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Ministério da Justiça e Segurança Pública - MJSP

Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

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Processo Administrativo nº 08700.000066/2016-90 (Autos Restritos aos Representados nº 08700.000592/2016-50)

Representante: Cade ex officio

Representados: Araguaia Indústria Comércio e Serviços Ltda. – EPP; Corning Comunicações Ópticas S.A.; Corning Incorporated; Quadrac Telecomunicações e Informática Ltda.; Redex Telecomunicações Ltda.; Tyco Electronics Brasil Ltda.; Álvaro Rodrigo Gamerre Peña; Andrea Petisco; Edison Agostinho; Efraim Santos Filho; Hélio Gomes de Oliveira; João Antônio César; José Manoel Silva da Costa; José Santos Calvo Sebastián; Marcelo Ferreira da Rosa; Marcelo Miguel Ortiz D’Elia; Marlison Luiz de Azevedo; e Rogério Diniz.

Advogados: Arlei da Costa, André Saddy, Barbara Rosenberg, Guilherme F.C. Ribas, Joyce Ruiz Rodrigues Alves, Ricardo Pomeranc Matsumoto, Patrícia Agra Araújo, Rosenberg Ferrão e outros.

Relatora: Conselheira Paula Azevedo

 

VOTO VISTA - CONSELHEIRO SÉRGIO COSTA RAVAGNANI

VERSÃO PÚBLICA

 

 

voto

Em 27 de novembro de 2019, durante a 150ª Sessão Ordinária de Julgamento, a Conselheira Relatora Paula Azevedo acompanhou a SG ao indeferir as preliminares suscitadas pelos representados e manifestou-se pelo arquivamento do processo com relação aos representados Corning Comunicações Ópticas S.A., Corning Incorporated, Andrea Petisco de Carvalho, Marcelo Ferreira da Rosa, Marlison Luiz de Azevedo, Efraim dos Santos Filho, Edison Agostinho, Quadrac Telecomunicações e Informática Ltda., Tyco Electronics Brasil Ltda., Hélio Gomes de Oliveira, José Manoel Silva da Costa, Marcelo Miguel Ortiz D’Elia e Rogério Diniz de Oliveira; e pela condenação dos representados Redex Telecomunicações Ltda. (“Redex”); Álvaro Rodrigo Gamerre Peña, João Antônio César e José Santos Calvo Sebastián.

A Conselheira Relatora manifestou-se pelo arquivamento do processo em relação à representada Araguaia Indústria Comércio e Serviços Ltda. – EPP (“Araguaia”) por entender que a empresa não teria participado efetivamente do cartel.

Embora reconheça a existência de indícios em desfavor da Araguaia, especificamente quanto ao recebimento de valores decorrente dos acordos ilícitos realizados pela Redex, a Conselheira Relatora entendeu que esse fato seria insuficiente para atribuir à Araguaia participação no cartel.

Com a finalidade de aprofundar a análise a respeito de determinadas questões suscitadas pela defesa e elementos de prova relacionados à Araguaia, solicitei vista dos autos e  determinei a conversão do feito em diligência para realização de instrução complementar pelo meu Gabinete, nos termos do art. 94, §4º, do Regimento Interno do Cade, e conforme Despacho Decisório nº 2/2020 (SEI 0714661) referendado pelo Plenário na 152ª Sessão Ordinária de Julgamento realizada em 05 de fevereiro de 2020 (SEI 0719083).

No âmbito da instrução, foram expedidos ofícios aos representados Redex e Araguaia, fornecedores concorrentes de componentes eletrônicos de telecomunicação, clientes potencialmente afetados, à Secretaria da Receita Federal do Brasil (“RFB”) e à Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (“SEFAZ/SP”) para obter informações sobre a contratação e/ou prestação de serviços de beneficiamento para componentes eletrônicos de telecomunicação pela Araguaia com o objetivo de apurar se tais serviços foram simulados e obter as notas fiscais para confronto com documentos constantes nos autos referentes a compensação financeira entre Bargoa e Redex..

Tendo em vista a instrução realizada, os representados foram intimados para apresentação de alegações finais, em cumprimento ao art. 76, parágrafo único, da Lei nº 12.529/2011, e do art. 158 do Regimento Interno do Cade, conforme o Despacho Decisório nº 10/2020 (SEI 0729952)[1].

Em razão da entrada em vigência da Medida Provisória nº 928/2020 (SEI 0740251), o prazo para alegações finais permaneceu suspenso até 21 de julho de 2020, quando reiniciada a contagem do prazo remanescente que findou em 03 de agosto de 2020 (SEI 0781952).

Ato contínuo, os autos foram encaminhados à PFE-Cade e ao MPF-Cade, nos termos do Despacho Ordinatório de 04 de agosto de 2020 (SEI 0787372).

Em 25 de agosto de 2020, foi solicitada a renovação do prazo de 90 (noventa) dias prevista no art. 94, § 5º do RICADE, nos termos do Despacho Decisório nº 19/2020 (SEI 0787366).[2]

Em linhas gerais, a PFE-Cade[3] e o MPF-Cade[4] apresentaram manifestações complementares concluindo que os documentos advindos da instrução processual não alteravam o entendimento manifestado em seus pareceres anteriores[5].

Feitas essas breves considerações sobre o histórico processual, passo às considerações sobre o meu voto.

De início, esclareço que acompanho a Conselheira Relatora em seus fundamentos para decisão de arquivamento com relação aos representados Corning Comunicações Ópticas S.A., Corning Incorporated, Andrea Petisco de Carvalho, Marcelo Ferreira da Rosa, Marlison Luiz de Azevedo, Efraim dos Santos Filho, Edison Agostinho, Quadrac Telecomunicações e Informática Ltda., Tyco Electronics Brasil Ltda., Hélio Gomes de Oliveira, José Manoel Silva da Costa, Marcelo Miguel Ortiz D’Elia e Rogério Diniz de Oliveira.

Da mesma forma, acompanho a Conselheira Relatora em seus fundamentos acerca dos elementos de prova utilizados para comprovação da materialidade do cartel e condenação dos representados Redex Telecomunicações Ltda., João Antônio César e José Santos Calvo Sebastián.

Com as devidas vênias, divirjo da Conselheira Relatora quanto à (i) consideração dos documentos 09, 52 e 53 do Acordo de Leniência (“AL”) na análise de materialidade do acordo, (ii) condenação do representado Álvaro Rodrigues Gamerre Peña, (iii) duração atribuída ao cartel estabelecido entre Bargoa/Corning e Redex/Araguaia diante de documentos indicando a materialidade do ilícito abrangendo, pelo menos, o período de 2009 até 2013, (iv) participação da Araguaia no conluio, e (v) dosimetria das multas aplicadas aos representados Redex, José Santos Calvo Sebastián e João Antônio César.

 

I) PRELIMINARES

Acompanho a Conselheira Relatora para indeferir as preliminares suscitadas pelos representados.

Em relação a documentos com anotações manuscritas, peço vênias à Conselheira Relatora para considerar determinados registros manuscritos como elementos para a formação da minha convicção quando essas informações apresentarem forte verossimilhança com o conteúdo de outras provas constantes nos autos.

A seguir, apresento minhas considerações com relação aos demais pontos de divergência e da instrução que motivaram meu pedido de vista dos autos.

 

II) MÉRITO

II.1 Considerações sobre a participação da Redex no cartel

Conforme tive oportunidade de me manifestar anteriormente acerca do padrão probatório para condenação por participação em cartel[6], entendo que uma condenação baseada em provas indiretas deve reunir elementos que, em conjunto, corroborem a narrativa dos documentos considerados para apurar a participação no ilícito e que reforcem a coesão e coerência do conjunto probatório como um todo.

No caso em julgamento, destaco o fato de a própria Redex não apresentar uma narrativa alternativa plausível capaz de justificar o conteúdo anticoncorrencial de comunicações estabelecidas com a Bargoa/Corning em período anterior a [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS], conforme demonstrado nos documentos 02 e 06 do TCC celebrado por Edison Agostinho (“TCC”).

Segundo declarado pela própria Redex[7], somente a partir de [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS] estabeleceu-se uma relação comercial de fornecimento entre Bargoa e Redex. Portanto, para comunicações anteriores a esse período, não há sequer um contexto de relação comercial que possa justificar a existência de contato entre as representadas, especialmente o conteúdo concorrencialmente sensível e anticompetitivo das comunicações.

Em suas manifestações, Redex e Araguaia alegam que os documentos 02 e 06 do TCC se referem a discussão judicial patentária envolvendo a Redex e a Bargoa/Corning. Segundo as representadas, em fevereiro de 2006, a Bargoa/Corning encaminhou notificação extrajudicial à Redex por suposta infração de sua patente.

Entre 2007 e 2008, Redex e Bargoa/Corning eram partes adversárias em ação judicial para discussão da validade jurídica da patente. Em 2009, a Bargoa/Corning obteve decisão judicial liminar determinando que a Redex se abstivesse de divulgar seu produto no mercado enquanto a patente estivesse vigente.

É nesse contexto que a Redex entende que o conteúdo dos documentos 02 e 06 do TCC, ambos de 2009, retratam uma disputa meramente privada e não estão relacionados a um suposto acordo anticompetitivo.[8]

Não obstante, os referidos documentos demonstram claramente que as comunicações envolvendo a Redex e a Bargoa/Corning extrapolavam uma discussão judicial sobre disputa patentária. Nesse ponto, acompanho as conclusões da Conselheira Relatora, entendendo que há informações relacionadas a estratégias para o leilão então em disputa e preocupações acerca do cumprimento do acordo, sinalizando claro propósito anticompetitivo (documento 06 do TCC)[9].

Não haveria qualquer sentido em discutir questões envolvendo a criação de estratégias considerando a [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS] no contexto da disputa patentária e ausente qualquer relação comercial pré-existente (documento 02 do TCC).

O relato do compromissário Edison Agostinho no Histórico de Conduta (SEI 0422165) reforça esse entendimento, conforme verificado pela passagem abaixo:

[ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS]

 

Quanto aos documentos 08, 10 e 13 do AL, acompanho a conclusão da Conselheira Relatora que o conteúdo nitidamente anticoncorrencial desses documentos não pode ser justificado pela existência de uma relação comercial entre as partes.

Não há como considerar parte de uma relação comercial lícita discussões sobre acordos com potenciais concorrentes de certames licitatórios e informações sobre estratégias a serem adotadas nesses processos.

Alguns desdobramentos relacionados ao conteúdo desse documento e que corroboram a existência de um acordo anticompetitivo entre as empresas serão detalhados na análise das provas relacionadas à Araguaia.

Portanto, entendo que os documentos 02 e 06 do TCC e os documentos 08, 10 e 13 do AL, em conjunto com relatos e circunstâncias apresentados em outros elementos de prova são suficientes para determinar a condenação da Redex por participação no cartel.

No mesmo sentido, a Redex não logrou êxito em apresentar qualquer interpretação alternativa minimamente plausível e coerente para o conteúdo desses documentos que permitisse afastar a conclusão pela sua participação no conluio.

Além disso, conforme será detalhado na análise da participação da Araguaia, documentos obtidos na instrução complementar – portanto, não produzidos unilateralmente pelos signatários ou provenientes do TCC firmado – confirmam fatos relatados nesses acordos e documentos, bem como reforçam a conclusão de que a Redex participou de um acordo anticompetitivo no mercado nacional de componentes eletrônicos no setor de telecomunicações.

 

II.2 Considerações sobre a participação da Araguaia

Feitas as considerações sobre as razões para condenação da Redex, passo a desenvolver os principais argumentos pelos quais divirjo da Conselheira Relatora quanto à decisão de arquivamento do processo administrativo em relação à representada Araguaia.

Nesta direção, os documentos 01, 02, 03, 08, 09, 10, 12, 13, 22, 52, 53 e 59 do AL contêm provas da participação da Araguaia no conluio, corroboradas pela instrução complementar que trouxe novos documentos comprovando o caráter anticompetitivo desses elementos de prova.

Conforme explicado, a materialidade do acordo anticompetitivo entre Bargoa/Corning e Redex é respaldada por provas que revelam comunicações entre representantes das empresas com claro propósito de fraudar o caráter competitivo de licitações privadas conduzidas pelos seus clientes e que envolviam o pagamento de compensações financeiras como forma de recompensar a participação no arranjo ilícito.

Os signatários afirmam que Bargoa/Corning e Redex implementaram práticas colusivas com o objetivo de maximizar ganhos em licitações privadas promovidas por [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS] por meio de condutas como fixação de preços e divisão de mercados.

Existiam duas situações por meio da qual o acordo entre as empresas era implementado.

A primeira situação se refere aos leilões em que a Bargoa/Corning pagava comissões à Redex para que esta não participasse da licitação ou apresentasse propostas de cobertura.

A segunda situação diz respeito às modalidades dual sourcing, em que as licitantes escolhiam dois fornecedores. Nelas, Redex e Bargoa/Corning participavam como se atuassem de forma independente mas combinavam que todos os produtos licitados, incluindo a parcela referente à Redex, seriam fornecidos pela Bargoa/Corning, havendo uma divisão de lucro entre as empresas posteriormente.[10]

Os signatários também afirmam que a estratégia para viabilizar a implementação desse acordo incluía a participação da Araguaia como instrumento para dificultar as chances de detecção do acordo ilícito ao ocultar a existência de relação direta da Redex com a Bargoa/Corning.

Para ocultar a existência de qualquer vínculo entre as empresas, a Redex determinava que os pagamentos fossem realizados por meio da Araguaia, a título de suposta prestação de serviços de beneficiamento. Os cálculos dos valores repassados à Araguaia eram registrados em relatórios elaborados internamente pela Bargoa/Corning, detalhando dados de quantidades contratadas e faturadas pelos clientes, preços de vendas, estimativa dos tributos a serem incorporados ao preço e das comissões a serem pagas à Redex, bem como instruções para a realização do pagamento.

Esses relatórios indicam que as instruções e a ordem de pagamento à Araguaia eram determinadas pelo diretor da Redex João Antônio César.[11]

Sobre os serviços de beneficiamento, Redex e Araguaia defendem que os serviços de beneficiamento mencionados tinham como objetivo corrigir defeitos de fabricação de produtos da Bargoa/Corning.

Esses produtos teriam sido adquiridos pela Redex para atender contratos de fornecimento celebrados com [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS], que exigiam garantia de um ano para a qualidade dos produtos fornecidos e que justificariam a contratação dos serviços de beneficiamento[12], o que justificaria o conteúdo dos documentos 52 e 53 do AL – comunicações entre representantes da Bargoa e da Redex referentes ao pagamento de serviços de beneficiamento.

Por outro lado, as representadas não se manifestaram especificamente acerca das informações contidas nos relatórios de pagamento elaborados pela Bargoa/Corning (documentos 01, 02, 03 e 08 do AL), limitando-se a questionar a validade probatória desses documentos.

Tampouco buscaram explicar a razão pela qual as empresas evitavam a caracterização de vínculo comercial com a Bargoa/Corning, mesmo diante da comprovação de que a Araguaia recebia pagamentos no lugar da Redex sob orientação do diretor João Antônio César, conforme demonstrado nos documentos 52 e 53 do AL.

Analisando o conjunto probatório nos autos, os documentos 01, 02 e 03 do AL indicam divisão de lucros decorrente do faturamento auferido pela Bargoa/Corning com o contrato de fornecimento obtido junto à [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS], bem como divisão no fornecimento com a Redex no caso do Documento 01 do AL.

Por sua vez, o documento 08 do AL indica cálculos para pagamento de comissão à Araguaia baseados em percentual aplicado sobre as quantidades faturadas pela Bargoa/Corning em licitação vencida pela empresa.

O documento 10 do AL reforça o entendimento de que o pagamento de comissão à Redex estava relacionado ao fato da Bargoa/Corning vencer a licitação [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS]. Este documento, considerado pela Conselheira Relatora como elemento de materialidade do cartel, confirma a existência de acordo envolvendo pagamento de comissões da Bargoa/Corning para a Redex.

Ainda, o documento atesta que o pagamento está relacionado à implementação de estratégias anticompetitivas em licitações do mercado de componentes eletrônicos para telecomunicações.

O documento 10 do AL portanto corrobora os fatos descritos nos documentos 01, 02, 03 e 08 do AL, sobre os quais a Conselheira Relatora já se manifestou e acompanho as suas conclusões para afastar os argumentos de defesa da Redex e da Araguaia.

Em atenção aos princípios da ampla defesa e da motivação dos atos administrativos, passo a me manifestar sobre pontos específicos trazidos pelas representadas.

A defesa apresentada por Redex e Araguaia se limita a: (i) questionar o valor probatório do documento por não constar em cadeia de custódia apresentada pelos signatários; (ii) alegar que não há representantes da Redex copiados no e-mail e (iii) afirmar que o contexto das mensagens retrata pedido de fornecimento e não um acordo ilícito.

Sobre a primeira alegação de defesa, a ausência de certificação eletrônica do documento enfraquece seu valor probatório, mas não o invalida de plano como elemento de prova. Deste modo, a simples existência desse documento, como fundamento de materialidade e autoria do ilícito, poderia ser insuficiente para justificar uma condenação.

No entanto, a presença de outras provas corroborando os fatos narrados  é suficiente para, em conjunto, fundamentar a condenação dos representados.

Nesta esteira, além do relato dos signatários no Histórico da Conduta, os documentos 01, 02, 03 e 08 do AL confirmam a existência de um esquema de pagamento tal qual indicado no documento 10 do AL.

Da mesma forma, a ausência de representantes da Redex em cópia no e-mail. A existência de outros documentos que atestam fatos e conclusões extraídas do documento questionado permite ao julgador formar a sua convicção de que a Redex participou do ilícito, desde que não contrariada por elementos de valor probatório superior que justifiquem a desconsideração ou causem incerteza sobre os fatos e circunstâncias utilizados no juízo de convicção da condenação.

Sobre a terceira alegação de defesa, acompanho a conclusão da Conselheira Relatora de que a existência de relação comercial é insuficiente para afastar os elementos que comprovam a existência de coordenação entre as empresas.

Por oportuno, copio abaixo o conteúdo do documento 10 do AL para destacar trechos relevantes para a identificação do acordo ilícito entre as empresas Bargoa/Corning e Redex.

 

Documento 10 do AL | SEI 0159609 [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS]

 

Conforme os trechos destacados acima, uma relação comercial entre empresas não justifica a existência de diálogos tratando: (i) do aumento do valor das propostas para licitação e da existência de outros concorrentes; (ii) da existência de acordos com outros concorrentes, e (iii) da existência de acordo para pagamento de comissões à Redex caso a Bargoa/Corning vença o certame licitatório.

Considerando esses elementos, entendo que o documento 10 do AL é prova da existência de acordo ilícito entre Bargoa/Corning e Redex, em especial por confirmar que, de fato, havia um acordo de comissionamento entre as empresas, caso a Bargoa/Corning se sagrasse vencedora do certame.

Esse documento corrobora que os documentos 01, 02, 03 e 08 do AL se referem a um arranjo ilícito entre as empresas e apresentam elementos sobre a participação da Araguaia no conluio.

Mesmo considerando a relação de fornecimento entre as empresas, essa relação comercial seria insuficiente para explicar a divisão de lucro líquido, tampouco o pagamento de comissões da Bargoa/Corning para a Redex.

No contexto da relação de fornecimento, sendo a Bargoa/Corning fabricante e fornecedora dos componentes e a Redex distribuidora e revendedora dos produtos, faria sentido que a Redex pagasse pelo fornecimento de produtos, não havendo qualquer sentido em que a Bargoa/Corning pagasse seu cliente para corrigir defeitos de fabricação de seu próprio produto, conforme sustentado pelas representadas.

Além disso, os relatórios indicam que o valor dos serviços de beneficiamento correspondem exatamente à totalidade do lucro líquido (no caso de modalidade dual sourcing) ou da comissão (no caso de fornecimento único pela Bargoa/Corning) devida à Redex em razão do contrato de fornecimento vencido junto à [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS].

Admitir que todo o lucro líquido ou comissão devidos à Redex fossem somente destinados para o pagamento dos serviços de beneficiamento não apresenta qualquer racionalidade econômica capaz de justificar a prestação legítima dos alegados serviços.

As próprias representadas Redex e Araguaia afirmam que os serviços de beneficiamento não são complexos ou de alto valor agregado, o torna improvável a destinação de toda margem líquida obtida com o faturamento dos componentes fornecidos a um cliente para pagamento de serviços dessa natureza.

Nesse sentido, a descrição dos serviços de beneficiamento apresentada pela Redex (SEI 0198042):

“Serviços de beneficiamento de alívio de tensão em produtos fabricados em policarbonato visam à eliminação de tensões residuais de moldagem que decorrem de falhas durante o processo de injeção. Caso estas tensões residuais não sejam eliminadas, o produto muito possivelmente sofrerá rupturas quando submetido a qualquer esforço mecânico durante a sua vida útil.”

 

Nos documentos 09 e 52 do AL[13], os tipos e as quantidades de componentes eletrônicos (blocos hipercompactos e conectores) fornecidos pela Bargoa/Corning à Redex correspondem às mesmas quantidades faturadas nos relatórios dos documentos 02 e 08 do AL, conforme detalhado abaixo.

 

Documento 09 do AL | SEI 0159609 [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS]

 

Como visto, consta nos autos e-mail de João Antônio César (diretor comercial da Redex) para Álvaro Gamerre Peña (gerente industrial da Bargoa/Corning), de 20 de abril de 2012, indicando cálculos dos valores que a Bargoa/Corning deveria pagar à Redex como parte do acordo anticompetitivo, com discriminação das quantidades já pagas e com pagamento pendente.

Segundo os signatários, os cálculos consideravam [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS].

Os documentos 02, 08 e 12 do AL corroboram informações indicadas no documento 09 do AL acima:

 

Documento 12 do AL | SEI 0159609 [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS]

 

Documento 02 do AL | SEI 0159609 [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS]

 

Documento 08 do AL | SEI 0159609 [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS]

 

Os registros manuscritos no documento 12 do AL guardam estreita correspondência com fatos relatos pelos signatários da Leniência e pelo compromissário do TCC na medida em que registram exercícios para o pagamento de comissão à Redex e a emissão de notas fiscais à Araguaia, indicando o CNPJ e a razão social da empresa.

Além disso, os mesmos modelos de componentes envolvidos [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS], quantidades faturadas [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS], preços por unidade [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS] e valores totais envolvidos [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS] encontram respaldo nos documentos 02, 08 e 09 do AL, conforme destacado acima.

Analisando os documentos 02 (de 30 de janeiro de 2012) e 08 do AL (de 06 de dezembro de 2011), verifica-se que os produtos envolvidos (conectores e blocos hipercompactos) e as quantidades faturadas [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS] foram objeto de fornecimento registrado pela Bargoa/Corning em seus relatórios internos e correspondem aos produtos e quantidades apresentados nos cálculos do documento 09 do AL tratando do acerto de pagamentos a título de comissão pendentes por parte da Bargoa/Corning.

Desta forma, é clara a correspondência entre (i) os relatórios de comissionamento com instruções para pagamento à Araguaia no âmbito do acordo anticompetitivo e (ii) o e-mail encaminhado pelo diretor da Redex à Bargoa/Corning discriminando valores ainda não pagos.

Em relação ao documento 08 do AL, as informações do relatório de comissionamento e do seu propósito anticompetitivo são reforçadas pelo documento 22 do AL abaixo reproduzido.

 

Documento 22 do AL | SEI 0159609 [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS]

 

Os valores destacados acima indicam o mesmo tipo de componentes (blocos), quantidade de produtos faturados e entregues [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS] e mesmo cliente [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS] constantes no documento 08 do AL. As anotações manuscritas e a rubrica são de autoria do signatário Marcelo Ferreira Rosa (supervisor de custos da Bargoa/Corning) conforme afirmado pelos próprios signatários na descrição das provas no Apêndice Documental juntado aos autos[14].

Nas anotações fica claro o acordo de fornecimento como contrapartida do pagamento de comissões e que o intuito deste acordo era justamente proporcionar que a Bargoa/Corning vencesse a licitação promovida pelo cliente [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS].

Além disso, a instrução complementar realizada em meu Gabinete obteve documentos fiscais da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia (“RFB”) e da Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo (“SEFAZ/SP”), bem como esclarecimentos prestados pelos representados, concorrentes e clientes potencialmente afetados pelas práticas que corroboram a existência do cartel e de um esquema de pagamentos envolvendo a Redex e a Araguaia.

Analisando as notas fiscais emitidas pela Araguaia (SEI 0731725) e encaminhadas pela SEFAZ/SP, verifica-se que as notas destinadas à Bargoa/Corning contém as mesmas quantidades e valores indicados pelo diretor da Redex João Antônio César nos documentos 09, 12 e 52 do AL, relacionados aos relatórios de comissionamento mencionados nos documentos 01, 02, 03 e 08 do AL, conforme detalhado abaixo.

 

Figura 1 | Nota Fiscal Eletrônica Araguaia e Bargoa (SEFAZ/SP) | SEI 0731725 [ACESSO RESTRITO AO CADE E À ARAGUAIA]

 

Fonte: Consulta de NFe em https://nfe.fazenda.sp.gov.br/ConsultaNFe/consulta/publica/ConsultarNFe.aspx?

 

Verifica-se na figura acima que a quantidade, o valor por unidade e o valor total da nota fiscal correspondem exatamente ao “Total já acertado” de blocos hipercompactos indicado nos cálculos do documento 09 do AL [ACESSO RESTRITO AO CADE E À ARAGUAIA] -, sendo razoável presumir que Araguaia efetivamente recebeu esse montante.

 

Figura 2 | Nota Fiscal Eletrônica Araguaia e Bargoa (SEFAZ/SP) | SEI 0731725 [ACESSO RESTRITO AO CADE E À ARAGUAIA]

 

Fonte: Consulta de NFe em https://nfe.fazenda.sp.gov.br/ConsultaNFe/consulta/publica/ConsultarNFe.aspx?

 

Da mesma maneira, a nota fiscal acima reproduzida contém quantidades, valores por unidade e valor total idêntico ao valor pendente de pagamento referente aos blocos hipercompactos e conectores indicados nos cálculos dos documentos 09 e 12 do AL.

A soma dos valores totais de cada produto corresponde exatamente ao valor de [ACESSO RESTRITO AO CADE E À ARAGUAIA] indicado pelo diretor da Redex João Antônio César como pagamento pendente no documento 09 do AL acima.

Figura 3 | Nota Fiscal Eletrônica Araguaia e Bargoa (SEFAZ/SP) | SEI 0731725 [ACESSO RESTRITO AO CADE E À ARAGUAIA]

 

Fonte: Consulta de NFe em https://nfe.fazenda.sp.gov.br/ConsultaNFe/consulta/publica/ConsultarNFe.aspx?

 

Documento 01 do AL | SEI 0159609 [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS]

 

Verifica-se que o valor total da nota fiscal corresponde exatamente ao valor previsto no relatório do documento 01 do AL que indica esse mesmo valor para emissão de nota fiscal para a alegada prestação de serviço de beneficiamento cobrado pela Araguaia.

Em outras palavras, há comprovação documental de que o valor de [ACESSO RESTRITO AO CADE E À ARAGUAIA] foi declarado pela Araguaia como sendo resultado de um suposto serviço prestado, sendo razoável presumir que efetivamente recebeu esse montante.

Também o documento 59 do AL (de 24 de maio de 2012) contém nota fiscal emitida pela Bargoa/Corning compreendendo valor de remessa para industrialização por encomenda tendo como destinatária a Araguaia.

Essa nota fiscal é mencionada no documento 53 do AL (comunicações em 24 e 25 de maio de 2012), que contém e-mail encaminhado pelo representado Marcelo Ferreira Rosa (supervisor de custos da Bargoa/Corning) para o representado João Antônio César (diretor da Redex) com duas notas fiscais anexadas (sendo uma delas correspondente ao documento 59 do AL abaixo) e orientações para emissão de nota fiscal de beneficiamento pela Araguaia para blocos e conectores.

 

Documento 59 do AL | SEI 0159609 [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS]

 

Documento 53 do AL | SEI 0159609 [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS]

 

As notas fiscais obtidas junto à SEFAZ/SP comprovam que as orientações da Bargoa/Corning para emissão de nota fiscal de beneficiamento indicadas no documento 59 do AL foram seguidas, conforme demonstrado na figura 4 abaixo.

 

Figura 4 | Nota Fiscal Eletrônica Araguaia e Bargoa (SEFAZ/SP) | SEI 0731725 [ACESSO RESTRITO AO CADE E À ARAGUAIA]

 

Fonte: Consulta de NFe em https://nfe.fazenda.sp.gov.br/ConsultaNFe/consulta/publica/ConsultarNFe.aspx?

 

Nesta nota fiscal, chama atenção o elevado valor (superior a R$ 1 milhão) cobrado por serviços de beneficiamento referentes aos mesmos tipos de componentes (blocos e conectores) e para as mesmas quantidades faturadas na nota fiscal da figura 2 acima.

O valor total da nota fiscal acima é ligeiramente superior àquele informado no documento 59 do AL por incluir valores referentes a embalagens enviadas para beneficiamento (itens 4 e 5 dos produtos descritos).[15]

As notas fiscais são provas documentais robustas que corroboram e reforçam os relatos da existência de um acordo anticompetitivo entre Bargoa/Corning e Redex e de um esquema de pagamentos para dificultar a detecção da prática colusiva no qual a Araguaia atuava como receptora desses pagamentos.

Com efeito, os documentos fiscais corroboram o Histórico de Conduta do AL, bem como confirmam os tipos de componentes envolvidos, quantidades fornecidas e valores repassados.

Por outro lado, considerando que as notas fiscais e outros documentos  compreendem período no qual já existia uma relação comercial entre a Bargoa/Corning e a Redex, é razoável considerar a possibilidade de refletirem pagamentos pela prestação de serviços legítimos de beneficiamento, como sustentado pelas representadas em suas defesas.

Nesse sentido, a Conselheira Relatora não considerou os documentos 09, 52 e 53 do AL como provas da materialidade do cartel, haja vista a existência de relação comercial que poderia justificar a existência de pagamentos entre as empresas e a prestação desses serviços.

A fim de dirimir este ponto controvertido, requisitei à Araguaia cópia dos contratos de prestação de serviços de beneficiamento firmados com a Bargoa/Corning ou com terceiros.

Em sua resposta (SEI 0724518), a Araguaia declarou não celebrar contratos formais para prestação desses serviços, tampouco encaminhou quaisquer outros documentos que pudessem comprovar a legitimidade dos alegados serviços de beneficiamento.

Segundo a representada:

“[...] a Araguaia é uma empresa de pequeno porte, de modo que as negociações dos serviços e vendas são feitas spot, sem a execução de um contrato formal. Os pedidos de compra são confirmados oralmente ou enviados por e-mail sem maior formalização. O mesmo se aplica aos serviços beneficiamento.” (SEI 0724518)

 

Nesse ponto, entendo não ser razoável admitir que a prestação de serviços, que em alguns casos, supera o valor de R$ 1 milhão, seja realizada a terceiros sem a existência de qualquer contrato ou documento que comprove a legitimidade dos serviços prestados, tal como mensagem por e-mail ou por celular ou por aplicativos da tomadora dos serviços solicitando ou confirmando a prestação dos mesmos.

Pelo contrário, entendo que a ausência de contratos ou outros documentos comprovando a prestação de serviços entre as empresas reforça o entendimento de que os alegados serviços de beneficiamento declarados nas notas fiscais não foram prestados e cumpriram a função de ocultar a realização de pagamentos da Bargoa/Corning à Redex por meio da Araguaia, como parte do acordo anticompetitivo firmado entre as empresas.

Por essas razões, entendo que os documentos 09, 52 e 53 do AL configuram provas de materialidade do acordo anticompetitivo, vez que inexistente relação comercial entre as empresas.

Assim, os documentos 01, 02, 03, 08, 09, 10, 12, 13, 22, 52, 53 e 59 do AL são provas da existência do acordo ilícito entre as empresas e elementos suficientes para concluir que a Araguaia teve participação efetiva no cartel.

 

II.3 Elementos que caracterizam a participação da Araguaia no ilícito de cartel

Apresentadas as provas de materialidade do cartel e da participação da Araguaia para o sucesso da conduta, passo a enfrentar o enquadramento legal da sua conduta  para divergir da conclusão da Conselheira Relatora pelo arquivamento do processo administrativo em relação à Araguaia.

Conforme já mencionado, a Conselheira Relatora entendeu que a recepção de pagamentos oriundos de acordos de cartel não caracteriza participação no próprio acordo ilícito.

Com as devidas vênias, provada a participação e a relevância da Araguaia para o funcionamento do cartel, não há como dissociar a sua conduta do ilícito administrativo.

A participação da Araguaia na dinâmica do cartel pode ser verificada por dois fatores: (i) na implementação de práticas que dificultavam as chances de detecção do cartel e contribuíam para a sua perenidade, e (ii) na existência de vínculo de controle entre a Redex e a Araguaia.

Sobre o primeiro fator, o maior grau de dificuldade para descoberta do acordo ilícito confere durabilidade, estabilidade e, consequentemente, maiores chances de sucesso do cartel.

Assim, práticas implementadas com o objetivo de conferir maior durabilidade e estabilidade ao cartel são elementos importantes para aferir a participação de empresas no conluio, posto estarem intimamente relacionadas ao sucesso da estratégia de eliminação ou redução da concorrência.

Excluir empresas que implementam estratégias com essas finalidades do âmbito de incidência da Lei nº 12.529/2011 significa reconhecer a ausência de sanções aplicáveis para esse tipo de prática.

Este entendimento permite que empresas se utilizem de estratégias semelhantes para viabilizar a organização de acordos ilícitos e não sejam responsabilizadas por condutas relacionadas à execução de atos que viabilizam a operação do acordo e constituem partes da definição de cartel.

Sobre o segundo fator, a existência de  um centro decisório comum para as empresas Redex e Araguaia[16] reforça a tese de que a Araguaia era utilizada como instrumento para viabilizar a existência do cartel, participando ativamente do acordo ilícito.

Dessa maneira, a natureza e os objetivos das condutas implementadas pela Araguaia são elementos suficientes para concluir que integrava a organização do cartel.

Embora em um primeiro momento possa parecer que a participação da Araguaia era secundária quando comparada com a participação da Redex, os elementos reunidos nos autos demonstram a importância da sua atuação para a estruturação e funcionamento do cartel estabelecido entre a Bargoa/Corning e a Redex, viabilizando o pagamento de comissões decorrentes do acordo ilícito.

As provas relacionadas à Araguaia revelam que a empresa era utilizada como instrumento para ocultar a existência de vínculo comercial entre a Bargoa/Corning e a Redex.

Ademais, a Araguaia não apresentou explicações minimamente consistentes e plausíveis ou contraprovas capazes de afastar a conclusão de que tinha como objetivo dificultar as chances de detecção do acordo.

No ordenamento jurídico brasileiro, o art. 29 do Código Penal (Decreto-lei nº 2.848/1940) dispões que Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

Evidentemente não se ignora que a legislação penal não se aplica às pessoas jurídicas quanto ao crime de cartel. Contudo, o que se deve salientar é que, se na seara penal diferentes indivíduos que concorram para a prática de crime serão por este punidos, não há razão para que, no âmbito administrativo, agentes econômicos que concorram para a prática de acordo ilícito não sejam responsabilizados.

Como não poderia ser diferente, no recente julgamento do AgInt no AREsp nº 800.303/SP[17], a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que as entidades contratadas e as subcontratadas em decorrência de licitação pública incorrerem nas mesmas sanções administrativas quando provado o intuito comum de desvio de recursos públicos.

Pelos motivos expostos, divirjo da Conselheira Relatora para condenar a Araguaia, nos termos do art. 20, inciso I, e art. 21, incisos I, II, III e VIII, da Lei 8.884/94, correspondentes às alíneas “a”, “c” e “d” do § 3º do inciso I do art. 36 da Lei 12.529/11.

 

II.4 Da ausência de bis in idem

Não ocorre bis in idem na condenação das empresas Redex e Araguaia, pertencentes ao mesmo grupo econômico. Segundo jurisprudência desse Conselho[18], o bis in idem é analisado sob duas perspectivas: (i) objetiva, que trata dos fatos analisados, e (ii) subjetiva, que diz respeito ao agente econômico sancionado.

Embora integrem o mesmo grupo econômico, os fatos imputados à Redex e à Araguaia na participação do cartel são diversos.

As condutas praticadas pela Redex envolvem fixação de preços/condições comerciais, divisão de mercado/alocação de clientes, e compartilhamento de informações concorrencialmente sensíveis; enquanto a participação da Araguaia no cartel decorre de atos praticados com o objetivo de dificultar as chances de detecção do cartel e viabilizar seu funcionamento.

Pela dinâmica do cartel, com a simulação de prestação de serviços que somente a Araguaia teria condições de oferecer à Bargoa/Corning, é de se concluir que a Araguaia e a Redex não se apresentavam como ente único, mas como empresas separadas, dotadas de autonomia patrimonial, operacional e orçamentária.

Esta, inclusive, é uma linha das linhas de defesa da Araguaia, que insiste na sua independência e autonomia em relação à Redex, prestando serviços que não são oferecidos por outra empresa do grupo.

A Lei nº 12.529/2011 não veda a imposição de multas isoladas a empresas do mesmo grupo econômico. Ao contrário, no seu art. 33 estabelece a solidariedade das empresas do mesmo grupo econômico quando pelo menos uma delas praticar infração à ordem econômica.

É o que ocorrerá com a Araguaia e a Redex, que se tornarão solidárias entre si em relação à multa de cada uma.

Além disso, os benefícios obtidos pela Redex e pela Araguaia podem ser individualizados, o que justifica a aplicação de multas isoladas e proporcionais à participação de cada uma das empresas no cartel.

Neste diapasão, a Redex se beneficiou de sobrepreços em licitações privadas de componentes eletrônicos para telecomunicações, das quais se sagrou vencedora.

 Por outro lado, a Araguaia era a destinatária do pagamento de comissões compensatórias pela não participação da Redex em licitações.

Inexistentes provas do repasse das comissões recebidas pela Araguaia à Redex, e considerando a autonomia das pessoas jurídicas, indicando que a Araguaia teve acesso à receita advinda dos repasses realizados pela Bargoa/Corning, os pagamentos reportados nos documentos 01, 02, 03, 08, 09, 52 e 59 do AL e nas notas fiscais das figuras 01, 02, 03 e 04 constituíram receita própria da Araguaia.

Assim, tanto quanto não se confundem as condutas praticadas pela Araguaia e pela Redex, também não se confundem os benefícios auferidos por cada empresa.

Por essas razões, não há bis in idem na condenação das representadas Redex e Araguaia tão somente por pertencerem ao mesmo grupo econômico.

 

III. INVIDUALIZAÇÃO

Acompanho a Conselheira Relatora na decisão de arquivamento do processo administrativo e na individualização das condutas dos representados Corning Comunicações Ópticas S.A., Corning Incorporated, Andrea Petisco de Carvalho, Marcelo Ferreira da Rosa, Marlison Luiz de Azevedo, Efraim dos Santos Filho, Edison Agostinho, Quadrac Telecomunicações e Informática Ltda., Tyco Electronics Brasil Ltda., Hélio Gomes de Oliveira, José Manoel Silva da Costa, Marcelo Miguel Ortiz D’Elia e Rogério Diniz de Oliveira.

 

III.1 Redex Telecomunicações Ltda. e João Antônio César

Acompanho a Conselheira Relatora na decisão pela condenação dos representados Redex Telecomunicações Ltda. e João Antônio César.

Em relação à individualização das condutas desses representados, além dos fatos descritos e articulados pela Conselheira Relatora, atribuo o período de 2009 até 2013 à duração da conduta, e considero os documentos 09, 52, 53 e 59 do AL e as notas fiscais obtidas na instrução complementar indicadas nas figuras 1, 2, 3 e 4 como provas da materialidade do cartel e da participação do representado João Antônio César (diretor da Redex) no acordo anticompetitivo.

 

III.2 José Santos Calvo Sebastián

Acompanho a Conselheira Relatora na individualização da conduta e na condenação do representado José Santos Calvo Sebastián, diante da confissão ficta dos fatos a ele imputados em razão da revelia e da demonstração de sua culpa na participação no ilícito, na condição de administrador da Bargoa/Corning.

 

III.3 Araguaia Indústria, Comércio e Serviços Ltda. – EPP

A conduta da Araguaia é caracterizada pelo recebimento de pagamentos decorrentes da divisão de lucro pela abstenção ou cobertura da Redex em licitações privadas em benefício da Bargoa/Corning (documentos 09, 10, 12, 22 do AL).

A operacionalização desses pagamentos está descrita nos documentos 01, 02, 03 e 08 do AL e a prova das transações consiste na nota fiscal apresentada pelos signatários no documento 59 do AL, bem como nas notas fiscais remetidas pela SEFAZ/SP na instrução complementar indicadas nas figuras 1, 2, 3 e 4, com valores idênticos aos discriminados nos documentos 09 e 59 do AL.

Não constam nos autos justificativas ou documentos capazes de afastar a conclusão pela participação da Araguaia no cartel, como contratos de serviços de beneficiamento ou qualquer outro documento comprobatório da efetiva prestação desses serviços pela Araguaia.

Considerando o acervo probatório e as razões apresentadas acima compreendo que a Araguaia Indústria Comércio e Serviços Ltda. – EPP participou da conduta ilícita e deve ser condenada pela participação no cartel.

 

III.4 Álvaro Rodrigues Gamerre Peña

Peço vênias à Conselheira Relatora para divergir em relação à condenação de Álvaro Rodrigues Gamerre Peña (gerente industrial da Bargoa/Corning), fundamentada em seu voto no inc. III do art. 23 da Lei nº 8.884/1994, correspondente ao inc. II do art. 37 da Lei nº 12.529/2011.

Discordo da interpretação conferida na jurisprudência do Cade ao referido inciso, utilizado como suporte legal para imposição de multa isolada a pessoas físicas não ocupantes de cargos de administração em empresas e pessoas jurídicas não empresárias.

No meu entendimento, toda multa a pessoa física relacionada a pessoa jurídica somente pode ser alicerçada no inc. III do art. 37 da Lei nº 12.527/2011, comprovada culpa ou dolo, e valoração do valor da multa dentro dos limites estabelecidos neste inciso. O inc. II, por sua vez, somente pode ser suporte legal de multa à pessoa física dissociada de empresa ou pessoa jurídica não empresária elencada no mesmo inc. II, e sob o regime legal da responsabilidade objetiva.

Como é cediço, o legislador elegeu o regime legal da responsabilidade objetiva como regra geral na apuração de infrações à ordem econômica (art. 36, caput, da Lei nº 12.529/2011), excetuando-a apenas na hipótese do inc. III do art. 37 da Lei nº 12.529/2011, hipótese em que necessária a comprovação de culpa ou dolo do administrador de pessoa jurídica empresária ou não empresária, cominando a ele multa isolada por envolvimento na mesma infração praticada pelo ente ficto ao qual vinculado.

Portanto, as duas únicas hipóteses previstas na Lei nº 12.529/2011 para imposição de multa a pessoa física são:

Se não vinculada a pessoa jurídica disposta no inc. I ou no inc. II do art. 37 da Lei nº 12.529/2011, apuração do envolvimento sob o regime legal da responsabilidade objetiva e valor da multa entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), e

Se vinculada a pessoa jurídica disposta no inc. I ou inc. no II do art. 37 da Lei nº 12.529/2011, for dela administrador, com garantia da apuração do envolvimento sob o regime da responsabilidade subjetiva, e multa de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento) daquela aplicada ao ente ficto.

Admitir interpretação diversa significa aceitar a existência de regime sancionatório mais gravoso à pessoa física não administradora do que ao administrador, o que não é lógico. De fato, enquanto ao administrador é exigida a demonstração de culpa ou dolo e não há previsão legal de valor mínimo para a multa em valores absolutos, para a pessoa física não administradora a demonstração de culpa ou dolo não seria necessária e o valor da multa iniciaria em R$ 50.000,00. Ora, há precedentes deste Tribunal nos quais foi necessário elevar a alíquota da multa ao administrador a patamares muito superiores àqueles fixados pela jurisprudência (1% - 2%) a fim de a multa do administrador não restar fixada em valor inferior à multa da pessoa física não administradora, a sinalizar a necessidade de revisão do entendimento dado ao inc. II do art. 37 da Lei nº 12.529/2011.

Com o fito de estabelecer a correta aplicação do dispositivo em análise, procedo a uma investigação sobre o seu histórico legislativo e a intenção do legislador. Primeiro, registro que o inc. III do art. 23 da Lei nº 8.884/2004, correspondente ao inc. II do art. 37 da Lei nº 12.529/2011, não constava na redação original da Lei nº 8.884/1994:

 

 

A Lei nº 8.884/1994 previa originalmente multas a (i) empresas e (ii) administradores de empresas, sempre pelo regime legal da responsabilidade objetiva. Após um ano de sua vigência, sobreveio a Medida Provisória nº 1.027/1995, convertida na Lei nº 9.069/1995, que incluiu o inc. III ao art. 23 da Lei nº 8.884/1994.

A MP nº 1.027/1995 dispôs sobre o Plano Real e alterou diversas leis econômicas para melhor adaptar o ordenamento jurídico pátrio à gradativa abertura da economia nacional, iniciada no início da década de 1990, dentre as quais a Lei nº 8.884/1994.

Foi apenas a partir da MP nº 1.027/1995, portanto, que o SBDC passou a deter poderes para impor multas a associações de entidades, sociedades não empresárias e qualquer pessoa jurídica constituída de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, e pessoas físicas não relacionadas a pessoas jurídicas.

A novidade legislativa foi responsável por enormes avanços na política de defesa da concorrência ao dotar o Cade de competência para apenar sindicatos, associações, cooperativas e qualquer pessoa jurídica ou física que não exerça atividade empresarial, o que lhe era vedado na redação original da Lei nº 8.884/1994. Nesta direção, a MP nº 1.027/1995 previu os valores mínimo e máximo da multa em valores monetários, ciente de que as pessoas jurídicas e físicas elencadas todas no mesmo inciso, diferentemente das empresas, podem não possuir faturamento[19].

Quisesse o legislador extraordinário na MP nº 1.027/1995 ou o legislador ordinário na Lei nº 9.069/1995 sujeitar pessoa física não administradora de empresa a pena de multa, certamente o teria feito por meio de nova redação ao inc. II da Lei nº 8.884/1995, afastando a possibilidade da multa da pessoa física não administradora ser fixada em valor superior ao valor da multa imposta a administrador da mesma empresa.

A propósito, esta era a vontade do Poder Executivo no Projeto de Lei nº 3.712/1993 da Câmara dos Deputados (“PL nº 3712/93”)[20], de sua autoria, transformado na Lei nº 8.884/1994. O texto original da proposição continha a seguinte redação a respeito da pena de multa a pessoas físicas[21]:

 

Como visto, a intenção do Poder Executivo era que também controladores, dirigentes e gerentes fossem responsabilizados com pena de multa quando concorressem para o ilícito praticado pela empresa – e não somente administradores, como ao final restou previsto na Lei nº 8.884/1994.

Como se verifica no dossiê digitalizado do PL nº 3.712/93 disponível no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados[22], a proposição recebeu vinte emendas de Plenário, as quais foram encaminhadas junto com a proposição do Poder Executivo inicialmente às Comissões de Economia, Indústria e Comércio; Trabalho, Administração e Serviço Público; Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Redação.

A emenda substitutiva de Plenário nº 7, do Deputado Federal Vladmir Palmeira propunha que, além de administrador, acionista ou sócio controlador fosse sujeito a pena de multa, que não poderia ser paga pela empresa.

 

 

Vê-se, portanto, uma primeira discussão na Câmara dos Deputados sobre o alcance subjetivo da norma que viria a estabelecer pena de multa a pessoa física, colocando em debate as seguintes opções:

 

 

Proposta do Poder Executivo

Emenda substitutiva de Plenário nº 7

Controladores

X

 

Dirigentes

X

 

Administradores

X

X

Gerentes

X

 

Acionista ou sócio controlador

 

X

Não pode ser assumida pela empresa

 

X

 

Após a primeira discussão da matéria no Plenário da Câmara dos Deputados, a Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias obteve audiência do PL nº 3.712/93 para oferecer seu parecer de mérito sobre a matéria.

Transcrição do parecer da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados

 

Naquela Comissão, a emenda substitutiva de Plenário nº 7 foi novamente debatida e parcialmente aprovada, chegando-se ao texto constante no inc. II do art. 23 da Lei nº 8.884/1994 e repetido no inc. III do art. 37 da Lei nº 12.529/2011 quanto ao seu âmbito de incidência.

Confiram-se as partes a seguir, do parecer da Comissão:

 

 

O histórico legislativo da norma em questão revela que o legislador expressamente deliberou e rejeitou a hipótese de sanção pecuniária recair sobre controlador, dirigente, gerente, acionista ou sócio controlador de empresa.

Os debates ocorridos no Parlamento revelam que o legislador foi técnico o suficiente na elaboração do dispositivo legal de modo a se referir aos administradores ocupantes de cargos de administração previstos em lei e nos estatutos das pessoas jurídicas, excluindo demais hipóteses do âmbito de incidência da Lei nº 8.884/1994.

Já na Lei nº 12.529/2011, o Poder Executivo incorporou os debates havidos no Congresso Nacional e manteve no Projeto de Lei nº 5.877/2005 da Câmara dos Deputados (“PL nº 5.877/2005”), de autoria da chefe do Executivo[23], a previsão de sanção pecuniária apenas a ocupantes de cargos de administração.

A novidade que se observa na comparação entre a Lei nº 8.884/1994 e o PL nº 5.877/2011 é a extensão da pena de multa a administradores de “quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial”, previsão ausente no inc. II do art. 23 da Lei nº 8.884/1994, que se limitava aos administradores de empresas, mesmo após a inclusão do inc. III pela MP nº 1.027/1995.

 Senão, vejamos a comparação entre a redação do art. 23, inc. II, da Lei nº 8.884/1994, e do art. 33, § 1º, do PL nº 5.877/2005:

 

Art. 23, inc. II, da Lei nº 8.884/1994

Art. 33, § 1º, do PL nº 5877/2005

Das Penas

Art. 23. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas:              (Revogado pela Lei nº 12.529, de 2011).

I - no caso de empresa, multa de um a trinta por cento do valor do faturamento bruto no seu último exercício, excluídos os impostos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando quantificável;

II - no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida por empresa, multa de dez a cinqüenta por cento do valor daquela aplicável à empresa, de responsabilidade pessoal e exclusiva ao administrador.

III - No caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será de 6.000 (seis mil) a 6.000.000 (seis milhões) de Unidades Fiscais de Referência (Ufir), ou padrão superveniente.              (Incluído pela Lei nº 9.069, de 29.6.95)

 

Art. 33. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis à multa de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais).

§ 1º O administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida por pessoa jurídica de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que exerçam ou não atividade empresarial, sujeita-se às mesmas sanções previstas no caput, de responsabilidade pessoal e exclusiva do administrador.

 

Após os debates no Parlamento, ocasião em que alterados os valores e percentuais das multas inicialmente propostos pelo Poder Executivo, chegou-se à redação constante no art. 37 e seus incisos, da Lei nº 12.529/2011, de superior técnica legislativa, na qual o inc. III, ao tratar da figura do administrador, faz remissão expressa às pessoas jurídicas elencadas no inc. I (empresárias) e no inc. II (não empresárias). Assim, o Parlamento acolheu a proposta do Poder Executivo de estender a penalidade de multa isolada a administradores de sociedades não empresárias, restrita aos administradores de empresas na sistemática da Lei nº 8.884/1994.

Para que exista a multa isolada do inc. III do art. 37 da Lei nº 12.529/2011, é indispensável a punição de pessoa jurídica prevista no inc. I ou no inc. II pela mesma infração. Por outro lado, a multa do inc. II do art. 37 da Lei º 12.529/2011 pressupõe o oposto, isto é, a inexistência de relação principal-agente, posto que as “demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial” são todas principais enquanto agentes capazes de alterar variáveis de mercado, e não agentes de outra pessoa jurídica.

A intenção do legislador de punir com multa isolada somente os administradores das pessoas jurídicas é identificada mais uma vez na transcrição a seguir, do parecer legislativo às emendas do Senado Federal proferido no plenário da Câmara dos Deputados pelo relator do Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 3.937/2004, que originou a Lei nº 12.529/2011[24]:

 

Como visto, em nenhuma passagem do parecer legislativo é mencionada pessoa física não administradora na discussão sobre a pena de multa isolada. Ainda, o legislador deixou claro seu entendimento de que administrador é “aquele (...) que toma as decisões acerca da conduta da firma”.

Também por esta razão o art. 32 da Lei nº 12.529/2011 prevê a solidariedade entre empresa e administradores ou dirigentes em relação às multas isoladamente impostas a uma e outros, quando se tratar da mesma infração à ordem econômica, sem estender a solidariedade às demais pessoas físicas a que se refere o inc. II do art. 37 da Lei nº 12.529/2011.

De outro giro, os atos praticados por pessoa física não administradora com vistas à operacionalização da conduta anticompetitiva, cuja estratégia foi definida pelo(s) administrador(es), ensejam a responsabilização objetiva da pessoa jurídica, com base na teoria do alinhamento de interesses entre o principal e o agente. Esta é a razão de ser da regra geral de responsabilização objetiva prevista no caput do art. 36 da Lei nº 12.529/2011, como muito bem exposto no elucidativo voto-vista da conselheira Paula Azevedo no PA nº 08700.009879/2015-64 (SEI 0793327).

Assim, na aplicação da norma do inc. III do art. 37 da Lei nº 12.529/2011, o intérprete deverá identificar o tipo societário da empresa para definir quem são os seus administradores:  quando se tratar de empresa constituída sob a forma de sociedade anônima, estarão sujeitos a pena de multa os administradores identificados no art. 138 da Lei nº 6.404/1976; se constituída na forma de sociedade limitada, os administradores identificados no art. 1.060 do Código Civil; se constituída na forma de sociedade em comandita por ações, os administradores identificados no art. 1.091 do Código Civil; e assim por diante.

A ausência de previsão legal para multa a pessoas físicas não administradoras no art. 37 da Lei nº 12.529/2011 não reduz o enforcement da autoridade na persecução administrativa contra infrações à ordem econômica, pois permanecem os incentivos para colaboração de pessoas físicas não administradoras por meio do AL, considerando os seus benefícios do acordo na esfera penal, independente da esfera administrativa, nos termos do § 6º do art. 86 da Lei nº 12.529/2011.

Ademais,, as sanções administrativas previstas no art. 38 da Lei nº 12.529/2011 podem ser aplicadas a pessoas físicas não administradoras, dada a independência da pena de multa prevista no art. 37.

No caso em julgamento, o Sr. Álvaro Rodrigues Gamerre Peña era gerente industrial na Bargoa/Corning, portanto não era administrador da sociedade, nos termos do art. 138 da Lei nº 6.404/1976, segundo o qual são administradores da sociedade anônima os seus diretores e, quando o estatuto social assim prever, também os membros do conselho de administração.

A ausência de poderes legais de administração do Sr. Álvaro vai ao encontro da ausência de poder de administração de fato na sociedade. Nesta esteira, o conjunto probatório carreado aos autos não deixa dúvidas quanto à existência de vínculo de subordinação e relação de dependência entre o representado Álvaro Rodrigues Gamerre Peña e seu empregador Bargoa/Corning, na figura do diretor José Santos Calvo Sebastián.

Nesse sentido, os documentos 9, 10 e 13 do AL demonstram que a participação representado Álvaro Gamerre Peña consistia no cumprimento de atos para a operacionalização do acordo anticompetitivo com a Redex, sem participar de tomadas de decisão.

 

Documento 09 do AL | SEI 0159609 [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS]

 

O documento 9 do AL, acima transcrito, reporta cálculos elaborados pelo diretor da Redex, João Antônio César, para pagamento pela Bargoa/Corning, o que não era decidido pelo Sr. Álvaro Gamerre.

 

Documento 10 do AL | SEI 0159609 [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS]

 

Documento 13 do AL | SEI 0159609 [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS]

 

Nos documentos 10 e 13 do AL acima transcritos, fica clara a ausência de poder decisório do representado Álvaro Gamerre Peña no cartel.

No primeiro documento, o representado faz uma série de perguntas ao compromissário Edison Agostinho (gerente de vendas da Bargoa/Corning) e a José Santos Calvo Sebastián (diretor geral da Bargoa/Corning), incompatíveis com qualquer situação de autonomia no acordo.

Os relatos dos signatários e do compromissário de TCC Edison Agostinho informam que a atuação do representado Álvaro Gamerre Peña estava adstrita à operacionalização do acordo anticompetitivo, sob a orientação e supervisão do representado José Santos Calvo Sebastián (diretor geral da Bargoa/Corning).

Nesse sentido, os relatos dos signatários:

[ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS].

 

Em complemento, o relato do compromissário Edison Agostinho:

[ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS].

 

Portanto, os elementos dos autos indicam a ausência de poderes de administração de fato da empresa por parte do representado Álvaro Gamerre Peña.

Comprovada a existência de poderes de administração de fato, com a participação de pessoa física não legalmente administradora na elaboração da conduta anticompetitiva, e não apenas na sua operacionalização, aplicar-se-ia a teoria da aparência, com imposição de multa isolada ao administrador de fato, com fundamento no inc. III do art. 37 da Lei nº 12.529/2011.

Nesta direção, no RE n° 77.814/SP, julgado em 02/04/1974, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu a responsabilidade empresarial por ato de ex-diretor que, afastado de sua atividade por impedimento, continuou a exercer a administração da empresa. No mesmo sentido, o RESP n° 12.811, da 4º Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgado em 31/05/1993, aplicou a teoria da aparência em hipótese semelhante.

Por derradeiro, registro que a ausência de previsão legal para imposição de multa isolada a pessoa física não administradora não autoriza argumentos de que somente atos praticados por administradores são capazes de ensejar a responsabilização da pessoa jurídica por infração contra a ordem econômica.

A título de exemplo, no caso em julgamento, mesmo considerando que o Sr. Álvaro Gamarre atuou como preposto terceirizado da Bargoa/Corning em boa parte do período da conduta[25], é indene de dúvida que a empresa é responsável por qualquer ato praticado por preposto relacionado ao objeto social da firma que constitua infração administrativa à ordem econômica, independentemente de culpa ou dolo, podendo buscar o ressarcimento de perdas e danos em ação própria, nos termos do art. 932, inc. III, do Código Civil.

A este propósito, o Superior Tribunal de Justiça inúmeras vezes assentou que o vínculo de preposição também se estende a prestadores de serviços terceirizados, acarretando a responsabilização do tomador de serviço.

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. MOTORISTA PRESTADOR DE SERVIÇO TERCEIRIZADO. VÍNCULO DE PREPOSIÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA TOMADORA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. O empregador responde objetivamente pelos atos ilícitos de seus empregados e prepostos praticados no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele (CC/2002, arts. 932, III, e 933).

2. Para o reconhecimento do vínculo de preposição não é necessário que exista um contrato típico de trabalho, sendo o bastante a relação de dependência ou que alguém preste serviço sob o interesse e o comando de outrem. Precedentes.

3. Na hipótese, uma vez demonstrado o vínculo entre os réus, responde objetiva e solidariamente a tomadora pelo ato ilícito do preposto terceirizado que lhe prestava serviço no momento do acidente.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp 1383867/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 15/04/2019)

 

Nesse mesmo sentido vide o AgInt no AREsp 1347178/PR de Relatoria do Ministro Raúl Araújo da Quarta Turma, julgado em 02/04/2019, DJe 24/04/2019.

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO CONTRA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DE FERROVIAS. DANOS PROVOCADOS POR ARMA DE FOGO DISPARADA POR VIGILANTES DE EMPRESA DE SEGURANÇA TERCEIRIZADA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA CONTRATANTE POR ATO ILÍCITO DOS PREPOSTOS TERCEIRIZADOS. DECISÃO MANTIDA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. É responsável pela reparação civil, ainda que não haja culpa de sua parte, "o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele" (CC/2002, arts. 932, III, e 933).

2. Na linha da jurisprudência desta Corte Superior, para o reconhecimento do vínculo de preposição é suficiente a relação de dependência ou que alguém preste serviço sob o interesse e o comando de outrem, o que abrange a relação jurídica entre as sociedades empresárias contratada e tomadora de serviços terceirizados. As ações dos empregados da contratada, diretamente envolvidos na prestação dos serviços abrangidos no contrato de terceirização, quer sejam de atividade-fim, quer sejam de atividade-meio, ensejam a responsabilidade civil da tomadora, solidariamente com a contratada.

3. Na hipótese, a concessionária de serviço público de ferrovias responde objetiva e solidariamente pelo ato ilícito praticado pelos prepostos da empresa de segurança terceirizada, em razão de culpa in eligendo (resultante da escolha), pois foi aquela quem escolheu contratar a sociedade empresária terceirizada, assumindo os riscos dessa contratação, bem como em razão de culpa in vigilando (resultante da falta de vigilância), porquanto tinha o dever de verificar constantemente se os prepostos da empresa contratada estavam agindo de maneira adequada no desempenho de suas funções. Precedentes.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

 

Pelos motivos expostos, voto pelo arquivamento do processo administrativo em relação ao representado Álvaro Rodrigues Gamerre Peña.

 

IV. DOSIMETRIA

IV.1 Considerações sobre a definição do valor mínimo da multa

Os parâmetros para aplicação de multa a empresa por infração à ordem econômica são dispostos no inciso I do artigo 37 da Lei 12.529/11, reproduzido a seguir.

Art. 37. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas:

I - no caso de empresa, multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação (grifou-se);

 

É dever da autoridade verificar a viabilidade de estimar o valor da vantagem auferida pela empresa por meio da infração cometida, sendo este o valor mínimo da multa, ainda que superior ao valor obtido com a aplicação do critério sucessivo (e não alternativo) para cálculo da multa, isto é, 20% “do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração”.

Não é difícil imaginar a intenção do legislador ao determinar à autoridade antitruste que, em atividade vinculada, não aplique a empresa multa em valor inferior à vantagem auferida, quando possível sua estimação: Fazer com que a infração à ordem econômica não compense.

Note-se que, sendo a vantagem auferida devidamente estimada, sequer há que se cogitar de aplicação das atenuantes previstas no art. 45 da Lei nº 12.529/2011, porquanto tratar-se do valor mínimo legal da multa.

O legislador identificou, corretamente, a existência de dificuldades para estimação da vantagem auferida, na medida em que consignou a expressão “quando for possível sua estimação”.

Contudo, sendo possível a estimação, é dever legal da autoridade empreender esforços para calculá-la, pois somente dessa maneira é possível assegurar que a multa não será inferior à vantagem auferida

 

IV.2 Redex

Acompanho a Conselheira Relatora com relação ao valor da multa aplicada à Redex diante da impossibilidade de estimar a vantagem auferida pela representada com base em elementos presentes nos autos.

 

IV.3 Araguaia

A vantagem auferida pela Araguaia pode ser estimada a partir dos documentos 01, 09, 52 e 59 do AL, que revelam os valores recebidos pela Araguaia em decorrência da conduta implementada.

O esquema de pagamento é corroborado pelos relatórios apresentados nos documentos 01, 02, 03 e 08 do AL indicando cálculos de divisão de margem líquida, divisão de fornecimento e pagamento de comissões, incluindo instruções do diretor comercial da Redex João Antônio César para emissão de nota fiscal de beneficiamento e ordem de pagamento dos valores à Araguaia.

O documento 52 do AL reforça esse ponto como prova direta de que João Antônio César dava orientações para emissão de nota fiscal de beneficiamento e pagamento aos representantes da Bargoa/Corning.

Como prova dos valores estimados da vantagem auferida, tomo as notas fiscais eletrônicas emitidas pela Araguaia indicadas nas figuras 01, 02, 03 e 04 nos mesmos valores apresentados nos documentos 01, 09, 52 e 59 do AL.

Deixo de incluir o documento 03 do AL  no cálculo da vantagem auferida diante dos relatos dos signatários de que o valor consignado nesse documento não foi repassado para a Araguaia[26].

Segundo o Histórico de Conduta, o documento 03 do AL replica informações de venda e comissionamento do documento 02 do AL, havendo diferenças apenas no valor de custos reportado pela Bargoa/Corning e no percentual referente à divisão de lucro entre as empresas.

Essas diferenças teriam sido propositadamente manipuladas para que a Bargoa/Corning majorasse sua participação na divisão do lucro repartido com a Redex,  sem o conhecimento desta. [27]

Os valores discriminados para repasse à Araguaia detalhados nas instruções de pagamento do diretor da Redex nos documentos 01, 09 e 52 do AL e na nota fiscal correspondente ao documento 59 do AL encontram correspondência nas notas fiscais emitidas pela Araguaia para a Bargoa/Corning no período da conduta.

Abaixo, a discriminação das notas fiscais correspondentes a cada documento do AL:

 

Tabela 1 | Documentos para estimar a vantagem auferida da Araguaia [ACESSO RESTRITO AO CADE E À ARAGUAIA]


Fonte: Elaboração própria com base em documentos obtidos na instrução complementar e no AL.

A Nfe no valor de [ACESSO RESTRITO AO CADE E À ARAGUAIA] inclui valores declarados nas notas fiscais 16213 (referente ao documento 59 do AL) e 16215, razão pela qual o seu valor total é distinto da nota fiscal apresentada como documento 59 do AL.

Por outro lado, o valor total da NFe pode ser utilizado para estimar a vantagem auferida da Araguaia com fundamento no documento 53 do AL, no qual o representado Marcelo Ferreira (supervisor de custos da Bargos/Corning) explica ao representado João Antônio César (diretor comercial da Redex) que, além da nota fiscal 16213, indicado como documento 59 do AL, a Redex/Araguaia deveria emitir uma nota fiscal adicional representando as embalagens enviadas para o beneficiamento.

Considerando a soma dos valores dos efetivos repasses à Araguaia, a vantagem auferida em decorrência da sua participação no cartel integrado por Bargoa/Corning e Redex corresponde ao valor de R$ 1.559.240,63.

Para a correta aplicação do inciso I do artigo 37 da Lei 12.529/11, é necessário comparar o valor estimado da vantagem auferida, piso do valor da multa, com o resultado da aplicação da alíquota de 0,1% a 20% sobre o faturamento da empresa no ano anterior à instauração do processo administrativo no ramo de atividade em que ocorreu o cartel.

O faturamento bruto no ramo de atividade afetado no ano anterior à instauração da operação declarado pela Araguaia (SEI 0199166) corresponde a [ACESSO RESTRITO AO CADE E À ARAGUAIA].

Dessa maneira, mesmo com a aplicação do percentual máximo de 20% sobre o valor do faturamento, a multa seria inferior à vantagem auferida estimada, razão pela qual se impõe a aplicação de multa no valor de R$ 1.559.240,63, atualizado pelo IPCA a partir da data de cada nota fiscal, importando no montante de R$ 2.411.603,60, conforme tabela abaixo.

 

Tabela 2 | Atualização de valores das NFes

[ACESSO RESTRITO AO CADE E À ARAGUAIA]

 

A atualização do valor da vantagem auferida pelo IPCA decorre do fato do art. 11 da Lei nº 9.021/1995 dispor sobre a aplicação da taxa SELIC apenas para a hipótese de multa calculada sobre o valor do faturamento da pessoa jurídica.

Nesta última hipótese, a PFE-Cade já se manifestou, em consulta por mim formulada (SEI 0799559), concluindo que o critério de atualização de multas baseadas em faturamento deve ser o mesmo aplicável aos tributos federais pagos em atraso com fundamentação na Lei nº 9.021/95, ou seja, a SELIC simples.

Como não se trata de atualização com base em faturamento que conta com previsão legal, entendo que o critério mais adequado e economicamente racional para atualização de multas a valor presente seja o IPCA.

Ressalta-se ainda que não há que se cogitar da possibilidade de os valores estimados como vantagem auferida serem usados em duplicidade para o cálculo da multa para a Araguaia e para a Redex.

Inexistentes provas do repasse das comissões recebidas pela Araguaia à Redex, e considerando a autonomia das pessoas jurídicas, indicando que a Araguaia teve acesso à receita advinda dos repasses realizados pela Bargoa/Corning, os pagamentos reportados nos documentos 01, 02, 03, 08, 09, 52 e 59 do AL e nas notas fiscais das figuras 01, 02, 03 e 04 constituíram receita própria da Araguaia. Assim, não havendo prova do repasse dos valores pela Araguaia à Redex, tais valores constituem receitas apropriadas pela Araguaia.

 

IV.4 João Antônio César

O Sr. João Antônio César exercia cargo de administração na Redex (SEI 0196605) e na Araguaia (SEI 0196622), atraindo a incidência do inciso III do artigo 37 da Lei 12.529/11.

Em decorrência da minha interpretação do art. 37 da Lei nº 12.529/2011 exposta no item III.4 deste voto, que resulta em menor número de pessoas físicas sujeitas a pena de multa, entendo que a elevação do rigor imposto à autoridade de defesa da concorrência na identificação das pessoas físicas sujeitas à repressão por multa deve ser acompanhada do aumento das alíquotas estabelecidas na jurisprudência do Cade para os administradores.

Diante da extensa e ampla comprovação nos autos da má-fé do representado, qualificada pela utilização de empresa interposta, a Araguaia, para dificultar a detecção do cartel em que participava a Redex, empresa na qual também exerceu cargo de administração, entendo que a alíquota não deve se situar entre 1% e 2% - patamares mais comumente encontrados na jurisprudência do Cade.

Contudo, com as devidas vênias divirjo da alíquota de 7% determinada pela Conselheira Relatora, posto aplicada “para preservar os princípios de isonomia e proporcionalidade frente aos demais valores de multa a serem aplicados neste caso” (SEI 0821237, §§ 206 e 207), especificamente para não restar fixada em valor inferior à da multa de R$ 100.000,00 que impõe ao Sr. Álvaro Rodrigo Gamerres Peña, o qual não é administrador de empresa.

Exposto o meu entendimento de que a Lei nº 8.884/1994 e nem a Lei nº 12.529/2011 apenam pessoas físicas não administradoras de empresas, divirjo do fundamento adotado pela Conselheira Relatora e minoro a alíquota para 5%, a incidir sobre o valor da multa fixada à Radex e sobre o valor da multa fixada à Araguaia, empresas participantes do cartel das quais o Sr. João Antônio César era administrador.

Para chegar a esta alíquota, alinho-me à análise das atenuantes e das agravantes previstas no art. 45 da Lei nº 12.529/2011 feita pela Conselheira Relatora em seu voto.

A título de sinalização para os futuros julgamentos, concordo com a avaliação da OCDE (in REVISÕES POR PARES DA OCDE SOBRE LEGISLAÇÃO E POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA: BRASIL © OCDE 2019) de que as multas das pessoas físicas devem guardar relação com a renda e o patrimônio destas, para que não sejam excessivas nem baixas a ponto de não possuírem poder dissuasório.

Neste diapasão, a Lei nº 12.529/2011 já traz este comando na norma do inc. VII do seu art. 45, devendo o CADE buscar informações sobre renda e patrimônio das pessoas físicas condenadas por infrações à ordem econômica junto à Secretaria da Receita Federal do Ministério da Economia para fins de aperfeiçoamento da dosimetria da multa a administradores de empresas, na forma do art. 198, § 1º, inc. II, do Código Tributário Nacional.

Isto porque a repetição de alíquotas que prevaleceram na jurisprudência do Cade em casos que não analisaram a situação econômica do infrator com base em dados concretos de renda e patrimônio não deve e não pode prevalecer, sob pena da autoridade brasileira se distanciar das melhores práticas internacionais e também da lei positiva do País.  

Aplicada a alíquota de 5%, a multa atualizada considerando a multa da Redex corresponde a R$ 77.410,99 e a multa atualizada considerando a multa da Araguaia corresponde a R$ 120.580,18, as quais correspondem a multas distintas e isoladas.

 

IV.5 José Santos Calvo Sebastián

Em relação ao representado José Santos Calvo Sebastián, divirjo da Conselheira Relatora para majorar a alíquota de 2% para de 5%, considerando a especial condição agravante de detalhar o esquema de comissionamento da Redex com uso da emissão de notas fiscais falsas pela Araguaia e reitero as ponderações lançadas nos §§ 225 a 227 deste voto.

Considerando a alíquota de 5%, a multa aplicada atualizada corresponde a R$ 1.150.499,40.

 

Dispositivo

Pelos motivos expostos, voto:

i) pelo arquivamento do processo, com a extinção da ação punitiva da Administração Pública e da punibilidade dos crimes contra a ordem econômica tipificados na Lei nº 8.137/1990, em relação aos representados Corning Comunicações Ópticas S.A., Corning Incorporated, Andrea Petisco de Carvalho, Marcelo Ferreira da Rosa, Marlison Luiz de Azevedo e Efraim dos Santos Filho;

ii) pelo arquivamento do processo em relação ao compromissário do Termo de Compromisso de Cessação Edison Agostino, tendo em vista o integral cumprimento de suas obrigações, nos termos do art. 85, § 9º, da Lei nº 12.529/2011;

iii) pelo arquivamento do processo com relação aos representados Quadrac Telecomunicações e Informática Ltda., Tyco Electronics Brasil Ltda., Hélio Gomes de Oliveira, José Manoel Silva da Costa, Marcelo Miguel Ortiz D’Elia e Rogério Diniz, por ausência de indícios suficientes nos autos acerca de suas participações nas condutas investigadas;

iv) pelo arquivamento do processo com relação ao representado Álvaro Rodrigues Gamerre Peña pela ausência de poderes de administração na empresa Bargoa/Corning;

v) pela condenação por infração à ordem econômica, nos termos do art. 20, I, e 21, I, II, III e VIII, da Lei nº 8.884/1994, correspondentes ao art. 36, § 3º, I "a", "c" e "d", da Lei nº 12.529/2011, dos representados:

Redex Telecomunicações Ltda. – R$ 1.548.219,87

Araguaia Indústria Comércio e Serviços Ltda. - EPP – R$ 2.411.603,60

João Antônio César – R$ 197.991,17

José Santos Calvo Sebastián – R$ 1.150.499,40

Ao final, acompanho a Conselheira Relatora quanto às sanções adicionais referentes à expedição de ofício com cópia da decisão deste Tribunal Administrativo ao Ministério Público Federal em São Paulo para ciência e eventual propositura de ação para ressarcimento de danos à coletividade e adoção de providências julgadas cabíveis; e ampla divulgação da decisão com remessa a potenciais interessados e clientes identificados ao longo da investigação.

É o voto.

 

Brasília, 16 de novembro de 2020.

 

[assinatura eletrônica]

Sérgio Costa Ravagnani

Conselheiro

 


[1] Despacho Decisório nº 10/2020 foi publicado no Diário Oficial em 13 de março de 2020 (SEI 0730786) e referendado pelo Plenário na 155ª Sessão Ordinária de Julgamento realizada em 05 de fevereiro de 2020 (SEI 0735699)

[2] Despacho Decisório nº 19/2020 foi referendado pelo Plenário na 163ª Sessão Ordinária de Julgamento realizada em 26 de agosto de 2020 (SEI 0799963) e comunicado aos representados em 03 de setembro de 2020 (SEI 0800462).

[3] Nota nº 5/2020/PFE-Cade (SEI 0789044).

[4] Parecer nº 24/2020/MPF/CADE (SEI 0803631 e 0804716).

[5] Parecer nº 25/2019/PFE-Cade (SEI 0620916) e Parecer nº 24/2019/MPF/CADE (SEI 0657714 e 0660595).

[6] Processo Administrativo nº 08700.007938/2016-41 (SEI 0697043).

[7] SEI 0556173 e 0556162.

[8] SEI 0786828.

[9]  [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS] [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS].

[10] SEI 0160722.

[11] SEI 0160722.

[12] SEI 0198042 (§ 253 e seguintes).

[13] Documentos 09 e 52 do AL se referem ao mesmo e-mail.

[14] SEI 0159609.

[15] Identificado no documento 53 do AL como Nota Fiscal nº 16.215 – Embalagens enviadas para o beneficiamento.

[16] SEI 0198042 e 0196618.

[17] (AgInt no AREsp 800.303/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/08/2020, DJe 27/08/2020).

[18] Processo Administrativo nº 08012.000778/2011-52 (SEI 0208256).

[19] À guisa de exemplo, outra novidade introduzida na Lei nº 8.8884/1994 pela MP nº 1.027/1995 para fortalecer a defesa da concorrência foi a nova redação do § 3º do art. 20, que dispõe sobre a presunção de posição dominante quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% de mercado relevante. Na redação original, este percentual era 30% e não incluía o grupo empresarial.

[20] Para maiores detalhes consultar Dossiê digitalizado disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=215260.

[21] Exposição de Motivos nº 184, de 24 de abril de 1993, encaminhada pela Mensagem do Presidente da República nº 213, do mesmo dia.

[22] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1138249&filename=Dossie+-PL+3712/1993

[23] Apensado ao Projeto de Lei nº 3.937/2004 (“PL nº 3937/2004”), de autoria Deputado Carlos Eduardo Cadoca.

[24] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=928019&filename=PSS+1+PL393704+%3D%3E+PL+3937/2004

[25] [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS]. Vide ainda alegações de defesa do representado Álvaro Rodrigues Gamerre Peña e ausência de registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social e Previdência Social (SEI 0192446) no período alegado,

[26] [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS].

[27] [ACESSO RESTRITO AO CADE E AOS REPRESENTADOS].

[28] https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirFormCorrecaoValores&aba=1


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Documento assinado eletronicamente por Sérgio Costa Ravagnani, Conselheiro, em 16/11/2020, às 14:31, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Referência: Processo nº 08700.000066/2016-90 SEI nº 0828510