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Ministério da Justiça e Segurança Pública - MJSP

Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

Superintendência-Geral - SG

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DESPACHO SG Nº 468/2020

  

Inquérito Administrativo nº 08700.003599/2018-95

Representante: Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain - ABCB.

Advogados: Rodrigo Caldas de Carvalho Borges e outros.

Representados: Banco do Brasil S.A.; Banco Bradesco S.A. ; Banco Itaú Unibanco S.A.; Banco Santander S.A.; Banco Inter S.A.; e Banco Cooperativo Sicredi S.A.

Advogados: Aline Crivelari, Caroline Scopel Cecatto, Mário Renato Balardim Borges, Pedro Octávio Begalli Jr., Vinícius Marques de Carvalho, Vitor Jardim Machado Barbosa, Flavio Augusto Ferreira do Nascimento, Marcelo Antônio C. Queiroga Lopes Filho, Paola Regina Petrozzielo Pugliese, Vinicius Hercos da Cunha, Ana Luiza Vieira Franco, José Del Chiaro Ferreira da Rosa, Luiz Felipe Rosa Ramos, Luiz Carlos Wanderer e outros.

 

Trata-se da apreciação de recurso (“Recurso”, documento SEI nº 0701564) interposto pela Associação Brasileira de Criptoativos e Blockchain (“ABCB” ou recorrente) em face do Despacho SG nº 34/2019 (“Despacho SG 34/2019”, doc. SEI nº 0699687) que decidiu pelo arquivamento do presente Inquérito Administrativo (“IA”) por esta Superintendência-Geral (“SG”) do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“Cade”), decisão motivada pela ausência nos autos de indícios de infração à ordem econômica.

 

I.

RELATÓRIO

I.1.

Do histórico da instrução

Nos termos da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, esta SG instaurou Procedimento Preparatório em 7 de junho de 2018 para avaliar se as condutas denunciadas pela ABCB constituiriam indícios de práticas anticoncorrenciais. (doc. SEI nº 0483963)

Em 18 de setembro de 2018, este IA foi instaurado com o objetivo de apurar essa denúncia feita pela ABCB contra Banco do Brasil S.A. (“Banco do Brasil”), Banco Bradesco S.A. (“Bradesco”), Banco Inter S.A. (“Inter”), Banco Itaú Unibanco S.A. (“Itaú”), Banco Santander S.A. (“Santander”) e Banco Sicredi (“Sicredi”) - em conjunto os “Bancos Representados” - por supostas infrações à ordem econômica ao limitar ou dificultar o acesso de corretoras de criptomoedas ao sistema bancário.

Ao longo da instrução foram oficiados os Bancos Representados e diversas corretoras de criptomoedas, estando suas respostas anexadas aos autos deste IA, além das diversas manifestações enviadas pela ABCB.

Em 23 de dezembro de 2019, o Despacho SG 34/2019 acolheu as razões apresentadas na Nota Técnica nº 89/2019/CGAA2/SGA1/SG/CADE (“NT 89/2019”, doc. SEI nº 0699660) como motivação para decidir pelo arquivamento do presente IA.

Em 26 de dezembro de 2019, a ABCB apresentou Recurso (doc. SEI nº 0701564) contrário à decisão de arquivamento deste IA.

Em 2 de janeiro de 2020 o Bradesco apresentou sua manifestação (doc. SEI nº 0703433) sobre o Recurso apresentado pela ABCB. Logo depois, em 7 de janeiro, o Itaú encaminhou sua manifestação (doc. SEI nº 0704884) sobre o Recurso.

A ABCB apresentou petição em 27 de janeiro de 2020 reiterando os termos do Recurso e convidando o Cade a respondê-lo, com alguma solução, ainda que envolvendo o Banco Central do Brasil (“BCB”).

Esse é o histórico da instrução, resumido, ao que interessa ao presente Despacho, encontrando-se histórico anterior, mais detalhado, na NT 89/2019.

I.2.

Da admissibilidade do Recurso

Preliminarmente, cabe analisar se um recurso é cabível, antes de avaliar o seu mérito. Ou seja, para que um recurso seja conhecido, é obrigatória a existência de requisitos intrínsecos e extrínsecos sem os quais a pretensão recursal pode ser rejeitada sem o exame de mérito.

Em consonância com o art. 66, § 4º, da Lei nº 12.529, de 2011, está determinado no art. 143 do Regimento Interno do Cade em vigor[1] (“Ricade”) o prazo de 5 (cinco) dias úteis para interposição de recurso em relação a decisão de arquivamento de inquérito administrativo.

No presente caso, o Recurso foi protocolado tempestivamente e não se verificaram impeditivos ao direito de recorrer. Portanto, o Recurso da ABCB deve ser conhecido, passo à análise de mérito.

 

II.

MÉRITO

II.1.

Alegações e pedidos da recorrente

Em seu Recurso sobre a decisão de arquivamento deste IA, a ABCB teceu alegações agrupando-as e numerando-as em 14 (catorze) tópicos que apontam para supostas omissões, contradições ou obscuridades desta SG.

Devido a essa grande quantidade de tópicos, alguns sobre o mesmo tema, para melhor clareza, a argumentação da ABCB está mencionada mais adiante na seção “II.3 Análise de mérito”, junto à análise de mérito.

Com base nos argumentos apresentados nesses tópicos, a ABCB pede:

Esclarecimentos sobre as omissões, contradições e obscuridades argumentadas em relação à decisão da SG;

A reconsideração da decisão da SG de arquivamento deste IA; e

Alternativamente a essa reconsideração, a “intermediação do CADE na negociação de acordos entre instituições financeiras e corretoras de criptoativos, para a solução do impasse concorrencial”, informando que para isso poderia, inclusive, “haver compromissos quanto à adoção de programas de compliance próprios, que enfrentem as preocupações levantadas. ”

Posteriormente, em 27 de janeiro de 2020, a recorrente peticionou sugerindo que o Cade poderia envolver o BCB “(...) com alguma solução para o impasse concorrencial regulatório (...)”. Foi considerado que tal petição é um esclarecimento e guarda relação com o pedido da alínea “c” acima.

Ao fim da análise de mérito, a seção “II.3.10 Dos pedidos” apresenta o posicionamento desta SG quanto a esses pedidos contidos no Recurso.

II.2.

Manifestações de representados

O Bradesco e o Itaú apresentaram manifestações sobre o Recurso da ABCB, não se tratando de recursos ou pedidos de modificação da decisão anterior desta SG.

Em síntese, o Bradesco avalia que nenhuma das supostas contradições, omissões e obscuridades apontadas pela ABCB se justifica, em entendimento que os temas já teriam sido tratados por esta SG ou seriam mera discordância de visão da recorrente em relação a temas regulatórios.

Além disso, o Bradesco opina pelo não cabimento do pedido alternativo feito pela recorrente de intermediação pelo Cade de negociação entre instituições financeiras e corretoras de criptoativos em decorrência de seu entendimento sobre a “9. (...) incompetência do Cade para endereçar propostas de regulação de criptoativos.“ (doc. SEI nº 0703433).

O Itaú opina que devem ser indeferidos os pedidos de revisão da decisão desta SG e de intermediação de negociação pelo Cade. Em breve síntese, o Itaú argumenta que a Representante não apresentou fatos novos e o Recurso teria alegado supostas omissões, contradições e obscuridades, sem, contudo, explicar de que forma isso justificaria a mudança de entendimento em relação ao arquivamento deste IA e, por esses motivos, não haveria razão lógica e fática a justificar uma alteração da decisão.

Quanto à intermediação de negociação entre instituições financeiras e corretoras de criptoativos, incluindo compromissos de programas de compliance, o Itaú argumenta, em resumo, que: (i) isso seria matéria regulatória, alheia à competência do Cade; (ii) o Cade teria reconhecido sua incompetência com as questões deste IA no parágrafo 355 da NT 89/2019; (iii) ciente de suas limitações esta SG teria determinado no parágrafo 357 o envio da referida NT a outros órgãos que poderiam regulamentar o setor, respeitando seu juízo de conveniência e oportunidade.

Por fim, o Itaú reitera argumentos presentes na instrução sobre os impactos penais (para seus administradores), administrativos e reputacionais a que estariam sujeitos os bancos em casos de descumprimento de normas de prevenção à lavagem de dinheiro, e que acordos sobre programas de compliance entre corretoras de criptomoedas e instituições financeiras, entes privados, não seriam suficientes para afastar tais impactos perante a regulação e fiscalização a que estão sujeitos os bancos.

II.3.

Análise de Mérito

II.3.1.

Introdução

A ABCB apontou supostas contradições, omissões ou obscuridades em relação à NT 89/2019, tendo-as numerado em 14 (catorze) tópicos, alguns sobre o mesmo tema. Por eficiência processual, a análise a seguir está agrupada por temas, mencionando-se ao longo da análise os números dos tópicos do Recurso à que se referem os temas abordados.

II.3.2.

Sobre decisão do Tribunal de Defesa da Livre Concorrência do Chile

Em síntese, em seu primeiro tópico, a ABCB aponta uma suposta omissão da SG que não teria comentado sobre decisão do Tribunal de Defesa da Livre Concorrência do Chile na NT 89/2019.

Note-se que a própria denúncia (doc. SEI nº 0565658, págs. 3 e 4) já informara o caráter juridicamente controverso do caso chileno, uma vez que a Corte Suprema do Chile decidira por autorizar os bancos a encerrarem contas correntes de corretoras de criptomoedas em oposição, portanto, à decisão do Tribunal de Defesa da Livre Concorrência do Chile, como se registrou no parágrafo 83 da NT 89/2019.

Ainda que venha a se consolidar o entendimento desse Tribunal do Chile, vale lembrar que se trata de um caso estrangeiro que pode ser usado como forma auxiliar na análise no Brasil, mas que obviamente não tem caráter vinculante perante a legislação pátria nas decisões do Cade.

Também se registrou no parágrafo 109 da NT 89/2019 que no caso chileno “(...) os bancos se aproveitavam de sua posição de domínio coletivo (...)” e tal hipótese não encontra respaldo nos autos deste IA, conforme mencionado no parágrafo 359 da mesma nota. Não há que se falar, portanto, em omissão sobre esse tema.

II.3.3.

Sobre as conclusões contidas na NT 89/2019

A ABCB aponta, no tópico 2 do Recurso, que a NT 89/2019 seria contraditória em relação aos seus parágrafos 300 e 318, pois naquele afirmara que seria uma questão de lide privada, enquanto neste teria corroborado, segundo a ABCB, “(...) solução privada de questões concorrenciais, admitindo rescisão de contrato por iniciativa exclusiva de parte, sem se preocupar com as repercussões concorrenciais dessa liberalidade privada (...)”.

Conforme descrito nos parágrafos 281 e 282 da referida NT, as condutas em investigação neste IA, de suposta recusa de contratar, não são ilegais a priori, requerendo-se a análise pela regra da razão. Nesse sentido, não procede a argumentação da ABCB, pois, obviamente, a regra entre partes privadas é a liberdade para rescindir ou contratar e não a obrigatoriedade de contratar.

No caso concreto deste IA, a SG concluiu pela possibilidade de condutas denunciadas constituírem infrações à ordem econômica no âmbito de Procedimento Preparatório e, assim, para examinar se o caso concreto seria exceção à regra de liberdade para rescindir ou contratar, e com eventual repercussão concorrencial, instaurou-se este IA para investigar as denúncias da Representante.

Tanto o parágrafo 30 como o parágrafo 282 da NT 89/2019 apresentaram os requisitos necessários para a identificação de exceção à regra, e a eventual instauração de um processo administrativo, conforme exemplificado no trecho transcrito a seguir:

“30. Ausência de justificativas aceitáveis (...) e existência de posição dominante são requisitos para se considerar a suficiência de indícios e instauração de um processo administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica (...)” (g.n.).

Por sua vez, caso a investigação apontasse a ausência de um desses requisitos, a referida Nota informara que: “31. Por outro lado, sem um desses requisitos considera-se que as condutas não poderiam produzir os efeitos já mencionados dos incisos I a IV do art. 36, o que implica o arquivamento do IA.” (g.n.)

Conforme resumo na seção “V.4” da NT 89/2019, demonstrou-se que o caso concreto em investigação não se traduz em qualquer preocupação concorrencial, pela ausência dos dois requisitos, ainda que bastasse apenas a ausência de um deles para a conclusão pelo arquivamento deste IA. Não há, portanto, qualquer contradição quanto a este tema, já abordado na mencionada NT.

II.3.4.

Sobre os cenários analisados

A recorrente afirmou no tópico 3 que “(...) o Cade preferiu desviar novamente a atenção alegando infudadas (sic) questões de free riding. “ Afirma, ainda, no tópico 6, que esta SG teria realizado “(...) divagações abstratas sobre free riding, desviando a atenção de aspectos antitruste importantes dos autos (...)”.

No tópico 7, a ABCB aponta uma suposta obscuridade da SG e suas “absurdas afirmações” em relação ao parágrafo 300 da mencionada NT e reitera que se trata “de simples acesso ao SFN” (g.n.), o que incluiria o bem-estar dos clientes e consumidores que aproveitariam eventual redução de custos das corretoras de criptomoedas.

Em oposição a essas queixas da recorrente, note-se que a seção “V.2.1” da NT 89/2019 analisou os dois possíveis cenários de mercados relevantes de contas correntes, quais sejam: (i) o acesso a uma conta corrente em um banco; e (ii) o acesso a diversas contas, um “pacote” de contas correntes em vários bancos.

Este segundo cenário está em consonância com as manifestações das corretoras de criptomoedas e também do Parecer Econômico (solicitado e anexado aos autos pela ABCB)[2], onde se lê: “5. (...) a capacidade de corretoras concorrerem depende de seu acesso ao serviço de contas correntes em diversos bancos, com abrangência suficiente para cobrir parte relevante do mercado potencial. ” (g.n.) (doc. SEI nº 0605107). Esse trecho também se encontra no parágrafo 101, alínea “d” da NT 89/2019.

Da análise desse segundo cenário, constou no parágrafo 295 dessa NT a menção à prática conhecida como efeito free rider (carona), uma prática indesejada no antitruste.

Portanto, esse segundo cenário de acesso a diversas contas correntes não é abstração desta SG nem desvio de atenção como sugeriu a ABCB, mas consequência da cautela em explorar cenário sugerido por partes interessadas. Somente nesse cenário, alguma redução de custos seria alcançável pela possibilidade de efetuar transferências gratuitas de recursos entre corretora e clientes, com contas nas mesmas instituições financeiras, em especial os grandes bancos que abarcam grande quantidade de clientes.

Por sua vez, entende-se por “simples acesso ao SFN” citado pela recorrente como sendo o acesso a uma conta corrente, caso do primeiro cenário analisado. Assim, não prospera a alegação da ABCB em relacionar “(...) simples acesso ao SFN (...)” com o parágrafo 300 da NT 89/2019 que versou sobre o segundo cenário, que considerava o acesso a diversas contas correntes.

O que se vê é a recorrente combinando argumentos de dois diferentes cenários analisados para apontar uma inexistente obscuridade. A NT 89/2019 demonstrou que as condutas não ensejam preocupações concorrenciais pelos motivos resumidos na seção “V.4” da mencionada NT, em nenhum dos dois cenários possíveis, sendo, portanto, uma questão de lide privada em discussão.

Da análise dos dois cenários, concluiu-se na NT 89/2019 que:

No primeiro cenário, qualquer banco dentre as dezenas instalados no país pode oferecer uma conta corrente, pois não há limite para produção do “insumo” conta corrente; por essa razão, não ficou demonstrada posição dominante de nenhum dos representados, isoladamente, para o fornecimento de uma conta corrente;

No segundo cenário, um “pacote” de contas correntes não poderia ser considerado um insumo essencial e não há indícios nos autos de atuação conjunta dos representados; e

No segundo cenário, ainda que houvesse tais indícios de atuação conjunta, a garantia de acesso a diversas contas correntes seria assemelhada a prática conhecida como free rider (carona), uma prática indesejada no antitruste e não garantida.

Não há, portanto, qualquer contradição, obscuridade ou omissão quanto a esse tema, já abordado na NT 89/2019.

II.3.5.

Sobre as justificativas das condutas dos representados

No tópico 3 do Recurso, a ABCB apontou suposta contradição da SG, que teceu considerações sobre riscos inerentes a criptoativos, em especial lavagem de dinheiro, mas não teria comentado que “(...) todos os valores que transitam por corretoras de criptomoedas, entram por e voltam para contas correntes de instituições financeiras, que, por lei, realizam procedimentos contra lavagem de recursos”, e ainda, existiria uma suposta omissão da SG por não ter analisado que isso representaria uma segurança para as operações.

Todavia, os autos demonstram a invalidade da afirmação da ABCB de que “(...) todos os valores que transitam por corretoras de criptomoedas entram por e voltam para contas correntes de instituições financeiras (...)” (g.n.) por várias razões. Primeira, porque o setor pode lidar com depósitos em dinheiro e também pelas transferências de criptomoedas que representam formas de ingresso de recursos que não transitam por instituições financeiras, situações estas analisadas e registradas pela SG nas seções “II.5.4” e “II.5.7” da NT 89/2019, com base em informações das corretoras de criptomoedas e dos representados.

A segunda razão, conforme mencionado no parágrafo 191 da NT 89/2019, a regulação sobre instituições financeiras inclui o dever de manter registros de todas as operações realizadas contemplando a identificação da origem e do beneficiário dos recursos movimentados, mas as operações em dinheiro ou de transferências de criptomoedas constituem obstáculo para essa identificação.

A terceira razão que invalida a afirmação da recorrente é porque o mero trânsito de recursos de qualquer pessoa física ou jurídica pelas instituições financeiras não confere legitimidade às operações realizadas. Os autos demonstraram que as instituições financeiras realizam o que a recorrente denominou de “procedimentos contra lavagem de recursos” e, justamente por essa razão, optam em alguns casos pelo encerramento de contas correntes, tanto de corretoras de criptomoedas como de outros agentes econômicos.

Somente a análise do trânsito dos recursos, a partir desses procedimentos, assim como as conclusões e ações das instituições financeiras dessa análise é que podem conduzir à segurança das operações alegada pela recorrente, e não o mero trânsito dos recursos.

Ao contrário da pretensão da recorrente, sua tese de minorar a responsabilidade das corretoras de criptomoedas em prevenção a crimes de lavagem de dinheiro e atribuir a suficiência dessa responsabilidade às instituições financeiras é fator que atrai insegurança às operações das corretoras. Note-se que essa questão sobre prevenção à lavagem de dinheiro e políticas de prevenção a crimes de lavagem de dinheiro das corretoras foi analisada na seção “V.3.3” da NT 89/2019.

Por sua vez, no tópico 11, a recorrente interpreta que o arquivamento teria ocorrido por “ausência de regulação”, mas um dos motivos seria a regulamentação de contas correntes pelo BCB. Complementa a ABCB e questiona se “A regulação, ou a falta dela, somente atinge negativamente entrantes no mercado financeiro, como as corretoras de criptoativos? ”

Ao longo da NT 89/2019 esteve presente a análise da regulação sobre o caso concreto deste IA e na seção “V.3.7”, a título de exemplo, afirmou-se: (i) “(...) a ausência total de regulação sobre atividades relacionadas a criptomoedas (...)”; e (ii) “(...) é certo que os bancos, sob forte regulação (...)”. Não prospera a interpretação da recorrente por vários motivos.

Primeiro, a “ausência de regulação” é relativa ao setor de criptomoedas e, como já exposto neste Despacho e na NT 89/2019, é um dos aspectos indicativos da conclusão desta SG de que corretoras de criptomoedas não são concorrentes de instituições financeiras (setor regulado). Segundo, dessa conclusão demonstrada na seção “V.3.5” dessa NT, decorre que não é adequado mencionar corretoras de criptomoedas como “entrantes no mercado financeiro”, pois são participantes de outro mercado.

Terceiro, a regulação existente aplicável às instituições financeiras é um aspecto que corroborou a etapa de avaliação das justificativas apresentadas pelos Representados na seção “V.3” da NT 89/2019, que culminou na conclusão desta SG pela razoabilidade das justificativas apresentadas.

Tampouco é valido o juízo de valor sobre efeitos da regulação que atingiram “negativamente” tais agentes, devido às informações sobre as corretoras de criptomoedas mencionadas mais adiante na seção “II.3.7 Sobre a instrução e contas correntes afetadas” deste Despacho.

Assim, não há contradição, omissão ou obscuridade relativa a esse tema em nenhum dos tópicos mencionados do Recurso, em tema plenamente abordado na NT 89/2019. O que há, de fato, é discordância da representante quanto a decisão desta SG.

II.3.6.

Sobre o mercado de corretoras de criptomoedas

No tópico 8, a ABCB aponta uma suposta contradição da SG em relação aos parágrafos 342 e 299 da NT 89/2019, pois a SG teria reconhecido que criptomoedas é um setor que “(...) cresce exponencialmente e arregimenta multidões de investidores[3], muitos deles vindos do sistema financeiro tradicional[4] (...)” (g.n.), porém não considera as criptomoedas “(...) sequer concorrente potencial das instituições financeiras”.

Não prosperam essas alegações da recorrente por vários motivos. Primeiro, vale registrar que “exponencialmente” é qualificação anotada no Recurso e não desta SG. Segundo, o Parecer Econômico solicitado pela ABCB e transcrito em parte no mencionado parágrafo 299 é que afirmou o crescimento do setor e que “o mercado de corretoras de criptomoedas apresenta uma dinâmica bastante competitiva entre 2017 e 2018”[5] (g.n.) e tais informações e outras que constam nos autos corroboram a conclusão do mencionado parágrafo de que “299. (...) o mercado de corretoras está em pleno funcionamento, em crescimento e com elevada rivalidade. “ Terceiro, não há como relacionar automaticamente crescimento exponencial (suposto) com concorrência, como pretende a ABCB, por óbvio, porque nem corretoras de criptomoedas nem qualquer outro setor é concorrente do sistema financeiro só porque cresce, mesmo que seja exponencialmente.

Adicionalmente, vale lembrar que consta na seção “V.3.5” da NT 89/2019 a conclusão desta SG de que as corretoras de criptomoedas não são, ao menos atualmente, concorrentes das instituições financeiras no Brasil, tendo avaliado esta SG que os produtos comercializados pelas primeiras não são concorrentes de investimentos ou meios de pagamentos comercializados pelas instituições financeiras em geral, inclusive por questões regulatórias, sendo desnecessário adentrar em outras diferenças desse mercados.

Portanto, não há contradição, omissão ou obscuridade relativa a nenhum dos tópicos mencionados do Recurso, em tema já abordado na NT 89/2019.

II.3.7.

Sobre a instrução e contas correntes afetadas

No tópico 4, a recorrente aponta uma suposta contradição e omissão pela SG, por não ter considerado a situação de corretoras de criptoativos que não conseguem acesso ao SFN. Segundo suas palavras, tal situação denotaria: “(...) a total incapacidade do Estado de garantir a agentes econômicos, que negociem ou investem em criptoativos, o acesso ao SFN [Sistema Financeiro Nacional], já que há corretoras que não conseguem acesso a nenhuma instituição financeira. ” (g.n.).

De forma similar, a ABCB aponta no tópico 5 suposta omissão da SG por desconsiderar que “(...) uma ou várias corretoras de criptomoedas fiquem sem conseguir abrir ou manter sequer uma conta corrente em uma única instituição financeira. ”

Por sua vez, a ABCB aponta no tópico 10 do Recurso, suposta contradição, obscuridade e omissão nas conclusões da SG, que decidira arquivar este IA pela ausência de indícios de infração à ordem econômica “neste momento”. E, por isso, a ABCB questiona: “Não seria o caso, então, de prosseguir com as investigações, na busca de mais indícios ou de apaziguar as relações de concorrência e fornecimento no mercado, por meio de acordos? ”

Vale lembrar que a denúncia inicial da ABCB versou sobre a conduta de encerramento unilateral, pelo Banco do Brasil, de conta corrente de uma corretora de criptomoedas (Atlas), tendo, ainda, citado ações judiciais de outras seis corretoras relacionadas a condutas semelhantes em anexo à denúncia. Não obstante, esta SG conduziu e ampliou a investigação deste IA ao citar seis representados e obter informações de 18 (dezoito) corretoras de criptomoedas.

Dessa forma, encontra-se descrito na seção “II.2” da NT 89/2019 as situações relacionadas a encerramentos de contas correntes ou recusa em abri-las dessas 18 (dezoito) corretoras, culminando em informações que abrangeram 11 (onze) instituições financeiras.

Além disso, a NT 89/2019 registrou o histórico da instrução e, inclusive, a quantidade de páginas das manifestações das partes na nota de rodapé nº 24 (que superaram 500 páginas no total). Dessa forma, ao contrário do alegado no tópico 10 pela ABCB, as investigações realizadas foram consideradas suficientes, de vez que a ausência de indícios de infração à ordem econômica ficou amplamente demonstrada e, portanto, desnecessário prosseguir as investigações.

É natural que eventuais mudanças na economia possam alterar a avaliação de um caso concreto, como alterações de enquadramento de mercado relevante ou justificativas para as condutas. Assim, esta SG apenas alertou que o arquivamento se referia, ainda que óbvio, às condutas constantes nos autos, e que eventuais condutas futuras não poderiam ancorar-se automaticamente em tal decisão (como justificativa).

Sobre “apaziguar as relações”, esse questionamento da ABCB confunde-se com o terceiro pedido do Recurso e será tratado mais adiante na seção "II.3.10 Dos pedidos”.

A mencionada seção “II.2” também registrou que duas corretoras de criptomoedas não relataram nenhuma situação relacionada a encerramento de suas contas e a partir das informações fornecidas pelas corretoras de criptomoedas descritas nessa seção, não há comprovação nos autos de alguma corretora sem conta corrente ou recusa de abrir conta corrente em todos ou muitos dos bancos comerciais instalados no país, embora tal conclusão não seja pública, sendo as informações individualizadas das corretoras de acesso restrito ao Cade.

Assim, essas informações dos autos não corroboram a argumentação da ABCB no tópico 4, que pressupõe haver “(...) corretoras que não conseguem acesso a nenhuma instituição financeira” (g.n.) ou ainda que “(...) a realidade, de que as corretoras de criptomoedas não conseguam [sic] abrir ou manter sequer uma única conta corrente em instituição financeira” (g.n.). De forma similar, os autos não confirmam a afirmação da recorrente no tópico 5, de que “(...) uma ou várias corretoras de criptomoedas fiquem sem conseguir abrir ou manter sequer uma conta corrente em uma única instituição financeira. ”

Ao contrário do alegado no Recurso, todas as 18 (dezoito) corretoras que forneceram informações nos autos possuem ao menos uma conta corrente em funcionamento, tendo diversas delas demonstrado interesse ou ações para abrir ou manter contas correntes em mais de um banco, tendo esse conjunto de corretoras acionado, em média, 6 (seis) bancos no intuito de manter relacionamento via conta corrente, como pode ser deduzido dos números apresentados na referida seção, pois foram apontadas 108 (cento e oito) contas (ou tentativas de abrir contas) por esse conjunto de 18 (corretoras).

Ademais, ainda que alguma corretora de criptomoedas esteja na situação apontada pela recorrente, as corretoras podem recorrer a dezenas de instituições habilitadas no país a prover uma ou mais contas correntes para acesso ao SFN e não somente recorrer aos representados, e isso é uma questão de negociação entre agentes privados. Recorde-se que a análise desta SG concluiu pela razoabilidade das justificativas apresentadas pelos representados em suas decisões de não contratar, ou de encerrar, contas correntes com determinadas corretoras de criptoativos nos casos apresentados nos autos. Portanto, não há garantia absoluta para a abertura ou a manutenção de conta corrente como pretende a recorrente, se estiverem presentes motivos que justifiquem a recusa em contratar amparada na regulação das instituições financeiras.

Por fim, no tópico 6 a ABCB alega que esta SG estaria “(...) relegando as corretoras de criptomoedas a uma verdadeira loteria, em que a aposta é a possibilidade de acesso ao SFN e o resultado totalmente desconhecido, aleatório, preconceituoso e, consoante a realidade dos fatos, SEMPRE negativo. ” Todavia, conforme resumido nos parágrafos anteriores, as informações contidas nos autos e na mencionada seção “II.2” contradizem tal alegação.

Portanto, não há qualquer contradição, obscuridade ou omissão em relação às alegações dos mencionados tópicos – 4, 5, 6 e 10 - do Recurso, mas apenas discordâncias da recorrente quanto à decisão desta SG sobre esse tema já abordado na NT 89/2019.

II.3.8.

Sobre conjecturas contidas no Recurso

Ao longo do Recurso a ABCB manifestou-se diversas vezes por meio do recurso linguístico de frases interrogativas, questionamentos, nos tópicos 2, 3, 4, 5, 6, 8, 9 e 14 (doc. SEI nº 0701564). Exemplos: (i) “Afinal, a liberalidade privada vale somente para instituições financeiras? Haveria, portanto, uma exceção à regra da limitação da autonomia da vontade privada frente a interesses maiores da sociedade? Essa exceção à regra somente é válida para setores regulados? ” (pág. 3, tópico 2); (ii) “Encaminhar cópia dos autos ao Ministério da Economia e ao Banco Central? Cabe a eles, em última instância, zelar pela livre concorrência e livre iniciativa no país? ” (pág. 3, tópico 4); (iii) ”Ora, como é possível um setor que cresce exponencialmente e arregimenta multidões de investidores, muitos deles vindos do sistema financeiro tradicional, não ser considerado sequer concorrente potencial das instituições financeiras? ” (pág.5, tópico 8); (iv) “Afinal, o que o CADE quer dizer? Que vê um problema concorrencial (...), mas (...) nada pode fazer? ” (pág. 6, tópico 9); e (v) “O que faz o CADE concluir pela ausência de indícios atuais? O CADE entende que poderão surgir indícios, a partir dos fatos narrados nos autos? ” (pág. 6, tópico 10).

Todavia, a recorrente não apresentou argumentos associados às interrogações produzidas, tratando-se, portanto, de meras conjecturas, que não acrescentam fatos ou argumentos novos a serem analisados neste IA. O que se depreende do uso desse recurso linguístico é a mera exposição da divergência de interpretação da recorrente quanto às conclusões desta SG contidas na NT 89/2019.

Por vezes, a ABCB se insurge deduzindo normas gerais a partir do caso concreto, como em: “Afinal, a liberalidade privada vale somente para instituições financeiras?” Ou em “Essa exceção à regra somente é válida para setores regulados?”. As conclusões desta SG são válidas para o caso concreto e as deduções da recorrente são, obviamente, desprovidas de fundamentos e afastadas da regular aplicação do direito antitruste ao pretender expandir ilimitadamente o alcance das conclusões do caso concreto.

Tais questionamentos apenas induzem a sugestões e misturam a argumentação exposta na NT 89/2019 e que, ao final, redundam nas explicações que constam deste Despacho e na mencionada NT. Portanto, ocioso, improdutivo, auferir valor argumentativo de tais questionamentos.

A título de exemplo, no tópico 9, a recorrente apenas produziu questionamentos que tentam induzir à falsa sugestão de que “(...) em razão da inexistência de regulação, [o Cade] nada pode fazer”. Por óbvio, ausência de regulação no setor de criptomoedas não representa qualquer restrição à competência de atuar do Cade, mas representou no caso concreto um dos aspectos indicativos de que as corretoras de criptomoedas não são concorrentes das instituições financeiras[6]. No âmbito da aplicação do direito antitruste, ficou amplamente demonstrada na NT 89/2019 a ausência de indícios de infração à ordem econômica e, portanto, ao contrário da sugestão da recorrente, esta SG concluiu que não há problema concorrencial e nem a necessidade de intervenção do Cade[7].

Em outro exemplo, sobre a investigação realizada, no tópico 14 do Recurso, a recorrente parte do caso concreto para questionar se “(...) os bancos têm total liberdade e até imunidade concorrencial para tomar qualquer atitude no mercado, sem o escrutínio antitruste? “ Pelo exposto na seção “II.3.7 Sobre a instrução e contas correntes afetadas” deste Despacho, claramente houve o “escrutínio antitruste” e concluiu-se na NT 89/2019 pela não existência de indícios de infração à ordem econômica no caso concreto, porém a recorrente pretende, sem fundamento, generalizar o caso concreto como se fossem os agentes econômicos a motivação para tal conclusão, que, de fato, foi motivada pela ausência dos requisitos exigidos pela regra da razão, conforme exposto na seção “II.3.3 Sobre as conclusões contidas na NT 89/2019” deste Despacho. Tampouco procedem as sugestões da ABCB no mesmo tópico, como a falsa premissa de supostos “agentes econômicos superiores”.

Ainda em relação ao tópico 14, inadequada a sugestão da recorrente quanto à atuação do BCB, que não é objeto deste IA, assim como a falsa sugestão de que o Cade estaria devolvendo “(...) o assunto ao regulador”, de vez que este IA iniciou-se por iniciativa da própria ABCB, sem qualquer interveniência do BCB, que não é o regulador, de vez que se trata de um setor não regulado, ao menos até o momento e, também por isso, não pode o Cade ter devolvido o “assunto ao regulador”, por sua inexistência, mas apenas e tão somente esta SG propôs enviar informações a outros órgãos para ciência.

Em suma, as interrogações ou questões formuladas pela recorrente são meras conjecturas que não acrescentam fatos ou argumentos novos a serem analisados neste IA. Inexiste qualquer contradição, omissão ou obscuridade e os temas tangenciados por tais questionamentos foram abordados na NT 89/2019.

Além das conjecturas, os tópicos 2, 8, 12 e 13 do Recurso contêm afirmações da Representante atribuídas ao Cade que não encontram respaldo na NT 89/2019.

No tópico 2, por exemplo, lê-se: “(...) Contudo, no parágrafo 318, ao defender regulamento do Banco Central do Brasil, o Cade (...)” (g.n.). Frise-se que esta SG não teceu qualquer juízo de valor sobre os regulamentos do BCB, mas tão somente analisou a aplicação das normas regulatórias pelos representados – em especial na seção “V.3” da NT 89/2019 - nos casos concretos de encerramentos ou recusa em abrir contas correntes trazidos aos autos.

No tópico 8, lê-se, “Entretanto, no parágrafo 299 [da NT 89/2019] a d. SG afirmava que (...)” (g.n.) e a recorrente transcreve três parágrafos contidos no mencionado parágrafo. Todavia, não pode a recorrente atribuir tal texto como afirmação desta SG porque é um texto do Parecer Econômico solicitado pela própria recorrente. Quanto ao texto em si, permanece sólido o entendimento desta SG que ele reflete a rivalidade e concorrência no mercado de corretoras de criptomoedas, conforme expresso no mencionado parágrafo 299.

Ainda nesse tópico, segundo a ABCB: “(...) o CADE está dizendo, portanto, em clara contradição, que vê como positiva a entrada de produtos e serviços financeiros da criptoeconomia na concorrência com os bancos tradicionais, mas que nada pode ser feito até que o setor seja regulado? “ (g.n.).

Ainda que inserida em um mero questionamento, sem argumentação própria, tal sugestão é infundada, pois esta SG não emitiu qualquer juízo nos parágrafos mencionados da NT 89/2019, nem positivo ou negativo, sobre a suposta entrada de “produtos e serviços financeiros da criptoeconomia”. Ademais, essa nomenclatura utilizada no Recurso é conflitante com a conclusão já exposta na NT 89/2019, e repetida neste Despacho, de que as corretoras de criptomoedas não são consideradas concorrentes das instituições financeiras atualmente. Esta SG concluiu que as corretoras atuam na intermediação de compra e venda de criptomoedas, não há que se falar em produtos e serviços financeiros, conforme descrito e explicado na seção “III.3.1” da NT 89/2019.

Também infundado sugerir que “(...) nada pode ser feito até que o setor seja regulado? ”, de vez que o parágrafo 364 da referida Nota alerta sobre a conclusão deste IA em face das condições apresentadas, incluindo as normas regulatórias, sem condicionar eventuais avaliações de condutas futuras a nenhum aspecto, nem a existência ou a implementação de regulação.

Por sua vez, no tópico 12, a ABCB aponta uma suposta contradição da SG em relação ao parágrafo 356 da NT 89/2019, pois o Cade teria reconhecido “(...) uma falha de mercado relativa à livre concorrência e à livre iniciativa (...)”, mas teria negado a competência do Cade para sanar tal falha.

A própria transcrição do parágrafo no Recurso é suficientemente clara e não se lê qualquer menção à livre concorrência e à livre iniciativa, frise-se, nenhuma. Sequer há no parágrafo em questão um reconhecimento explícito da existência de falha de mercado. Ao contrário, no parágrafo 355, esta SG classifica as situações de encerramento de contas correntes descritas na denúncia como “um possível indicativo de falha de mercado”, ou seja, menciona uma possibilidade, um posicionamento distante da afirmação da Representante.

Além disso, esta SG ainda explicitou no parágrafo 356 da NT 89/2019, que não se pode responsabilizar o Cade para a solução de quaisquer problemas entre empresas privadas somente porque tem competência legal para adotar medidas perante empresas privadas. De certo que não compete ao Cade agir na presença de toda e qualquer falha de mercado, pois em alguns casos tais falhas são sanadas via regulação, pela agência reguladora específica. Ao Cade compete, sim, agir frente a quaisquer falhas de mercado, em qualquer setor (mesmo regulado), desde que tais falhas tenham relação com um ilícito antitruste. Como já amplamente discutido na NT 89/2019 e neste Despacho, não foi este o caso neste IA.

No tópico 13 do Recurso, a ABCB aponta uma suposta obscuridade e omissão do Cade por decidir enviar a NT 89/2019 a outros órgãos sem apontar as razões para isso ou explicitar as medidas que “(...) o Cade entende que essas entidades e órgãos poderiam ou deveriam tomar” (g.n.), e a ABCB ainda questiona a capacidade do Cade de “(...) solucionar o impasse concorrencial, que ele próprio reconhece” (g.n.), sugerindo a ABCB que o Cade estaria “(...) deixando de atuar, quando deveria”.

Mais uma vez, a ABCB atribui afirmação ao Cade de forma inadequada. Primeiro porque está nítido na NT 89/2019 que não é o Cade que adotou qualquer entendimento sobre a necessidade de ações de outros órgãos, mas apenas e tão somente expressou claramente o envio da mencionada nota para ciência da situação descrita neste IA.

Segundo, indica também que cabe a cada um dos órgãos mencionados o juízo de conveniência e oportunidade sobre o tema, dentro de suas competências legais. Muito distante, portanto, da interpretação da ABCB de ter o Cade firmado qualquer entendimento ou apontado qualquer dever em relação a tais órgãos.

Ainda neste tópico 13, a ABCB novamente atribui afirmação equivocada de que o Cade teria reconhecido um “impasse concorrencial”. Ao contrário, conforme já repisado neste Despacho e na NT 89/2019, esta SG concluiu a ausência de preocupação concorrencial no caso concreto, aliás, esta SG sequer reconhece existir concorrência entre corretoras de criptomoedas e instituições financeiras, impossível, portanto, que tenha reconhecido um “impasse concorrencial”. Portanto, na ausência de indícios de infração à ordem econômica não se justifica qualquer atuação do Cade em sua competência legal de enforcer da Lei 12.529/11.

Quanto ao envio da nota a outros órgãos, consta na NT 89/2019 a mencionada razão de dar ciência sobre a situação descrita nos autos do processo, que consolidou informações de diversos agentes econômicos. Além disso, obviamente, é razão notória, pública, permanente e suficiente a cooperação entre órgãos da Administração Pública que, por si só, justificam o envio de informações, e, em especial no caso concreto, por terem sido citados na NT 89/2019, o BCB, a Comissão de Valores Mobiliários e a Comissão Especial da Câmara dos Deputados destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 2303, de 2015.

Por fim, esta SG considerou pertinente o envio da Nota à Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência, por ser de cunho público que ela é integrante, junto com o Cade, do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e, entre suas atribuições, estão as atividades de advocacia da concorrência, opinando sobre qualquer ato normativo ou proposição legislativa nos aspectos referentes à defesa da concorrência, atividades estas relacionadas ao caso concreto e ao já mencionado Projeto de Lei nº 2303, de 2015.

Inexistente, portanto, qualquer contradição, obscuridade ou omissão pertinentes a esses temas, abordados na NT 89/2019, e aos tópicos mencionados do Recurso.

II.3.9.

Síntese da análise de mérito

A ABCB em seu Recurso teceu diversas alegações agrupando-as em 14 (catorze) tópicos apontando para supostas omissões, contradições ou obscuridades desta SG. Cada um dos argumentos apresentados nesses tópicos foi analisado nas seções anteriores e foram devidamente esclarecidos, não se encontrando qualquer argumentação da recorrente ou aspecto que não tenha sido devidamente abordado na NT 89/2019 ou neste Despacho.

II.3.10.

Dos pedidos

Quanto aos pedidos efetuados no Recurso e resumidos no parágrafo 15 acima, em atenção ao pedido que consta na alínea “a”, as seções anteriores analisaram e forneceram esclarecimentos suficientes sobre as diversas alegações da recorrente.

Quanto ao pedido da alínea “b”, entendo que permanecem íntegras e válidas as razões da NT 89/2019 e, portanto, reitero a decisão de arquivamento deste IA.

Em atenção ao pedido da alínea “c”, no sentido de que o Cade seja intermediário de negociação entre instituições financeiras e corretoras de criptomoedas, o que poderia incluir compromissos das corretoras de adoção de programas de compliance próprios, é seguro afirmar que tal compromisso está alinhado com informações constantes dos autos, tendo sido registrado no parágrafo 258 da NT 89/2019 um exemplo, mas não o único, desse tipo de compromisso em negociação de corretora de criptomoedas com uma das instituições financeiras.

Os autos também demonstram que diversas instituições financeiras mantêm ativas contas correntes de corretoras de criptomoedas e que tais instituições estão atentas aos riscos inerentes ao setor e, portanto, representam aspecto específico do setor a ser negociado.

Por fim, posteriormente à apresentação do Recurso, a recorrente peticionou sugerindo que o Cade poderia envolver o BCB “(...) com alguma solução para o impasse concorrencial regulatório (...)”, ao que esta SG depreendeu como uma explicação da abrangência do pedido da alínea “c”.

Todavia, tendo concluído pela ausência de indícios de infração à ordem econômica, não é atribuição ou competência legal do Cade a intermediação desse tipo de negociação entre agentes econômicos, haja vista a caracterização do presente caso como uma lide eminentemente privada, pelo que decido pela denegação deste pedido de atuação do Cade como intermediário de negociação neste caso.

 

III.

CONCLUSÃO

Por todo o exposto, conheço o recurso apresentado pela ABCB (doc. Sei nº 0701564) e, no mérito, tendo procedido aos esclarecimentos apontados pela recorrente, nego seu provimento quanto à reconsideração da decisão proferida no Despacho SG nº 34/2019 (doc. SEI nº 0699687) e nego seu provimento quanto à intermediação do Cade em negociação entre instituições financeiras e corretoras de criptoativos, com fundamento nos termos do art. 66, § 4º, da Lei nº 12.529, de 2011, e art. 26, inciso VIII, do Ricade.

Assim, mantenho a decisão pelo arquivamento deste Inquérito Administrativo em decisão final desta Superintendência-Geral do Cade, devido à ausência de indícios de infração à ordem econômica, nos termos dos artigos 13, inciso IV, e 66 e seguintes, da Lei nº 12.529, de 2011, c/c os artigos 140 e seguintes do Ricade.

Reitera-se que o presente arquivamento não prejudica eventual investigação futura, diante da eventual existência de novos indícios de infração à ordem econômica que venham a ensejar nova investigação. Arquivar neste momento é a medida de melhor racionalidade administrativa, com base nos princípios de eficiência, interesse público e proporcionalidade enunciados no art. 2º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, evitando, com isso, dispêndio desnecessário de recursos públicos em investigação sem indícios de infração à ordem econômica.

Ao setor processual.

________________

[1] Regimento Interno do Cade aprovado pela Resolução nº 22, de 19 de junho de 2019, em vigor desde 24 de setembro de 2019

[2] Vide Parecer Econômico solicitado pela ABCB (doc. SEI nº 0605107).

[3] Note-se que é a ABCB quem utiliza o termo investidores ao referir-se aos consumidores de criptomoedas, não tendo a SG utilizado tal termo em face de sua conclusão pela não concorrência com produtos de investimentos de instituições financeiras. A título de exemplo, no parágrafo 347 da NT 89/2019 foi mencionado “(...) a quantidade de detentores de criptomoedas superar a de investidores em bolsas de valores (...)”, tendo afirmado no parágrafo 168 que “(...) não é crível colocar as criptomoedas como concorrentes dos bancos junto a investidores (...)”.

[4] Embora a ABCB conteste a conclusão desta SG sobre a não concorrência entre instituições financeiras e corretoras de criptomoedas, ao menos no momento, a própria ABCB utilizou-se do termo “tradicional” em sutil diferenciação ao suposto “sistema financeiro” em que atuariam as corretoras de criptomoedas.

[5] Vide Parecer Econômico solicitado pela ABCB (doc. SEI nº 0605107, pág. 15) ou trecho transcrito no parágrafo 299 da NT 89/2019 .

[6] Esse tema foi abordado neste Despacho na seção “II.3.6 Sobre o mercado de corretoras de criptomoedas”.

[7] Esse tema foi abordado neste Despacho na seção “II.3.3 Sobre as conclusões contidas na NT 89/2019”.

 

 

 

 


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Documento assinado eletronicamente por Alexandre Cordeiro Macedo, Superintendente-Geral, em 28/04/2020, às 11:35, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Referência: Processo nº 08700.003599/2018-95 SEI nº 0747765