano e derivam das Teorias do Public Interest e da Public Choice.

  2. A State Action doctrine foi erigida a partir do leading case conhecido por Parker vs. Brown (317 U.S. 341) da Suprema Corte norte-americana, em 1943. Em realidade, trata-se de examinar se uma legislação estadual tem a capacidade de afastar a incidência de normas federais de defesa da concorrência, em nome da autonomia federativa, que é – diga-se de passagem – mais forte nos EUA do que no Brasil. O Judiciário norte-americano entendeu que isto seria possível quando: (i) exista um claro objetivo de substituição da concorrência pela regulação e (ii) exista uma supervisão ativa e permanente do cumprimento das obrigações impostas.

  3. A Pervasive Power doctrine se refere a conflitos de competência entre reguladores e autoridades da concorrência na esfera federal. Ou seja, enquanto a State Action doctrine examina conflitos entre comandos federais e estaduais, a Pervasive Power doctrine tem foco nos conflitos dentro da esfera federal. A doutrina surgiu no início do século XX nos EUA e, dentre outros, tem destaque o caso United States vs. RCA (358 U. S. 334) de 1959. Na ocasião, reafirmou-se que a isenção antitruste tem caráter excepcional e, para ocorrer, exige-se que haja um claro objetivo de substituição da concorrência pela regulação (à semelhança da State Action) e que as atribuições do regulador sejam extensas o suficiente para afastar a incidência das normas concorrenciais. Outra hipótese, destacada pela doutrina, ocorreria quando a legislação atribua ao regulador o poder de aplicar a lei antitruste ou quando a defesa da concorrência tenha sido levada em consideração quando da elaboração da regulação.

  4. Em resumo, tais doutrinas apontam para (i) a excepcionalidade do afastamento da análise concorrencial; (ii) a capacidade de efetiva e ativa supervisão do mercado; (iii) a especificidade da norma regulatória em relação à norma concorrencial; e (iv) o enquadramento da determinada política pública como manifestação de um poder soberano do Estado.

  5. Estas teorias permitiram introduzir no direito comparado concorrencial a ideia de que, excepcionalmente, algumas jurisdições possam aceitar a validade de uma isenção antitruste emanada por norma de nível hierárquico inferior ao da lei de defesa da concorrência, em razão dos princípios da autonomia estatal, da subsidiariedade, da certeza jurídica e da legítima expectativa do administrado.

  6. Evidentemente, caso a imunidade antitruste seja derivada explicitamente de norma de mesmo nível hierárquico (ou superior) da concorrencial, ficaria mais fácil compreender a imunidade. Recentemente, isto ocorreu no México, com a reforma constitucional de 2013, que transferiu as competências em matéria concorrencial da autoridade da concorrência para a agência nacional de telecomunicações. Nestes casos, há o que se chama de “express immunity” e não propriamente de aplicação das doutrinas da State Action ou Pervasive Power.

  7. Para fins de aplicação no Brasil, restaria saber se as doutrinas da State Action e da Pervasive Power são aplicáveis no direito brasileiro e sob quais condições. Preliminarmente, a doutrina especializada esclarece que o Brasil recepciona as teorias estrangeiras sob a denominação de “teoria da ação política” e “teoria do poder amplo”.[17]

  8. No caso ora em análise, a doutrina da State Action é invocada por ambas a Representada e a Representante, para sustentar as suas respectivas teses, pela legalidade ou ilegalidade da prática à luz do direito concorrencial brasileiro. Por sua vez, a SG se sustenta na tese da Pervasive Power para recomendar o afastamento da competência do CADE durante um certo período da conduta objeto de investigação. 

 

3.2.3. Pressupostos para isenção antitruste

 

  1. Os estudos acadêmicos sobre a validade e a extensão das teorias que sustentam a isenção antitruste nos setores regulados são diversos. No intuito de buscar uma maior convergência na aplicação destas teorias em casos concretos, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) promoveu uma importante rodada de discussões (Roundtable) sobre o tema em 2011.[18] Na ocasião, 17 jurisdições apresentaram contribuições escritas sobre o tema, que permitiram subsidiar o debate e elaborar uma Nota do Secretariado da OCDE, que passou a iluminar a aplicação da chamada “imunidade antitruste” em condutas consideradas anticompetitivas nos setores regulados.

  2. Inicialmente, percebe-se que a OCDE sintetizou o assunto sob o termo “regulated conduct defense”: a defesa/alegação de conduta regulada. De fato, é disto que se trata, sobretudo para fins de efeito prático e enforcement das leis concorrenciais. Afinal, em quais situações serão aceitas – como excludente de ilicitude ou mitigação de pena – as alegações de defesa baseadas em condutas que foram objeto de regulação setorial?

  3. O primeiro grande pressuposto para a aplicação da isenção antitruste diz respeito à autonomia (ou não) da empresa na conduta. A isenção estaria justificada caso o comportamento tenha sido imposto pela regulação setorial. A contrário senso, as autoridades da concorrência poderiam intervir na hipótese de o agente econômico decidir autonomamente na prática anticompetitiva. Neste caso, a existência de norma regulatória poderia servir de elemento de mitigação de pena, mas não como excludente de ilicitude. Abaixo segue o trecho da Nota de Secretaria da OCDE sobre o assunto:

 

In principle, antitrust authorities can not intervene, and the regulated conduct defence applies, when firm behaviour has been mandated or dictated by regulation. Conversely, antitrust authorities may intervene when the behaviour has been autonomously decided by the firm. When the firm was induced to violate competition rules, for instance due to administrative guidance, this could be taken into account as a mitigating factor to reduce, without necessarily suppressing, the fine. The principles of legal certainty and of legitimate expectation should be respected”.[19] (grifos nossos)

 

  1. Além disso, observa-se a necessidade de efetiva supervisão do regulador setorial para que a competência das autoridades da concorrência seja afastada. A passagem abaixo da OCDE é elucidativa sobre este elemento da “defesa/alegação de conduta regulada”:

 

“In multi-level governance settings such as federal states, when competition law is at a “superior” level to the regulation, the regulated conduct defence may be based on some form of “state action” doctrine and applies, in accordance with national law, when the challenged conduct is imposed or at least actively supervised by the regulator.[20] (grifos nossos).

 

  1. Um terceiro pressuposto diz respeito à necessidade de uma clara política pública setorial de imunidade antitruste. Isto parece evidente, para que os benefícios visados pela regulação – segurança, saúde, tecnologia e universalidade de acesso, por exemplo – possam sopesar a eliminação da incidência das normas concorrenciais. Ou seja, a isenção antitruste deve ser justificada como uma verdadeira escolha de política pública, que implica, naturalmente, em um dever, ainda mais reforçado, de motivação dos atos administrativos. É o que se extrai igualmente do debate promovido pela OCDE:

 

The regulated conduct defence is important to ensure that the state can exercise its sovereign power to apply regulation that it deems justified for economic and/or social reasons even though the regulation may conflict with competition policy. (…). From a public interest perspective, it is therefore important that regulation applies only when its economic and social benefits outweigh its costs. (…). The courts have generally accepted the regulated conduct defence when the firm’s contested behaviour is the policy choice of a sovereign government. However, it has not been accepted where private parties have invoked it in order to manipulate the democratic process in such a way as to give themselves effective, unsupervised control over a market.[21] (grifos nossos).

 

  1. Ainda que os debates da OCDE datem de 2011, percebe-se que o CADE já havia sinalizado, via jurisprudência administrativa, posicionamento similar, com base em precedentes estrangeiros, ao recomendar que a aplicação das teorias de “imunidade antitruste” levasse em conta: (a) a análise do histórico legislativo, (b) a criação de aparato fiscalizador pela norma reguladora e (c) o uso desse aparato pelo agente regulador.[22]

 

3.3. Conduta investigada: cobrança de THC2 no Porto de Santos

 

  1. O presente caso abarca a discussão existente sobre a cobrança de valores adicionais ao Terminal Handling Charge (THC) relacionados à atividade logística de segregação e entrega da carga transportada, via importação, do cais do porto para o terminal portuário, em particular se estes valores seriam caracterizados como “THC2”, considerados como nocivos à concorrência em precedentes do CADE.

  2. A conduta investigada teria sido praticada entre 02.03.2006 e 12.12.2006, bem como a partir de 28.03.2008 até a presente data. A ausência da cobrança de THC2 no período de 13.12.2006 a 27.03.2008 se deu em razão da medida preventiva adotada pelo então Conselheiro Luis Fernando Schuartz no Recurso Administrativo n.º 08700.002928/2006-47. Esta decisão foi cassada pelo juízo da 17ª Vara Federal do Distrito Federal por meio de sentença exarada em 28.03.2008 no âmbito do processo n.º 2007.34.00.035023-1, momento em que a conduta foi retomada.

  3. A questão da cobrança pelos operadores portuários da THC2 aos recintos alfandegados envolve diversas discussões que abrangem tanto a seara regulatória quanto a concorrencial. Do ponto de vista estritamente concorrencial, uma vez demonstrada a competência do CADE para analisar a conduta, a análise deve se concentrar na verificação da existência de poder econômico dos operadores portuários em face dos recintos alfandegados, bem como dos incentivos que aqueles teriam para abusar desse poder. Para tanto, assumem especial relevância a natureza da relação entre o operador portuário e o recinto alfandegado, assim como as características do bem jurídico objeto do serviço de segregação e entrega.

  4. Em realidade, verifica-se que a análise destas questões essenciais para a análise concorrencial já foi desenvolvida em outras ocasiões, pelo que vale fazer referência aos precedentes do CADE sobre a matéria, inclusive em relação ao Porto de Santos, antes de adentrar as especificidades do caso concreto deste Processo Administrativo.

 

3.3.1. Precedentes do CADE

 

  1. A discussão da validade da cobrança de THC2 pelos operadores portuários se insere na conduta mais abrangente de cobrança de serviços adicionais não inclusos no contrato de arrendamento aos recintos alfandegados. Nos últimos anos, esta Autarquia já condenou essa prática ao menos duas vezes (com destaque em negrito), conforme se verifica pela tabela abaixo dos precedentes recentes do CADE envolvendo o setor portuário:

 

Processo

Representados

Conselheiro-Relator

Síntese

Situação

08012.007443/
1999-17

Tecondi, Terminal 37, COSIPA e Tecon Santos Brasil

Luiz Carlos Prado (Relator) e Ricardo Villas Bôas Cueva (voto-vista)

Instituição de "taxa de cobrança" relacionada ao serviço de segregação e de entrega de mercadoria proveniente de importação. Mercado relacionado à zona de influência do Porto de Santos/SP.

Condenação em 27.04.2005

08012.009690/
2006-39

Rodrimar S.A Transportes, Equipamentos Industriais e Armazéns Gerais

Márcio de Oliveira Júnior

Instituição de "taxa de ISPS-CODE", para liberação de contêiner de importação, serviços já remunerados através de outros preços autorizados no contrato de concessão ou arrendamento. Mercado relacionado à zona de influência do Porto de Santos/SP.

Processo suspenso. Existência de Termo de Cessação da Conduta ("TCC"), firmado em 19.08.2015

08012.005422/
2003-03

Tecon Rio Grande S.A

 Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araujo

Instituição de cobrança de preço pela manutenção por 48 horas da carga no pátio de mercadorias transportadas em contêineres provenientes de importação. Mercado relacionado à zona de influência do Porto do Rio Grande/RS.

Condenação em 04.02.2016

08012.003824/
2002-84

Tecon Salvador S.A. e Intermarítima Terminais Ltda.

 Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araujo

Instituição de "taxa de cobrança" relacionada ao serviço de movimentação e segregação de mercadoria proveniente de importação. Mercado relacionado a zona de influência do Porto de Salvador/BA.

Condenação em 22.03.2016

08012.005967/ 2000-69

Santos Brasil S.A.(TECON) e TECONDI (Terminal de Contêineres da Margem Direita S/A)

Paulo Burnier da Silveira

Estipulação e cobrança de entrega postergada por parte dos operadores portuários em face dos Recintos Alfandegados. Mercado relacionado a zona de influência do Porto de Santos/SP.

Pendente de julgamento

08012.001518/ 2006-37 

Rodrimar S.A Transportes, Equipamentos Industriais e Armazéns Gerais

Paulo Burnier da Silveira

Instituição de "taxa de cobrança" relacionada ao serviço de segregação. Mercado relacionado a zona de influência do Porto de Santos/SP.

Pendente de julgamento

08700.008464/ 2014-92

TECON Rio Grande S/A.

Alexandre​ Cordeiro

 

Cobrança da taxa de “fiel depósito”. Mercado relacionado a zona de influência do Porto de Rio Grande/RS.

Pendente de julgamento

Fonte: tabela extraída do voto do Conselheiro Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araujo no Processo Administrativo n.º 08012.003824/2002-84, com a devida atualização até a data deste voto.

 

  1. Dentre os casos de condenação, dois concernem a cobrança de THC2, sendo o Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-17 o caso paradigmático de condenação da cobrança desta “taxa” pelos operadores portuários. Neste caso, o Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva, em seu voto-vista, encaminhou o voto condutor do processo, que condenou a prática por entender caracterizado o abuso de posição dominante diante da capacidade dos operadores portuários de aumentar os custos dos recintos alfandegados, que concorrem com aqueles no mercado de armazenagem alfandegada.

  2. Esta capacidade decorre da sujeição e posição de dependência dos recintos alfandegados em relação aos operadores portuários. O acesso dos recintos alfandegados à carga desembarcada, objeto de contrato de armazenagem, depende da entrega do mesmo pelo operador portuário. Assim, embora não haja nenhuma relação contratual entre o operador portuário e o recinto alfandegado, aquele consegue impor a este o pagamento de um valor referente à THC2 de forma coerciva em razão da posse que detém do contêiner. Nesse sentido, o Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva afirma que:

 

“A coerção é evidente ao se verificar que os operadores portuários são, de fato, monopolistas de um insumo essencial ou de um bem infungível, que não pode ser trocado por qualquer outro, no momento em que recebem o contêiner, de cuja liberação dependem os recintos alfandegados para prestar o serviço de armazenagem. (...). Em cada uma das operações, portanto, os terminais portuários aproveitam-se de sua posição na cadeia logística de importação marítima de mercadorias para falsear um mercado cativo de liberação de contêineres, por meio da cobrança da THC2 imposta aos recintos alfandegados”.[23] (grifos nossos)

 

  1. Além disso, este importante precedente do CADE ressalta a existência de incentivos para a cobrança de THC2 pelos operadores portuários, pelas seguintes razões: (i) o mercado de movimentação de cargas em contêineres, cuja atividade é regulada, apresenta fonte limitada de faturamento; (ii) a rentabilidade da atividade é diminuída em razão do forte poder de barganha dos armadores; e (iii) o mercado de armazenagem alfandegada é mais rentável, já que permite uma agregação maior de serviços. O voto-vogal da então Presidente Elizabeth Maria Mercier Querido Farina é bastante claro ao sintetizar este ponto: “Os Terminais Portuários têm incentivos para elevar os custos dos rivais no mercado de armazenagem alfandegada de cargas e detém os meios necessários para tanto” [24].  

  2. Por fim, a cobrança de THC2 não gerou nenhuma eficiência econômica que pudesse justificar a conduta, razão pela qual o CADE entendeu restar comprovada a abusividade da prática. O caso relatado é pertinente para a análise do caso em exame, em razão da conduta praticada e do mercado geográfico afetado: o Porto de Santos.

  3. Uma diferença importante, entre o PA n.° 08012.007443/1999-17 e o caso ora em exame, diz respeito à regulação setorial específica sobre o assunto em debate, ausente no período da conduta condenada em 2005 e presente no período analisado neste voto.

  4. Note-se que a Representada alega que, por este motivo, o precedente de 2005, apesar de ser também referente ao Porto de Santos, não deve ser aplicado ao caso em tela. Isto porque o primeiro teria sido analisado em momento de vácuo regulatório, enquanto o presente concerne período em que houve regulação da prática. Como se verá adiante, trata-se de diferença importante, em particular para dosimetria da pena, mas não para afastar a abusividade da prática, visto que esta é, de fato, idêntica em ambos os casos: trata-se da cobrança de valores adicionais ao Terminal Handling Charge (THC) relacionados à atividade logística de segregação e entrega da carga transportada, via importação, do cais do porto até a área de armazenamento dos recintos alfandegados.

  5. A cobrança de THC2 por operadores portuários no mercado geográfico do Porto de Salvador também foi recentemente objeto de análise do Conselheiro-Relator Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araújo. Em voto proferido em 22.03.2016, no âmbito do Processo Administrativo n.° 08012.003824/2002-84, o Conselheiro-Relator condenou os operadores portuários Tecon e Intermarítima por conduta abusiva caracterizada pela cobrança da THC2 dos recintos alfandegados localizados no Porto de Salvador. Cabe ressaltar, porém, que os modelos de arrendamento portuário no Porto de Santos e no Porto de Salvador são diferentes. Há previsão expressa de que a tarifa THC compreende o custo de segregação e entrega (THC2) no contrato de arrendamento portuário de Salvador, enquanto o contrato de arrendamento portuário do Porto de Santos é silente sobre a questão.

  6. Independente disto, destaca-se o posicionamento do Conselheiro-Relator, na análise do Processo Administrativo n.º 08012.003824/2002-84, sobre a Resolução n.º 2389/2012 da Antaq que, supostamente, autorizaria a cobrança de THC2. Embora a cobrança tenha sido praticada antes da entrada em vigor da referida resolução, as Representadas alegaram que a mesma teria efeito retroativo e, portanto, legitimaria a conduta. Naquela ocasião, o Conselheiro-Relator entendeu que esta não teria o condão de afastar as conclusões do CADE sobre a questão e nem conceder isenção à aplicação da lei antitruste no caso concreto.

  7. Em momento anterior, o Conselheiro-Relator Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araújo havia condenado a Tecon Rio Grande pela cobrança imposta aos recintos alfandegados da taxa de armazenagem de contêineres em regime DTA retirados em menos de 48 horas.[25] Embora a conduta analisada neste caso seja diferente da conduta de THC2, o mercado relevante e a relação de sujeição dos recintos alfandegados perante os operadores portuários é a mesma e foi, novamente, objeto de debate e preocupação do CADE em razão da presença de poder econômico.

  8. Outro precedente importante é o Processo Administrativo n.º 08012.009690/2006-39. Neste caso, os operadores portuários da área de influência do Porto de Santos foram investigados pela instituição de taxa de ISPS-CODE para liberação de contêineres de importação aos recintos alfandegados. No entanto, este caso não foi levado a julgamento em razão da celebração de um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) pelas Representadas. Nesta ocasião, a Rodrimar, igualmente investigada naquele processo, concordou em abster-se da cobrança objeto de investigação, bem como a recolher uma contribuição pecuniária, nos termos do voto do Conselheiro-Relator Márcio de Oliveira Júnior.

  9. Em que pese os últimos dois precedentes não tratarem exatamente da mesma conduta (cobrança de THC2), o pano de fundo é o mesmo. Todos estes precedentes tratam da cobrança de valores indevidos pelos operadores portuários aos recintos alfandegados, em decorrência da relação de dependência deste para com aquele no mercado de armazenagem alfandegada. Verifica-se, assim, que estão presentes no mercado de armazenagem alfandegada tanto as condições quanto a racionalidade para a prática da conduta abusiva por parte dos operadores portuários. Os diversos tipos de cobranças indevidas analisadas em diferentes mercados geográficos demonstram a variedade de formas com que os operadores portuários podem abusar de seu poder econômico e corroboram a necessidade de uma intervenção incisiva do Estado, através da autoridade da concorrência, do regulador setorial, ou de ambos.

  10. Esclarece-se que o simples fato de um agente econômico deter menos de 20% de um dado mercado não o impede de ter (e exercer) poder de mercado. O elevado market-share é apenas uma forma de verificação do poder econômico.[26] No caso em tela, a Representada alega deter menos de 20% no mercado de armazenagem, mas todo desenho institucional do setor, os arranjos contratuais dos agentes envolvidos e os precedentes do CADE comprovam a existência efetiva de poder econômico por parte dos operadores portuários. Este entendimento é corroborado pela doutrina especializada:

 

 “Uma vez que o contêiner é descarregado em um terminal portuário, o recinto alfandegado não tem alternativa senão reivindicar o contêiner desse terminal. Além de inexistir a possibilidade de escolha do terminal portuário, é absolutamente inviável – por representar um custo excessivo e um problema logístico adicional – redirecionar o contêiner descarregado a outro terminal. Ainda que isso fosse viável, de pouco ou nada adiantaria, pois o recinto alfandegado continuaria a depender do terminal portuário para redirecionar o contêiner. Em suma, o terminal portuário ocupa uma posição perante o recinto alfandegado que lhe permite impor as condições que bem entender para a entrega de contêineres. Pouco importa a participação no mercado que o terminal detenha, pois não é aí que se origina seu poder face ao recinto alfandegado. Esse poder origina-se, sim, em uma relação de fato entre eles, pela qual o último precisa receber o contêiner detido do primeiro”.[27]

 

  1. Ou seja, no mercado de movimentação de cargas, os operadores portuários são verdadeiros monopolistas em relação aos recintos alfandegados que atuam naquele terminal específico.

 

3.3.2. Ilicitude da prática à luz do direito concorrencial durante todo o período da conduta

 

  1. Conforme visto, a cobrança de THC2 pelos operadores portuários no Porto de Santos já havia sido condenada pelo CADE no Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-17, cujos elementos fáticos são idênticos ao caso ora em análise. O que difere na análise do presente Processo Administrativo é a existência de decisões e normas, por vezes conflitantes, emanadas por autarquias e tribunais administrativos, antes e durante a prática da conduta, conforme se verifica pela linha do tempo abaixo. Em verde, destacam-se decisões, normas ou atos no sentido autorizativo da cobrança (6 ocorrências), enquanto em laranja no sentido proibitivo (11 ocorrências). 

Fonte: elaboração própria

 

  1. No caso ora em análise, verifica-se que a conduta teve início em 02.03.2006. Antes desta data, a legalidade da cobrança de THC2 já havia sido analisada em três ocasiões, sendo duas pela Antaq e uma pelo CADE. A primeira decisão sobre o tema foi exarada pela Antaq em 18.11.2003, no âmbito do Processo Administrativo n.º 50300.000022/2002, cujo mercado geográfico abrangia a área de influência do Porto de Salvador. Neste momento, a Antaq entendeu que a cobrança era ilegítima, já que o serviço de movimentação de cargas estava abrangido no serviço de movimentação de contêineres previsto no contrato de arrendamento que regula a relação do operador portuário com a Administração Pública.

  2. Após o julgamento, a Antaq remeteu o Processo Administrativo n.º 50300.000022/2002 ao CADE para investigar possíveis infrações à ordem econômica. Chegando ao CADE, o Processo foi autuado sob o n.º 08012.003824.2002-84 e distribuído à relatoria do Conselheiro Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araújo, que, conforme avançado, condenou a prática em julgamento realizado na sessão do dia 22.03.2016.

  3. Voltando à ordem cronológica das decisões, em 17.02.2005, a Antaq analisou novamente a legalidade da cobrança de THC2 no âmbito do Processo Administrativo n.º 50300.000159/2002. Nesta ocasião, a prática investigada afetava a área de influência do Porto de Santos e foi declarada legítima pela Antaq. No entanto, o CADE, ao analisar a mesma prática (no âmbito do Processo Administrativo n.º 08012.7443/1999-17), declarou, em 27.04.2005, que a cobrança era contrária à ordem econômica, pelo que condenou sua prática.

  4. Em 07.07.2005, a Codesp, sociedade de economia mista, expediu norma na qual fixou o preço máximo a ser cobrado pelo THC2 (Decisão Direxe n.º 371/2005). Segundo a Representada, esta norma mudava o marco regulatório anterior e amparava a cobrança da THC2. Essa autorização teria sido confirmada pela Antaq através da publicação do Acordão n.º 13/2010 e, posteriormente, com a entrada em vigor da Resolução n.º 2389/2012.

  5. Porém, antes mesmo da publicação do Acórdão da Antaq de 2010, e antes do início da conduta pela Rodrimar, a Antaq oficiou a Codesp (Ofício Antaq n.º 317/2005-DG) recomendando que se abstivesse de regular o preço da THC2 por entender que se tratava de competência da própria Antaq. Verifica-se, assim, que, antes do início da conduta ora investigada, havia três decisões sobre o assunto, sendo duas pela ilegalidade da conduta e uma pela legalidade da mesma, além de uma controvérsia acerca da competência da Codesp na regulação do preço máximo passível de ser cobrado pela THC2.

  6. As decisões emanadas até então, ao invés de consolidar o entendimento sobre o tema, demostraram a incerteza existente sobre a legalidade da cobrança da THC2. Essa incerteza foi inclusive constatada ao longo da instrução do presente Processo Administrativo, que teve uma medida preventiva negada, posteriormente admitida e, em um terceiro momento, cassada pela 17ª Vara Federal do Distrito Federal e Territórios.

  7. Voltando à cronologia: em 08.04.2010, por meio do Acórdão n.º 13/2010, a Antaq confirmou a decisão do Acórdão exarado em 17.02.2005 que, por sua vez, legitimou a cobrança de THC2 no Porto de Santos e determinou à Codesp que regulamentasse a cobrança da THC2 por meio de preço fixo, determinado e limitado.

  8. Diante da continuação das divergências sobre o tema, a Antaq constituiu, em 22.02.2008, um Grupo de Trabalho para a elaboração de uma proposta de norma sobre a regulamentação dos serviços de movimentação de contêineres do setor portuário em âmbito nacional. A proposta de norma elaborada pelo grupo de trabalho proibia expressamente a cobrança de THC2 e afirmava de forma contundente que a THC2 estava prevista no serviço de capatazia. Apesar disso, a diretoria da Antaq ignorou a proposta de norma elaborada pelo Grupo de trabalho e colocou em consulta pública proposta de norma de elaboração própria sustentando entendimento contrário ao de seu corpo técnico.

  9. A proposta de norma elaborada pela diretoria da Antaq apresenta definições diferentes da “Box rate” e da THC, conforme se trata de operações de importação ou de exportação. Na importação, a THC abrangeria apenas a movimentação do contêiner até a pilha intermediária localizada no pátio do operador portuário, enquanto na exportação a THC abrangeria toda a movimentação do contêiner da entrada na área do porto molhado até a sua colocação no navio, conforme demostrado abaixo:

Fonte: FERNANDES, Victor. O. Os desafios do Antitruste no Setor Portuário Brasileiro: as inovações da Lei 12.815/13 e seus reflexos concorrenciais. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 2, n. 1, pp. 161-210, maio 2016.

 

  1. Diante do quadro regulatório descrito, a Representada alegou que a cobrança de THC2 não poderia ser sancionada, posto que autorizada pela Codesp, por meio das Decisões Direxe n.º 371/2005 e n.º 50/2006, pelo Acórdão n.º 13/2010 da Antaq, que haveria corroborado a legitimidade da conduta no Porto de Santos, e pela Resolução n.º 2.389/12 da Antaq que, por sua vez, havia legitimado a cobrança de THC2 no território nacional, quando ausente disposição contrária nos contratos de arrendamento.

  2. Diante dos diferentes momentos regulatórios em que a prática vigorou, a SG, na Nota Técnica n.º 310, de 07.10.2014, dividiu a análise da conduta em três períodos: (i) do início da cobrança de THC2 pela Rodrimar até a publicação do Acórdão n.º 13/2010 da Antaq; (ii) da publicação do Acórdão n.º 13/2010 até a publicação da Resolução n.º 2.389/12 da Antaq; e (iii) da publicação da Resolução n.º 2.389/12 da Antaq até o momento atual. Como o presente caso demanda a análise da aplicação da State Action doctrine a cada um dos atos administrativos invocados pela Representada, adoto essa mesma divisão para fins da análise a ser feita a seguir, com especial destaque ao terceiro período da conduta.

 

3.3.2.1. Do início da conduta até a publicação do Acórdão n.º 13/2010 da Antaq

 

  1. Conforme visto, antes de a Rodrimar implementar a cobrança de THC2 em 02.03.2006, a legalidade da conduta já havia sido analisada duas vezes pela Antaq, que considerou a cobrança ilegal em uma ocasião e legal em outra, bem como uma vez pelo CADE, que condenou a cobrança da taxa. Destaca-se que a Representada não figurava como parte em nenhum desses processos administrativos.

  2. Segundo a Representada, a conduta só foi iniciada após a publicação das Decisões Direxe n.º 371/2005 e n.º 50/2006, que teriam dado autorização legal para a cobrança, na medida em que disciplinaram o preço máximo passível de ser cobrado pela “transferência de contêiner cheio para os recintos alfandegados localizados na Baixada Santista”. A Representada alega ainda que a competência da Codesp para regulamentar tais taxas decorre dos seguintes dispositivos: artigo 17, inciso II, do Estatuto da Codesp c/c artigo 29, inciso XV e artigo 44, incisos III e X da Resolução n.º 55/02 da Antaq c/c artigo 4, § 4º, do inciso VI, da Lei n.º 8.630/1993.

  3. No entanto, a competência da Codesp em regular tais taxas já havia sido questionada nos presentes autos pelo Conselheiro Luis Fernando Schuartz, no Despacho n.º 11/LFS/2006 (fls. 1326-1337), bem como afastada pela Antaq, no Ofício n.° 317/2005, nos seguintes termos:

 

“Tendo em vista que o assunto é da competência desta Antaq e que a norma específica sobre a matéria está em conclusão nesta Agência, para ser submetida à audiência pública, recomendo que a Codesp se abstenha de qualquer ação nesse sentido, sob pena de infringência da decisão do CADE e da Lei n.º 10.233/01” [28]. (grifos nossos)

 

  1. Repare que o Ofício n.º 317/2005 da Antaq, de 12.08.2005, foi enviado ao Diretor-Presidente da Codesp, o mesmo que assina a Decisão Direxe n.º 371/2005, de 07.07.2005. Ou seja, a alegada “instituição” da THC2 por via regulatória (Codesp) foi “destituída” pelo regulador setorial (Antaq) pouco mais de 1 mês após a sua edição.

  2. Ademais, o CADE havia igualmente se manifestado em outra ocasião, através do então Presidente Vinícius Marques de Carvalho, no sentido de afastar a tese de que a referida norma pudesse conferir “imunidade antitruste” à conduta em análise. Assim, restou consignado, por meio do Despacho VMC n.º 243/2012, (fls. 2.484-2.494), exarado nos autos do Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-17, que “a regulação da Codesp não teve qualquer impacto sobre a decisão do CADE por ausência de competência da autoridade portuária para edição de normas abstratas sobre o THC2”.

  3. A Nota Técnica da SG corrobora o entendimento, que já havia sido sinalizado pelo CADE em duas ocasiões pretéritas, da incompetência da Codesp para instituir e regular a cobrança da THC2, pois tal competência é do regulador setorial federal, como bem alertado pela própria Antaq.

  4. Neste sentido, endosso o entendimento da SG, com destaque para as conclusões do voto-condutor do PA n.° 08012.007443/1999-17: “é evidente que a atividade judicante do CADE – que decorre de expressa determinação constitucional, quando determina que a lei reprimirá o abuso do poder econômico (art. 173, §4º da CR/88) – não pode ficar condicionada à existência ou não de regulação específica para determinada matéria[29] (grifos nossos). Mais uma vez, destaca-se a evidente complementariedade existente entre regulação e defesa da concorrência.

  5. Além da incompetência da Codesp para instituir e regular preços no setor portuário, resta claro que a hipótese não preenche os pressupostos mais elementares da State Action doctrine, como será analisado adiante ao tratar do terceiro período da conduta. Por ora, basta registrar que a Lei n.º 8.630/93, vigente à época dos fatos, não conferia à Codesp competência para analisar questões concorrenciais, tampouco preponderância de suas normas e/ou decisões face às do CADE, e muito menos instrumentos efetivos de repressão a eventuais abusos.

  6. Assim, verifica-se que a conduta praticada no período de 02.03.2006 a 08.04.2010 não pode ser legitimada pelas supostas normas da Codesp. Diante disto, entendo ilegal a cobrança da THC2 neste período, na linha do entendimento igualmente manifestado pela SG, ProCade e MPF nos autos deste Processo Administrativo.

 

3.3.2.2. Do Acórdão n.º 13/2010 até a publicação da Resolução nº 2.389/12 da Antaq

 

  1. No segundo período da conduta, que vai de 10.05.2010 até 22.02.2012, a Representada alega que a cobrança de THC2 estaria amparada pela publicação do Acórdão n.º 13/2010, que haveria chancelado as conclusões do Acórdão de 17.02.2005 da Antaq.

  2. Neste último Acórdão, de 2005, proferido nos autos do Processo Administrativo n.º 50300.00159/2002, a Antaq concluiu pela legalidade da cobrança da THC2 já que os serviços de segregação e entrega de contêineres pelos operadores portuários aos recintos alfandegados existem e geram custos adicionais que não estão inclusos na THC paga pelo armador.

  3. Inconformada com a decisão, a Marimex interpôs recurso administrativo que, por sua vez, deu origem ao Acórdão n.º 13/2010. No entanto, além de manter a decisão de 2005, concluiu pela legitimidade da decisão da Codesp, nos seguintes termos:

 

“Destarte, decide-se, por maioria de votos, em dissonância com o voto do relator, em conhecer o recurso administrativo interposto por MARIMEX-DESPACHOS, TRANSPORTES E SERVIÇOS LTDA. e LIBRA TERMINAIS S.A. - T35 E T37, bem como negar-lhes provimento no mérito, mantendo a decisão recorrida que considera legítima a cobrança por custos derivados de serviços executados pelos Operadores Portuárias em Santos que impliquem em segregar, separar ou entregar cargas aos recintos alfandegados.

Em decorrência, considera-se legítima a cobrança estabelecida pela CODESP na Decisão DIREXE n° 371/2005. Uma vez fixado o preço não haverá incentivo à adoção de comportamento anti-competitivo decorrente do vácuo regulatório suscitado pelo CADE”.[30]

 

  1. Diante disto, a Representada alega que, mesmo que se entenda que a decisão da Codesp não constitua isenção antitruste, a decisão da Antaq legitimaria a conduta em análise.

  2. Entretanto, conforme bem observado pela SG, ambos os acórdãos, de 2005 e de 2010, têm caráter casuístico, não alcançando agentes que não foram parte do processo administrativo que o motivou (fls. 2594). Em realidade, verifica-se que constam como partes nestes processos: Marimex Despachos, Transportes e Serviços Ltda.; Libra Terminais S.A. - T35 e T37; Companhia Docas do Estado de São Paulo - Codesp; Terminal para Contêineres da Margem Direita S.- Tecondi; e Santos Brasil S.A.

  3. No mesmo sentido foi o posicionamento do então Presidente Vinicius Marques de Carvalho nos autos do Processo Administrativo n.º 08012.007443/1991-71, ao sustentar que o referido Acórdão “não representa um posicionamento definitivo da Autoridade reguladora” e “não prevalece sobre a decisão desse Conselho, pois cria direitos e obrigações apenas para as partes envolvidas no processo”. No que tange o Acórdão n.º 13/2010, advertiu que “a decisão da Antaq sobre a cobrança de THC2 no Porto de Santos não exarou uma nova regulação visando substituir a concorrência. Esta decisão apenas não vislumbrou indícios de infração à ordem econômica e, portanto, serve apenas de subsídio à análise do caso por este Conselho”.

  4. Diante disto, entendo que não há nenhuma decisão ou norma capaz de conferir isenção antitruste à cobrança de THC2 praticada entre 10.05.2010 a 22.02.2012, razão pela qual entendo que a conduta praticada durante este período é igualmente ilegal à luz do direito concorrencial, conforme manifestado também pela SG, ProCade e MPF.

 

3.3.2.3. Da publicação da Resolução n.º 2.389/12 da Antaq até o momento atual

 

  1. O último período da conduta a ser analisado compreende o período entre a publicação da Resolução n.º 2.389/12 da Antaq (em 23.02.2012) até hoje (22.06.2016). De acordo com a Representada, a Resolução n.º 2389/2012 teria permitido por meio de regulação geral e com efeito erga omnes a cobrança de THC2, motivo pelo qual a taxa seria legal.

  2. Abaixo segue o trecho da Resolução n.º 2389/2012 que trata da matéria:

 

Resolução n.º 2389/2012

Porto organizado

Movimentação de Mercadoria

Aprovada norma sobre movimentação e armazenagem de cargas nos portos organizados.

Este ato aprova os parâmetros regulatórios a serem observados pelo prestador dos serviços de movimentação e armazenagem de contêineres e volumes. A prestação do serviço é cobrada por meio da Taxa de Movimentação no Terminal (THC – Terminal Handling Charge), cuja comprovação de pagamento é condição necessária para a liberação de carga de importação por parte dos Recintos Alfandegados.

(...)

CAPÍTULO  V – Das Disposições Complementares e Finais

Art. 9º – Os serviços de recebimento ou de entrega de cargas para qualquer outro modal de transporte, tanto dentro quanto fora dos limites do terminal portuário, não fazem parte dos serviços remunerados pela Box Rate, nem daqueles cujas despesas são ressarcidas por meio do THC, salvo previsão contratual em sentido diverso.[31] (grifo nosso)

  

  1. Com base neste texto normativo do regulador setorial, a SG entendeu que a conduta praticada neste terceiro período não poderia ser sancionada pelo CADE, pois o teor da Resolução teria conferido isenção antitruste aos agentes econômicos na cobrança de THC2. Aos olhos da SG, a Resolução consistiria na tradução de uma política pública que privilegia a regulação setorial em detrimento da concorrência e, nesse sentido, a Antaq teria poderes “profundos e extensos”, que seriam, portanto, suficientes para afastar a competência do CADE nos fundamentos da Pervasive Power doctrine.

  2. Em que pese a qualidade da Nota Técnica emanada pela SG, trata-se de tema jurídico polêmico, tanto na academia quanto na prática. Pessoalmente, entendo não estarem presentes os pressupostos para a aplicação da Pervasive Power doctrine, ou mesmo qualquer outra defesa/alegação de conduta regulada (“regulated conduct defense”) no caso concreto.

  3. A título preliminar, observa-se que não há na Lei n.º 12.815/2013 (Nova Lei de Portos) nenhuma pretensão de substituir a regulação pela concorrência. Não estamos diante, portanto, de uma discussão de isenção antitruste em um mesmo nível hierárquico normativo, uma vez que a competência do CADE está assegurada em lei e a tese da Representada se assenta em resolução exarada pela Antaq, em ano anterior à nova lei de 2013. Esta observação a título preliminar é óbvia, mas necessária e prudente, para que se tenha em mente o dever legal e a responsabilidade que pesa sobre o CADE de reprimir condutas anticompetitivas, inclusive no setor portuário. Assim sendo, qualquer aplicação de isenção antitruste deve ser excepcional e vista com muita cautela, quando presentes pressupostos específicos que permitem afastar a competência do CADE.

  4. Dito isto, passa-se à análise dos pressupostos recomendados pela OCDE para a aceitação das alegações de “imunidade antitruste” no âmbito de condutas objeto de regulação setorial. 

 

3.3.2.3.1. Ausência de uma norma impositiva (vs. autorizativa)

 

  1. Passando à análise específica da norma prevista na Resolução n.º 2.389/12 da Antaq, observa-se que o então Presidente do CADE, Vinicius Marques de Carvalho, desde 2012, já havia manifestado posição contrária à ideia de que esta Resolução da Antaq conferiria isenção antitruste à cobrança de THC2. Em despacho proferido no âmbito do Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-17, alegou que:

 

“(...) a mera autorização regulatória não significa que a atividade desempenhada por uma empresa esteja em conformidade com a legislação pertinente. Para que isso ocorra, é imprescindível que haja cumulação da (i) autorização regulatória, caso cabível, e da (ii) autorização concorrencial, sem prejuízo de outras autorizações e/ou licenças exigíveis por lei (v.g. urbanística, ambiental, propriedade intelectual, etc.). No caso concreto, sem autorização concorrencial, isto é, sem a cessação da cobrança da THC2, a atividade das representadas continuará em desacordo com a lei”.[32] (grifos nossos).

 

  1. Em sentido semelhante foi o entendimento do Conselheiro João Paulo Resende, em voto-vista exarado no Processo Administrativo n.º 08012.003824/2002-84 de relatoria do Conselheiro Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araújo. Naquela ocasião, ao analisar a Resolução n.º 2389/2012 da Antaq, o Conselheiro João Paulo Resende afirmou que:

 

“(...) uma autorização da agência não significa a obrigação da conduta pelo agente regulado, devendo esse respeitar, além das disposições regulatórias, as disposições concorrenciais. Seria o caso do item (ii) supracitado: o regulador dá ao agente um leque de opções, e ele opta por um curso de ação que fere a concorrência. Aumentar artificialmente custos de rivais é uma conduta antitruste clássica de quem detém uma posição dominante, como bem demonstrou o Conselheiro-Relator”.[33]

 

  1. Em realidade, verifica-se que as recomendações da OCDE são bastante claras: “the regulated conduct defense should only apply where companies have no autonomy over their behavior[34] (grifo nosso). É por este motivo que, no Direito da União Europeia, a isenção antitruste só é aplicada em casos em que a empresa não tenha autonomia comportamental. A tese não é aceita, portanto, quando a regulação apenas encoraja ou autoriza a conduta anticompetitiva – o que poderia contar como mitigação da pena, mas não como excludente de ilicitude.

  2. No caso examinado, resta claro que a Resolução da Antaq é autorizativa, mas não impositiva quanto à cobrança do THC2 no Brasil. Isto se verifica pela simples presença da expressão “salvo previsão contratual em sentido diverso” no seu art. 9º. Ademais, o art. 5º da Resolução, quando estabelece que os serviços não incluídos na Box Rate (e, consequentemente, não incluídos na THC) poderiam ser livremente negociados ou definidos em tabelas de preço, reforça igualmente o caráter autorizativo (e não impositivo) da conduta.

  3. Ou seja, a Resolução, claramente, permite afastar a incidência da cobrança, caso os contratantes entendessem oportuno e prudente, sobretudo à luz da ilicitude concorrencial apontada pelo CADE desde 2005.

  4. Ressalte-se: o CADE tem sinalizado há mais de dez anos (desde 2005, com a decisão condenatória no PA n.º 08012.007443/1999-17), de forma consistente e reiterada, que a cobrança de THC2 é ilícita à luz do direito concorrencial, não devendo pairar qualquer dúvida sobre o entendimento, até hoje consolidado, deste Tribunal sobre a matéria.

  5. A Representada tinha, ou deveria ter, ciência da controvérsia existente acerca da legalidade da conduta entre os diversos órgãos que examinaram a questão, devendo arcar com as consequências de suas decisões tomadas. Diante de um cenário de incerteza jurídica e da condenação da cobrança do THC2 pelo CADE em razão da anticompetitividade da conduta em si, uma empresa minimamente conservadora se absteria de praticar a conduta. Frisa-se: os contratantes – no caso concreto, a Rodrimar e a Codesp – poderiam ter pactuado em sentido diverso, nos termos do próprio art. 9º da Resolução da Antaq, de modo a evitar a cobrança de THC2 que incide, na prática, sobre os recintos alfandegados, impondo custos a seus rivais no mercado de armazenagem. A Representada, autonomamente, optou por cobrá-la, assumindo, a partir deste momento, os bônus – e os ônus – desta decisão.

  6. Neste ponto, verifica-se que a Representada sustenta a tese jurídica da “inexigibilidade de conduta diversa”[35] em sua defesa, como forma de excludente de ilicitude. No entanto, a expressão “salvo previsão contratual em sentido diverso”, prevista na Resolução da Antaq, afasta qualquer conclusão neste sentido. Além disso, a Codesp fixa as taxas, mas não obriga a sua cobrança – muito menos de “quem” deveria ser cobrado, como bem advertido pela Representante. Ou seja, a THC2, ainda que fosse supostamente legítima, não precisaria ser, necessariamente, cobrada dos recintos alfandegados.

  7. Da mesma forma, não parece correto se falar de um “exercício regular de um direito”[36] como afirma a Representada. Novamente, faz-se menção às recomendações explícitas da OCDE no sentido de se considerar como “atenuante” de pena, mas não como “excludente” de ilicitude, as violações às normas concorrenciais ocorridas por “indução” ou “orientação” de uma dada regulação setorial: “when the firm was induced to violate competition rules, for instance due to administrative guidance, this could be taken into account as a mitigating factor to reduce, without necessarily suppressing, the fine. The principles of legal certainty and of legitimate expectation should be respected[37]. Ou seja, isto não seria uma afronta à ideia de legítima expectativa dos administrados; pelo contrário, a modelação como atenuante seria justamente a maneira de considerá-la na prática.

  8. A Representada alega, ainda, que o precedente do CADE de 2005 não deveria ser aplicado, pois a conduta do presente Processo Administrativo não seria propriamente de prática discriminatória, haja vista que a Rodrimar também cobra a taxa de THC2 de seus clientes quando atua enquanto agente econômico no mercado de armazenagem. No entanto, a alegação não merece prosperar, pois o voto condutor do PA n.° 08012.007443/1999-17 foi bastante claro ao demonstrar a racionalidade anticompetitiva da cobrança do THC2:

 

“Caracterizada a abusividade da cobrança pela liberação de contêineres, é importante examinar, ainda, a racionalidade econômica da conduta dos terminais portuários, a fim de fixar um quadro interpretativo que afaste interpretações alternativas, dissonantes dos fatos e dos indícios constantes do processo. (...). Dessa forma, a cobrança da THC2 pelos terminais portuários poderia buscar atingir, alternativa ou cumulativamente, os seguintes objetivos: (i) exclusão dos recintos alfandegados do mercado de armazenagem; (ii) tornar o suposto serviço de liberação de cargas uma fonte extra de recursos para a atividade de movimentação de contêineres; ou (iii) aumentar os custos dos rivais, reduzindo sua competitividade e, assim, aumentar a própria participação nesse mercado mais rentável”.[38] (grifos nossos)

 

  1. Ou seja, a discriminação é apenas uma forma de visualizar os impactos negativos da conduta na ordem econômica, mas o fato de não haver discriminação não significa que a conduta seja legítima do ponto de vista concorrencial, como bem advertido pelo CADE, desde 2005, através do precedente supramencionado. Em realidade, existe uma evidente racionalidade para criação de uma fonte extra de receita para a atividade de movimentação de contêineres, bem como para aumento de custos dos rivais no mercado de armazenagem de contêineres. Mais uma vez, destaca-se o voto-vogal da então Presidente do CADE, Elizabeth Farina, no sentido de que os operadores portuários “têm incentivos para elevar os custos dos rivais no mercado de armazenagem alfandegada de cargas e detém os meios necessários para tanto”[39].

  2. O fato de a Antaq ter mudado de posição nos últimos anos em relação ao assunto (e, possivelmente, mudará de novo, haja vista o atual debate público sobre a Resolução n.º 2.389/12), inclusive com divergências explícitas entre a posição de seus diretores e do seu corpo técnico, não altera a posição do CADE sobre os impactos anticoncorrenciais que a taxa gera do mercado de armazenagem de contêineres.

 

3.3.2.3.2. Ausência de outros mecanismos efetivos para coibir abusos

 

  1. Um outro argumento – complementar – em favor da competência do CADE durante este período da conduta se refere à necessidade de existirem, em caso de afastamento de competência da autoridade antitruste, mecanismos efetivos de fiscalização de eventuais práticas abusivas por parte dos agentes econômicos pelo regulador.

  2. Esta necessidade é corroborada pelas práticas internacionais e, por este motivo, a OCDE recomenda que a isenção antitruste seja concedida de forma excepcional, em razão dos riscos que lhe são inerentes. Ora, a isenção antitruste acarreta custos potenciais de bem-estar social para os consumidores e para a sociedade em geral, que nem sempre encontram justificativa nos objetivos regulatórios.

  3. Além disso, os estudos internacionais advertem para o fato dos reguladores setoriais não disporem de instrumentos efetivos para identificar e sancionar práticas anticompetitivas, como programas de leniência e de cessação da prática infratora.

  4. Por um lado, o CADE é a única instituição no Brasil com competência para assinar acordos de leniência em matéria antitruste, dentre outros instrumentos e expertise para o adequado enforcement das normas concorrenciais. Por outro lado, a Antaq não dispõe destes instrumentos, tampouco especialidade em matéria concorrencial, o que representaria uma perda para a sociedade em geral, e para a Administração Pública em particular, em termos de enforcement das regras concorrenciais vigentes no país, na hipótese de aceitação da tese de isenção antitruste sugerida pela SG.

  5. O argumento de que poderia haver decisões antagônicas – entre CADE e Antaq – também não merece prosperar, pois este risco é inerente à dúplice atribuição de competências que se observa em setores regulados, marcada pela complementariedade entre a regulação e a defesa da concorrência, nos quais incidem ambas as normas e o controle, do regulador setorial e da autoridade da concorrência.

 

3.3.2.3.3. Ausência de clara política pública setorial de isenção antitruste

 

  1. Um terceiro fator que merece ser destacado, em complemento aos anteriores e em favor da competência do CADE para sancionar a prática durante este período da conduta, refere-se à ausência de uma clara escolha, em termos de política pública, de oferecer isenção antitruste à cobrança de THC2. Em realidade, durante o processo de elaboração da Resolução n.º 2.389/12 da Antaq, houve diversas manifestações contrárias ao conceito de THC proposto na minuta de Resolução, inexistindo qualquer justificativa, por parte da Antaq, para afastar a incidência das normas concorrenciais.

  2. Na ocasião do período destinado à consulta pública da minuta de Resolução, tanto a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda quanto a Presidência do CADE se manifestaram contra a adoção da Resolução n.º 2.389/12 por entenderem, de forma resumida, que o encurtamento do conceito de THC e “Box Rate” facilitaria o abuso de posição dominante e limitaria a concorrência no setor.[40]

  3. Aliás, verifica-se que simplesmente todas as contribuições angariadas durante o período de consulta pública da Resolução enfatizaram problemas na cobrança da THC2, como se verifica pelo quadro comparativo abaixo elaborado pela própria Antaq:

Fonte: Anexo IV da Resolução n°1.967 da Antaq de 10.02.2011

 

  1. Frise-se: o problema aqui não diz respeito ao fato de a Antaq ter desconsiderado as recomendações feitas pela SEAE e pelo CADE, mas ao fato de não ter justificado o motivo do seu não acatamento. As recomendações da OCDE são claras ao exigir que uma “imunidade antitruste”, sempre de caráter excepcional, deva ser objeto de justificativa, como evidência de sua importância para uma política pública específica, que pode privilegiar outros valores em detrimento da livre-concorrência.

  2. Neste sentido, a tese de que a THC2 corresponde a um serviço adicional, com um custo igualmente adicional, o que justificaria a sua cobrança, vai de encontro com as contribuições submetidas em resposta à minuta de Resolução colocada em consulta pública. Simplesmente todas as contribuições que abordam este ponto afirmam que os conceitos de THC e Box Rate devem abranger a efetiva entrega da mercadoria, o que inclui a chamada taxa de segregação e entrega de contêineres (ou THC2). Não se trata, portanto, da prestação de um serviço “gratuito”, mas a cobrança em duplicidade de um serviço já coberto pela THC.

  3. Note-se, ainda, a existência de contratos recentes de arrendamento portuário, que trouxeram justamente este conceito de Box Rate, no qual não se permite a cobrança de THC2:

 

3.5. A Tarifa de Movimentação Portuária tem por finalidade remunerar as seguintes atividades (box rate): 

3.5.1. Movimentação das cargas entre o portão do porto e a embarcação, incluída a guarda transitória das cargas pelo prazo contratado entre o requisitante e a Arrendatária, no caso do embarque, ou entre a embarcação e o portão do porto, incluída a guarda transitória da carga em regime carga pátio pelo período máximo estabelecido por normatização da Receita Federal do Brasil, quando aplicável, no caso do desembarque.[41] (grifos nossos)

 

  1. Por fim, verifica-se que a doutrina especializada também frisa a importância da motivação dos atos administrativos, como um elemento intrínseco à sua própria validade jurídica. O Professor Márcio Iório Aranha, ao tratar de discricionariedade administrativa, deixa claro que os standards regulatórios “não são assim entendidos por serem predeterminados, mas por estarem remetidos à motivação da decisão administrativa”[42]. De modo semelhante, o Professor Marçal Justen Filho pondera ser fundamental que “a atividade decisória da agência incorpore a participação popular, mesmo quando não aceda com as sugestões e propostas apresentadas. Incorporar a participação popular significa reconhecer como relevante a intervenção externa, acolhendo-a ou justificando sua rejeição[43] (grifos nossos).

  2. Em suma, por estas razões: (i) ausência de uma norma impositiva, (ii) ausência de mecanismos efetivos para coibir abusos do poder econômico e (iii) ausência de uma política clara de imunidade antitruste (que são complementares umas às outras, ou seja, bastaria a verificação de uma delas), entendo não haver, no caso ora examinado, uma isenção antitruste capaz de afastar a competência do CADE para analisar a questão, pelo que divirjo, neste ponto específico, dos entendimentos exarados pela SG, ProCade e MPF, para condenar a conduta também neste período compreendido entre a Resolução n.º 2.389/12 da Antaq até os dias atuais.

 

3.4. Posição do TCU e perspectivas futuras

 

  1. Além das críticas externalizadas durante a consulta pública da proposição de norma elaborada pela diretoria da Antaq, o Tribunal de Contas da União (TCU), competente para fiscalizar as atividades finalísticas das agências reguladoras, se manifestou pela ilegalidade da cobrança de THC2 e da Resolução n.º 2.389/2012 da Antaq.

  2. A manifestação ocorreu em 31.03.2015, por meio do Relatório de Auditoria Operacional, após a fiscalização n.º 350/2014, no Processo TC 014.624/2014-1 distribuído à Conselheira Ana Arraes, cujo objetivo era avaliar os principais gargalos para liberalização de carga conteinerizada nos portos da Região Sudeste.

  3. O referido Relatório tinha como um dos objetivos a análise da cobrança THC2, que “gera concorrência desleal entre grupos empresariais que possuem terminais molhados e os demais, pois aumentam o custo de nacionalização da carga nos últimos”. O Relatório é extenso é conclui pela ilegalidade da cobrança do THC2 e da própria Resolução n.º 2.389/2012 da Antaq:

 

“(...) considerando que a norma da Antaq que autorizou a cobrança do THC2 vai de encontro à decisão do Cade, e que essa norma não se enquadra nos casos de imunidade à aplicação do direito antitruste explicados pelas Teorias da Ação Política e do Poder Amplo, e considerando também o disposto nos arts. 12, 20 e 31 da Lei 10.233/2001, conclui-se que a Resolução 2.389/2012 é ilegal, por afrontar diretamente o art. 36 da Lei 12.529/2011 no momento em que disciplinou a cobrança do THC2 de forma contrária à decisão do Cade sobre o tema, emitida no âmbito do processo nº 0812.007443/1999-47”.[44] (grifos nossos)

 

  1. Dentre as conclusões do Relatório, destaca-se a seguinte proposta de encaminhamento:

 

“4. Determinar à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), com fulcro no inciso II, art. 205 do Regimento Interno do TCU c/c o entendimento esposado nos Acórdãos 0210-05/13-P, AC 2302-34/12-P, AC-0602-11/08-P, AC 1369-32/06-P, AC 1756-43/04-P e 2.023/2004-P, que:

4.1. revise a Resolução 2.389/2012, com o objetivo de adequá-la aos preceitos da Lei 12.815/2013 (Lei dos Portos), da Lei 12.529/2011 (Lei da Concorrência ou Lei Antitruste), aos Pareceres da área Técnica da Antaq e à decisão do Cade sobre a questão do THC 2; (...)”.[45] (grifos nossos)

 

  1. Trata-se de parecer técnico, do TCU, datado de mais de 1 ano atrás, sendo difícil conceber uma posição mais cristalina quanto à ilegalidade da cobrança de THC2. 

  2. Diante dos impactos e da repercussão causada pela redação da Resolução n.º 2.389/2012, a Antaq iniciou o trabalho de revisão da mesma, tendo o corpo técnico da Autarquia expedido, em 03.12.2015, a Nota Técnica n.º 48/2015/GRP, cujos principais objetivos são: adequar os dispositivos da Resolução Antaq n.º 2389/2012 à Lei n.º 12.815/2013, sobretudo no que tange os serviços de movimentação e armazenagem de contêineres; garantir as condições estruturais e comportamentais de competitividade no setor, principalmente no de armazenagem alfandegada; e garantir que a contratação de serviços de operação portuária seja realizada com transparência e mediante pagamentos praticados em regime de eficiência.

  3. A Nota Técnica é convergente com a tese que sempre foi defendida pelo CADE, no sentido da inexistência de racionalidade econômica para a cobrança do THC2:

“Não há serviço adicional, os contêineres destinados a recintos alfandegados independentes não são nem circunstâncias excepcionais – mas, estatisticamente, representam, em alguns terminais, até a regra – nem tampouco a destinação dos contêineres é desconhecida pelo terminal (...)”.[46]

 

  1. Em relação à Resolução n.º 2389/2012 da Antaq, a mesma Nota Técnica conclui que:

 

“A opção regulatória, em verdade, foi uma opção de não regular, eis que adotou a regulação privada, por contrato, para a disciplina final do âmbito dos serviços de operação portuária, de um lado, e da possibilidade que se passou a presumir do texto de serviços de liberação e entrega, de outro”. [47]

 

4. Dosimetria

 

  1. Embora a conduta investigada no presente processo tenha sido iniciada durante a vigência da Lei n.º 8.884/94, aplicar-se-á, no que tange a dosimetria da pena, a Lei n.º 12.529/11, conforme jurisprudência do CADE, por se tratar da legislação mais benéfica ao acusado.[48]

  2. De acordo com a legislação, os seguintes critérios devem ser considerados durante o cálculo da multa imposta por infração à concorrência : (i) gravidade da infração; (ii) a boa-fé do infrator; (iii) a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; (iv) a consumação ou não da infração; (v) o grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros; (vi) os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado; (vii) a situação econômica do infrator; e (viii) a reincidência.

  3. A gravidade da infração é constatada pelo contexto no qual a conduta foi praticada. A Rodrimar, aproveitando-se de sua posição monopolista no mercado de movimentação de contêineres, impõe a cobrança do THC2 de forma unilateral para dificultar o funcionamento de concorrente.

  4. No que tange a boa-fé do infrator, remeto ao posicionamento do Ministério Público Federal segundo o qual a boa-fé estaria caracterizada pelo início da conduta após orientação da Codesp, que regulou o preço máximo da cobrança do THC2, bem como pela própria inexistência de condenação anterior e, portanto, ausência de reincidência. Em realidade, a redução da pena, em casos de comportamento anticompetitivo induzido por diretrizes de agências reguladores, é considerada uma boa prática internacional, inclusive sob recomendação da OCDE.[49]

  5. Entretanto, como agravante, verifica-se a consumação da infração, cuja conduta teve prazo de duração bastante extenso: de 02.03.2006 a 13.12.2006 (9 meses) e, posteriormente, de 28.03.2008 até a presente data (8 anos e 3 meses), o que totaliza, aproximadamente, 9 anos da prática.[50] Durante todo esse período, restou caracterizado o recebimento de vantagem indevida, já que a cobrança do THC2 proporcionou o aumento dos lucros do operador portuário no mercado de armazenagem alfandegada e a redução do poder de mercado dos recintos alfandegados.

  6. Ademais, o grau de lesão à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros foi elevado em razão da verticalização do mercado e do papel-chave que o mercado tem no comércio de mercadorias importadas no país. Além disso, a continuação da conduta poderia provocar a exclusão de agentes econômicos pelo aumento de custo que gera a rivais no mercado de armazenagem de contêineres, ou eventual diminuição da qualidade de serviços ofertados pelos recintos alfandegados em função dos efeitos de price squeeze. Ou seja, verifica-se, claramente, os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado.

  7. Em relação à situação econômica do infrator verifica-se que a Representada possui evidente poder econômico enquanto operador portuário, com atuação importante no mercado de armazenagem de contêineres, participação no mercado de movimentação de contêineres e, sobretudo, beneficiando-se de uma relação de dependência econômica vis-à-vis a todos os recintos alfandegados (inclusive a Representante).  

  8. Diante de todo o exposto, fixo a multa da Representada em 0,5% do faturamento da Representada no ano anterior ao da instauração do Processo Administrativo em análise, o que corresponde a R$ 972.961,17 (novecentos e setenta e dois mil, novecentos e sessenta e um reais e dezessete centavos), considerando o faturamento bruto total do Grupo Rodrimar de R$ 194.592.234,37 (cento e noventa e quatro milhões, quinhentos e noventa e dois mil, duzentos e trinta e quatro reais e trinta e sete centavos), já atualizado pela Selic, conforme tabela de cálculo demonstrativo abaixo:

 

Faturamento bruto total do Grupo Rodrimar em 2005

R$ 91.559.890,07

Taxa Selic acumulada

112.53%

Faturamento bruto total do Grupo Rodrimar atualizado com a taxa Selic

R$ 194.592.234,37

Multa de 0,5% do faturamento total atualizado

R$ 972.961,17

 

 

5. Dispositivo

 

  1. Por todo o exposto, entendo que a cobrança de THC2 durante o período de 02.03.2006 a 12.12.2006 e de 28.03.2008 a 22.06.2016 constitui violação do artigo 20, incisos I (limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa), II (dominar mercado relevante de bens ou serviços), e IV (exercer de forma abusiva posição dominante) c/c o artigo 21, incisos IV (limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado), V (criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços), XII (discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços) e XIV (dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais) da Lei n.º 8.884/94, correspondente ao artigo 37, incisos, I, II, IV e §3º, incisos III, IV, X e XII da Lei n.º 12529/2011.

  2. Nesse sentido, e considerando os pareceres da SG, da ProCade e do MPF, voto pela condenação da Representada e aplicação das seguintes penalidades e determinações:

 

  1. Pagamento de multa de 0,5% do faturamento bruto da empresa, grupo, ou conglomerado no ano anterior ao da instauração do Processo Administrativo em análise, o que corresponde a R$ 972.961,17 (novecentos e setenta e dois mil, novecentos e sessenta e um reais e dezessete centavos), nos termos do artigo 37, inciso I e § 2 da Lei n.º 12.529/2011, que deverá ser paga no prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão do julgamento do presente PA;

  2. Obrigação de abster-se da cobrança de liberação de contêineres dos recintos alfandegados independentes, conforme estipulado no art. 38, inciso VII, da Lei n.º 12.529/2011; e

  3. Aplicação, em caso de continuidade da cobrança após a decisão final do Tribunal, multa diária no valor de R$ 20.000 (vinte mil reais). O aumento do valor da multa diária acima do valor mínimo legal decorre da situação econômica da Representada e da gravidade da infração, conforme o disposto no art. 39 da Lei n.º 12.529/2011.

 

  1. Por fim, determino o envio de cópia da presente decisão à Antaq para que a mesma leve em consideração os aspectos concorrenciais na revisão da Resolução n.º 2389/2012.  

É o voto.

Brasília, 22 de junho de 2016

 

[assinatura eletrônica]

PAULO BURNIER DA SILVEIRA

Conselheiro-Relator

 


[1] Sobre a cobrança da taxa n.º 13 da tabela M da Tarifa do Porto pela Codesp, confira-se documento da Codesp juntado às fls. 659 a 667, vol. 3.

[2] Art. 27, inciso IV, da Lei n.º 10.233/2001: “Cabe à Antaq, em sua esfera de atuação: (...) IV – elaborar e editar normas e regulamentos relativos à prestação de serviços de transporte e à exploração da infraestrutura aquaviária e portuária, garantindo isonomia no seu acesso e uso, assegurando os direitos dos usuários e fomentando a competição entre os operadores; (...)”.

[3] O termo é emprestado do parecer do Ministro Antonio Cezar Peluso em consulta realizada no âmbito do Processo Administrativo n.º 08012.004774/2006-50 e juntado aos autos nos últimos dias.

[4] Cf. Ofício n.º 3011/2009/DPDE/CGAJ, de 30.04.2009 (fls. 1485-1488).

[5] Despacho n.º 11/LFS/2006 no Recurso Administrativo n.º 08700.002928/2006-47 referente ao presente Processo Administrativo (fls 1326-1336).

[6] FERNANDES, Victor. “Os desafios do Antitruste no Setor Portuário Brasileiro: as inovações da Lei 12.815/13 e seus reflexos concorrenciais”. Revista de Direito Setorial e Regulatório. Brasília, v. 2, n. 1, pp. 161-210, maio 2016.

[7] Neste sentido, ver Nota Técnica n.º 48/2015/GRP, p. 4. Para maiores informações acerca da evolução histórica do setor portuário no Brasil, vide: João Paulo Soares Coelho. Regulação e concorrência nos setores de infraestrutura: a Terminal Handling Charge 2 (“THC2”) no Porto de Salvador. Trabalho de Conclusão da Curso da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Brasília, 2013. Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/5818/1/2013_JoaoPauloSoaresCoelho.pdf (último acesso em 17.06.2016).

[8] Art. 9º do Decreto Federal n.º 6.759/2009: “ Os recintos alfandegados serão assim declarados pela autoridade aduaneira competente, na zona primária ou na zona secundária, a fim de que neles possam ocorrer, sob controle aduaneiro, movimentação, armazenagem e despacho aduaneiro de: I - mercadorias procedentes do exterior, ou a ele destinadas, inclusive sob regime aduaneiro especial; II - bagagem de viajantes procedentes do exterior, ou a ele destinados; e III - remessas postais internacionais”.

[9] A responsabilidade pelo custo do transporte da mercadoria é definida no contrato de compra e venda, podendo ser alocado tanto ao importador quanto ao exportador.

[10] Neste sentido, ver os artigos 750 e 754 do Código Civil e o artigo 13 da Lei n.º 9.611/98. Art. 750 do Código Civil: “A responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do conhecimento, começa no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa; termina quando é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for encontrado”. Art. 754 do mesmo Código: “As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos”. Art. 13 da Lei n.º 9.611/98: “A responsabilidade do Operador de Transporte Multimodal cobre o período compreendido entre o instante do recebimento da carga e a ocasião da sua entrega ao destinatário. Parágrafo único. A responsabilidade do Operador de Transporte Multimodal cessa quando do recebimento da carga pelo destinatário, sem protestos ou ressalvas”.

[11] OCDE. Policy roundtables: Regulated Conduct Defence. Paris, 2011.

[12] Em sentido diverso, CALIXTO SALOMAO FILHO sustenta que a única imunidade concorrencial prevista na Constituição diz respeito ao planejamento econômico impositivo previsto no art. 174, que, por sua vez, é incompatível com um sistema regulatório. SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos). 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 173.

[13] O mercado de armazenagem de contêineres está intrinsecamente relacionado ao mercado de movimentação de contêineres. Estes são regidos pelas condições previstas nos contratos de arrendamento vigentes no Porto, que, no caso do Porto de Santos, não estabelecem nenhuma diretriz para cobrança de preços por serviços adicionais prestados pelos operadores portuários. Em teoria, poderia se dizer que haveria formação livre dos preços dos serviços adicionais. No entanto, conforme se verificará adiante, as características do mercado não permitem um processo de formação livre dos preços cobrados pelos operadores portuários aos recintos alfandegados. 

[14] Voto do Conselheiro-Relator João Paulo Resende no Processo Administrativo n.º 08012.006504/2005-29, de 19.10.2015.

[15] De acordo com estudo prévio realizado pela Jurimétrica Consultoria Sociedade Empresarial Limitada no Inquérito Administrativo n.º 08700.011091/2015-18.

[16] Embora a doutrina trate as expressões “imunidade” e “isenção” como sinônimas neste contexto específico do Direito concorrencial, será dada preferência à expressão “isenção” por trazer uma carga mais leve, condizente com sua excepcionalidade, do que “imunidade”. Lembre-se que, no Direito tributário, existe diferença no uso destas expressões, sendo “imunidade tributária” quando se tem origem na Constituição Federal e “isenção tributária” quando tem fundamento na legislação infraconstitucional.

[17] SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos). 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 168 e ss.

[18] OCDE. Policy roundtables: regulated conduct defence. Paris, 2011. Enquanto a State Action doctrine é citada em diversas ocasiões (dezenas de vezes nas 292 páginas do documento da OCDE, que compila a Nota de Secretariado e as contribuições escritas), a Pervasive Power doctrine não teve nenhuma menção expressa sequer, o que atesta a diferença de importância das teorias para fins de direito comparado. A observação é relevante, pois, mais à frente neste voto, será visto que a SG recomenda o arquivamento deste Processo Administrativo durante certo período da conduta investigada, sob fundamento da tese de Pervasive Power.

[19] OCDE. Policy roundtables: regulated conduct defence. Paris, 2011. p. 10.

[20] OCDE. Policy roundtables: regulated conduct defence. Paris, 2011. p. 10.

[21] OCDE. Policy roundtables: regulated conduct defence. Paris, 2011. pp. 21-26.

[22] Voto do então Conselheiro César Costa Alves de Mattos, no Processo Administrativo nº 08012.004989/2003-54, de 18.08.2010, em que constam como Representante a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal e como Representadas as empresas de transporte urbano de passageiros de São Paulo (SP).

[23] Voto do Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva, no Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-17, de 27.05.2005 (fls. 3933-3944).

[24] Voto da Presidente Elizabeth Maria Mercier Querido Farina, no Processo Administrativo nº 08012.007443/1999-17, de 27.04.2005 (fls. 3962).

[25] Processo Administrativo n.º 08012.005422/2003-03.

[26] Dentre os precedentes do CADE neste sentido, ver: voto do Conselheiro Márcio de Oliveira Júnior, no Processo Administrativo n.º 08012.011042/2005-61, de 12.11.2014: “(...) a complexidade e o dinamismo econômico da atualidade não permitem que a análise de mercado seja realizada por um único critério, qual seja, a participação de mercado” (p. 31 do voto). Na ocasião, constatou-se, pelos elementos constantes nos autos, que a distribuidora Shell, à época da conduta, possuía poder de mercado capaz de interferir no ambiente concorrencial da revenda de combustíveis. No mesmo sentido, ver, igualmente, o precedente da Conselheira Ana Frazão, no Processo Administrativo n.º 08012.004472/2000-12, de 01.10.2014.

[27] Cf. Parecer do Calixto Salomão Filho apresentado nos autos do Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-17 (fls. 2527-2559).

[28] Ofício Antaq n.° 317/2005, de 12.08.2005 (fls.720).

[29] Voto do Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva, no Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-17, de 27.05.2005 (fls. 3933-3944).

[30] Acórdão Antaq n.º 13/2010, de 08.04.2010 referente ao Processo n.º 50300.00159/2002 (fls. 1569).

[31] Resolução nº. 2389/2012 da Antaq, de 13.02.2012.

[32] Ainda sobre a Resolução n.º 2.389/2012 da Antaq, o então Presidente do CADE Vinicius Marques de Carvalho afirmou no Despacho VMC n.º 243/2012 que “nesse caso específico, a regulação do setor não afasta o regime concorrencial. As operadoras portuárias concorrem entre si e concorrem com os armazenadores. Suas atividades estão, portanto, sujeitas não apenas à observância das regras setoriais estabelecidas pela Antaq, como estão também adstritas aos ditames da lei de defesa da concorrência. Entender o contrário seria conferir isenção e/ou imunidade concorrenciais para agentes econômicos que atuam sob o regime de livre concorrência, o que não se coaduna com o entendimento do CADE” (fl. 2.493). 

[33] Voto do Conselheiro João Paulo Resende, no Processo Administrativo n.º 08012.003824/2002-84, proferido na 79ª sessão ordinária de julgamento realizada no dia 03.02.2016 (SEI n.º 0164146).

[34] OCDE. Policy roundtables: regulated conduct defence. Paris, 2011.

[35] Ver, por exemplo, o Parecer da Professora Patrícia Regina Pinheiro Sampaio, de 20.05.2015 (SEI n.º 0065629). O item V.6 do parecer é intitulado: “Inexigibilidade de conduta diversa da Consulente: com relação à cobrança da tarifa SSE, o CADE somente pode exercer advocacia da concorrência” (p. 40). Uma ressalva: o parecer não trata expressamente do período posterior à Resolução n.º 2.389/2012 da Antaq, mas se concentra à discussão da exigibilidade (ou não) derivada das normas da Codesp, apesar de ter sido elaborado em 2015.

[36] Cf. Parecer do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, de 15.01.2007, elaborado sob forma de consultoria a pedido da Representada (SEI nº 0063737), que afirma ser “impossível” haver abuso de poder econômico no caso pelo fato da Representada estar no seu “exercício regular de um direito”. Note-se que o Parecer não faz menção às teses de State Action ou Pervasive Power, que partem justamente do pressuposto de existência de uma regulação setorial para, somente em seguida, examinar, no caso concreto, se há elementos suficientes para excluir ou mitigar um eventual ilícito antitruste.

[37] Cf. OCDE. Policy roundtables: regulated conduct defence. Paris, 2011. p. 10.

[38] Voto do Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva, no Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-17, de 27.05.2005 (fls. 3933-3944).

[39] Voto da Presidente Elizabeth Maria Mercier Querido Farina, no Processo Administrativo n.º 08012.007443/1999-17, de 27.04.2005 (fls. 3962).

[40] Cf. Parecer Analítico sobre Regras Regulatórias n.º 15/2011 COGTL/SEAE/MF e Ofício CADE n.º 1087/2001.

[41] Anexo de condições específicas do Contrato de Arrendamento do Porto de Belém (PA), submetido à Consulta Pública n. 3/13 da Antaq. Disponível em: http://www.antaq.gov.br/portal/AudienciaPublica/2013_03/Lote5/BEL01/BEL01_Condicoes-Especificas-Contrato.pdf.

[42] Cf. ARANHA, Márcio Iorio. Manual de Direito Regulatório. 2ª ed. Coleford: Laccademia Publishing, 2014. p. 86.

[43] Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. “Agências Reguladoras e democracia: existe um déficit democrático na regulação independente?”. Revista de Direito Público da Economia. Belo Horizonte: Fórum, ano 1, nº 2, abr./junº 2003.

[44] Relatório de Auditoria Operacional no Processo TC 014.624/2014-1 do TCU, parágrafo n.º 500.

[45] Relatório de Auditoria Operacional no Processo TC 014.624/2014-1 do TCU, parágrafo n.º 531.

[46] Nota Técnica n.º 48/2015/GRP da Antaq, elaborada pelos especialistas João Paulo Soares Coelho, Daniela Camarço do Lago Veloso e Maurino Janes. p. 36.

[47] Idem. p. 41.

[48] Nesse sentido, ver o voto da Conselheira-Relatora Ana Frazão no Processo Administrativo n.º 08012.009834/2006-57.

[49] OCDE. Policy roundtables: regulated conduct defence. Paris, 2011.

[50] Segundo entendimento da SG, ProCade e MPF, a conduta seria condenável somente até 13.02.2012, quando da entrada em vigor da Resolução da Antaq n.º 2389/2012. Ou seja, 4 anos a menos, o que totalizaria 5 anos de duração da conduta anticompetitiva.


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Documento assinado eletronicamente por Paulo Burnier da Silveira, Conselheiro(a), em 28/06/2016, às 23:01, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Referência: Processo nº 08012.001518/2006-37 SEI nº 0215752