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Ministério da Justiça e Segurança Pública- MJSP

Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

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PARECER Nº

69/2019/CGAA5/SGA1/SG

PROCESSO Nº

08700.000395/2019-83

requerentes:

Sonic 2503 Participações Ltda. e GIF IV Fundo de Investimentos em Participações Multiestratégia.

 

 

 

Ementa: Ato de Concentração. Lei nº 12.529/2011. Procedimento Sumário. Requerentes: Sonic 2503 Participações Ltda. e GIF IV Fundo de Investimentos em Participações Multiestratégia. Natureza da Operação: aquisição de controle. Análise da obrigatoriedade de notificação do ato de concentração. Um dos grupos envolvidos atua via franquia. Tipos de franquia: tradicional (maior autonomia ao franqueado) e de negócio formatado (regras mais rígidas e com menor independência do franqueado). Franquia Chilli Beans: franquia de negócio formatado, com características de entidade única e forte relação de subordinação entre franqueador e franqueados. Configuração de controle externo comum entre franqueador e franqueados da rede Chilli Beans. Faturamento do grupo comprador e vendedor preenchem os requisitos legais para notificação da operação. Conhecimento. Comércio atacadista e varejista de artigos de vestuário e acessórios Art. 8º, inciso VI, da Resolução CADE nº 02/12. Aprovação sem restrições.

 

VERSÃO PÚBLICA

 

 

I.                       REQUERENTES

I.1.                    Sonic 2503 Participações Ltda. ("Sonic") e Mustang 25 Participações S.A. ("Mustang")

A Sonic é uma empresa detida pelo Sr. Antonio Caio Gomes Pereira Filho, fundador do Grupo Chilli Beans. A Mustang, empresa objeto da operação, por sua vez, é a holding controladora de todas as sociedades integrantes do Grupo Chilli Beans.

O citado grupo desempenha atividades de comércio atacadista, predominantemente, além de atividade varejista via e-commerce, loja conceito no Brasil e lojas nos EUA de óculos (de sol e para receituário) e relógios, bem como atividades acessórias às já indicadas.

 

I.2.                    GIF IV Fundo de Investimentos em Participações Multiestratégia ("GIF IV FIP")

O GIF IV FIP é um fundo de investimento em participações gerido por Gávea Investimentos Ltda. e não possui qualquer investidor que detenha pelo menos 50% de suas quotas. Além disso, o fundo possui investimento no Grupo Chilli Beans e em empresas dos segmentos de shoppings centers, portuário e de incorporação imobiliária.

 

II.                      DESCRIÇÃO DA OPERAÇÃO

Trata-se de operação de aquisição, pela Sonic, de 29,82% das ações da Mustang, atualmente detidas pelo GIF IV FIP.

Segundo as requerentes, o controle da empresa objeto é atualmente compartilhado entre Sonic e GIF IV FIP. Após a operação, a Sonic (que já detém 70,18% do capital social da Mustang) passará a deter a totalidade das ações da Mustang.

 

III.                      ASPECTOS FORMAIS DA OPERAÇÃO

 

Quadro 1 - Aspectos formais da operação

Taxa processual foi recolhida?

Sim, conforme Despacho Ordinatório SECONT (0571599)

Data da notificação ou emenda

17/01/2019

Data da publicação do edital

O Edital nº 44, que deu publicidade à operação em análise, foi publicado no dia 06/02/2019 (0577181)

 

IV.                      CONFIGURAÇÃO DOS GRUPOS E CONHECIMENTO DO ATO DE CONCENTRAÇÃO

IV.1.                  Considerações iniciais

Inicialmente, registra-se que o faturamento do grupo econômico do GIF IV, nos termos da Resolução CADE nº 02/2012, foi superior a R$ 75 milhões, porém ficou abaixo de R$ 750 milhões. Desse modo, há o cumprimento do limiar de faturamento estabelecido no art. 88, inciso II, da Lei nº 12.529/2011.

Ao tratar da composição do grupo da Sonic, as requerentes indicaram que a rede franqueada da Chilli Beans não deve ser considerada como integrante do Grupo Chilli Beans (franqueador), uma vez que a definição de grupo constante do art. 4º da Resolução CADE nº 02/2012 "passa ao largo da efetiva relação contratual existente entre franqueado e franqueador". Com base nessa configuração de grupo (i.e., desconsiderando o faturamento da rede franqueada), o faturamento do Grupo Chilli Beans foi de cerca [Acesso Restrito ao Grupo Chilli Beans], em 2018, razão pela qual as partes entenderam que a presente operação não seria de notificação obrigatória, por não ser atendido o patamar de R$ 750 milhões requerido no inciso I, do art. 88, da Lei nº 12.529/2011.

O questionamento que emerge no presente caso, e que passa-se a enfrentar, no tocante à obrigatoriedade de submissão da operação ao CADE, diz respeito à configuração de grupo de agentes que adotaram o modelo de negócio de franquia: a rede franqueada pertence ao grupo econômico do franqueador, à luz do art. 4º, § 1º, da Resolução CADE nº 02/2012?

Antes de tratar desse tipo de grupo, rememora-se o teor do referido dispositivo normativo:

Art. 4º Entende-se como partes da operação as entidades diretamente envolvidas no negócio jurídico sendo notificado e os respectivos grupos econômicos.

§1º Considera-se grupo econômico, para fins de cálculo dos faturamentos constantes do art. 88 da Lei 12.529/11, cumulativamente: (Redação dada pela Resolução nº 09/2014)

I – as empresas que estejam sob controle comum, interno ou externo; e

II – as empresas nas quais qualquer das empresas do inciso I seja titular, direta ou indiretamente, de pelo menos 20% (vinte por cento) do capital social ou votante.

No sistema de franquia da Chilli Beans, como se infere das informações apresentadas nos autos, o franqueador não possui participação societária nos seus franqueados e, consequentemente, não se vislumbra a existência de controle interno, cabendo, enfim, verificar se a franquia pode ser enquadrada como uma forma de controle externo para fins de configuração do grupo da Chilli Beans (Sonic), em observância ao disposto no art. 4º, § 1º, inciso I, da citada resolução.

 

IV.2.                  Breves considerações sobre o sistema de franquia

A franquia é um formato de negócio regulado no Brasil por meio da Lei nº 8.955/1994, que a conceitua da seguinte forma:

Art. 2º Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.

Esse arranjo de atuação no mercado é atrativo para o franqueador em virtude da possibilidade de expansão de seu negócio com recursos de terceiro, que se responsabiliza, neste caso, pelo custo de distribuição do produto (como no presente caso); e, de todo modo, o franqueador ainda recebe remuneração pela concessão do direito de distribuição do produto. Já para o franqueado, a vantagem está em não depender do desenvolvimento de um produto ou atividade, atuando com um produto já lançado ao mercado e que possui algum apelo para o consumidor, além da publicidade realizada pelo franqueador, reduzindo o risco de insucesso de suas atividades.[1]

De acordo com a International Franchise Association - IFA[2], a franquia é um método para expansão de um negócio e distribuição de bens e serviços através de um relacionamento de licenciamento. A referida associação informa que há dois tipos de franquias: a tradicional (ou de distribuição de produto) e o "business format franchinsing" (franquia de negócio formatado).

Nas palavras de Ivo Waisberg[3], os tipos de franquia são caracterizados da seguinte forma:

tradicional: "é o tipo em que o franqueador concede ao franqueado a venda dos seus produtos ou prestação dos serviços por ele desenvolvidos, geralmente exigindo exclusividade. O franqueado goza de certa autonomia, não havendo necessidade de se seguir normas rígidas estabelecidas pelo franqueador quanto a procedimentos e gestão"; e

"business format franchinsing" ou "uniform business franchising": "o franqueador fornece, além da marca, dos produtos e dos serviços, todo o sistema de administração e operação do negócio, estabelecendo regras rígidas em relação aos procedimentos adotados, restando pouca liberdade ao franqueado para executá-los. Ou seja, transfere para este as técnicas que devem ser utilizadas para a produção ou venda do produto, ou para a prestação do serviço, com o respectivo suporte técnico e sob a condição de que sejam sempre observadas".

A respeito dessa última espécie de franquia, trata-se de um modelo decorrente da evolução da franquia, que não se limita a um mera distribuição de produtos.[4]

Considerando esses dois níveis de relacionamento entre franqueador e franqueados, a constatação da existência de controle externo decorrente de uma franquia deve passar por uma avaliação de cada tipo de franquia, de modo a deixar claro em qual hipótese poderia ser configurado o controle comum externo das empresas franqueadas, a que se refere o art. 4º, § 1º, inciso I, da Resolução CADE nº 02/2012, para fins de notificação de ato de concentração. Dito de outra forma, é necessário aqui verificar como se dá esse dito controle comum externo, quais variáveis econômicas são decididas pelo controlador externo, e qual a relevância destas para a caracterização do poder de decisão externo sobre as questões mercadologicamente relevantes da empresa sob tal controle.

Como tratado acima, os tipos de franquias podem ser distinguidos pelo grau de independência e autonomia das partes, apesar de ser característica marcante desse modelo de negócio a submissão às diretrizes e condições fixadas pelo franqueador. Pode-se dizer que, enquanto na franquia tradicional o franqueado possui mais liberdade sob a oferta de produtos e serviços, já na franquia de negócio formatado há uma rígida relação de subordinação e dependência.

Numa perspectiva objetiva, poder-se-ia julgar que a franquia de negócio formatado implicaria uma ingerência externa por parte do franqueador sobre a atividade desenvolvida pelo franqueado, caracterizando-se, assim, um poder de decisão sob a atividade empresarial de outrem (controle externo). Por outro lado, a franquia tradicional não corresponderia em controle relevante sob terceiros, por garantir razoável independência do franqueado.

A despeito das singularidades de cada sistema antitruste, tal percepção parece estar alinhada, em certa medida, com entendimento da Comissão Europeia, que considera que “os acordos de franquia não permitem, em princípio, que os franqueadores controlem as atividades do franqueado. Em geral, este explora os recursos da empresa por sua conta própria, mesmo quando elementos do activo essenciais pertencem ao franqueador[5]. Nota-se que a Comissão não reconhece uma total ausência de controle na franquia, sendo possível depreender que, na sua visão, pode haver casos de franquias que gerem uma situação de controle.

De modo mais enfático, a doutrina brasileira de direito comercial também reconhece ser possível haver controle externo como consequência de um arranjo como a franquia. Os Professores Comparato e Salomão Filho[6] consideram que

A conta de participação, nessas condições, aproxima-se de uma concessão exclusiva, ou de um franchising. E realmente, em tais contratos, a doutrina e a jurisprudência não deixam de sublinhar a situação de dependência em que geralmente se encontra o concessionário diante do concedente.

[...]

No que respeita ao franchising, o nosso vigente Código da Propriedade Industrial, Lei nº 9.279, de 14.05.1996, reconhece a possibilidade de o concedente do uso da marca ou do sinal de propaganda estipular o direito de "exercer controle efetivo sobre as especificações, natureza e qualidade dos respectivos produtos ou serviços" (art. 139).

Não é surpreendente, em tais condições, que se tenham assimilado as relações econômico-jurídicas entre concedente e concessionário às do grupo econômico, e que a jurisprudência francesa tenha imposto ao concedente a responsabilidade civil de preponente ou de comitente, diante de atos fraudulentos, praticados pelo concessionário em detrimento de terceiros.

Entre nós, o Professor Rubens Requião, embora negando haver um fenômeno de integração empresarial vertical, nas relações derivadas do contrato de concessão de venda com exclusividade, admite que se possa falar, em certos casos, de uma "quase-integração". De nossa parte, não hesitamos em afirmar a possibilidade da ocorrência de situações de autêntico controle externo do concedente sobre o concessionário, gerando inevitáveis consequências no que concerne ao regime de responsabilidade civil perante terceiros(...) Sem falar das hipóteses em que a situação econômica, oriunda desse tipo de contrato configura autêntica dependência econômica, que pode ser aproveitada para obter a dominação dos mercados.

Assim, a depender da natureza da franquia, é possível se constatar a existência de controle externo na relação entre franqueador e franqueados, no tocante à definição dos grupos envolvidos em um ato de concentração.

 

IV.3.                  Precedentes do CADE sobre controle externo

Na vigência da atual legislação antitruste, alguns casos submetidos a este Conselho envolveram uma discussão sobre controle externo e configuração de grupo, em referência ao art. 4º da Resolução CADE nº 02/2012.

Tecendo considerações acerca das formas de controle, na apreciação do Ato de Concentração nº 08700.004957/2013-72 (Requerentes: Monsanto do Brasil Ltda. e Bayer S.A.), o Conselheiro Alessandro Octaviani afirmou em seu voto que

31. As estruturas empresariais podem existir como formas jurídicas que tenham como efeito nublar o conhecimento que concorrentes ou autoridades venham a ter sobre sua real constituição. Tais assertivas, como é óbvio não guardam novidade, pois o direito empresarial brasileiro, na figura, entre outros, de Fábio Konder Comparato, já havia iniciado a sistematização do quadro de possibilidades de controle externo (controle empresarial ab extra) no qual uma relação contratual de direito (por exemplo, um contrato de fornecimento de tecnologia sem exclusividade) pode significar de fato a direção dos negócios, isto é, a formatação de uma nova estrutura, que não guarde a necessária correspondência com a forma jurídica expressa ou visível:

"[O] poder de controle de uma empresa sobre a outra - elemento essencial do grupo subordinação - consiste no direito de decidir, em última instância, a atividade empresarial de outrem. Normalmente, ele se funda na participação societária de capital, permitindo que o controlador se manifeste na assembléia geral ou reunião de sócios da empresa controlada. Mas pode também suceder que essa dominação empresarial se exerça ab extra, sem participação de capital de uma empresa em outra e sem que o representante da empresa dominante tenha assento em algum órgão administrativo da empresa subordinada. É o fenômeno do chamado controle externo. (...) além desses tipos de contratos nominados (...) também admite[-se] que qualquer outro contrato possa gerar a situação de dependência - controle, característica do grupo subordinação. Os exemplos dados são o financiamento bancário e o contrato de fornecimento". (grifo no original)

No Ato de Concentração nº 08700.006238/2015-58, a  PricewaterhouseCoopers Contadores Públicos Ltda.  pretendia adquirir a quase totalidade das ações da PwC Strategy& do Brasil Consultoria Empresarial Ltda., e houve discussão acerca da obrigatoriedade de notificação da operação, uma vez que a operação teria sido realizada dentro da Rede PwC (as empresas-membro desta rede deveriam ser consideradas como uma unidade econômica) e, portanto, integrantes de um único grupo econômico. No referido caso, o CADE entendeu que a operação envolveu mera alteração societária dentro do mesmo grupo econômico, pois o arranjo avaliado caracterizou-se como uma forma clara de controle comum externo, concluindo, enfim, pelo não conhecimento da operação.

Cabe destacar os seguintes trechos do parecer da Superintendência que analisou a hipótese apresentada pelas partes daquele caso:

20. As informações apresentadas pelas partes sugere dependência, no que tange ao desenvolvimento do negócio, entre a empresa-membro da Rede PwC e os órgãos internos estabelecidos pela PwCIL, sendo obrigatório que cada empresa-membro obedeça aos padrões e políticas estabelecidos dentro da rede, com um sistema de acompanhamento do cumprimento dessas obrigações pela Equipe de Liderança. Existe até mesmo a necessidade de aprovação pela Equipe de Liderança de certos atos praticados pelas firmas-membro, tais como mudanças estruturais ou decisões que possam impactar a performance, qualidade, interesses econômicos ou a reputação do negócio local e portanto também da Rede, (ACESSO RESTRITO). A adesão e o cumprimento das normas, políticas e padrões estabelecidos pela Rede PwC são monitorados e impostos/executados de uma forma centralizada, fortalecendo o argumento de interdependência. (ACESSO RESTRITO).

21. Fica evidente, portanto, a necessidade da manutenção de uma reputação entre as empresas-membro da Rede PwC, traduzida no estabelecimento de políticas e estratégias conjuntas para o desenvolvimento de seus negócios e a captação de clientes. O arranjo envolvido faz transparecer a ausência de liame acionário entre as diversas empresas-membro da Rede PwC apenas por conta de restrições legais que podem obrigar firmas de contabilidade a serem independentes e de capital local[2]. Mesmo que as firmas sejam independentes quanto às obrigações assumidas para fora da Rede (embora, caso suas consequências sejam significativas, haja implicações para dentro da Rede PwC[3]), existe, em seus mercados de atuação, um entendimento de operação conjunta de todo o grupo, como se viu no Ato de Concentração 08012.002689/2011-41 (KPMG Risk Advisory Services Ltda./BDO Auditores Independentes/BDO Consultores Ltda.; aprovado com restrições em 15.10.2013). Na instrução de tal caso julgado pelo Cade, foi constatada uma nítida diferença na demanda pelos serviços das grandes redes de auditoria, quais sejam, PwC, Ernst & Young, KPMG e Deloitte, apelidadas de "Big Four", ainda mais na separação dos clientes por sua faixa de faturamento (considerando empresas de capital aberto), verificando-se concentração dessas redes na faixa de faturamento acima de R$ 50 bi, em 2012. A análise de mercado feita considerou toda a rede como um grupo econômico só, sem se atentar para os quesitos formais que isso implica. De modo igual, o Cade considerou dados de toda uma rede de empresas de auditoria em outros atos de concentração para análise de mérito e cálculo das participações dos mercados afetados, inclusive no próprio Ato de Concentração 08700.010041/2013-51, precursor do presente[4]. (Parecer nº 248/2015/CGAA5/SGA1/SG)

Em caso mais recente (Ato de Concentração nº 08700.002108/2018-99), o CADE enfrentou questão semelhante ao tratar da operação de fusão das empresas Unilever NV e Unilever PLC. As partes daquele caso indicaram que, embora a a Unilever NV e Unilever PLC possuíssem bases acionárias distintas, a operação consistiria em uma mera reorganização interna do Grupo Unilever, considerando que tanto a Unilever NV quanto a Unilever PLC seriam dois braços de uma entidade econômica única, o Grupo Unilever. Foi justificado ainda que os membros dos respectivos Conselhos e as pessoas chave da administração, como CEOs, CFOs e presidentes das várias unidades de negócios e regiões, seriam os mesmos; havia entendimento único quanto aos mesmos fatos em ambas as empresas. As estratégias para o Grupo Unilever eram formuladas e implementadas de forma consolidada, dentre outras condições de atuação conjunta.

Em referência ao caso precedente (PwC), verificou-se que:

12... Naquele caso, este Conselho entendeu que o nível de integração e interdependência entre as empresas-membro da rede poderia caracterizar um “controle externo” para fins da lei antitruste, uma vez que considerou, diante das informações constantes dos autos, que a ação conjunta das empresas eram vinculadas por regulações e princípios comuns, seguindo um certo padrão de comportamento, o que permitiu ao CADE na ocasião considerar que essas empresas com bases acionárias distintas formariam uma única entidade no mercado. Dentre os fatores considerados por meio dos quais se verificaram presentes naquele caso o “controle externo” e a “entidade econômica única”, esta SG destaca: (i) alto grau de integração entre as empresas; (ii) Operação conjunta; (iii) interdependência; (iv) identidade comum; (v) políticas comuns relacionadas à estratégia, marca, risco e qualidade, adoção de uma metodologia de vinculação comum e coordenada; (vi) ausência de concorrência entre as empresas-membro da rede; (vii) fato de que as empresa-membro sempre se apresentaram como parte do Grupo PwC em todas as notificações apresentadas ao CADE, indicando que todas as análises conduzidas pelo CADE sempre consideraram suas atividades de forma integrada. As Requerentes afirmam que todas essas características, verificadas no AC da PwC, são também observadas na estrutura da Unilever, e a existência dos Foundation Agreements (que poderiam ser teoricamente comparados ao Regulamento da PwC) reforçariam e formalizariam o fato de que as empresas estão vinculadas por princípios e regras comuns.

13. Diante dos dados trazidos pelas Requerentes, esta SG compreende, em linha com o raciocínio desenvolvido pelas Requerentes, que Unilever NV e Unilever PLC constituem uma única entidade econômica, ou seja, um único grupo econômico. Com isso, verifica-se que o requisito da necessidade de existência de pelo menos mais de um grupo econômico envolvido na Operação, nos termos do artigo 88 da Lei 12.529, inexiste no caso em tela. (Parecer nº 95/CGAA5/SGA1/SG)

Como não houve o cumprimento dos demais requisitos legais, a SG decidiu pelo arquivamento do processo por não conhecer da operação apresentada no Ato de Concentração nº 08700.002108/2018-99.

Dos referidos casos julgados, fundamentalmente, extrai-se que as circunstâncias que podem caracterizar o exercício de controle externo podem ser resumidas a: (i) atuação como entidade econômica única, com a definição de estratégias de negócio (principais variáveis econômicas - questões mercadologicamente relevantes) e apresentação ao mercado como único agente; e (ii) existência de relação de subordinação e dependência entre empresas, incluindo poder de decisão sob a atividade de outrem (ou mesmo o controle unitário). Esses elementos se coadunam com a diferenciação dos tipos de franquia expostos acima, reforçando mais uma vez que, ao menos objetivamente, o "business format franchinsing" (por suas características) se aproxima do que foi considerado por este Conselho como efetivo controle externo.

 

IV.4.                  Caso concreto: rede de franquia Chilli Beans

Em resposta ao questionamento desta SG quanto ao grau de ingerência entre o franqueado e franqueador, as requerentes esclareceram que:

[...] o modelo de franquia Chilli Beans consiste na reprodução, pelo franqueado, do conceito de negócios concebido pela Franqueadora, composto por lojas e quiosques de varejo voltados à venda de óculos escuros, armações para óculos, relógios e outros acessórios de moda elaborados e comercializados sob a marca Chilli Beans, sendo que tais quiosques e lojas devem ser montados e estruturados segundo os padrões desenvolvidos pela Franqueadora ("unidades Chilli Beans").

Assim, a franquia Chilli Beans consiste em (i) cessão pela Franqueadora do direito de uso da marca Chilli Beans pelos franqueados; (ii) distribuição, pelos franqueados, dos produtos comercializados sob a marca Chilli Beans; (iii) transferência aos franqueados do know-how desenvolvido pela Franqueadora. Como contrapartida, a Franqueadora recebe uma remuneração do franqueado, consistente, entre outros, em taxa de franquia e royalties. Conforme restará demonstrado a seguir, a atuação da Franqueadora perante os franqueados limita-se à manutenção da marca Chilli Beans e à observância do modelo de negócios concebido pela Franqueadora, não possuindo qualquer ingerência administrativa, gerencial, financeira, ou mesmo "controle externo", sobre suas franqueadas, que conduzem e administram seus negócios de maneira independente.

As partes consideram que, de modo geral, as atividades de suporte da Franqueadora aos franqueados se limita à verificação da implementação e manutenção do Sistema Chilli Beans nas unidades franqueadas da marca, não competindo à franqueadora a fiscalização do cumprimento das obrigações legais rotineiras das unidades franqueadas, como por exemplo o recolhimento dos impostos devidos ou registros e pagamentos de encargos trabalhistas de seus funcionários. Assim, a atuação da franqueadora estaria limitada à manutenção da marca Chilli Beans e à observância do modelo de negócio concebido pela franqueadora, sendo as unidades franqueadas negócios próprios, cuja administração gerencial competiria exclusivamente ao franqueado.

Quanto às variáveis concorrencialmente relevantes (tais como preço e produtos ofertados), as requerentes informaram que o Sistema Chilli Beans funciona com as seguintes regras, dentre outras, que seriam essenciais à manutenção do sistema, segundo elas:

Apesar dessas disposições, as partes defendem que tais aspectos não constituem ingerência administrativa e financeira, além de não implicar exercício de controle externo dos franqueados por parte da Franqueadora. Dentre as responsabilidades administrativas e financeiras que os franqueados possuem, as requerentes citaram: a realização de investimentos próprios dos franqueados com a unidade e a responsabilização exclusiva dos franqueados por custos e despesas relacionados ao funcionamento do negócio (tais como a aquisição de insumos e mercadorias, o registro e pagamento de encargos relacionados aos funcionários da unidade franqueada, aluguel, encargos e demais despesas relacionadas ao ponto de venda).

É preciso esclarecer que a presente análise não envolve a identificação das usuais variáveis que caracterizam o controle interno societário (deter participação societária e poderes para direcionar as atividades da empresa) e, por conseguinte, que evidenciam plena ingerência administrativa e financeira. A situação de controle externo pressupõe o exercício de controle (sobretudo, em relação ao desenvolvimento da atividade econômica) por vias alternativas, tal como a contratual, mantendo-se, entretanto, independentes a cadeia societária das empresas envolvidas, sob plano legal.

Nesse contexto, conclui-se que a franquia Chilli Beans se apresenta como um modelo de negócio formatado ("business format franchinsing"), tendo regras rígidas de gestão e operação do sistema, às quais os franqueados devem se submeter, destoando-se de uma franquia tradicional. Mesmo nesse tipo de franquia com maior enlace entre franqueador e franqueado, este possui alguma autonomia e responsabilidade, em específico no tocante às atividades acessórias (como por exemplo, a contratação de pessoas, impostos e despesas). Contudo, a parte comercial de como serão ofertados os produtos no mercado depende totalmente das diretrizes estabelecidas pelo franqueador (tendo maior controle sobre a atividade-fim do franqueado).

Além das normas citadas acima, convém indicar as seguintes obrigações que o franqueado assume no contrato de franquia e que impactam as atividades empresariais dos franqueados:

[Acesso Restrito ao Grupo Chilli Beans]

As regras acima expostas evidenciam que há direcionamento único do desenvolvimento de atividade econômica prestada pelos franqueados, repercutindo, em especial, [Acesso Restrito ao Grupo Chilli Beans]. Estas são variáveis competitivas relevantes e que repercutem sobre a atuação dos agentes no mercado e como o mercado enxerga essas empresas, fazendo crer que se tratam de uma entidade única.

Além disso, as características da franquia Chilli Beans demonstram haver uma forte relação de dependência entre franqueador e franqueados, sem a qual os franqueados teriam maior liberdade na oferta dos produtos sob a marca Chilli Beans (e poderiam, inclusive, [Acesso Restrito ao Grupo Chilli Beans]). A rede franqueada Chilli Beans tem a obrigação de seguir as determinações do franqueador, sob pena de [Acesso Restrito ao Grupo Chilli Beans]. Isso reforça o fato de existir subordinação à uma direção unitária para oferta de produtos Chilli Beans por sua rede franqueada.

Trata-se de efetivo controle externo sob a atividade empresarial de terceiros, por via contratual e organizado como franquia, enquadrando-se no disposto no art. 4º, § 1º, inciso I, da Resolução CADE nº 02/2012.

Outra característica da franquia Chilli Beans que importa registrar se refere à [Acesso Restrito ao Grupo Chilli Beans].[7] As requerentes explicaram que, apesar de não haver um órgão, conselho ou comitê que determina as políticas de atuação da rede franqueada Chilli Beans, a franquia conta com

[Acesso Restrito ao Grupo Chilli Beans]

[Acesso Restrito ao Grupo Chilli Beans] Portanto, tal circunstância torna mais intensa a relação de dependência entre franqueador e franqueados.

Por fim, acerca dos efeitos nos mercados, para além de serem tratados como uma entidade única (um grupo) pela demanda, infere-se que não há disputa de mercado entre os franqueados da rede Chilli Beans, de modo que os franqueados possuem [Acesso Restrito ao Grupo Chilli Beans]e, ao menos no plano contratual, [Acesso Restrito ao Grupo Chilli Beans]. Em outros termos, não há rivalidade dentro da rede Chilli Beans. A concorrência ocorre apenas com os demais players que não possuem ligação com a franquia Chilli Beans. Todas as variáveis economicamente sensíveis relacionadas às questões mercadologicamente relevantes são ditadas pelo franqueador, sendo a rede Chilli Beans, portanto, caracterizada como um mesmo ente econômico, sob a ótica estritamente concorrencial.

Em face do acima arrazoado, considera-se que o Grupo Chilli Beans e sua rede franqueada estão sob controle comum externo, para fins de notificação de ato de concentração. Por conseguinte, o faturamento das empresas sob controle comum externo ultrapassa o patamar de R$ 750 milhões, em 2018, considerando que o faturamento apenas da rede franqueada do Grupo Chilli Beans foi de [Acesso Restrito ao Grupo Chilli Beans], enquanto o faturamento do Grupo Chilli Beans foi de [Acesso Restrito ao Grupo Chilli Beans], totalizando, portanto, [Acesso Restrito ao Grupo Chilli Beans].

Conclui-se, portanto, que se trata de ato de concentração de notificação obrigatória, uma vez cumpridos os requisitos constantes no art. 88, incisos I e II, da Lei nº 12.529/2011.[8]

 

IV.                     ENQUADRAMENTO LEGAL (ART. 8º, RES. CADE Nº 2/2012)

VI – Outros casos.

 

V.                       PRINCIPAIS INFORMAÇÕES SOBRE A OPERAÇÃO

 

Quadro 2 - Efeitos da operação

Sobreposição horizontal

Não

Integração vertical

Não

Setor em que há sobreposição horizontal ou integração vertical

N/A

Participações de mercado

N/A

 

VI.                     Considerações sobre a Operação

A presente operação compreende o aumento da participação societária detida pela Sonic (Grupo Chilli Beans) no capital social da Mustang, com a consequente saída do GIF IV FIP da composição acionária da Mustang. Atualmente, a Sonic possui 70,18% do capital social da Mustang e, após a operação, a Sonic passará a deter a totalidade das ações da Mustang, configurando uma passagem de controle compartilhado para controle unitário.

A Sonic é uma empresa detida pelo fundador do Grupo Chilli Beans (Sr. Antonio Caio Gomes Pereira Filho), que atua no mercado apenas por meio da franquia Chilli Beans, via Luz Franquias S.A. (franqueadora, controlada pela Mustang) e sua rede franqueada. Os principais produtos comercializados sob a marca Chilli Beans são relógios, óculos de sol e óculos para receituários, que são comercializados em todos os estados da federação por meio de "e-commerce" da marca e de mais de 800 pontos de venda, representados pela rede de franqueados e por uma loja própria.

Sendo assim, conclui-se que a presente operação não gera qualquer relação horizontal ou vertical, na medida em que o fundador do Grupo Chilli Beans reforça sua posição acionária na holding da franqueadora Chilli Beans e não possui outras atividades econômicas.

 

VII.                   Cláusula de Não-Concorrência

As requerentes fixaram a seguinte disposição de não-concorrência:

[Acesso Restrito às Requerentes]

A obrigação de não-concorrência acima indicada está em consonância com os parâmetros admitidos na jurisprudência do CADE.

 

VIIi.                  Recomendação

Aprovação sem restrições.

 

[1] Waisberg, Ivo. Franquia. In: Carvalhosa, Modesto (Coordenador). Contratos Mercantis: Tratado de Direito Empresarial - volume 4. São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2018. p.213.

[2] Disponível em: https://www.franchise.org/what-is-a-franchise; acessado em 21/02/2019.

[3] Waisberg, Ivo. op. cit. p.218.

[4] Silva, Flavio Lucas de Menezes.; Tusa, Gabriele. Contrato de Franquia Empresarial: a Instrumentalização de um Negócio Formatado. In: Fernandes, Wanderley (Coordenador). Contratos empresariais: contratos de organização da atividade econômica. São Paulo, Saraiva, 2011. (Séries GVlaw) p. 263.

[5] Comunicação da Comissão nº 2008/C 95/01, parágrafo nº 19, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:C:2008:095:FULL&from=GA; acessado em 21/02/2019.

[6] Komparato, Fábio Konder.; Filho, Calixto Salomão. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 4ª Edição. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2005. p. 95/96.

[7] [Acesso Restrito ao Grupo Chilli Beans].

[8] Além de alcançarem os patamares de faturamento impostos pela lei, a operação em tela se enquadra no disposto no art. 90, inciso II, da Lei nº 12.529/2011, assim como no art. 9º, inciso I, da Resolução CADE nº 02/2012, pois envolve a aquisição de controle unitário pela Sonic na Mustang, conforme esclarecido pelas requerentes na notificação da operação.


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Documento assinado eletronicamente por Ednei Nascimento da Silva, Coordenador, em 01/03/2019, às 17:02, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Documento assinado eletronicamente por Mário Sérgio Rocha Gordilho Júnior, Coordenador(a)-Geral, em 01/03/2019, às 18:00, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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